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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

AINDA SOBRE O COMANDO DE VÁLVULAS E O MOTOR DE 2 TEMPOS


É PERDA DE TEMPO TENTAR ACHAR SENTIDO EM COISAS QUE DECIDIDAMENTE NÃO FAZEM SENTIDO ALGUM.

Prosseguindo do ponto onde paramos no post anterior, até não muito tempo atrás os motores de 2 tempos eram largamente utilizados em motocicletas. Mas eles também equiparam veículos de passeio nos anos 1960, como os fabricados no Brasil pela alemã DKW (vide ilustração). 

DKW foi uma das quatro fabricantes de veículos que deram origem à Auto Union, criada no início do século passado. Seus motores tricilíndricos de dois tempos, lubrificados mediante a adição de óleo ao combustível, eram barulhentos, fumacentos e altamente poluidores, mas tinham lá suas virtudes: com um ciclo completo a cada volta do eixo de manivelas, produzia-se (em tese) duas vezes mais potência, já que o motor de quatro tempos tem uma volta “morta” (quando são realizadas as fases de admissão e escapamento). Assim, diziam seus fabricantes, 3 cilindros equivaleriam a 6 de um motor de ciclo Otto, mas na verdade a potência gerada era até 50% maior que a de um motor de quatro tempos de igual deslocamento volumétrico (o que não deixa de ser um ganho considerável).

Outro ponto favorável do motor de dois tempos é a simplicidade: sem válvulas, eixo-comando, molas e balancins, o conjunto fica mais leve e pode trabalhar em regimes de rotação mais elevados. Por outro lado, dada a ausência de válvulas para fechar a câmara de combustão, parte do combustível admitido nos cilindros não é queimada, mas expelida pelo escapamento, o que prejudica o consumo e aumenta a emissão de poluentes. Isso sem mencionar que a lubrificação feita mediante a adição de óleo ao combustível agrava ainda mais o problema das emissões.

Depois que as primeiras leis de controles de emissões de poluentes foram criadas, os motores de dois-tempos começaram a ser abandonados — dada sua incapacidade de se adequar às exigências legais. Somente umas poucas motos de competição resistiram, adotando tecnologias que dosavam o lubrificante adicionado ao combustível. Para reduzir o consumo e as emissões, a Ford chegou a desenvolver um protótipo com injeção eletrônica direta e um sistema de lubrificação que permitia rodar até 20 mil quilômetros sem reabastecer o reservatório de óleo, mas esse sistema tinha manutenção complexa e não bastava para compatibilizar os propulsores com as próximas etapas dos programas ambientais legais. Mas a ideia continuou viva no imaginário dos engenheiros.

A fabricante austríaca KTM anunciou uma nova linha de motos com motores de dois tempos controlados eletronicamente. Batizado como Transfer Port Injection, o sistema usa válvulas eletrônicas para injetar combustível e óleo pela janela de transferência do motor (em vez de despejar a mistura diretamente na câmara de combustão). Na prática, ele funciona como os vetustos sistemas de injeção monoponto dos carros dos anos 1980 e 1990, embora seja capaz de variar continuamente o ponto de ignição e o tempo de injeção, além da posição da borboleta eletrônica, otimizando o gerenciamento do combustível e do lubrificante injetados nos cilindros.

Injetar o combustível pela janela de transferência proporciona uma melhor atomização, otimizando a queima da mistura. O controle do lubrificante também é semelhante ao da injeção de combustível: o óleo é armazenado em um reservatório separado e levado ao motor por uma bomba eletrônica, comandada pela centralina, que injeta o lubrificante de acordo com a leitura dos sensores internos em diferentes situações de posição da borboleta e velocidade do motor, reduzindo os níveis de emissões. 

De acordo com a KTM, a redução no consumo é de até 40% em rotações médias e baixas, embora não apresente melhoria com a borboleta totalmente aberta. Por outro lado, as respostas em baixas rotações não entusiasmam, já que o controle eletrônico mitiga a típica subida de giro explosiva dos motores de dois tempos. Enfim, se tudo correr como a KTM planeja, a volta dos motores de dois tempos em motos de rua pode ser apenas uma questão de tempo (sem trocadilho).


