terça-feira, 15 de novembro de 2016

LULA LÁ (EM CANA)


Em mais uma extensa matéria de capa, a revista IstoÉ desta semana foca nosso conspícuo ex-presidente petralha, que está a um passo da cana (cana cadeia, não cana cachaça). Pena que seja um passo difícil, pois, a despeito de não faltarem motivos para sua prisão, ela deve ocorrer no momento "mais conveniente" ― ou menos inconveniente, dependendo do ângulo pelo qual se examina a situação.

No balaio de gato que virou o cenário político tupiniquim, vemos com preocupante frequência a Justiça se curvar a interesses de políticos ― que nem sempre representam os interesses da nação, infelizmente. Um bom exemplo é Renan Calheiros, que é alvo de pelo menos 11 inquéritos (8 no STF) e está em via de se tornar réu em um deles: dias atrás, quando seis dos onze ministros que compõem o plenário daquela Corte já haviam decidido que réu em ação penal não pode exercer a presidência da Câmara, do Senado ou do próprio Supremo ― ou seja, tem de sair da linha sucessória da presidência da República ―, Dias Toffoli pediu vista do processo, truncando a votação e postergando uma decisão poderá forçar o presidente do Senado a deixar o cargo.

Para Marco Aurélio Mello, relator da ação, a possibilidade de mudança dos votos é improvável, e embora não censure abertamente o colega, diz que seria preciso colocá-lo “num divã” para descobrir as razões que o levaram a interromper o julgamento. Na minha desvaliosa opinião, todavia, basta somar dois mais dois para concluir que, sujo ou não, corrupto ou não, ladrão ou não, Renan é influente, e essa influência é fundamental para o governo conseguir aprovar medidas controversas e impopulares, como a PEC dos Gastos e a reforma da Previdência

Observação: O pedido de vista é uma solicitação feita com o objetivo de examinar melhor determinado processo, mas é usado frequentemente para adiar a votação. Pelo regimento interno do Supremo, quando um ministro pede vista de um processo, precisa devolvê-lo ao plenário duas sessões depois, mas essa é uma das regras mais ignoradas do tribunal: no ano passado, havia 216 processos com julgamento paralisado no plenário por pedidos de vista, sendo o mais antigo deles de maio de 1998, do ministro Nelson Jobim, que se aposentou em 2006!

Mutatis mutandis, esse mesmo raciocínio se aplica à prisão de Lula. Ainda que o PT esteja exalando seus últimos suspiros, é inegável que a prisão do petralha terá efeitos colaterais ou, no mínimo, provocará uma barulheira danada. Mas não se faz omelete sem quebrar ovos, de modo que, mais hora menos hora, a sorte do molusco será selada.

Para quem gosta de números, a Lava-Jato já produziu 52 acusações contra 241 pessoas (por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa), resultando em 110 condenações a penas que, somadas, passam de 1.000 anos. Quase 70 detentores de foro privilegiado estão sob investigação no Supremo, e próceres da política ― dentre os quais 3 ex-tesoureiros do PT e pelos menos outros tantos ministros da Casa Civil dos governos de Lula e Dilma ―, além de empreiteiros, executivos de estatais, doleiros, marqueteiros, e lobistas estão na cadeia, em prisão domiciliar ou aguardando uma vaguinha na carceragem da PF em Curitiba.

Esse bom resultado perde um pouco do brilho quando se vê Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, passar alguns meses trancafiado, outros tantos numa mansão de veraneio (com tornozeleira eletrônica) e, fora as 4 horas semanais de serviços comunitários que deve prestar, ser liberado para tocar a vida 17 anos antes de terminar de cumprir a pena que lhe foi imposta pelo juiz Moro. E como ele, outros “capi” da máfia do petrolão ― que em outros países apodreceriam na cadeia ou, na China, teriam sua abjeta existência abreviada por um providencial tiro na nuca ― vêm trocando castigos exemplares por delações que remetem a “tubarões maiores”, para usar a analogia feita por Ricardo Boechat em sua coluna na IstoÉ, segundo a qual a lista de punições reduzidas, patrimônios pessoais preservados e liberdades reconquistadas vêm crescendo bem mais rápido que as condenações do alto escalão da ORCRIM. Aos cidadãos de bem, interessa que o cenário mude, que as vantagens acordadas com os peixes pequenos resultem realmente na punição exemplar de seus superiores, que, por enquanto, continuam onde sempre estiveram. Então, Lula lá!

