sábado, 12 de janeiro de 2019

LULA LÁ — CONCLUSÃO



Continuando de onde paramos no capítulo anterior:

Lula, que sempre desdenhou o mensalão, farejou o perigo assim que a Lava-Jato começou a expor as entranhas pútridas da Petrobras. Achando que somente um “profissional” seria capaz de abafar o escândalo, ele recorreu a aliados e à imprensa chapa-branca para forçar sua sucessora a desistir da reeleição. Mas a pupila se recusou a ceder a vez ao mestre, levando-o a se queixar — em off, naturalmente — de ter sido a maior vítima de Dilma”, rebaixando à condição de acidente de percurso, em seu egocentrismo megalômano, a crise pavorosa que se abateu sobre o país.

Dilma foi reeleita através do maior estelionato eleitoral da nossa história. Em 2015, quando a economia caminhava alegremente para o abismo e a Lava-Jato bafejava no cangote de gente graúda, Lula, alegando que Moro sequestrara o país e que uma campanha para criminalizar a atividade político-partidária estava em curso, buscou unir o Planalto, o PT e o PMDB para pressionar o Congresso pôr freio na força-tarefa. Mas a estocadora de vento, convencida pelo esbirro Aloísio Mercadante de que as investigações atingiriam tão somente os parlamentares, só topou fazer parte da conspiração quando se deu conta de que ela própria acabaria sendo tragada pela tormenta. Mas aí era tarde: a Lava-Jato já chegara à rampa do Planalto.

Semanas após Lula ser conduzido coercitivamente para depor na Polícia Federal, Dilma o nomeou ministro-­chefe da Casa Civil, mas o ato foi barrado pela Justiça quando Moro divulgou a conversa telefônica que deixava claro que tudo não passava de uma estratégia para evitar que o petralha fosse preso. Diante do cenário pouco alvissareiro, partidos governistas capitaneados pelo PMDB decidiram assumir as rédeas da situação. Romero Jucá, numa frase que se tornaria emblemática, sentenciou que era preciso tirar Dilma da Presidência, “estancar a sangria e fazer um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”.

O medo das investigações e a formidável recessão econômica gestada e parida pela gerentona de araque levaram antigos aliados do PT, sócios no petrolão, a se alinharem à oposição para apear do Planalto a calamidade em forma de gente. Do ponto de vista legal, porém, não houve golpe algum. Dilma foi expelida através de um processo constitucional, ao longo do qual lhe foi garantido total direito de defesa. Talvez as tais pedaladas fiscais tenham pesado menos na decisão dos parlamentares do que o “conjunto da obra” da bruxa má do Castelo do Inferno, mas afirmar que ela não sabia do aparelhamento nas estatais, da promiscuidade com as empreiteiras, dos superfaturamentos milionários, das escaramuças no Orçamento com fins eleitorais é insultar a inteligência do povo e menosprezar a própria presidanta, que jamais abriu mão de centralizar todas as decisões.

É certo que a “grande chefa” jamais foi política ou demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova disso é que levou à falência duas lojinhas de badulaques importados em apenas 17 meses, na década de 1990 — justamente quando a paridade entre o real e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Dilma foi um arremedo de guerrilheira que jamais disparou um tiro a não ser no próprio pé, ao se reeleger, devido ao tamanho da encrenca que herdou de si mesma. Nunca passou de um Pacheco de terninho, que sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante posou de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque; sem ter tido um único voto na vida até 2010 virou presidente do Brasil. Não podia mesmo dar certo.

Corta para a década passada: Com Dirceu, Palocci e outros ícones do alto escalão petista no xadrez, restava a Lula levar adiante o golpe que lhe garantiria um terceiro mandato (via emenda constitucional) ou escolher alguém (que por algum motivo deveria ser mulher) para manter quente a cadeira presidencial até 2014. Sua opção natural seria a então petista Marina Silva, mas ele preferiu a ilustre desconhecida Dilma, que seria mais fácil de manipular e, por não ser política, não se apegaria ao cargo. Ledo engano: a nefelibata da mandioca — apresentada ao eleitorado como uma dublê de mãezona e gerentona competente — não só tomou gosto pelo poder como “fez o diabo” para se reeleger.

