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domingo, 11 de março de 2018

SOBRE O PTB, CRISTIANE BRASIL ― AQUELA FOI SEM NUNCA TER SIDO ― E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


O começo deste ano foi marcado por mais um embate entre o Executivo e o Judiciário, desta vez envolvendo a nomeação da filha de Roberto Jefferson ― aquele do Mensalão ― para o ministério do Trabalho. No entanto, ao decretar a intervenção federal no RJ, o presidente Temer mandou para as calendas a reforma previdenciária, e a pendenga da nomeação perdeu o objeto, já que os votos da bancada petebista (vinculados à nomeação da moçoila por exigência de seu papai) deixaram de ser prioridade para o governo. 

Numa das minhas postagens sobre esse tema, ponderei que “As sucessivas derrotas na Justiça desgastam a imagem do presidente, mas ele não quer desagradar o PTB de Roberto Jefferson por razões fáceis de entender. Difícil é compreender por que Cristiane não abre mão do cargo de ministra, a despeito de toda essa celeuma. O que move a moçoila não é o foro privilegiado, que, como deputada, ela já tem. Tampouco me parece ser o salário, visto que um deputado federal ganha R$ 33.763,00 por mês”. E concluí com a seguinte pergunta:Será apenas uma questão de ego, ou será que tem dente de coelho nesse angu? Responda quem souber

A resposta veio na edição de Veja da semana passada, sob o título “O NOVO ESQUEMA DO PTB”. Assinada por Thiago Bronzatto, a matéria detalha a corrupção no ministério do Trabalho e associa ao fato a insistência de Roberto Jefferson em manter a pasta sob o comando de um petebista de sua confiança ― aliás, como eu disse mais de uma vez, se a nomeação da filhota prosperasse, seria o papai quem puxaria os cordéis.

Segundo a reportagem, uma conversa mantida no ano passado e gravada por um dos interlocutores revela dois lobistas pedindo R$ 4 milhões a um empresário em troca de um serviço junto ao ministério do Trabalho.

Observação: É nítida a semelhança entre esse episódio e o ocorrido em 2005, quando Maurício Marinho ― então funcionário do alto escalão dos Correios ― foi filmado confidenciando a um interlocutor que havia chegado ao posto por indicação do PTB e que sua missão era arrecadar propinas para o partido. O esquema, como se descobriu mais adiante, era replicado em dezenas de repartições e gabinetes, e acabou conhecido como “Mensalão” ― depois que o mesmo Roberto Jefferson trouxe à público seus detalhes sórdidos. Curiosamente, o maior beneficiário da maracutaia disse que nada viu, nada ouviu e de nada sabia, e escapou incólume da ação penal 470, na qual 37 réus foram julgados e 24, condenados (dentre os quais Dirceu, Genoino, Delúbio, Vaccari e outros petralhas notórios).

Agora, o mesmo PTB do mesmo Roberto Jefferson aparece operando o mesmo esquema. A diferença é que a base das operações ilegais se transferiu para o ministério do Trabalho ― o mesmo ministério que sua filha ficou 47 dias lutando para ocupar. Isso nos leva de volta à pergunta: Por que Cristiane Brasil insistiu tanto em ser ministra do Trabalho? A resposta está no diálogo a que eu me referi parágrafos atrás, mantido entre os lobistas e o empresário gaúcho Afonso Rodrigues de Carvalho.

Dono de uma pequena transportadora e presidente do Sintrave ― um sindicato de microempresas do Estado de Goiás ― o gaúcho Afonso Rodrigues de Carvalho pelejava para obter um registro sindical para oficializar sua atividade. Vendo que o processo não avançava, o empresário recorreu à lobista Verusca Peixoto da Silva, que dizia ter “boas conexões políticas”, e foi apresentado a seu parceiro de negócios, Silvio Assis, dono de uma consultoria financeira e que tem livre trânsito em diversos ministérios e órgãos públicos.

Para resumir a história, Rodrigues gravou a conversa em que Assis revelou a existência de um conluio entre o PTB e o Solidariedade para achacar o setor de registro de sindicatos. Para destravar o processo, o lobista pediu R$ 1 milhão no ato e R$ 3 milhões quando o registro fosse concedido, explicando que parte do dinheiro seria usada para subornar o pessoal técnico do ministério, e a outra parte, para o pessoal político ― entre eles o deputado Jovair Arantes, do PTB. O empresário procurou a PF, que o orientou a manter os contatos enquanto os agentes monitoravam tudo. E assim foi feito.

