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domingo, 2 de abril de 2017

CARNE FRACA, PARTO DA MONTANHA E PROJETO DE LEI CONTRA ABUSO DE AUTORIDADE

Deflagrada pela PF no último dia 17 e alardeada como “a maior operação de todos os tempos”, a Carne Fraca se revelou uma reedição atualizada do proverbial Parto da Montanha ― na fábula de Esopo, depois de um estrondo ensurdecedor, a montanha tremeu, rachou, deixando as pessoas apavoradas, mas, do meio dos escombros, o que apareceu apenas um mísero camundongo: centenas de agentes foram mobilizados para prender 30 gatos-pingados (muitos dos quais já foram soltos), além do que, por conta de irregularidades em 0,5% dos 5.000 frigoríficos sujeitos a fiscalização, passou-se para a população a ideia de que toda a carne vendida no Brasil e exportada para cerca de 150 países estaria imprópria para o consumo.

Não se nega que PF trouxe a luz mais um escândalo envolvendo fiscais corruptos, apadrinhamento político, cobrança de propina e coisa e tal, mas os pífios resultados da operação estão longe de justificar a paulada que as revelações, feitas de maneira atabalhoada e generalizada, produziram na claudicante economia tupiniquim. E ainda países como China, Hong Kong, Egito e outros que, tradicionalmente, importam bilhões de dólares em carnes, embutidos e derivados já tenham suspendido os embargos aos produtos brasileiros, o prejuízo é astronômico.

A inépcia da operação caiu como uma luva para parlamentares corruptos (entre réus da Lava-Jato e investigados pela Justiça em outras instâncias, com destaque para notórios integrantes da Lista de Janot), que se apressaram a requentar o aziago projeto de “medidas contra o abuso de autoridade”, cujo propósito não é outro senão intimidar investigadores, procuradores, promotores, magistrados e por aí afora. Na última quarta-feira, na CCJ do Senado, o peemedebista Roberto Requião, relator do PL nº 280/16, leu seu relatório a toque de caixa, a despeito de alguns de seus pares entenderem que a leitura do relatório só deveria ser feita depois de o assunto ser debatido numa audiência pública ― o que foi objeto do requerimento apresentado pelo sanador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade. A votação acabou não acontecendo, uma vez que o senador Antonio Anastasia, que presidia a sessão, concedeu vista coletiva.

O PL 280/16, de autoria de Renan Calheiros (réu por peculato, investigado em mais uma dúzia inquéritos e um dos integrantes da Lista de Janot), estava na pauta da última sessão deliberativa do plenário do Senado em 2016, mas, após a derrubada do regime de urgência de votação, foi enviado à CCJ, e vem provocando reações contrárias de magistrados, como o juiz Sérgio Moro, e da Associação dos Juízes Federais do Brasil. Na última terça, Janot apresentou uma proposta alternativa, que não considera abuso de autoridade a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentada, e defende que agentes públicos não podem ser punidos pelo exercício regular de suas funções. Requião ignorou solenemente a proposta de Janot, mas a comissão do Senado deverá ouvir o PGR.

Voltando ao projeto de Lei contra abuso de autoridade, o ministro Luiz Fux diz que o STF não pode mais interferir nos projetos em discussão no Congresso que tratam dessa questão; eventuais decisões anulando a medida só serão possíveis depois que as propostas forem aprovadas e se tornarem lei. Em dezembro, ele havia suspendido a tramitação do projeto de lei de iniciativa popular das dez medidas contra a corrupção, cujo texto original não previa crimes de abuso de autoridade cometidos por juízes e integrantes do Ministério Público, mas que foi alterado pelo plenário da Câmara para incluir esse ponto. Assim, a proposta, que já tinha seguido para o Senado, voltou para a Câmara, a quem foi determinada a conferência das assinaturas dos apoiadores.

Em geral, projetos de iniciativa popular tem sua autoria assumida por parlamentares, o que dispensa essa conferência, mas o argumento não sensibilizou o ministro, para quem a proposta deveria seguir o rito desse tipo de projeto. A Câmara conferiu se as assinaturas eram seguidas do número de documento de identificação do apoiador, e com isso o número caiu de 2,028 milhões para 1,741 milhão.

Integrantes da Lava-Jato avaliam que o texto de Requião prevê punição para o chamado “crime de hermenêutica”, o que permitiria, por exemplo, punir um juiz que condenou alguém, mas, posteriormente, teve a decisão revista por uma instância superior. Rodrigo Maia disse que uma nova votação do projeto na Câmara seria “ilegal”, pois a casa já votou o texto em 30 de novembro do ano passado. Na ocasião, o texto foi desfigurado, restando aprovadas somente quatro das dez propostas originais.

Vamos acompanhar para ver o que vai resultar de todo esse imbróglio.

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