Em 1965, a Volkswagen comprou a Audi na Alemanha; dois anos mais tarde, sua subsidiária no Brasil adquiriu a Vemag e encerrou a produção da linha DKW, que teve mais de 100 mil unidades comercializadas desde 1957. Atualmente, a Audi é a última herdeira do logotipo das 4 argolas entrelaçadas.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

AINDA SOBRE MOTORES MULTIVÁLVULA, COMANDOS VARIÁVEIS E QUE TAIS


TODA GUERRA TEM SEUS MORTOS E FERIDOS.

O que foi explanado nos capítulos anteriores nos leva à seguinte pergunta: se duas ou mais válvulas de admissão por cilindro aumentam o volume da mistura, potencializam a combustão e geram mais potência, por que, então, não adotar essa solução em todos os motores? 

A resposta simples: porque isso eleva o custo de produção do motor e o preço final do veículo, além de proporcionar ganhos mais expressivos em altas rotações. No trânsito urbano (e geralmente congestionado) da grandes metrópoles, se não se consegue sequer engrenar a terceira marcha, que dirá de acelerar o motor a fundo, levando o ponteiro do conta-giros até a faixa vermelha antes de trocar de marcha? E nesse contexto os motores com duas válvulas por cilindro têm desempenho semelhante ou até melhor do que os multiválvula. Mesmo assim os fabricantes se aproveitam do apelo mercadológico da evolução tecnológica para valorizar seus produtos. Um bom é o "i" adicionado nos Gol GTi, Monza GSi etc., que contavam com a então inovadora injeção eletrônica de combustível.

Observação: Note que nem toda injeção de combustível usa eletricidade e processamento eletrônico. Os primeiros sistemas de injeção mecânica foram criados por Leon Levavasseur, que também idealizou os motores V8 (nos quais os cilindros são dispostos em duas bancadas de 4, que, unidas pelo virabrequim, formam um "V"). Em 1907 ele aplicou um sistema de injeção direta nos cilindros de um dos motores V8 que equipavam os aviões Antoinette VII, mas isso já é outra história.

O mesmo se dá hoje em dia com a inscrição 16v exibida pelos veículos equipados com propulsores de quatro cilindros e quatro válvulas por cilindros, que prometem desempenho superior aos de oito válvulas. Se você está pensando em trocar sua carroça velha de guerra por um modelo mais atual, essa questão certamente lhe passou pela cabeça em algum momento. Mas saiba que, inobstante a escolha que fizer, você sairá ganhando na foice e perdendo no machado. Ou vice-versa.

Volto a lembrar que a quantidade de mistura aspirada para dentro dos cilindros determina a potência do motor, e duas "portas de entrada" melhoram o fluxo — sobretudo em regimes de alta rotação, nos quais o tempo para a renovação da mistura a cada ciclo reduz-se drasticamente. Nos modelos convencionais, essa “asfixia” faz com que o giro demore a subir; nos multiválvula, a progressão mais linear e contínua resulta num comportamento "mais vigoroso" em altas rotações.

Devido à inércia sensivelmente maior, os motores multiválvula tendem a ser mais “preguiçosos” em baixa rotação. Mas esse problema (ou característica, melhor dizendo) vem sendo atenuado com a adoção dos sistemas de comando variável, identificados por siglas como V-Tec, VVTi ou similares. No entanto, a combinação 1.0 + 16v já ganhou fama de motorzinho de dentista ou de máquina de costura, e não sem razão. Então, se você é fã de arrancadas ágeis e acelerações rápidas, carro 1.0, só com turbo ou supercharger.

Observação: Como a necessidade de admissão é maior que a de escapamento (daí as válvulas de admissão serem maiores que as de exaustão nos modelos de 4 válvulas por cilindro), alguns fabricantes adotam três ou cinco válvulas por cilindro, sendo duas de admissão e uma de escapamento, ou três de admissão e duas de escapamento.

A despeito de tudo que foi dito até aqui, o modo mais eficaz de aumentar o desempenho do motor (que, em última análise, consiste em aumentar o rendimento volumétrico) não é dobrar ou triplicar o número de válvulas, embora isso ajude um bocado, mas sim recorrer à sobrealimentação. Como vimos, quanto mais mistura ar-combustível adentrar o cilindro e for comprimida na câmara de explosão, mais energia resultará da sua queima e, consequentemente, mas torque e potência serão gerados.

Tomando como exemplo um motor de quatro cilindros 1.6 — ou seja, com deslocamento volumétrico de 1,6 l —, 400 ml de mistura deveriam ingressar em cada cilindro durante o ciclo de admissão. Deveriam, porque esse preenchimento tende a não ser total à mediada que a rotação aumenta. Assim, o pulo do gato é forçar o ingresso de mais ar (e, consequentemente, mais combustível) com o auxílio de um compressor, que pode ser acionado pelos gases do escapamento (turbocompressor) ou por um sistema mecânico de polias e correias (supercharger). Tanto um quanto o outro apresentam vantagens e desvantagens, como veremos nos próximos capítulos.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

SOBRE O CABEÇOTE E OS MOTORES MULTIVÁLVULA


A FOME É A MELHOR COZINHEIRA.

Das mais priscas eras até pouco tempo atrás, o acionamento das válvulas se dava sempre do mesmo jeito, já que o momento da abertura e o tempo durante o qual elas ficavam abertas dependia diretamente da geometria dos cames (ressaltos existentes do eixo-comando, que por isso é chamado também de "árvore de cames").

Para melhorar a performance dos propulsores, um dos "venenos" mais comuns sempre foi substituir o comando original por um modelo mais "brabo", ou seja, capaz de gerar mais torque e/ou potência (veremos em breve o que significam esses dois termos) alterando os parâmetros de funcionamento das válvulas. 

A questão é que, a exemplo do "rebaixamento" do cabeçote (outro "veneno" muito usado pelos preparadores), os benefícios da troca do comando em situações específicas — nas pistas, por exemplo — nem sempre compensavam o desconforto no uso diário: além da marcha lenta instável, o funcionamento do motor em baixas rotações restava prejudicado.

Como sempre, a solução veio nas asas da evolução tecnológica, que nos trouxe os motores multiválvula, o duplo comando variável e outros aprimoramentos voltados inicialmente a veículos esportivos, mas que logo se disseminaram entre os modelos "de passeio" — contribuindo, inclusive, para o "downsizing" dos propulsores (assunto que abordaremos mais adiante).

Por motores "multiválvula", entenda-se os que contam com duas ou mais válvulas de admissão e/ou de escapamento por cilindro. Essa tecnologia remonta ao início do século passado e vinha sendo largamente utilizada em carros de corrida, mas só começou a ser aplicada nos veículos "de linha" na década de 70.  

Substituir 2 válvulas grandes (falo do diâmetro) por 4 válvulas menores evita flutuações em altas rotações, permitindo que o motor funcione melhor em regimes de giro mais elevados — o que, em última análise, aumenta a potência. Por outro lado, cabeçotes multiválvula têm mais componentes e mais partes móveis, o que significa mais peso e maior custo de manutenção. Isso sem mencionar sua tendência de gerar menos torque em rotações baixas e médias, pois a área maior coberta pelas válvulas reduz a velocidade do fluxo de ar no coletor de admissão, tornando a mistura menos homogênea e, consequentemente, limitando a potência gerada pela combustão. Isso não é problema em carros pista e esportivos usados com tal, mas a coisa muda de figura quando se trata de veículos "de passeio", que rodam durante a maior parte do tempo por trechos urbanos e, não raro, congestionados. 

Observação: A indústria automotiva vem utilizando somente comandos de válvulas acionados mecanicamente em veículos de série. Alguns esportivos são equipados com mecanismos adicionais de controle, que permitem modificar o padrão de movimento das válvulas, mas isso é outra conversa. 

Em veículos de entrada de linha e sem pretensões esportivas, os fabricantes continuam aplicando propulsores de 2 válvulas por cilindro. Nos modelos mais caros, voltados a um público alvo que não se importa de pagar mais por melhor desempenho, motores com 3 e até 5 válvulas por cilindro são bastante comuns — nos de 5 válvulasas 3 de admissão são abertas em momentos diferentes, otimizando a queima da mistura, gerando mais potência e gases de escape mais limpos, o que reduz a emissão de poluentes. Mas a maioria dos modelos multiválvula de 4 cilindros têm 16 válvulas — 4 por cilindro, geralmente duas de admissão e duas de escapamento, sendo as de admissão de maior diâmetro, mas há sistemas de 32 válvulas em motores V8 — em que os cilindros são divididos em duas séries de quatro dispostas lado a lado — com 4 válvulas por cilindro.

Não quero dizer com isso que motores de 2 válvulas por cilindro não oferecem desempenho aceitável; tudo depende do projeto — notadamente da velocidade de abertura e fechamento das válvulas, do momento em que elas se abrem e fecham e do tempo durante o qual elas permanecem abertas — e, claro, daquilo que se pretende extrair do propulsor. Mas não é difícil concluir que uma válvula de admissão aberta por mais tempo propicia a aspiração de um volume maior de mistura ar-combustível, o que garante uma explosão mais forte e, consequentemente, gera mais energia cinética. Se explodiu mais‚ é óbvio que há mais gases queimados e, por consequência, a válvula de descarga também precisa ficar mais tempo aberta, e é aí que a porca torce o rabo para os projetistas.

Continua no próximo capítulo.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR DE CICLO OTTO — CURSO DO PISTÃO, BIELA E TAXA DE COMPRESSÃO


NÃO SAQUE A ARMA SE NÃO FOR ATIRAR. SE ATIRAR, ATIRE PARA MATAR. MORTOS NÃO VOLTAM PARA SE VINGAR.

Os componentes de um motor de combustão interna moderno são basicamente os mesmos que eram usados em meados do século passado. O ciclo Otto, patenteado em 1877, não só continua presente nos propulsores atuais como ainda é o mais utilizado em veículos de passeio (motores de ciclo Diesel são comuns na Europa, mas não no Brasil, onde o preço do óleo é subsidiado e, portanto, essa opção é restrita a caminhões, ônibus e outros utilitários).

O fato de nos mantermos fiéis a uma tecnologia dos tempos de antanho não significa a evolução tecnológica não cumpriu seu papel, mas apenas que os princípios básicos continuam valendo, já que o funcionamento do motor pode ser descrito como a transformação da energia química do combustível na energia mecânica resultante da compressão e queima da mistura ar-combustível, no interior da câmara de explosão, mediante a movimentação dos pistões. Para gerar torque e potência (volto a esses conceitos oportunamente), os pistões dos motores de ciclo Otto realizam quatro fases a cada volta completa do virabrequim (também chamado de eixo de manivelas).

Já vimos que os cilindros — que podem ser em número de 3, 4, 5, 6, 8, 10 e até 12 — ficam no bloco do motor, e que, no interior de cada um deles, um pistão, ligado ao virabrequim pela respectiva biela, percorre seu curso milhares de vezes por minuto, alternando movimentos ascendentes e descendentes. Por curso, entenda-se a distância que o êmbolo percorre do ponto morto superior até o ponto morto inferior (ou vice-versa). O PMS corresponde à posição mais próxima do cabeçote que o êmbolo alcança, e o PMI, à mais distante. Ao longo das quatro fases (ou quatro tempos) do ciclo Otto, o pistão percorre 4 vezes a distância entre esses dois pontos. 

A taxa de compressão de um motor à combustão corresponde ao número de vezes que a mistura ar-combustível é comprimida. Esse parâmetro depende diretamente do curso do pistão: quanto mais longo ele for, mais vezes a mistura será comprimida no interior da câmara de combustão, que é espaço entre remanescente entre cabeça do pistão, quando este alcança o ponto morto superior (PMS) do curso, e a base do cabeçote — mais exatamente o rebaixo circular, com diâmetro correspondente ao do cilindro, onde ficam as válvulas de admissão e de escapamento.

curso do pistão depende diretamente do tamanho da biela (vide figura), que é o componente responsável por transformar o movimento de sobe e desce do êmbolo (retilíneo, portanto) no movimento circular contínuo do volante do motor (disco metálico que fica na extremidade posterior do virabrequim). Explicando de outra maneira: cabe à biela transmitir a força gerada na câmara de combustão (recebida pelo pistão) para a árvore de manivelas (ou virabrequim), cuja função é gerar e enviar (através do volante) torque, força e rotação ao sistema de transmissão.

A parte superior da biela, chamada de , é presa ao pistão por meio de um pino. Isso permite que a peça oscile lateralmente enquanto se move para cima e para baixo. A parte inferior, chamada de cabeça, é presa ao virabrequim, que transforma em rotação o movimento retilíneo do pistão. Como a biela é um componente "físico", a compressão é sempre a mesma, independentemente do regime do regime de giros do motor (RPM), do combustível utilizado e das exigências do veículo em cada situação específica. Daí os engenheiros terem de adequar, em nível de projeto, a taxa de compressão do propulsor ao combustível que será utilizado, levando em conta o desempenho que se pretende extrair do mecanismo.

Nos modelos à gasolina a mistura é comprimida cerca de 10 vezes, em média (taxa de compressão de 10:1), ao passo que as versões a etanol trabalham com relações entre 14:1 e 16:1.

Observação: Em tese, quanto maior for a taxa de compressão, tanto maior será a energia resultante da expansão dos gases durante a combustão (ou seja, mais força será repassada ao virabrequim e deste, através do volante, para o sistema de transmissão). Na prática, porém, há limites a observar, a começar pelo ponto de detonação do combustível. Vale lembrar que nossa gasolina é de péssima qualidade, e que a batida de pino provocada por uma taxa de compressão muito elevada pode produzir sérios danos aos componentes internos do motor.

Uma vez que a biela é um componente "físico", o grande desafio dos projetistas está nos motores flexíveis. Como vimos, gasolina e etanol funcionam melhor com taxas de compressão diferentes, e a solução, pelo menos por enquanto, consiste em estabelecer um meio-termo, embora o ideal fosse alterar a compressão em tempo real, da mesma maneira que o sistema de injeção eletrônica de combustível faz com a taxa estequiométrica (volto a esse assunto mais adiante).

Nissan vem trabalhando num projeto nesse sentido, e a Porsche já registrou a patente de uma biela com cabeça articulada num excêntrico, cujo movimento ascendente e descendente, controlado por dois tirantes hidráulicos, permite variar o volume da câmara de combustão, elevando a taxa de compressão quando o turbo está funcionando com pressão máxima. No caso dos motores flex aspirados, essa tecnologia possibilitará ajustar a compressão ao etanol, à gasolina ou à mistura de ambos, com sensíveis melhorias tanto no desempenho quanto no consumo e na emissão de poluentes.

Continua no próximo capítulo.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA -- O CABEÇOTE DO MOTOR

NÃO GRITE A SUA FELICIDADE, POIS A INVEJA TEM SONO LEVE.

Vimos que, entre o cabeçote e o bloco do motor, uma junta assegura a perfeita vedação das câmaras de combustão e a continuidade dos circuitos de refrigeração e lubrificação do motor.

Na parte superior do cabeçote, ficam os mancais de apoio do comando de válvulas de admissão e de escapamento, as molas de retorno de abertura, as chavetas, os tuchos, os balancins e os retentores; na parte inferior, a câmara de combustão, as sedes de válvulas e, rosqueada na câmara, a vela de ignição, que é responsável por produzir a centelha que inflama a mistura no ciclo de combustão.

Nas "paredes" do cabeçote, dutos funcionam como "galerias" por onde circulam (separadamente) o líquido de arrefecimento e o óleo lubrificante

Observação: A título de cultura inútil — já que os graxeiros de garagem são uma categoria em extinção —, a folga entre os eletrodos da vela deve ser ajustada de acordo com as especificações do fabricante. Para tanto, utiliza-se um calibre de folga, não o olhômetro ou uma folha de serra. Alguns motores são projetados para usar velas com múltiplos eletrodos, e também há cabeçotes de fluxo simples e de fluxo cruzado — nestes últimos, a admissão da mistura ar-combustível entra por um lado e os gases resultantes da combustão saem pelo outro, porém as vantagens se resumem basicamente ao aproveitamento de espaço —, mas isso é outra conversa.

Além de facilitar a manutenção do motor, o cabeçote é essencial para seu bom desempenho, pois determina o formato e o volume da câmara de combustão, a passagem dos gases de admissão e escape, o funcionamento das válvulas e seu comando. Alterando esse o projeto (ou simplesmente rebaixando o cabeçote), é possível alterar significativamente o desempenho do motor, mas isso também é outra conversa.

A figura que ilustra esta postagem mostra a parte inferior do cabeçote de um motor de 4 cilindros e 16 válvulas (quatro válvulas por cilindro, sendo duas de admissão e duas de escapamento). Modelos de 8 válvulas continuam sendo largamente utilizados, e também existem configurações com 3 ou 5 válvulas, mas isso é assunto para o próximo capítulo.

Nos antigos motores "flat head" (cabeça chata, em tradução literal), esse componente, que era basicamente uma simples "tampa" da câmara de combustão", abrigava somente a vela de ignição; as válvulas de admissão e escapamento ficavam no bloco do motor. Hoje em dia, praticamente todos os motores de quatro tempos (ciclo Otto) são do tipo OHV (sigla em inglês para "válvulas sobre o cabeçote"), que otimiza significativamente os fluxos de admissão da mistura ar-combustível e do escape dos gases resultantes da combustão em relação à arcaica configuração com válvulas no bloco do motor.

A tecnologia SOHC reposicionou o eixo-comando de válvulas no cabeçote, garantindo melhor acionamento com menos partes móveis e maior durabilidade do conjunto, além de permitir que o motor trabalhe em regimes de giro mais elevados. Mais adiante, os DOHC — com duas árvores de comando de válvulas no cabeçote (vide ilustração à direita) — e os comandos variáveis otimizaram o funcionamento do propulsor, aprimorando seu desempenho e reduzindo o consumo de combustível.

Numa visão simplista, mas adequada aos propósitos desta postagem, o comando de válvulas é um eixo com cames (ressaltos excêntricos) ligado ao virabrequim (eixo de manivelas que, com o auxílio das bielas, movimenta os pistões dentro dos cilindros) por engrenagens ou polias acionadas por correias ou correntes, de maneira a garantir que as válvulas de admissão e escapamento trabalhem sincronizadas com o sobe e desce dos pistões. Como existe uma relação direta entre o formato dos cames e o funcionamento do motor nas diversas faixas de rotação, os comandos variáveis permitem alterar o curso e tempo de abertura das válvulas conforme a faixa de rotação, de maneira a privilegiar o desempenho ou a economia de combustível (o comando comum, não variável, abre as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente da rotação do motor).

Continua no próximo capítulo

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E OS MOTORES DE COMBUSTÃO INTERNA DO CICLO OTTO — SISTEMA DE ARREFECIMENTO, CABEÇOTE E JUNTA

A POLÍTICA É UMA ARMA; FAZER POLÍTICA É SABER QUANDO APERTAR O GATILHO. 

Vimos que um motor de combustão interna (ciclo Otto) divide-se basicamente em cabeçote, bloco e cárter, que cilindros, pistões, bielas, virabrequim etc. ficam no bloco e que, nas configurações atuais, válvulas e respectivo eixo-comando ficam no cabeçote, que é responsável por controlar a entrada da mistura ar-combustível que preenche os cilindros e, após ela ser comprimida e inflamada na câmara de explosão, expulsar os gases remanescentes. Vimos também que o movimento de sobe e desce dos pistões precisa ocorrer de maneira sincronizada com a abertura e o fechamento das válvulas, e que essa sincronização é feita por engrenagens (ou polias dentadas) presas ao virabrequim e ao eixo-comando de válvulas e ligadas entre si por uma correia (ou corrente) de distribuição. Dito isso, vamos em frente.

Para o motor funcionar adequadamente, sua temperatura precisa ser mantida em torno de 90ºC. Assim, uma mistura de água desmineralizada e etileno glicol circula constantemente por uma "galeria" de dutos existentes nas paredes do bloco e do cabeçote (sem entrar em contato com os componentes internos do motor, tais como válvulas, pistões, bielas etc.), passando de tempos em tempos pelo radiador, onde um fluxo de ar promove a troca de calor com o ambiente.

Nos veículos antigos, o assim chamado sistema de arrefecimento era formado por um radiador — que acumulava as funções de reservatório de água e dissipador de calor —, uma bomba d'água acionada mecanicamente — responsável pela circulação forçada da água e uma hélice, também acionada mecanicamente, que sugava ar "frio" do ambiente e o "empurrava" através das aletas do radiador, de modo a manter a temperatura da água sob controle. Como esse sistema não era selado, a perda de água por evaporação exigia que se checasse o nível regularmente, sob pena de "o motor ferver" — sobretudo em dias de muito calor e/ou em percursos congestionados (em regimes de baixa rotação do motor, a hélice não produzia ventilação suficiente para impedir o superaquecimento do sistema).

Mais adiante, passou-se a utilizar um sistema selado, no qual um líquido de arrefecimento com etilenoglicol (que tanto eleva o ponto de ebulição da água quanto evita que ela congele em situações de baixas temperaturas). A ventoinha, por ser elétrica, não rouba potência do motor; por ser controlada por um sensor de temperatura, ela só é acionada quando isso realmente é necessário. A hélice gira sempre em alta velocidade, independentemente da rotação do virabrequim, e uma válvula termostática posicionada entre o radiador e o bloco dosa a passagem do líquido de arrefecimento, fazendo com que que a temperatura ideal seja atingida em poucos minutos, mesmo em dias frios. Por fim, um vaso expansor translúcido permite verificar o nível do líquido (que é colorido, conforme se vê na imagem acima) sem que seja preciso remover o tampão. 

Observação: O ideal é fazer essa checagem com o motor frio e o carro parado numa superfície plana, e que o nível do líquido deve ficar entre as marcar de "mínimo" e "máximo" — e se for preciso completá-lo, usar o produto adequado, já que abastecer o reservatório com água pura irá alterar a proporção do etilenoglicol.  

O cabeçote é afixado ao bloco do motor por parafusos que devem ser apertados de forma alternada e com o auxílio de um torquímetro. Uma junta de metal elastômero (ou de metal multicamadas combinado comum componente líquido, semelhante a uma cola) garante o perfeito assentamento das peças, o que é fundamental para impedir o vazamento da compressão e evitar que o líquido de arrefecimento contamine o óleo lubrificante, além de proteger as partes metálicas de corrosão e empenamento. 

Neste ponto, abro um parêntese para dizer que a "câmara de explosão" — mencionada de passagem nas postagens anteriores — consiste no espaço remanescente, no interior do cilindro, entre a cabeça do pistão no PMS (ponto morto superior) e um "rebaixo" no cabeçote, que tem o mesmo diâmetro do cilindro e funciona como uma pequena "extensão" deste (repare na figura ao lado). É para dentro desse espaço que a mistura ar-combustível é "empurrada" pelo movimento ascendente do êmbolo no ciclo de compressão (você encontrará mais detalhes no capítulo anterior, embora essa questão vá ser revista mais adiante), para, então, ser inflamada pela centelha produzida pela vela de ignição, que dá início ao ciclo de combustão (ou explosão), que corresponde à única fase do ciclo Otto que realiza trabalho, ou seja, que gera energia. 