Rodrigues negociou com Verusca um abatimento, e conseguiu baixar o preço para R$ 3,2 milhões. Para fechar o negócio, um “contrato de consultoria” foi assinado e entregue ao empresário num posto de gasolina no interior de Goiás (o encontro foi filmado; para assistir ao vídeo, clique aqui). Orientado pela PF, Rodrigues pediu uma nova reunião, que foi realizada num hotel em Brasília e contou com a presença de Rogério Arantes, sobrinho do deputado Jovair Arantes e diretor do INCRA indicado pelo PTB. Rogério prometeu interceder junto a Leonardo Arantes ― outro sobrinho do deputado Jovair, indicado pelo tio para o ministério do Trabalho em maio de 2016, quando Dilma foi afastada e Temer assumiu interinamente a presidência.

Para resumir a novela, as investigações da PF apontam que quem dá as cartas no ministério do Trabalho é o PTB e o Solidariedade (ambos fazem parte da base aliada do governo Temer). Os agentes continuam realizando operações monitoradas, e um pedido para investigar elementos do esquema que contam com prerrogativa de foro já foi apresentado ao supremo. O segredo de Justiça não permite saber que são esses indivíduos, mas os únicos políticos com foro privilegiado no caso são Jovair Arantes e Paulinho da Força.

Com exceção da lobista Verusca, que entregou candidamente a rapadura ― “se você não paga, não sai”, disse ela à reportagem de Veja ― todos os envolvidos negam qualquer irregularidade. Mas até aí morreu o Neves. Lula também protesta inocência, foi condenado a 9 anos e meio e teve a pena aumentada para 12 anos 1 mês de prisão pelo TRF-4.

Como dizia José Saramago, prêmio Nobel de literatura em 1998, “a cegueira é um assunto particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram; não há nada que se possa fazer a respeito”.  

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sábado, 24 de fevereiro de 2018

CRISTIANE BRASIL NO MINISTÉRIO DO TRABALHO ― FIM DA NOVELA?



O fato de não simpatizar com Lula e o PT não faz de mim um admirador incondicional de Michel Temer ― que, a meu ver, é um rebento gerado e parido por Lula e o PT.  Mas isso não torna o impeachment da anta menos oportuno nem muda o fato de que o vampiro do Jaburu reconstruiu, em um ano e meio, boa parte do que o tsunami dilmista arrasou em um mandato e meio. Basta comparar os indicadores financeiros atuais com os de 2014, 2015 e 2016 para ver que, se o país não voltou a crescer como gostaríamos, ao menos a economia está no rumo certo.

Mas não há como admirar alguém que, pego com as calças na mão e a cueca machada pelo batom da JBS, proteste inocência, diga que a investigação pedida pelo Supremo será o território onde surgirão todas as explicações e então faça “o diabo” para impedir o andamento da investigação que ele próprio afirmou defender. E isso é apenas um exemplo de sua conversa de camelô paraguaio

Para encurtar o que poderia ser uma longa (e repetitiva) história: Temer teve mais sorte (ou mais traquejo) que Dilma para escapar da deposição ― pelo menos até agora, já que o caso Rodrimar é uma ameaça real, embora as investigações dificilmente serão concluídas durante os 10 meses que faltam para ele deixar a presidência. Mas o fato é que o presidente se tornou refém do Congresso ― um chefe de governo sem voz ativa, uma marionete manipulada por parlamentares ávidos por cargos, verbas, emendas e outras benesses, pelos quais é chantageado dia sim, outro também e, pior, que cede sistematicamente às intimidações.

Observação: Temer sempre aspirou à reeleição, embora dissesse se contentar em entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento”. Em vez disso, ele será lembrado como o primeiro presidente denunciado, no exercício do cargo, por crimes de corrupção, obstrução da Justiça e associação criminosa, mas essa já é outra conversa.

De olho nos votos do PTB para aprovar a PEC da Previdência, o presidente aceitou a indicação de Roberto Jefferson ― aquele que foi condenado a sete anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas teve a pena reduzida por delatar o esquema do “mensalão” ― para substituir o petebista Antonio Nogueira no comando do Ministério do Trabalho. Ocorre que a indicada ― Cristiane Brasil, filha de Jefferson ― foi processa na Justiça trabalhista por dois ex-motoristas que trabalharam para ela sem registro em carteira. Isso levou o juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói a suspender a nomeação e a cerimônia de posse, que classificou como “um desrespeito à moralidade administrativa. Houve apelações, tanto por parte do governo quanto de Cristiane, mas as instâncias superiores rejeitaram os pedidos, e hoje, dois meses depois da demissão de Nogueira, o Ministério do Trabalho continua acéfalo e a filhota de Jefferson, que havia se licenciado do mandato de deputada para assumir a pasta, segue desempregada.

