domingo, 24 de março de 2019

NÃO SE CURA A DOENÇA MATANDO O PACIENTE


A POLÍTICA É A ARTE DE CONCILIAR INTERESSES PRÓPRIOS ENQUANTO SE FINGE CONCILIAR OS DOS OUTROS.

A corrupção é um câncer que a Lava-Jato se esforça por debelar há mais de cinco anos. Muito foi feito desde então, a despeito dos incessantes bombardeios desfechados contra a força-tarefa, que, qual Fênix mitológica, renasce das cinzas toda vez que sua morte é declarada. Mas há nas redes sociais uma corrente que defende a máxima fiat justitia, pereat mundus, ou seja, que se faça justiça mesmo que o mundo pereça. Essa indignação com o estado de coisas no país é perfeitamente legítima, pondera Rodrigo Constantino. Essa gente não quer saber quais serão os efeitos da caça às bruxas na Economia; se o país tiver de afundar para que mais meia dúzia de corruptos sejam punidos, que assim seja!, conclui o jornalista. E ele está coberto de razão.

Michel Temer e alguns de seus asseclas foram presos preventivamente na última quinta-feira. Debalde a pronta ação de seus caríssimos advogados, suas excelências devem permanecer sob custódia até a próxima quarta, quando o TRF-2 julgará seus pedidos de liberdade. O ex-presidente se diz inocente e profundamente indignado com a prisão arbitrária, mas invocou o direito constitucional de permanecer calado durante o depoimento aos procuradores e agentes da PF. Carlos Marun, seu eterno pitbull, afirma que o emedebista foi pego numa queda de braço entre a Lava-Jato e o STF. Talvez tenha razão, mas a maior surpresa foi o fato de a prisão não ter ocorrido assim que o vampiro do Jaburu deixou o cargo e perdeu o direito a foro privilegiado.

O xis da questão é o momento que o país atravessa. Às vésperas de completar 3 meses na Presidência, Bolsonaro continua agindo mais como candidato do que como mandatário eleito e empossado. Isso pode agradar seus apoiadores incondicionais, mas não os milhões de brasileiros o escolheram por falta de opção — Luladdad não era uma opção, embora muitos eleitores, cegos pelo fanatismo ou desassossegados diante da possibilidade de eleger o capitão ser o passaporte para a volta da ditadura militar, votaram na marionete do presidiário de Curitiba.

Da reforma da Previdência depende o futuro do Brasil e do atual governo. Só que o presidente parece não se ter dado conta disso: em vez de focar a articulação política necessária à aprovação da PEC, ele continua vituperando contra inimigos reais e imaginários, não raro através de tuítes postados pelo rebento zero dois, que dias atrás resolveu atacar Rodrigo Maia.

Desde o último final de semana que Moro vinha pressionando Maia para que seu pacote anticrime fosse pautado rapidamente. Irritado, o deputado disse que o ministro estava "confundindo as bolas" e que ele era um "funcionário do Bolsonaro".  A situação se agravou após a prisão de Moreira Franco, casado com a sogra de Maia. No Congresso, dizia-se que o juiz Bretas decretara a prisão preventiva em resposta à postura do deputado diante da inércia da tramitação do pacote anticrime.

Maia diz que o governo tem de eleger uma prioridade — que, para ele, o projeto número um deve ser o da reforma da Previdência — e pediu a Moro respeito, afirmando que compete ao presidente da Câmara definir a pauta de votações da Casa. Em resposta, Moro disse esperar que o seu projeto tramite regularmente e seja debatido e aprimorado pelo Congresso com a urgência que o caso requer. "Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais. Essas questões sempre foram tratadas com respeito e cordialidade com o presidente da Câmara, e espero que o mesmo possa ocorrer com o projeto e com quem o propôs. Não por questões pessoais, mas por respeito ao cargo e ao amplo desejo do povo brasileiro de viver em um país menos corrupto e mais seguro", declarou o ex-juiz em nota enviada pelo Ministério da Justiça. 

Rodrigo Maia pode ser o que for, mas vem trabalhando como ninguém pela obtenção dos votos necessários à aprovação da PEC da Previdência. É certo que ele é investigado no STF (em pelo menos 3 inquéritos), que posa de representante da nova política, mas está no quinto mandato de deputado federal (só isso já diz tudo), que é filho do ex-prefeito do Rio César Maia (isso diz mais alguma coisa), que engavetou dezenas de pedidos de impeachment contra Temer, que apoiou o sepultamento das denúncias do ex-PGR Rodrigo Janot contra o ex-presidente, que figura nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht com o codinome “Botafogo”, que tem uma estranha predileção por bermudas roxas (pior que isso, só mesmo a camiseta pirata do Palmeiras e os chinelos de dedo de Bolsonaro) e por aí segue o andor. Mas também é fato que Maia vem oscilando como um pêndulo, ora apoiando Bolsonaro, ora ameaçando largar mão da articulação política da reforma previdenciária.

Ao ser informado da prisão de Temer e de Moreira Franco (que é padrasto de sua mulher), o presidente da Câmara suspendeu sua agenda — mas mudou de ideia e retomou-a horas mais tarde. Afirmou que o episódio não comprometerá a tramitação da reforma, mas disse ao jornal O Globo que só irá pautá-la quando o Planalto tiver os votos necessários para sua aprovação. "Vou pautar (a reforma) quando o presidente disser que tem votos para votar. A responsabilidade do diálogo com os deputados daqui para frente passa a ser do governo. É ele que vai negociar com os deputados. A reforma da Previdência continua sendo a minha prioridade, mas essa responsabilidade de articular com os deputados para construir uma base sólida é do presidente da República, não do presidente da Câmara. Ele tem que articular diretamente, chamar os presidentes dos partidos, as bancadas, ou chamar e ver no que dá".

Alguns acham que Rodrigo Maia não importa, mas não é bem assim. É o que constata o deputado conservador Paulo Eduardo Martins, da base governista: “Noto muita gente dizendo que ele está atrapalhando a reforma. É uma visão equivocada. Maia tem trabalhado muito para viabilizar a aprovação. Você pode não gostar dele, mas é fato que ele tem feito esse trabalho”.

O clima no país, especialmente na ala mais bolsonarista, não está propício para reflexões sérias e ponderadas. Os bolsomínions querem sangue, senão vão embora, mas não sem antes acusar todo e todos de defensores de bandidos, de vendidos. A esses jacobinos repaginados não importam os possíveis desdobramentos de ordem prática, e ainda acusam quem se preocupa com isso de “vendido” ou esquerdista. Nem todos que festejaram a prisão de Temer são jacobinos, naturalmente, assim como nem todos que estão apreensivos defendem corruptos. O ambiente é tóxico para o debate, para construção de instituições mais sólidas, para o avanço de reformas. É um clima pré-revolucionário. Estão todos preocupados em exterminar os ratos, enquanto o navio afunda em alto mar. O problema é que nós, que não somos ratos, estamos no mesmo barco e podemos ir a pique junto com eles…

Em vez de todos se unirem para tapar os buracos por onde entra a água, muitos estão mais interessados em degolar corruptos, “doa a quem doer”. O problema é que pode doer demais, e em todos, se a nau dos insensatos realmente soçobrar.