quarta-feira, 25 de julho de 2018

NO BRASIL EXISTEM RÉUS E RÉUS




Ainda sobre o Judiciário e o STF, a revista digital CRUSOÉ publicou dias atrás um artigo cuja leitura eu recomendo, mas que também transcrevo em versão editada, pois o acesso é restrito aos assinantes da revista. 

O texto começa falando de uma carta enviada ao STF por Arthur Rocha, que está preso há 5 anos em Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. Ele é cego e foi condenado por homicídio, embora alegue legítima defesa — aliás, em termos de concentração de inocentes, os presídios de segurança máxima tupiniquins só perdem mesmo para o Congresso Nacional.

Na missiva (manuscrita) encaminhada a nossa mais alta Corte, Rocha diz que “não é possível que a justiça do Brasil conceda este tipo de cumprimento de pena somente a pessoas como Abidel Massi (sic) e Paulo Maluf.” À luz das sucessivas notícias de habeas corpus concedidos a presos estrelados, ele pediu aos ministros que analisassem a possibilidade de libertá-lo por razões humanitárias, mas o pedido foi em vão.

Arthur Rocha integra um grupo de réus e condenados que, diferentemente da seleta confraria dos famosos, não teve a sorte de conseguir uma vitória no Supremo. Seu processo nem sequer avançou, ainda que maio e junho tenham sido meses profícuos para investigados da Lava-Jato do Rio e de Curitiba: Gilmar Mendes libertou mais de 20 presos do braço fluminense da Lava-JatoDias Toffoli foi o relator da da reclamação que resultou na soltura seu ex-chefe, José Dirceu, condenado a 30 anos, mas libertado a partir de uma decisão “de ofício” — concedido pelo juiz a despeito de a defesa do paciente não ter pedido expressamente o benefício.

Observação: Meses atrás, Toffoli concedeu habeas corpus ex officio a Paulo Maluf, o ex-deputado e ex-prefeito de São Paulo condenado a 7 anos e 9 meses por lavagem de dinheiro (decisão já transitada em julgado, ou seja, contra a qual não cabe mais nenhum recurso). Segundo o ministro, o turco ladrão estava à beira do desencarne e precisava de atendimento médico especializado. Foi internado no renomado Hospital Sírio Libanês, de onde teve alta e foi despachado para sua mansão nos Jardins. Ao que tudo indica, sua saúde vai muito bem, obrigado.  

De maio para cá, cerca de 230 habeas corpus chegaram ao gabinete do todo-poderoso Gilmar, mas pelo menos 40 estão parados desde então. Não houve sequer citação do Ministério Público para manifestação a favor ou contra os pedidos, nem qualquer despacho requisitando informações às partes envolvidas.

Sob a pena de Toffoli, seis reclamações envolvendo processos criminais semelhantes àquela que resultou na soltura de José Dirceu aguardam decisão do ministro. Todas chegaram a seu gabinete a partir da segunda quinzena de abril, mas o única convertida em alvará de soltura, nesse período, foi a de seu ex-chefe e ex-ministro José Dirceu.

Arthur Rocha, o preso cego de Presidente Venceslau, é a prova provada da lentidão em processos de réus desconhecidos que chegam ao gabinete de Gilmar Mendes. O réu ingressou com o pedido em 22 de maio, mas lá ficou, sem qualquer andamento. Enquanto muitos amargam a lentidão no Supremo, uma parcela de processos avança a toque de caixa. No mesmo período (citado linhas atrás), os 40 pedidos de liberdade levados a Gilmar Mendes por investigados da Lava-Jato do Rio tiveram andamento, e ao menos 22 resultaram na soltura dos presos.

O caso do já notório Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio do Rio, é emblemático. Ele apresentou a petição em 30 de maio e recebeu decisão favorável no dia seguinte. De tão gritante, o despacho a jato originou um embaraço para Gilmar: como a Fecomércio figurou por anos como patrocinadora do IDP, o instituto do ministro, os investigadores levantaram suspeita sobre sua decisão e pediram seu impedimento para atuar em casos envolvendo Diniz.