Foi um erro nomear Cristiane e uma burrice levar adiante a queda de braço, já que as sucessivas derrotas na Justiça desgastaram ainda mais a imagem do governo. Mas a causa perdeu o objeto com a intervenção federal no Rio de Janeiro, já que nenhuma proposta de emenda constitucional poderá ser votada durante a vigência do decreto (que já foi avalizado na Câmara e no Senado e deve viger até 31 de dezembro próximo). Portanto, já não há motivo para esticar a corda em troca do apoio dos petebistas numa votação que não vai mais ocorrer (pelo menos sob a batuta do atual governo). Mas tudo isso nos leva às seguintes perguntas: 1) O que dizer de alguém que erra e, mesmo consciente do erro, insiste em mantê-lo até as últimas consequências? 2) O que dizer de um ministério que está acéfalo há dois meses e ninguém sente a menor falta do ministro?

A moral da história é que provavelmente nada mudaria se o Ministério do Trabalho nunca mais voltasse a ter um ministro ― ou se o próprio ministério deixasse de existir. Esse mamute, como muitos de seus irmãos e primos na Esplanada dos Ministérios, serve apenas para roubar dinheiro público e encher as burras de fiscais que vivem de extorquir empresas e criar dificuldades para vender facilidades.

Observação: Elon Musk mandou um Tesla Roadster para a órbita de Marte, para que algum dia seja encontrado por alienígenas. Bem que poderia ter aproveitado para colocar no foguete outras coisas que parecem não ter finalidade óbvia, como o Ministério do Trabalho, boa parte do Congresso Nacional, e por aí vai...

A Justiça do Trabalho ― criada há 88 anos por Getúlio Vargas ― custa em um ano, entre salários, custeio e outros gastos, o dobro do que concede em ganhos de causa à classe trabalhadora deste país. Como seria possível, numa sociedade racional, consumir duas unidades para produzir uma — e achar que está tudo bem? Que justiça existe em gastar 17 bilhões de reais de dinheiro público ― que não é “do governo”, mas de todos os brasileiros que pagam imposto — para gerar 8 bilhões? É obvio que alguma coisa deu monstruosamente errado aí.

Por essas e outras, fechar esse ralo pouparia o país de despesas e evitaria cenas burlescas, como as exibidas no caso de Cristiane, que começou quando Temer foi impedido por um aliado de nomear o ministro que havia escolhido e forçado a dar o cargo à cria de Jefferson. Claro que o fato de ela ter sido condenada nas ações trabalhistas não é, por si só, demérito nenhum, mas é evidente que isso “não pega bem” para quem vai comandar justamente o Ministério do Trabalho (como não pega bem juiz que tem domicílio próprio na comarca onde atua receber auxílio-moradia, embora o benefício seja "legal").

Mas não é só. Esse imbróglio monumental revelou também que o suplente de Cristiane Brasil na Câmara é Nelson Nahin, irmão do ex-governador Anthony Garotinho, mas mais conhecido por ter sido condenado a 12 anos por estupro de vulnerável ― ele passou quatro meses na cadeia, mas foi solto mercê um habeas corpus do ministro Ricardo Lewandowski.

Vale lembrar que Garotinho também já foi condenado ― a 9 anos, 11 meses e 10 dias de prisão por corrupção eleitoral, associação criminosa, supressão de documento público e coação durante o processo ― e foi igualmente beneficiado pelo programa “Meu Alvará de Soltura, Minha Vida”, só que pelo ministro Gilmar Mendes.

Pausa para aplaudir o STF.

Na visão obtusa de nossos governantes e representantes públicos, o dinheiro dos impostos serve exclusivamente para prover a sobrevivência e a prosperidade dos políticos, suas famílias, amigos e amigos dos amigos. E mais: com a possível exceção da equipe econômica, das Forças Armadas, do Itamaraty e de um ou outro órgão que exerce funções de Estado verdadeiras, o atual governo serve apenas para roubar e mentir. A diferença em relação aos governos de Lula e Dilma é que, naqueles, roubava-se e mentia-se mais.

