domingo, 20 de novembro de 2016

O QUE É ISSO, PRESIDENTE?

Já se sabia que o impeachment da estocadora de vento seria apenas o primeiro passo no longo caminho da recuperação da economia, dada a magnitude da crise gerada por de anos de administração de um partido que não tinha plano de governo, mas um espúrio projeto de poder. Todavia, o resultado obtido até agora com a efetivação de Temer na presidência está longe de corresponder à expectativa dos milhões de brasileiros que saíram às ruas para protestar contra a corrupção e os desmandos que resultaram na maior crise da história recente deste país.

Não se nega o presidente herdou um monumental “abacaxi”, mas já está mais que na hora de ele mostrar a que veio. Afinal, se os 100 dias de interinidade foram o treino, o jogo começou para valer depois que a petista foi devidamente penabundada, em dia 31 de agosto passado. E os que se vê é um mandatário pusilânime e uma equipe ministerial que, em vez dos “notáveis” prometidos, foi composta de onze integrantes que já haviam ocupado pelo menos uma pasta nos governos de Dilma, de Lula e de FHC ― e se viu obrigado a substituir três deles em menos de 10 dias, devido à praticas, digamos, pouco republicanas que abrilhantavam seus currículos.

No Roda Viva da última segunda-feira, Temer reafirmou que se dará por feliz se, ao final de seu governo, o povo se referir a ele como “o presidente que colocou o Brasil nos trilhos; não transformou na segunda economia do mundo, mas colocou nos trilhos”. No entanto, as tão necessárias reformas continuam patinando ― a da Previdência, por exemplo, que ele insiste em dizer que já está formatada, ninguém sabe, ninguém viu. E se os indicadores econômicos mostram luz no fim do túnel, as constates recaídas tornam as perspectivas bem pouco alvissareiras: esperava-se que 2016 fechasse com uma melhora significativa (mesmo que longe da ideal) nos números do desemprego, da inflação e do crescimento do PIB, mas o governo já projeta para o próximo ano a tão sonhada saída do “fundo do poço” (se é que realmente já chegamos lá).

Numa postagem recente, eu comentei que a “turminha do quanto pior melhor” vem bombardeando sistematicamente toda e qualquer ação capaz ameninar a crise, como a controversa e impopular ― mas necessária ― PEC do teto dos gastos.

Observação: Tem muita gente contra essa PEC, inclusive alguns estudantes secundaristas ― que recentemente invadiram escolas e tumultuaram a realização do ENEM, prejudicando quase 200 mil colegas ―, mas é público e notório que a maioria sequer tem noção de contra o que está protestando.

O governo tem se esforçado para aprovar essa proposta de emenda constitucional medida a toque de caixa, visando, como disse recentemente o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, evitar que o país fique igual ao Rio de Janeiro, que já não tem caixa sequer para honrar a folha de pagamento dos servidores e busca aprovar um “pacote de maldades” que, dentre outras aberrações, prevê um desconto mensal de 30% de Previdência para os isentos e para os servidores aposentados, o que explica ― mas não justifica ― a ocupação da ALERJ por manifestantes (ou vândalos, melhor dizendo). A propósito, vale lembrar que não é só o Rio que está nessa situação, pois pelo menos mais sete estados (aí incluídos o Distrito Federal) vêm pagando os salários dos servidores com atraso ou em parcelas.

Observação: Também como eu disse na postagem anterior, se é para o Brasil “imitar” o Rio ― que, na última semana e em menos de 24 horas viu dois de seus ex-governadores serem encarcerados no Bangu 8 ―, que o faça colocando atrás das grades seus dois últimos ex-presidentes, coisa que também já está mais do que na hora de acontecer.

Outra declaração lamentável de Temer durante a entrevista foi a de que a (tão esperada) prisão de Lula possa vir a gerar manifestações populares, instabilidades, e coisa e tal. Sua fala soou como a de um refém da banda podre da política, e deixou a indelével impressão de que seu apoio à Lava-Jato é da boca para fora. Se continuar assim, seu governo ― que, além de curto, terá que lidar com graves tormentas que por ora apenas se anunciam ― pode não acabar bem.

