sábado, 18 de fevereiro de 2017

SOBRE TEMER E A NOMEAÇÃO DE MOREIRA FRANCO


Para muitos desavisados, penabundar Dilma do Planalto e colocar outra pessoa em seu lugar (no caso, Michel Temer era a única opção que a Constituição nos oferecia) desfaria todo o mal causado pela catastrófica gestão econômica dos governos do PT. Só que não (mais detalhes nesta postagem). Combinada com o presidencialismo de coalizão ― sistema em que o chefe de governo depende de apoio parlamentar para tudo ― e o apetite pantagruélico dos partidos da base aliada, a herança maldita que caiu no colo de Temer vem desafiando sua indiscutível habilidade ― forjada em anos de Congresso Nacional ― de se articular com os rufiões da pátria e proxenetas do Parlamento (como Roberto Jefferson bem definiu a seleta confraria da qual ele próprio fazia parte), em busca do sonho de ser lembrado pelos brasileiros como “o cara que recolocou o país no rumo do crescimento”.

Seis meses depois de ser efetivado no cargo, o 37º presidente da Banânia vem colhendo alguns resultados positivos, mesmo amargando altíssimos índices de rejeição ― 46% de ruim e péssimo nas pesquisas de opinião e apenas 13% de ótimo ou bom. Isso se deve em parte ao fato de, com o desemprego em alta e sem dinheiro para honrar seus compromissos, a população parece não se sensibilizar com a volta da inflação ao patamar mais baixo dos últimos 30 anos (até porque não sente isso no bolso quando vai às compras), com o superávit da balança comercial (modesto, é verdade, mas digno de nota) e com a aprovação (ou encaminhamento) de medidas importantes, conquanto controversas, como a da PEC do teto de gastos, da Previdência e da Legislação Trabalhista. Quando falta comida na mesa, o que menos importa ao cidadão é que a Petrobras e a Eletrobras, que andavam à míngua, deram sinais de recuperação, e que diversos outros indicadores sinalizam que a economia voltará a crescer antes mesmo do que previam os analistas mais otimistas.

O país enfrenta a maior paralisação política de sua história, potencializada por conflitos, diferenças e rivalidades (que sempre existiram, mas nunca numa magnitude tão preocupante). O “ministério de notáveis” que Temer nos prometeu acabou se revelando uma notável agremiação de denunciados na Lava-Jato ― vale lembrar que o “primeiro-amigo” Romero Jucá deixou o ministério do Planejamento menos de duas semanas depois de ter sido empossado, e que outros o seguiram, à razão de um por mês de governo (detalhes na postagem anterior).

Para piorar, a nomeação de Moreira Franco para a Secretaria-Geral da Presidência não podia ter sido feita em momento mais inoportuno. Primeiro, porque o dito-cujo foi citado mais 30 vezes nas delações dos 77 da Odebrecht; segundo, porque reavivou na memória do segmento pensante da sociedade a maracutaia urdida por Lula e Dilma em março do ano passado (*), quando a mulher sapiens nomeou o molusco abjeto para a Casa Civil. Resultado: em poucos dias, Moreira Franco foi e deixou de ser ministro várias vezes, até que, na noite da última terça-feira, Celso de Mello confirmou sua nomeação e lhe devolveu a prerrogativa de foro.

Observação: Por ser monocrática, a decisão do decano do STF certamente chegará ao Plenário; no caso de Lula, o ministro Gilmar Mendes anulou liminarmente a nomeação, mas o impeachment da anta vermelha acarretou a perda de objeto da ação, deixando de fazer sentido submeter a decisão de Mendes ao Plenário da Corte (**).

Para evitar maiores desgastes, não ter de se explicar diariamente para a imprensa e neutralizar “vazamentos seletivos” envolvendo membros de seu staff, Temer tomou o que O Antagonista classificou como a melhor decisão de seu governo até agora: “Quem for citado continua no governo; quem for denunciado é afastado; quem se tornar réu é automaticamente demitido”, sentenciou o presidente. Se ele seguir à risca o prometido, todos ganham, pois, ao governo, cabe cuidar da economia, e à Lava-Jato, da ORCRIM.