Mudam as moscas, mas a merda continua a mesma, e não apenas no Executivo: o Legislativo é um mercado persa, só que com padrões de honestidade comercial ainda mais rasteiros, ao passo que o Judiciário é uma zona de catástrofe da qual qualquer cidadão decente reza para ficar o mais distante possível.

Enfim, no último dia 20, Roberto Jefferson comunicou que o PTB desistiu de indicar Cristiane Brasil para o ministério do Trabalho. Vale lembrar que, da esquadra de 28 ministérios, 13 terão novos comandantes em breve, já que os atuais devem se desincompatibilizar para disputar as eleições de outubro. É recomendável, portanto, que o presidente analise com cuidado as indicações, ou acabará tentando emplacar Fernandinho Beira-Mar no recém-criado Ministério da Segurança, por exemplo. A julgar pelos congressistas que temos...

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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CRISTIANE BRASIL E O CIRCO MARAMBAIA


O falecido deputado baiano Fernando Santana, um comunista dos tempos em que havia comunistas de carne e osso no Brasil, costumava divertir os colegas da Câmara com uma brincadeira sobre a Bahia. “Pense num absurdo, qualquer absurdo que te passar pela cabeça”, dizia ele. “Na Bahia há precedente”.

Santana foi cassado, exilado durante quinze anos, reeleito após o fim do regime militar e hoje descansa em paz. Mas as coisas estão ficando de tal jeito, neste país, que ele poderia dizer algo equivalente em relação à dobradinha “Governo Temer-Poder Judiciário Brasileiro”.

Imagine, no caso da atuação de ambos, um disparate realmente grande, tamanho XXXX-L – e pode ter certeza de que já aconteceu, está acontecendo ou vai acontecer a qualquer momento. A história da deputada Cristiane Brasil, nomeada pelo presidente da República para o cargo de ministra do Trabalho, está aí para mostrar que, na política brasileira atual, não existem limites para a palhaçada.

Há de tudo neste picadeiro de circo. O presidente Temer fica com o Ministério do Trabalho vago e nomeia, após devida consideração, um novo ministro. O ex-presidente José Sarney veta a nomeação, o convite é anulado e o cargo continua sem titular.

Numa segunda tentativa, o presidente nomeia uma deputada federal, mas um grupo de advogados do Rio de Janeiro não concorda e entra com uma ação na justiça para barrar a posse ― a nova ministra do Trabalho tinha sido condenada, no passado, em duas causas na justiça trabalhista. Um juiz de Niterói manda suspender a posse. A coisa toda vai então para os altos tribunais da República.

Descobre-se, nesse meio tempo, que o suplente da deputada, prestes a sentar na sua cadeira na Câmara, é um indivíduo condenado a 12 anos de cadeia por estupro ― além disso, é irmão do ex-governador Anthony Garotinho, um ex- presidiário que está no momento em liberdade por ter tido a sorte de cair com o ministro Gilmar Mendes em seu último entrevero judicial. Já o irmão-suplente ficou uns tempos preso, mas graças às maravilhas do nosso Direito de Defesa, está não apenas solto; é também um quase-deputado.

O melhor de tudo é a fundamentação filosófica e jurídica, digamos assim, da decisão contra a ministra nomeada: segundo o juiz, ela não pode ser ministra do Trabalho em nome do princípio da “moralidade pública”. Aí também já é avacalhação. Se moralidade estivesse valendo alguma coisa neste país, quanta gente teria de deixar nos próximos cinco minutos os cargos públicos que ocupa, inclusive no Poder Judiciário?

Eis aí mais uma das grandes páginas da nossa história: conseguiram montar um episódio em que estão todos do lado ruim. Escolha o seu preferido ― o presidente Temer, o ex-presidente Sarney, a deputada que foi condenada em ações trabalhistas e deveria ter pedido um cargo que não fosse o de ministra do Trabalho, seu suplente, o irmão do suplente, o juiz de Niterói, os advogados do Rio e quem mais tiver tido algum contato com este pacote de refugo tóxico.

Estamos em pleno Circo Marambaia. (Com J.R. Guzzo.)

***
O fato é, meus caros, que esse imbróglio é um dos muitos que ainda virão quando outros nobres ministros deixarem os cargos para se recandidatar à Câmara ou ao Senado. A nomeação da pimpolha de Roberto Jefferson demonstrou acima de qualquer dúvida razoável que não temos um sistema de governo, mas um simulacro de presidencialismo ― que o próprio presidente chama de “governo semiparlamentar”.