Falando do deus pai da petelândia, diferentemente do que ele e seus defensores tentam fazer crer, existem provas mais que suficientes para colocá-lo em seu devido lugar (que certamente não é o bucólico Sítio Santa Barbara, em Atibaia, nem o triplex do Ed. Solaris, no Guarujá, nem tampouco a mansão cinematográfica em Punta Del Leste, no Uruguai). E agora mais do que nunca, visto que a delação premiada da Odebrecht revelou que pelo menos R$ 8 milhões em propinas foram pagas em dinheiro à alma viva mais honesta do Brasil, o santo do pau oco e pés de barro padroeiro da Petelândia. Isso, claro, sem falar das notórias palestras remuneradas a peso de ouro, dos benefícios recebidos de empreiteiras, das campanhas financiadas com dinheiro “sujo”, do tráfico de influência em países da América Latina e África, das suspeitas de venda de medidas provisórias, e por aí segue a interminável procissão.

Lula, relembra a reportagem de IstoÉ, já virou réu em três inquéritos por práticas nada republicanas, tais como obstrução de Justiça, ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, organização criminosa e tráfico de influência no BNDES. Todavia, nada pode ser mais categórico e definitivo como conceito de corrupção do que o recebimento de propina em dinheiro vivo. Mas vamos por partes.

Emílio Odebrecht afirmou em delação premiada que o estádio do Corinthians ― o Itaquerão ― foi uma espécie de presente ao ex-presidente, que, como se sabe, é corintiano roxo. Ricardo Pessoa, dono da UTC, disse em delação premiada que o consórcio QUIP, do qual sua empresa fazia parte, contribuiu com R$ 2,4 milhões para o caixa da campanha da reeleição do molusco em 2006, além de afirmar que se encontrou sete vezes com ele durante o pleito.

Num dos 300 anexos da delação da Odebrecht, considerada a mais robusta colaboração premiada até agora, Marcelo Odebrecht diz ter entregue a Lula dinheiro em espécie, e que os repasses foram efetuados, em sua maioria, entre 2012 e 2013, quando o petista já não ocupava o Palácio do Planalto. Foram milhões de reais contabilizados pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht ― o já conhecido departamento de propinas da empreiteira.

Observação: O depoimento revelado por IstoÉ comprova que Lula não só esteve presente durante as negociatas envolvendo dinheiro sujo, mas também que aceitou receber as propinas em espécie, talvez confiando piamente na impunidade que campeava solta antes de a Lava-Jato começar a botar ordem no galinheiro. Demais disso, se os repasses representavam meras contrapartidas a “palestras”, como a defesa do petralha vem repetindo como ladainha em procissão, por que os pagamentos teriam sido feitos em dinheiro e sob o mais absoluto sigilo?

Voltemos um pouco no tempo: quando Marcelo Odebrecht foi preso, em junho de 2015, sua empresa acionou um esquema interno de emergência ― chamado de Operação Panamá ― que promoveu uma varredura nos computadores para identificar os arquivos mais sensíveis e enviá-los para a filial caribenha, visando apagar informações que comprovariam transferências de valores ao ex-presidente. Àquela altura, a Odebrecht ainda resistia a entregar a alta cúpula do petrolão, mas acabou mudando de ideia mais adiante, por uma simples questão de sobrevivência. Agora, os investigadores da Lava-Jato deverão apurar se os repasses em dinheiro feitos ao petralha têm relação com a operação desencadeada na última semana pela PF, sob o epíteto de Dragão.