Corta de volta para 2018: Depois de ingressar com uma batelada de recursos, agravos e chicanas em todas as instâncias do Judiciário e não conseguir soltar Lula, a defesa aposta agora na revisão da jurisprudência sobre o cumprimento provisório da pena. Enquanto presidente do Supremo, a ministra Cármen Lúcia  esquivou-se de pautar as ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância, entendo que discutir o assunto novamente seria apequenar a Corte. Mas Toffoli, que assumiu a presidência em setembro, rendeu-se à insistência do ministro laxante Marco Aurélio, relator das tais ações, e pautou o julgamento para 10 de abril de 2019. A ala garantista, ora capitaneada pelo vira-casaca Gilmar Mendes, quer a volta da prisão somente após o trânsito em julgado — regra que vigeu no Brasil em apenas 7 dos últimos 77 anos, mais exatamente entre 2009 e 2016 —, mas Toffoli, o conciliador, tem defendido a decisão de terceira instância como marco inicial para cumprimento da pena.

No Brasil, permitir que bandido do colarinho-branco aguarde em liberdade o trânsito em julgado da condenação é o mesmo que determinar o dia de São Nunca como início do cumprimento da pena. Com o dinheiro rapinado do Erário, essa corja pode pagar advogados estrelados para empurrar o processo com a barriga até a prescrição da pena (não é à toa que associações de advogados — aí incluída a própria OAB — são contrárias à prisão após decisão de segunda instância, não por entenderem que isso fere a presunção de inocência, mas porque o cumprimento antecipado da pena afunda o seu pesqueiro).  

A propósito da presunção de inocência, volto a frisar que o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância, cabendo às cortes superiores a análise de questões acerca das regras aplicáveis — a legislação federal, no caso do STJ, e a Constituição, no do STF. Portanto, o início do cumprimento da pena após a decisão de segunda instância, sem prejuízo dos recursos pendentes de apreciação pelas cortes superiores, é totalmente admissível. Segundo o art. 637 do Código de Processo Penal, os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo; uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. Aliás, como bem assinalou o ministro Jorge Mussi, do STJ, na decisão em que rejeitou o HC impetrado pela defesa de Lula, “o estado de inocência vai se esvaindo à medida que a condenação vai se confirmando”.

Falando nisso, o STJ deve se pronunciar em breve sobre o agravo regimental interposto contra a decisão do ministro Felix Fisher, que negou monocraticamente o pedido de absolvição de Lula ou, alternativamente, de anulação do processo do tríplex. Encerradas os recurso nessa instância e mantida a decisão do TRF-4, Lula continuará preso mesmo que a condenação em terceira instância venha a ser definida como divisor de águas. Daí porque amigos, correligionários e familiares do pulha vermelho vêm tentando quebrar sua resistência em relação à prisão domiciliar. Seus advogados sabem que anulação do processo triplex é uma possibilidade remota, mas a redução da pena tem alguma chance de ser obtida.

Lula foi condenado a oito anos e quatro meses pelo crime de corrupção passiva e a três anos e nove meses por lavagem de dinheiro. Se o STJ aceitar o pedido de redução, a somatória das penas cairia para cinco anos (dois anos de corrupção passiva e três por lavagem de dinheiro), o que garantiria a prisão domiciliar. Mas o julgamento iminente das duas ações que tramitam na 13ª Vara Federal do Paraná (detalhes no capítulo anterior) deve resultar em novas condenações, inviolabilizando a redução da pena e, consequentemente, a prisão domiciliar.

Resumo da ópera: Lula é uma pálida sombra do que foi um dia, mas ainda é um incômodo. Talvez não mais como uma enxaqueca ou um dente infeccionado, mas ainda como um chiclete grudado na sola do sapato ou uma meleca que se recusa a descolar do dedo.