Enquanto continuarmos patinando na reforma político-eleitoral, estaremos ao sabor das circunstâncias. Como se viu ao longo de 2017, para reforçar a base parlamentar do governo em votações importantes, vários ministros foram exonerados num dia e reempossados no dia seguinte, depois de terem votado a favor dos interesses do governo. No presidencialismo de verdade, um político que deixa o cargo no Legislativo para ocupar um ministério ou uma secretaria no Executivo tem de renunciar ao mandato. Mas não no Brasil, onde o presidencialismo foi copiado da constituição americana para substituir o parlamentarismo já “flexibilizado” que existia no Segundo Império. No parlamentarismo abrasileirado ― ou no atual regime semiparlamentar, como queiram ―, não valem as características do verdadeiro parlamentarismo.  

A proposta de “semipresidencialismo” defendida por Michel Temer e Gilmar Mendes elimina o cargo de vice-presidente, deixando o presidente da Câmara como o primeiro da linha sucessória ― o que seria um empecilho à eventual aprovação do sistema pelo Senado, mas o Mendes já deu a solução: volta o cargo de vice-presidente.

Oito dos 37 presidentes que o Brasil teve ao longo de sua história republicana foram vices que assumiram o cargo: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer. Houve época em que o vice-presidente era eleito diretamente, mas, com a crise institucional ― que assoma sempre que um vice-presidente tem voo próprio ―, mudou-se a fórmula, e hoje o vice está na chapa presidencial, mas aparece na cédula (ou na urna eletrônica) como coadjuvante, ou seja, o eleitor vota apenas no candidato a presidente.

Com o impeachment da anta vermelha, Michel Temer, que lidera o (P)MDB há muitos anos e presidiu a Câmara três vezes, passou de coadjuvante ― de uma presidente que nunca disputara uma eleição na vida ― a protagonista, e o Brasil se transformou na balbúrdia que aí está.

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domingo, 14 de janeiro de 2018

AINDA SOBRE A NOMEAÇÃO DE CRISTIANE BRASIL PARA O MINISTÉRIO DO TRABALHO




A substituição da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno pelo Vampiro Furta-cor Peemedebista (que curiosamente declinou de morar no Alvorada porque tem medo de assombração) foi uma lufada de ar puro após 13 anos, 4 meses e 12 dias de clausura lulopetista. No entanto, se no início os ventos benfazejos da esperança levavam a crer que o governo estava no rumo certo, o prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos antes mesmo de Dracutemer completar um mês no cargo ― aliás, ministro de Temer não tem currículo, tem folha-corrida. Mas o castelo de cartas ruiu um ano depois, quando Lauro Jardim revelou uma conversa fortuita entre o presidente e certo moedor de carne criminoso com vocação para delator ― e burro a ponto de delatar a si mesmo, mas isso já é outra história ―, abrindo a Caixa de Pandora de onde saltaram duas denúncias criminais contra Temer. Com isso, em vez de entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento”, sua insolência será lembrada como o primeiro presidente da Banânia denunciado no exercício do cargo (por corrupção, organização criminosa e obstrução da Justiça).

Observação: Nada mal para um país que, depois da redemocratização, elegeu 4 presidentes pelo voto popular, dos quais 2 foram depostos e um é hepta-réu na Justiça Penal ― e ainda se arroga o direito de concorrer à presidência nas próximas eleições, mas isso também é outra história.

Temer despiu de vez o manto da moralidade quando recorreu à compra e venda de votos para sepultar as denúncias contra ele, numa versão fisiologista recentemente ampliada para a chantagem explícita contra governadores para tentar aprovar a reforma da Previdência ― prejudicada justamente por atos do presidente que resultaram nas denúncias. Isso lhe salvou o mandato, mas não contribuiu em nada para sua já combalida popularidade. A quase totalidade do país o rejeita, e suas chances de se candidatar à reeleição ― conforme ele próprio andou insinuando ― ou de atuar como cabo eleitoral “substancioso” ― para usar a palavra dele em momento de otimismo delirante ― são próximas de zero.

Moralmente, o governo Temer está morto. E foi o próprio Michel Temer, com seu “presidencialismo de cooptação”, que cavou sua sepultura ao se tornar refém do Congresso. Seu “capital político” se esgotou com a compra de votos para barrar a investigação no Supremo ― que, segundo ele, “seria o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência”. Mas nem mesmo uma raposa velha como ele é capaz de tirar leite de pedra.

