Escrevo mais algumas linhas sobre a celeuma que se seguiu ao fatiamento da punição que depôs Dilma do cargo (por 61 votos a 20), mas manteve seus direitos políticos graças a uma maracutaia orquestrada pela petralhada, que contou com a conivência do escamoso presidente do Senado e o aval do ministro Ricardo Lewandowski ― que, não custa lembrar, dentro de poucos dias será sucedido pela ministra Carmem Lúcia na presidência do STF.

A trama urdida pelos imprestáveis deu margem a uma inesperada, inusitada (e inconstitucional) “votação em duas etapas”, na qual se decidiu primeiramente sobre a deposição da afastada e, em separado, sobre a cassação de seus direitos políticos.

Lamentavelmente, 16 senadores que votaram favoravelmente ao impeachment, talvez por piedade, por Dilma ser mulher, ou por qualquer outra razão incerta e não sabida, resolveram atenuar a condenação com uma espécie de “prêmio de consolação”, e os 54 votos necessários para torná-la inelegível e proibida de ocupar cargos públicos nos próximos oito anos seus não foram alcançados (o placar ficou em 42 votos pela cassação, 36 contra e 3 abstenções).

Observação: O ex-presidente impichado e hoje senador Fernando Collor fez questão de salientar que, em 1992, teve seus direitos políticos cassados pelo plenário do Senado, a despeito de ter renunciado às vésperas do julgamento.

Embora a base aliada do governo (e boa parte do povo brasileiro) tenha comemorado a condenação de Dilma, a derrota do PT e o fim dos 13 anos e lá vai fumaça marcados por um governo desonesto (como comprovam o mensalão, o petrolão e uma vasta gama de malfeitos trazidos à luz pelo ministério público, pela PF e pela Operação Lava-Jato), a petralhada não só festejou a “vitória” da sacripanta na segunda votação, como também alimenta esperanças de reverter o resultado da primeira, o que está sendo pleiteado ao STF pelo esbirro e advogado da coisa-ruim, José Eduardo Cardozo. Mas isso é assunto para a gente discutir melhor numa próxima oportunidade. Fique agora ao texto que eu havia programado para hoje:

Falar demais, como fizeram, semana atrás, o procurador-geral Rodrigo Janot e o ministro Gilmar Mendes, serve apenas para minar a confiança no trabalho investigativo da Lava-Jato. Janot cancelou as tratativas de um acordo que ajudaria a esclarecer um dos braços de corrupção detectados pelos investigadores, supostamente pelo fato de o “vazamento” (representado por uma matéria de capa publicada pela revista Veja) ter por objetivo pressionar o MPF a aceitar os temos do delator. Em vez de ir atrás de quem de fato vazou o conteúdo que, segundo ele, não fazia parte da delação, o procurador geral acusou Pinheiro de quebra de confiança sem apresentar um indício concreto, o que serviu apenas para retardar o andamento do processo e cercar a Lava-Jato de uma especulação desnecessária.

Observação: Disse Elio Gaspari em sua coluna na Folha: Janot usou a expressão “estelionato delacional” para classificar o vazamento de uma informação banal e legalmente irrelevante envolvendo Toffoli e Léo Pinheiro que não saiu da sua Procuradoria, até porque lá não entrou ― e se lá não entrou, de lá não poderia ter saído e, se não existe, não haveria motivo para suspender as tratativas de delação.

A decisão inusitada de Janot frustrou uma das mais esperadas e confissões sobre o petrolão e complicou a vida do ex-presidente da OAS, ao mesmo tempo em que favoreceu “a alma viva mais honesta do Brasil”, cujo nome foi suscitado diversas vezes nos mais de 70 anexos do calhamaço que detalha como a corrupção se apoderou do Estado em diversos níveis (dentre outras coisas, jogando luz sobre a reforma do sítio de Atibaia, as palestras fajutas que renderam milhões ao petista, o pagamento de mais de R$ 1 milhão feito pela OAS para custear o armazenamento de bens que o ex-presidente trouxe de Brasília ao deixar o cargo e o caixa 2 para pagamento da campanha de Dilma, além de fatos espúrios envolvendo os tucanos Serra e Aécio e a reforma da mansão do ministro Toffoli ― que foi o cerne de todo o rebosteio.

Observação: Lula e senhora foram formalmente indiciados na última sexta-feira, juntamente com Leo Pinheiro, Paulo Gordilho e Paulo Okamoto (veja detalhes nesta postagem). Suspeitando de que o juiz Moro esteja aguardando a definição do impeachment para mandar prender o petralha, seus advogados recorreram (mais uma vez) ao STF, pedindo que as investigações contra ele passem para a esfera do Supremo. Isso porque, enquanto a deposição definitiva de Dilma não for sacramentada, Lula alimenta esperanças, ainda que tênues de voltar a ser nomeado ministro e, consequentemente, readquirir o direito a foro privilegiado.     

O ministro Gilmar Mendes, por seu turno, resolveu falar sobre o caso em termos que não combinam com um membro da mais alta corte do país, ao insinuar que “estamos nos avizinhando do terreno perigoso de delírios totalitários” ― referindo-se ao que seriam as verdadeiras intenções dos procuradores da Lava-Jato, que “incutiam nos delatores as respostas que queriam ouvir” ― e usar o posicionamento do juiz Sérgio Moro para reforçar a teoria infundada de que existe uma conspiração totalitária liderada pelo MPF.

Toda essa verborragia gerou uma polêmica totalmente desnecessária. A decisão inédita tomada pelo primeiro, de interromper a delação, é uma reação exacerbada que atrasa as apurações. E as críticas do segundo, que vê um movimento de conquista de poder vindo de dentro do MPF, não descrevem corretamente os fatos.

Em tempo: Segundo Reinaldo Azevedo, para justificar a suspensão da delação de Leo Pinheiro, o Ministério Público Federal afirmou não ter sido responsável pelo vazamento das informações e classificou a divulgação do teor do que seria delatado como uma “tentativa de forçar os investigadores a aceitar a colaboração mediante pressão externa”. Na nota, o MP reitera que “em mais de seis meses de negociações, jamais foi entregue uma denúncia relacionada ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal”. O comunicado deixa claro ainda que a decisão de suspender as negociações foi tomada em conjunto por mais de vinte membros do Ministério Público “sem qualquer histórico de vínculo político partidário”. Em suma: segue tudo sem explicação.

Amanhã tem mais, pessoal. Para ler outras matérias sobre o conturbado cenário político atual, visite minha comunidade. O link é cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br