Na avaliação de Rodrigo Constantino, o que vale em uma República é o império das leis, que devem se aplicar a todos os cidadãos. Não importa quem cometeu o crime, e sim o que foi feito. Se Lula é culpado pelos crimes investigados, como tudo indica, então que pague logo por eles. A demora em sua prisão levanta suspeitas, enfraquece a República em construção que temos hoje no país. A crise institucional vem de não cumprir as leis, independentemente de quem é seu alvo. Marcelo Odebrecht, um dos empresários mais ricos e poderosos do Brasil, está preso há mais de ano, e isso foi bom para o país. Se Lula for preso, a mensagem também será positiva: ninguém está acima da lei. Eis a marca de uma República que honra esse nome. O que essa fala de Temer e o próprio receio de crise institucional com a eventual prisão do deus pai da petelândia demonstram é como o Brasil está longe de ser uma República. Talvez seja até uma república sindical ou, quem sabe, uma república das bananas, mas não uma “república de verdade”.  

É incontestável que a Lava-Jato preocupa o governo. Mesmo que não seja atingido diretamente pela “delação do fim do mundo” da Odebrecht, Temer será obrigado a lidar com o incômodo de ver ministros e assessores do alto escalão envolvidos nas denúncias, e por não ter respaldo popular, ele acaba refém do Congresso ― comandado por por Renan Calheiros, que é alvo de 12 inquéritos no STF e está em via de se tornar réu em um deles, o que pode implicar no seu afastamento do cargo e, consequentemente, da linha sucessória da presidência da Banânia

Observação: Vale relembrar que Temer não é um presidente ilegítimo, ao contrário do que alegam os defensores incondicionais de Dilma e da podridão lulopetista que veio antes dela e continuou a campear solta em seu desditoso governo. Até porque quem votou na anta petista também votou no peemedebista, que era vice na chapa pela qual ambos se elegeram (tanto em 2010 quanto em 2014), e que corre sério risco de ser cassada pelo TSE, coisa que, aí sim, resultaria numa instabilidade para ninguém botar defeito.        

Como bem salientou o Blog do Josias, sempre que uma determinada decisão judicial irrita a cúpula do crime organizado, os chefões ordenam, de dentro das cadeias, que seus asseclas promovam manifestações como queima de ônibus e ataques a policiais. Nem por isso o Estado tem o direito de se acovardar. Mal comparando, o caso de Lula segue a mesma lógica. O que deve nortear a sentença é o conteúdo dos autos. Se cometeu crimes, o Pajé do PT deve ser condenado, e dependendo da dosagem da pena, sua hospedagem compulsória no xadrez estará condicionada apenas à confirmação da sentença num julgamento de segunda instância. Quem abriu mão de algumas horinhas de sono para assistir à entrevista [ao Roda Viva] merecia ouvir do presidente que não há movimento social ou instabilidade política que justifique o aviltamento do princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei. No tempo em que era vice de Dilma, ele se queixava de ser meramente figurativo. Agora que pode exercer em sua plenitude o papel de protagonista, prefere morrer atropelado como um transeunte a entrar na briga do lado certo. Aliás, os supostos protagonistas de 2018 o tratam como uma espécie de interlúdio, cuja missão seria divertir o público enquanto o elenco principal troca de roupa. Mas a palavra do presidente é o seu atestado. Ou a plateia confia no que ele diz, ou se desespera.

A suspeita de que as boas intenções de Temer não passem de um disfarce de alguém que não tem condições de se dissociar da banda podre leva ao ceticismo terminal. No desespero, um pedaço minoritário da sociedade acreditou que o país estivesse de volta aos trilhos. Houve mesmo quem enxergasse uma luz no fim do túnel. Mas entrevistas como a da última segunda-feira revelam que talvez seja a luz da locomotiva da Lava-Jato vindo na contramão.

Resumo da Ópera: Temer declarou que tem medo da prisão de Lula, e o aspecto mais paradoxal dessa declaração é que, nas planilhas da Odebrecht, seu codinome era justamente "Sem Medo". O que é isso, Presidente?

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