Diogo Abreu, 20 anos, não teve o mesmo êxito do velho patrocinador do instituto do ministro-deus. Em fevereiro, foi abordado pela polícia em um bar no bairro do Brás, na capital paulista, e acabou preso em flagrante, acusado de participar do roubo de um celular e uma carteira. Está na cadeia desde então, embora seu pedido de habeas corpus tenha chegado ao gabinete de Mendes quinze dias antes do pedido de Orlando Diniz.

Auxiliar de serviços gerais em Tupã, interior paulista, Lucas Nunes, de 21 anos, é outro que integra a estatística dos processos travados. O jovem está preso há um ano, sem julgamento. Ele confessou ter participado de um assalto a uma loja e roubado R$ 110, duas garrafas de vinho e chocolates. Os outros dois acusados aguardam o processo em liberdade. Ao Supremo, a defesa Nunes alega excesso de prazo na prisão — argumento recorrente em casos da Lava-Jato. A propósito desse assunto, aliás, não é de hoje que Mendes, referindo-se às prisões ordenadas pelo juiz Sergio Moro, repete que o Supremo tem “encontro marcado” com as “alongadas prisões de Curitiba”. O pedido de Nunes, que não é de Curitiba, chegou ao gabinete do ministro em 12 de junho, mas nada aconteceu até hoje.

Às vezes, tem cinco ou dez habeas corpus e não são apreciados. E às vezes caem outros habeas corpus, como os da Lava-Jato, que são apreciados no mesmo dia. Mas o princípio da isonomia é de que todos são iguais perante a lei. Então todos merecem a mesma celeridade. Deveria haver uma ordem para apreciação, para que não pulassem alguns e nem selecionassem outros”, disse a CrusoéFábio Donadon, advogado de Nunes.

No gabinete de Toffoli, houve um caso semelhante ao de José Dirceu. O petralha, triplamente condenado, conseguiu um habeas corpus de ofício, embora tenha uma pena de 30 anos a cumprir. Graças a Toffoli, cujo voto na 2ª Turma do STF foi acompanhado por Lewandowski e Mendes, o criminoso deixou o presídio da Papuda, em Brasília, sem nem mesmo ser monitorado por tornozeleira eletrônica (medida cautelar imposta pelo juiz Sérgio Moro, mas prontamente revogada por Toffoli, conforme vimos nesta postagem).

O mesmo instrumento, chamado “reclamação”, foi usado por Felipe Gonçalves. Aos 20 anos, ele foi condenado a três anos de prisão em regime fechado — coisa que geralmente acontece quando a pena passa de oito anos. No local de sua prisão, foram encontradas 26 porções de maconha, 70 de crack e 47 de cocaína. Por crimes que tais, os envolvidos são enquadrados como pequenos traficantes, mas o juiz de primeira instância, mesmo reconhecendo que o réu era primário e não integrava organização criminosa, determinou que a pena fosse cumprida em regime fechado. Felipe, que está preso desde fevereiro, admite ser usuário de drogas, mas afirma que estava no local para comprar maconha, mas não para vender tóxicos. Ainda que sua pena tenha sido equivalente a um décimo da de Dirceu, ele não teve o mesmo sucesso do petista pilhado no Mensalão e no Petrolão, e começou a cumprir a sentença antes mesmo de o veredicto ser confirmado em segunda instância.

“É extremamente difícil conseguir um habeas corpus de ofício, como o concedido a José Dirceu. Eu não vejo isso quando o nome não é de relevância. Digo com toda a honestidade. Nem prescrição, que é matemático, se consegue de ofício”, afirma o advogado Wagner Tasca, que defende Felipe. O causídico pleiteava que seu cliente cumprisse os três anos em regime mais aberto ou semi-aberto, mas é claro que o pedido foi negado por Dias Toffoli. Afinal, no Brasil existem réus e réus.

Visite minhas comunidades na Rede .Link: