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sábado, 31 de dezembro de 2016

RETROSPECTIVA DOIS MIL E DEZECHEGA



A “Delação do Fim do Mundo” ― acordo de leniência da Odebrecht e delações de 77 executivos da alta cúpula da empreiteira ― deverá ser homologado no mês que vem pelo ministro Teori Zavascki, que trabalhará com sua equipe durante o recesso na análise da farta documentação e dos 900 depoimentos gravados, que envolvem mais de 200 políticos, dentre os quais alma viva mais honesta do Brasil, sua carrancuda pupila e sucessora e o atual presidente da Banânia. Céus e terras, tremei!

O fato de o nome do presidente ter sido suscitado nas delações (só na confissão do ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, ele é mencionado 43 vezes) não melhora em nada sua popularidade. Temer já era rejeitado tanto pelos simpatizantes da petralhada, que o veem como traidor e golpista, quanto pelos que comemoraram o final do governo petista ― afinal, o atual presidente não só foi vice da calamidade em forma de gente, mas também presidente do PMDB, de longe o maior partido da base aliada do governo petista, e o que mais corruptos abriga em suas fileiras (em números absolutos).

Temer ascendeu à presidência porque a Constituição não nos dava outra opção para penabundar a imprestável gerentona de araque e pôr fim aos desmandos lulopetistas. No entanto, gostemos ou não, é ele quem está no timão e a quem compete evitar que esta Nau dos Insensatos se torne um Titanic de dimensões continentais ― uma tarefa difícil, notadamente quando falta a seu executor respaldo popular e sobram perrengues como a queda de 6 ministros em apenas seis meses de governo, a oposição ferrenha e sistemática dos defensores do quanto pior melhor, as limitações inerentes ao presidencialismo de coalizão, a sombra ameaçadora da Lava-Jato, o estremecimento das relações entre os Poderes, e por aí vai.

Para muitos, o atual governo é uma decepção. Afinal, dizem eles, sete meses se passaram e o país não mudou, a economia continua patinando, o desemprego, crescendo e o PIB, em patamares calamitosos, não dá sinal de recuperação. E se inflação recuou, foi devido à recessão, não às medidas adotadas pela nova equipe econômica ― que só deverão surtir efeitos no médio e no longo prazos. Mas se esquecermos o micro por um instante e focarmos o macro, veremos que, primeiro, atribuir a Temer a culpa por toda essa desgraça é injusto, pois quem abriu a Caixa de Pandora foi Dilma; segundo, porque Brasil de 2016 está longe de ser o mesmo país que era no apagar luzes de 2015. Senão, vejamos.

Como bem salientou J.R. Guzzo em mais um análise memorável (publicada na edição de 28 de dezembro da revista Veja), no final do ano passado tínhamos uma presidente encurralada no Palácio do Planalto, sem autoridade, sem nexo e sem respeito; um presidente da Câmara descrito como homem de poderes sobrenaturais, que ocupava uma posição essencial para os destinos da nação; e um vice-presidente decorativo, mas que, por suas celebradas habilidades no manuseio de parlamentares e políticos em geral, era visto como uma ponte que poderia conduzir Dilma à salvação.

Isso sem mencionar um ex-presidente da República que posava de gênio da política, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos ― e que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu benefício ―, além de um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a presidanta, seu abjeto antecessor e seu espúrio partido. Mas não sobrou pedra sobre pedra de nada disso.

Ao longo de 2016, Dilma se tornou uma ex-presidente em processo de inscrição no arquivo morto da política brasileira; o então poderosíssimo presidente da Câmara está há dois meses no xadrez; o Cangaceiro das Alagoas perdeu e recuperou o cargo, virou inimigo figadal da militância vermelha e está a caminho do cemitério político; o gênio da política que ia salvar a anta vermelha, o PT e os aliados ― além de si mesmo, é claro ― está com cinco processos penais nas costas, e o máximo que pode esperar do futuro próximo é não ir para a cadeia. Sem falar que o então vice-presidente da República, ora promovido a titular, passou de grande articulador político a traidor e demônio número 1 da esquerda, e hoje tem como principal preocupação escapar do lamentável destino que teve a sua antecessora.

Observação: Como ponderou Eugênio Bucci em sua coluna na revista Época, “2016 nocauteou as esperanças de muita gente no Brasil, à esquerda e à direita. Para aqueles que acreditavam em certos profetas do socialismo tropical, foi desalentador. A ficha penal de seus caudilhos adorados já não deixa brechas para as desculpas que vinham funcionando até pouco tempo atrás. Não adianta mais dizer que seus ídolos são vítimas de perseguições caluniosas produzidas por um complô reacionário contra os libertadores do povo brasileiro. As provas vão se mostrando mais e mais irrefutáveis, impossíveis de negar. A corrupção primeiro seduziu, depois dominou e, ao final, dizimou alguns dos nomes mais respeitados da esquerda. Seus antigos seguidores, com a dor estampada no rosto, calam um pranto silencioso na ressaca de uma tragédia moral. Buscam formas de recomeçar, abrem janelas tristes para a imaginação machucada, tentam não desistir do sonho, mas ficou difícil. A esperança, a que resta, já não vence o medo e a vergonha.