Continua no próximo capítulo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Automóveis e Evolução (conclusão)

As postagens anteriores deram uma noção elementar sobre o funcionamento dos motores à explosão, embora eu não tenha discorrido sobre os sistemas de alimentação, ignição, lubrificação, arrefecimento e transmissão – cuja abordagem não estava mesmo no programa.
Para concluir esta seqüência e retomar nossos temas habituais, resta mencionar que colocar o motor em funcionamento é atualmente um procedimento simples: quando você “dá a partida”, o pinhão do motor de arranque se acopla à cremalheira do volante e produz um movimento rotacional que é transmitido pelo virabrequim às bielas, forçando os pistões a iniciar seu “vai-e-vem” (para quem não sabe, houve um tempo em que isso era feito “no muque”, com o auxílio de uma manivela). Havendo carga na bateria e combustível no tanque, em poucos segundos o motor dará início às primeiras explosões e irá “ronronar” numa suave marcha lenta (entre 600 e 900 RPM, na maioria dos casos).
Cumpre salientar também que a era dos “motorzões” – herança dos modelos predominantemente norte-americanos que compunham nossa frota até o início da produção nacional – chegou ao final quando a Ford descontinuou a fabricação do Maverick GT e do Landau, e a GM, do Opala 250-S de 6 cilindros. Não obstante, quem tem pretensões esportivas e predileção paixão por velocidade não ficou no prejuízo: a concepção avançada e a tecnologia embarcada nos carros atuais garantem excelente performance, além de economia de combustível e redução de poluentes (mesmo assim, muita gente ainda se “arrepia” ao ouvir o ronco possante de um V8).
Voltando ao exemplo utilizado na primeira postagem, o Fusca 1.300 oferecia modestos 40 cavalos e atingia cerca de 110 km/h, enquanto um Ford 1.0 Supercharger atual (alimentado por um compressor mecânico) desenvolve 90 cavalos é dá de lavada no fusquinha, tanto em aceleração quanto em retomada e velocidade máxima - - o que é impressionante, considerando sua cilindrada. Para compreender isso melhor, seria preciso analisar outras questões que, por motivo de espaço, ficarão para uma próxima vez (quem saba na semana que vem, caso este assunto desperte o interesse dos leitores).
Abraços a todos e até mais ler.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Automóveis e Evolução (continuação)

Motores de combustão interna transformam a energia calorífica produzida pela queima da mistura ar/combustível na energia mecânica que faz o carro se movimentar. Para tanto, o combustível líquido precisa ser vaporizado e combinado com certa quantidade de ar. Antigamente, isso era feito pelo carburador; hoje, sofisticados sistemas eletrônicos de injeção monitoram as necessidades do motor em tempo real e estabelecem quantidades e proporções adequadas a cada momento específico, proporcionando melhor desempenho com menor consumo de combustível.
A alimentação dos cilindros determina o regime do motor: quanto maior a quantidade de mistura introduzida nas câmaras, mais força é produzida. Todavia, como o volume aspirado é sempre inferior à cilindrada – já que os gases sofrem uma perda de carga e não enchem completamente as câmaras –, propulsores mais sofisticados utilizam compressores para otimizar a alimentação e produzir mais potência, mas isso já é outra história.
Um ciclo de força simples num motor de quatro tempos requer quatro cursos sucessivos do pistão. Durante a admissão, a depressão criada no interior do cilindro pelo movimento descendente do êmbolo enche a câmara de explosão com a mistura. Na etapa seguinte (compressão), enquanto ambas as válvulas permanecem fechadas, o pistão retorna a seu ponto morto superior e comprime a mistura. Em seguida (explosão) uma centelha produzida pela vela de ignição inflama os gases e empurra o embolo para baixo, produzindo o chamado “trabalho útil”. Finalmente, dá-se o curso de descarga, quando o pistão torna a subir e expulsa os gases do cilindro através da válvula de escapamento).

Observação: As válvulas não se abrem e fecham no exato instante em que os pistões atingem os pontos extremos de seu curso, pois uma pequena antecipação na abertura e um breve retardo no fechamento facilitam tanto a admissão da mistura quanto a expulsão dos gases.

O vai-e-vem retilíneo dos pistões produz um movimento circular no volante que, com auxílio da embreagem e do sistema de transmissão (câmbio/diferencial), é transferido para as rodas motrizes, fazendo o veículo se movimentar. Esse processo se repete milhares de vezes por minuto – conforme as características do motor e seu regime de rotação, cada pistão pode realizar mais de 100 ciclos por segundo!
Amanhã a gente conclui.
Abraços e até lá.