Paira ainda sobre a cabeça (e o mandato) do homem das mesóclises a perspectiva de cassação da chapa pela qual ele se elegeu vice da ex-grande-chefa-toura-sentada-ora-impichada. O processo dormita há anos no TSE, mas foi desengavetado e deverá ser julgado em breve. Todavia, o resultado, qualquer que seja ele, certamente será objeto de contestação. E como a Justiça brasileira é uma das mais pródigas do mundo em gama de recursos e instâncias de apelação, a decisão final dificilmente sairia antes de 2018 ― o que a tornaria inócua, pois até lá o peemedebista já terá passado a faixa para seu sucessor (resta saber quem sucedê-lo-á, dada a “qualidade” da choldra que pretende disputar a vaga).

O fato é que os partidos políticos estão desmoralizados. É difícil achar um (e olha que são nada menos que 35 legendas regularmente cadastradas no TSE) que não abrigue suspeitos de corrupção e de outras práticas espúrias em suas fileiras. Nossos governantes e parlamentares caíram em total descrédito. Se o voto não fosse obrigatório, a maioria dos eleitores dificilmente compareceria às urnas ― aliás, mesmo sendo obrigatório, muitos se abstiveram de votar, votaram em branco ou anularam o voto nas últimas eleições. Daí não fazer sentido convocar eleições diretas já, como defendem alguns abilolados; além de ser inconstitucional, essa solução não só não resolveria o problema, mas também propiciaria o surgimento de algum espertalhão metido a salvador da pátria... E aí estaria feita a merda. De novo.

(*) Apesar de a nomeação do Moreira Franco cheirar a maracutaia, existem diferenças gritantes entre ela e a de Lula, que foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil quando já era investigado e após ter sido levado coercitivamente para depor na PF. Nas gravações que Moro tornou públicas em março do ano passado, Dilma dizia que lhe enviaria “um termo de posse para ser usado em caso de necessidade” ― na oportunidade, ela já sabia que a prisão preventiva de seu mentor era apenas uma questão de tempo, e por isso mandou formalizar a nomeação numa edição extra do Diário Oficial. Outra diferença digna de nota é que, além de livrar Lula da República de Curitiba, a mulher sapiens visava salvar o próprio mandato fazendo do petralha uma espécie de primeiro ministro ― afinal, a anta vermelha podia ser inepta, arrogante, pedante e incompetente, mas de burra ela não tinha nada ―, já que só um milagre reverteria o curso que o processo de impeachment havia tomado. No caso de Moreira Franco, a situação é bem outra, até porque ele já fazia parte do staff do governo ― na qualidade de secretário do Programa de Parceria de Investimentos, criado por Temer em setembro do ano passado. O problema é que, na época, o governo precisava extinguir ministérios ― para passar uma impressão de austeridade ―, e não criar novas pastas. Além disso, “Angorá”, por enquanto, é meramente citado na Delação do Fim do Mundo (cujo teor, lamentavelmente, continua sob segredo de Justiça), ou seja, ainda não foi aberto inquérito para investigá-lo. Isso sem mencionar que a postura de Temer diverge sensivelmente da de Dilma: enquanto ela era useira e vezeira em nomear apaniguados para lhes garantir prerrogativa de foro, ele já expeliu da Esplanada dos Ministérios Romero Jucá, Henrique Alves e Geddel Vieira Lima, dentre outros políticos do primeiro escalão que foram flagrados em práticas pouco republicanas.

(**) Celso de Mello pôs fim à guerra das liminares, manteve a nomeação do “Angorá” e lhe restabeleceu o direito ao foro privilegiados que o status de ministro ora lhe garante. Como eu adiantei parágrafos atrás, a decisão monocrática magistrado poderia ser contestada, e foi. Ontem, 17, o PSOL apelou, e agora a decisão final ficará a cargo do Plenário da Corte. Mello já havia dito que, se houvesse recurso do PSOL ou da Rede ― outro partido que foi ao tribunal contra a nomeação ―, o caso iria a Plenário. Isso exigirá que Rodrigo Janot exare seu parecer e que Moreira Franco seja ouvido (já que não foi antes da concessão da liminar; apenas Temer, responsável pela nomeação, apresentou uma caudalosa justificativa, dizendo em mais de 50 páginas que o ato não teve a intenção precípua de blindar o nomeado e dificultar a ação da Justiça).

Como se vê, a coisa ainda vai render. Eu acho que o plenário mantém a nomeação, não tanto para não contrariar o decano da Corte, mas para não afrontar (e enfraquecer ainda mais) o chefe do Executivo. Enfim, façam suas apostas.

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