A defesa de Lula pediu ao STF que a investigação envolvendo o petralha voltasse a tramitar naquela Corte. Ricardo Lewandowski negou provimento ao pedido, mas determinou que as gravações de conversas mantidas pelo ex-presidente com interlocutores que têm direito a foro privilegiado seja separada, para que Teori Zavascki, relator do processo, analise sua legalidade quando retornar das férias de meio de ano. Confira um trecho do despacho:

Assim, sem prejuízo do regular andamento das centenas de feitos em trâmite perante o juízo reclamado, convém que, por ora, as gravações apontadas como ilegais permaneçam sob sigilo e isoladas dos demais elementos de prova já colhidos nos demais processos em curso na instância de piso, até o exame definitivo da presente reclamação pelo ministro Teori Zavascki”.

Oportuno lembrar que Enrique Ricardo Lewandowski ― que sucedeu a Joaquim Barbosa na presidência do Supremo e será sucedido, a partir de setembro, pela ministra Carmem Lucia Antunes Rocha ― ganhou toga e gabinete na mais alta Corte tupiniquim por influência da matriarca da Famiglia Lula da Silva. Vizinha da mãe de Lewandowski em São Bernardo do Campo, a ex-primeira dama vivia ouvindo elogios ao advogado estudioso, inteligente e muito capaz, e assim que apareceu uma toga sem dono, indicou o dito-cujo, que o ministro Márcio Thomaz Bastos apadrinhou. Lula não teve do que se arrepender, considerando que, durante o julgamento do Mensalão, Lewandowski atuou mais como advogado de defesa da petralhada do que como julgador imparcial.

Mas o reinado desse apadrinhado do deus pai da petralhada está chegando ao final. Em setembro, como dito linhas atrás, a ministra Carmem Lucia assumirá a presidência do STF. Vale salientar que ela integra um grupo de juristas de alta qualificação técnica, independente politicamente e sintonizada com as questões da cidadania, do povo, como comprova o trecho de seu despacho, ao votar confirmando a prisão de Delcídio Amaral, que eu transcrevo a seguir:

Houve um momento que a maioria de nós, brasileiros, acreditou, num mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois deparamos com a Ação Penal nº 470 e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro, porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil”.

Voltando a Lula, é indiscutível que ele tenha disso um dos líderes mais populares do mundo, mas é evidente que as coisas mudaram e que ele agora amarga o desprestígio político, o abandono dos amigos e suspeitas de corrupção que pairam também sobre pelo menos dois de seus rebentos. Em recente viagem a Caruaru, no seu estado natal, o molusco abjeto foi recebido por meia dúzia de gatos pingados. A porta do saguão do aeroporto chegou a ser trancada, para evitar que alguém fotografasse o deserto que aguardava aquele que um dia Barak Obama disse ser “o cara”. Em 2010, nesse mesmo aeroporto, Lula foi recebido ao som de uma orquestra formada por estudantes de uma escola pública local, encontrou o salão lotado, abraçou simpatizantes e posou para fotos ao lado de autoridades como Fernando Haddad, então ministro da educação, e da primeira-dama do estado de Pernambuco, Renata Campos. Mas não há nada como o tempo para passar.

Lula deixou a presidência com a popularidade nas alturas ― fruto do crescimento econômico, que atingiu 7,5% em 2010. Hoje, lidera no quesito rejeição os nomes mais cotados para disputar a presidência em 2018. Antes, seus discursos mobilizavam multidões. Na última quarta-feira, em Caruaru, discursou num auditório com capacidade para 70 pessoas, preenchido a duras penas com militantes do MST e da CUT, e cancelou a visita a Crato, no Ceará, onde receberia o título de doutor honoris causa da Universidade Regional de Cariri, quando soube que um protesto de alunos contra a concessão da honraria estava sendo organizado. À noite, num evento em Recife, criticou Michel Temer e Sergio Moro, mas a chuva dispersou os militantes e a comédia terminou antes do tempo.

O resultado pífio da tentativa de cabular votos para barrar a admissão do processo de impedimento de Dilma no Senado foi humilhante para “o chefe”, como também sua nova investida, no início do mês, para convencer senadores a derrubar impeachment. Há duas semanas, ele determinou ao PT que apoiasse a candidatura de Rodrigo Maia à presidência da Câmara, mas a bancada o ignorou, dividindo-se entre os concorrentes da esquerda e do PMDB (só no segundo turno uma parte dos petistas votou a favor de Maia). Nos tempos áureos, candidatos suplicavam sua presença; agora, ele nem é convidado para participar das campanhas.

Não só Lula, mas todo o seu clã sentiu o golpe: se, antes, a Famiglia desfrutava os confortos do sítio Santa Bárbara, agora frequentar o Los Fubangos, em São Bernardo, que está em nome de Lula e Marisa, é 20 vezes menor que a propriedade em Atibaia e conta com uma casa modesta, uma churrasqueira e um campinho de futebol. Como bem lembrou uma matéria publicada na edição de Veja desta semana, “se a perda do poder e a mudança no padrão de vida são difíceis, nada se compara à perspectiva da prisão; afinal, dona Lindu, mãe de Lula, tinha um lema: nesta família ninguém vai ser ladrão nem prostituta”.