Diante do que foi dito até aqui, o leitor pode até argumentar que a situação não melhor. Mas em momento algum eu disse que as coisas vão bem, até porque elas não vão. Eu disse que a situação mudou, o que não é a mesma coisa. Todavia, não haverá uma nova Dilma depois de 2016, nem tampouco outro governo como o dela, e basta olhar a coisa por esse ângulo para sentir uma sensação de alívio imensa e imediata. Quando por mais não seja, o ano que ora se despede valeu pelo funeral político dos que mandaram diretamente no Brasil durante mais de uma década, embora muita gente ― a começar pelas forças que deixaram o governo ― tente vender a ideia de que nada mudou, buscando levar os brasileiros a acreditar numa coleção cada vez maior de impossibilidades materiais.

Faz parte desse múltiplo conto do vigário, por exemplo, a noção de que as pessoas sejam capazes de ficar, ao mesmo tempo, contra Renan e a favor de Lula. Ou então indignar-se com Sérgio Cabral e não levar em conta que ele foi um herói tanto de Lula quanto de Dilma ― homem de admirável coração, segundo um, ou o melhor governador do país, segundo a outra. Dentro da mesma sequência de fábulas, espera-se que levem a sério a informação de que o ex-presidente petralha vem passando o chapéu por não dispor de recursos para custear sua defesa na Justiça, já que continua um homem pobre ― mesmo tendo recebido dezenas de milhões de reais de empreiteiras e outras em presas a título de remuneração por palestras a que ninguém assistiu.

Enquanto se mantém por aí, a contrafação das realidades não parece destinada a produzir efeito prático algum. O barulho vai continuar, é claro, até porque é comum as pessoas gritarem mais alto quando percebem que têm cada vez menos fatos a seu favor. Mas na prática não se vai muito além disso ― barulho. Veja-se a situação da nefelibata da mandioca, que até outro dia era presidente da República, e agora, como se observou em mais de um espetáculo de profunda melancolia, pobre e constrangedor, bate boca no ar com o repórter de um canal de TV árabe. Ou o esforço que fazem os advogados de Lula para destemperar o juiz Sérgio Moro nas audiências, usando de linguagem agressiva e sem cabimento, à ausência de argumentos realmente sérios para responder às denúncias feitas contra seu cliente (afinal, é difícil defender o indefensável). Mas negar a verdade não altera os fatos. Nem as populações muçulmanas vão pressionar o Brasil para reabilitar a anta petralha, nem o magistrado responsável pelos processos da Lava-Jato vai sair na porrada com os defensores do penta-réu, propiciando com isso o milagre da anulação do processo inteiro ― “zerar tudo”, como sonham dez entre dez acusados de corrupção perante a Justiça Penal Brasileira.

Lula e o PT vivem uma situação surreal. A despeito de ter se tornado réu pela quinta vez (até agora) e de estar a um passo de amargar sua primeira condenação, o molusco abjeto insiste em se autodeclarar a alma viva mais honesta do Brasil e afirmar que tudo que existe contra ele é fruto de uma descabida perseguição do juiz Sergio Moro. Seus seguidores, refratários aos fatos e divorciados da realidade, têm-no na conta de candidato natural pelo PT em 2018, ignorando solenemente o fato de que as sentenças que serão impostas a seu amado líder torná-lo-ão inelegível não só nas próximas eleições, mas também nas posteriores.

Observação: A condição de penta-réu, conferida a Lula no último dia 19, sepulta a narrativa de que seu calvário judicial parte da República de Curitiba ― embora esta tenha sido a segunda denúncia que o magistrado da 13º Vara Penal Federal do Paraná aceitou contra o petralha, outras três ações em que ele é réu tramitam na Justiça Federal do DF, sob a batuta do juiz Vallisney de Souza Oliveira.

No mundo real, o sumo pontífice da Petelândia corre o risco de não poder sequer ser candidato. Se o STF já decidiu que réus em ação penal não podem ocupar cargos na linha sucessória presidencial ― e pariu aquela vergonhosa jabuticaba que criou a figura do “meio senador” (mais detalhes nesta postagem) a pretexto de preservar a governabilidade do país ―, seria um contrassenso Lula ser empossado presidente, caso viesse mesmo a concorrer e, por absurdo, conseguisse se eleger.  E como se isso não bastasse para podar os delírios abilolados da tigrada vermelha, diferentemente do que acontece no STF, onde os processos tramitam a passos de cágado paraplégico, as ações da Lava-Jato levam, em média, 6 meses para ser julgadas na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, e o TRF da 4ª Região costuma levar o mesmo tempo para referendar as sentenças do juiz Sergio Moro. Deu para entender ou quer que eu faça um Power Point?

Resumo da ópera: Os desafios do Brasil para o próximo ano são imensos. O país precisa voltar a crescer para elevar o padrão de vida material do seu povo e explorar nossa energia criadora em sua plenitude. Precisa aprovar reformas estruturais para modernizar-se e competir com qualidade no mundo globalizado. Precisa civilizar a vida política, estabelecendo um padrão ético aceitável, e superar as feridas de uma profunda divisão de ideologia e métodos. Precisa, enfim, reencontrar o caminho da estabilidade institucional, arranhada nos últimos tempos.

Feliz ano novo a todos.

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