Na “Delação do Fim do Mundo”, o nome de Lula é suscitado por Marcelo e Emílio Odebrecht, por Alexandrino Alencar ― que dá detalhes sobre a reforma do sítio em Atibaia e as viagens que fez com Lula para países da América Latina e África a bordo de jatinhos da empreiteira ― e por Luiz Antonio Mameri, dentre outros colaboradores de menor expressão. Fazem parte do pacote de depoimentos relatos sobre uma troca de mensagens eletrônicas entre Mameri e Marcelo, na qual fica clara a participação de Lula na aprovação de projetos da construtora no BNDES. Em seu depoimento, Mameri confirma que a influência de Lula e de Palocci foram decisivas para que projetos relacionados com obras em Angola e Cuba fossem aprovados exatamente como haviam sido concebidos nas salas da Odebrecht. Nos últimos dias, a PGR iniciou o estágio da validação dos depoimentos, em que os 50 delatores e 32 colaboradores lenientes da empreiteira passaram a ler e ratificar o que escreveram. A checagem de informações pode durar até o final deste mês.

Mas nem só de Lula vive a delação da Odebrecht: Dilma também é citada nominalmente (18 vezes) em negociações ilícitas e apontada como beneficiária de recursos desviados da Petrobras. No total, a empresa deve reconhecer que pagou algo em torno de R$ 7 bilhões em propinas no Brasil e no exterior. Marcelo Odebrecht detalhou três encontros com a petista, dois deles em 2014 ― ano da campanha da mulher sapiens à reeleição ―, todos no Palácio da Alvorada e sem registro na agenda oficial. Dilma já vinha sendo investigada no Supremo por ter vinculado a nomeação do ministro Marcelo Navarro à soltura de presos da Lava-Jato e pela espúria nomeação de Lula para a Casa Civil, visando tirá-lo do alcance do juiz Sergio Moro. Isso sem mencionar as famosas “pedaladas fiscais”. Enquanto responde a essas acusações, a ex-grande-chefa-toura-sentada-ora impichada tenta seguir com a vida, ajudada por correligionários petistas que ainda lhe dão apoio ― na última semana, o PT aprovou sua indicação para a presidência do conselho da Fundação Perseu Abramo, ligada à sigla, tramada pelo presidente nacional Rui Falcão.

Observação: A Lava-Jato investiga indícios de que recursos de caixa 2 fornecidos pela Odebrecht abasteceram a campanha de Dilma em 2014. Uma planilha da empresa aponta repasses num total de R$ 4 milhões ao marqueteiro João Santana, entre 24 de outubro e 7 de novembro daquele ano (Santana, que foi o marqueteiro responsável pela campanha da petista à reeleição, também negocia um acordo de colaboração premiada).

Ainda segundo a IstoÉ, todas os envolvidos no acordo ouvidos pela reportagem são unânimes em afirmar que Lula é a estrela principal da delação. Recentemente, a PF associou a ele os codinomes “amigo”, “amigo de meu pai” e “amigo de EO”, que aparecem em planilhas de pagamentos ilícitos. Foi assim que os investigadores rastrearam o repasse de aproximadamente R$ 8 milhões ao petista, coordenado por Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci.

Além de Lula e Dilma, a “Delação do Fim do Mundo” envolve 20 governadores e ex-governadores e mais de 100 parlamentares, inclusive integrantes do governo Temer. Os principais partidos atingidos são o PT e o PMDB, mas deve sobrar também para os Tucanos ― com destaque para José Serra, atual ministro das Relações Exteriores. Ao todo 400 advogados acompanharam os depoimentos, e por envolver políticos com foro privilegiado, o acordo deverá ser avalizado pelo ministro Teori Zavascki, que cuida dos processos da Lava-Jato no STF. A expectativa é de que a homologação saia até o próximo dia 21.

Paralelamente às delações, a Odebrecht fará um acordo de leniência com a CGU, que promete ser o maior da história ― o campeão até então era o da Siemens, que envolveu autoridades dos Estados Unidos e de vários países europeus (em 2008) e resultou no pagamento de US$ 1,6 bilhão em multas; no da empreiteira, o valor pode chegar a R$ 6 bilhões.

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