quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O BRASIL FORA DA CURVA



Até meados dos anos 1970, escreveu Dora Kramer em sua coluna na edição desta semana da revista Veja, os concursos de fantasia promovidos por grandes clubes e hotéis, principalmente no Rio de Janeiro, eram um acontecimento de sucesso absoluto no Carnaval. Havia duas categorias: luxo e originalidade. Na primeira, valia o esplendor; na segunda, a capacidade de surpreender. Se houvesse hoje um campeonato mundial entre países no quesito originalidade, o Brasil seria hors-concours, tal a fertilidade do país em ineditismos.

De Fernando Henrique Cardoso costumava-se dizer que era um presidente fora da curva, dado seu preparo intelectual e sua “vivência de mundo”. Isso depois de o Brasil já ter se inscrito no campo das primazias com um impeachment presidencial na estrita regra democrática, sem quebra institucional, a despeito da proximidade do finado período autoritário e da ainda incipiente cultura democrática nas esferas pública e privada.

De lá para cá vem sendo produzida uma série de originalidades, a mais recente delas de novo atinente a um presidente. Jair Bolsonaro poderia também ser considerado um ponto fora da curva (pelas razões opostas às que assim enquadravam FHC) se nos últimos anos o país não tivesse se notabilizado pela transformação da exceção em regra. Era um governador baiano, Otávio Mangabeira, quem dizia: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”.

A constatação, ampliada em âmbito nacional, não poderia ser mais atual quando se pensa na eleição para presidente de um deputado de atuação inexpressiva no Parlamento, com posições extremadas, muitas vezes caricatas, e que até outro dia não influía nem contribuía com coisa alguma para a cena política do país.

A fim de economizarmos espaço e evitarmos repetições, deixemos aqui de lado os detalhes da devastação ainda em andamento ocasionada pela Lava-Jato e derivados nos grandes, médios e pequenos escalões políticos e empresariais. Vamos direto ao seu efeito mais vistoso: um ex-presidente da República altamente popular, tido por muita gente (inclusive pelo próprio) como inimputável, preso e com mais de meia dúzia de processos nas costas. E o que dizer da prisão dos quatro últimos governadores do Rio de Janeiro, dois ainda na cadeia?

Um segundo impeachment presidencial em menos de 25 anos também não é algo corriqueiro, embora o inusitado ainda reservasse outra surpresa: o governo substituto daquele amplamente rejeitado viria a fazer história como o mais impopular dos tempos democráticos, apesar de ter estancado uma trajetória ao inevitável fundo do poço.

É assim, em ambiente de coisa nunca vista, que finalizamos o ano e mais um período presidencial: com Michel Temer tendo evitado o desastre maior e, por força de ter virado vidraça na Presidência, deixando agora o cargo na condição de investigado, denunciado, processado, todo enrolado com a lei, assim como boa parte dos companheiros que com ele durante anos foram condôminos do poder.
Tivessem deixado ao PT, Dilma e Lula as batatas, Temer e a turma do MDB talvez estivessem agora em melhores lençóis. Mas o Brasil não saberia da missa a metade.