Na última semana, a substituição de Ronaldo Nogueira ― que se demitiu do Ministério do Trabalho no último dia 27 ― por Cristiane Brasil Francisco cravou mais um prego no caixão presidencial. A escolhida não só e filha de Roberto Jefferson Monteiro Francisco ― que foi condenado a sete anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas teve a pena reduzida por delatar o esquema de pagamento de propina envolvendo parlamentares da base aliada para dar sustentação ao governo do ex-presidente Lula, vulgarmente conhecido como “escândalo do mensalão” ―, como também já foi condenada na Justiça trabalhista. Isso levou o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói a suspender sua nomeação e a cerimônia de posse, que classificou como “um desrespeito à moralidade administrativa”.  

O governo e a própria deputada apelaram, mas, na noite da última quarta-feira, o TRF-2 rejeitou os pedidos. Na sexta, a AGU protocolou um novo recurso no TRF-2, desta feita para definir qual vara da Justiça Federal deve analisar os apelos contrários à posse da pretensa futura ministra ― como mais de uma ação foi ajuizada contra a nomeação da deputada, o governo argumenta que, conforme a lei das ações populares, deve ser levada em conta apenas a decisão tomada primeiro, caso em que, segundo a AGU, valeria o entendimento da 1ª Vara Federal de Teresópolis, tomada às 16h36 do último dia 8 e favorável à posse de Cristiane Brasil, e não a decisão da 4ª Vara Federal de Niterói, que a barrou, proferida às 20h11 do mesmo dia. Assim, por uma dessas ironias do destino, a filhota de Jefferson, que se licenciou do cargo de deputada federal para assumir a pasta do Trabalho, encontra-se momentaneamente sem trabalho.

Observação: Cristiane foi processada por dois ex-motoristas, que alegaram ter trabalhado para ela sem registro em carteira. O GLOBO revelou no último sábado que o dinheiro usado para pagar as parcelas da dívida trabalhista que a deputada tem com um dos reclamantes saiu da conta bancária de uma funcionária lotada em seu gabinete na Câmara. Ela afirmou que reembolsava a funcionária, mas não apresentou os respectivos comprovantes.

Para Temer, a nomeação de Cristiane garante o apoio da bancada petebista ― uma das mais fiéis ao Planalto ― na votação da PEC da Previdência, embora nada garanta que ela ocorrerá mesmo no próximo mês: se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, insistir em pautá-la somente quando houver 308 votos favoráveis, talvez ela só ocorra em 2019, quando Temer já terá deixado o cargo ― ou sido reempossado, pois estamos no Brasil, onde o passado é imprevisível e nada é impossível, por mais absurdo que pareça.

Jefferson disse que a nomeação da filha resgata sua imagem conspurcada pelo mensalão. Cristiane, que encerra neste ano seu primeiro mandato, é autora de uma PEC que visa restringir a reeleição de presidente, governadores e prefeitos a um único período subsequente. Além disso, ela apresentou um projeto para banir minissaias e decotes mais ousados dos corredores e salões da Câmara, votou favoravelmente ao impeachment da anta vermelha (“em homenagem a seu pai”) e apoiou o governo em questões importantes ― como a PEC dos gastos e a reforma trabalhista ―, bem como votou a favor do sepultamento das denúncias contra Temer (nem poderia ser diferente). Ao se licenciar do mandato parlamentar, ela cedeu sua cadeira ao suplente Nelson Nahin, que é irmão do ex-governador Anthony Garotinho e acusado de participar de uma rede de exploração sexual de crianças em adolescentes em Campos de Goytacazes. Como se vê, tudo gente do mais alto gabarito.

As sucessivas derrotas na Justiça desgastam ainda mais a imagem do presidente, mas ele não quer desagradar o PTB de Roberto Jefferson por razões fáceis de entender. Difícil de compreender por que Cristiane não abre mão do cargo de ministra, a despeito de toda essa celeuma. Aliás, presume-se que novos podres virão à tona, e no fim das contas os benefícios podem não compensar toda essa exposição. 

O que move Cristiane não é o foro privilegiado, que, como deputada, ela já tem. Tampouco me parece que seja o salário, visto que, atualmente, um deputado federal ganha R$ 33.763,00) por mês ― mais que um Ministro de Estado, cujo salário é de R$ 30.934,70. Será apenas uma questão de ego, ou será que tem dente de coelho nesse angu? Responda quem souber.   

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