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sábado, 2 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O IMBRÓGLIO EDUARDO BOLSONARO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


Diálogo de acova entre um casal de coelhos: O macho: "Vamos fazer amor?" A fêmea: "O quê?" O macho: "Vamos fazer de novo?". Mutatis mutandis, essa piadinha sem graça espelha a rapidez com que muda o cenário político, dificultando a já difícil tarefa de escrever sobre ele. Enfim, ninguém falou que seria fácil. Vamos adiante.

Dizem que FHC, quando era ministro do governo Itamar, sempre dava um jeitinho de enviar o chefe em viagens ao exterior, para evitar... bem, acho que deu para entender. Não sei é verdade ou folclore, mas sei que naquela época não havia smartphones, conexão móvel via 3G/4G, WhatsApp, Twitter e que tais. Essa estratégia dificilmente funcionaria com Bolsonaro, não só devido ao contexto atual, mas também porque mesmo longe do solo pátrio nosso indômito presidente dá azo a toda sorte de polêmicas que a imprensa não perde a chance de explorar à saciedade. A maioria é mais inconsequente que contundente, mas todas "atrapalham o bom andamento do serviço", como disse recentemente o vice-presidente Hamilton Mourão.

Vejam esse rebosteio criado por Eduardo Bolsonaro. Como se já não bastassem o vídeo do leão e as hienas, a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, e, claro, a menção ao presidente na investigação do caso Marielle Franco, o deputado joga mais combustível na fogueira "defendendo" a ditadura, o AI-5 e outras asnices. No entanto, mesmo que se esteja fazendo tempestade em copo d'água, a família real tupiniquim bem que poderia se esforçar um pouco para pensar antes de falar. Não é a primeira vez que suas opiniões inconsequentes produzem ruído; no caso específico de Zero Dois, relembro o carnaval que fizeram devido a um vídeo republicado durante a campanha, no qual ele diz que "para fechar o STF bastariam um soldado e um cabo ". A colocação foi infeliz, mas a "ameaça" que ela parecia conter ao ser replicada fora do contexto se esvanecia quando ouvíamos toda a resposta e a pergunta que resultou na fala filho do capitão. Mas vivemos na época da pós-verdade, onde os fatos valem menos do que as versões.

A entrevista inconsequente do filho obliterou o desmentido da versão tendenciosa que a mídia disseminou sobre o suposto envolvimento do pai no caso Marielle, do qual os noticiários alardearam a suspeita à exaustão, mas deram quase nenhum destaque à notícia de que o MP-RJ desmentiu a versão do porteiro. Também falou-se "um monte" quando o capitão disse ter "afinidade" com o príncipe da Arábia Saudita, mas pouco foi dito sobre os US$ 10 bilhões que aquele país deve investir no Brasil. Ou sobre a apologia que deputados e influenciadores de esquerda vêm fazendo aos atos terroristas que estão acontecendo no Chile. Mas bastou o destrambelho partir do clã presidencial para a mídia "cumpanhêra" ser implacável.

E não é só a mídia: Ciro Gomes, por exemplo, que é conhecido por seus comentários intempestivos, chegou mesmo a se referir a Eduardo como "merdinha" e "tolete de esterco". Não sou admirador desse demagogo, mas é impossível não reconhecer que de vez em quanto ele acerta na mosca, como fez numa recente entrevista ao Congresso em Foco. Perguntado sobre Jair Bolsonaro, o pedetista disse tratar-se de um "despreparado paranoico"; perguntado sobre Lula, Ciro classificou-o de enganador profissional. "Lula é o grande responsável por essa tragédia econômica, social e política que o Brasil está vivendo, não tem grandeza, só pensa em si". Pausa para os merecidos aplausos (às vezes, até um burro cego é capaz de encontrar a cenoura).

Menos brilhante em seus pitacos — mas não menos esdrúxulo que seu ex-adversário no primeiro turno das eleições passadas —, Fernando Haddad, o bonifrate do encantador de burros, que está desempregado desde outubro do ano passado e deveria pedir desculpas por ser tão servil a um corrupto e lavador de dinheiro, por ter desgovernado São Paulo durante quatro anos e por afirmar que a Venezuela é uma democracia — regurgitou a seguinte pérola“Eduardo Bolsonaro pediu desculpas por defender um novo AI-5. Poderia pedir desculpas por ter ofendido o filho do presidente eleito da Argentina. Por ter tentado usurpar o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. Por homenagear miliciano e torturador. E pelo pai”. É o roto criticando o esfarrapado!
    
Haveria muito mais a dizer, mas prolongar esta postagem repisando o que já se sabe seria chover no molhado. Melhor acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será mesmo protocolado um pedido de cassação do deputado boquirroto, lembrando que as "comissões de ética", tanto da Câmara quanto do Senado, são tão úteis quanto um ministério da Marinha na Bolívia.

Antes de encerrar, achei por bem mencionar que os ex-governadores do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que haviam sido presos na última quarta-feira (ele pela quinta vez e ela, pela terceira), deixaram a prisão no dia seguinte, graças à pronta intervenção do ministro Gilmar Ferreira Mendes. A propósito, relembro que sua excelência encabeça a lista de ministros supremos com mais pedidos de impeachment — pelas últimas contas, são 10 contra ele e 9 contra Toffoli; a única que escapa até agora é a ministra Cármen Lúcia.

Só neste ano foram 16 pedidos de abertura de processos de impeachment contra os supremos togados, a maioria motivada por decisões contrárias ao que a população brasileira espera do Judiciário, como a do próprio Gilmar, que autorizou a suspensão da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Não obstante, se depender de Davi Alcolumbre, que claramente não tem interesse algum em lhes dar seguimento, os processos continuarão dormitando eternamente em berço esplêndido nas gavetas do Senado, o que nos leva a pensar se os pontos de vista de Eduardo Bolsonaro... bem, é melhor deixar pra lá.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

PESSOAS E PRAGAS


Todo mundo sabe o que é um tomate. Ou melhor, falando uma linguagem mais científica: grande parte dos 7 bilhões de habitantes do planeta, talvez a maioria, sabe o que é um tomate. O que bem menos gente sabe é que o tomate é também um dos vegetais que mais recebem defensivos químicos em toda a agricultura mundial — ou “agrotóxicos”, como diz o universo ecológico brasileiro. Não muitos, enfim, sabem que os melhores tomates do mundo são cultivados na área do vulcão Vesúvio, vizinha a Nápoles, na Itália (pelo menos na opinião praticamente unânime dos italianos). O tomate dali é maravilhoso, mas não é mágico. Recebe toneladas de defensivos agrícolas todos os anos, sem falar de fertilizantes, produtos para aumentar o rendimento das culturas e intervenções genéticas de última geração. Os napolitanos não fazem isso porque gostam de gastar dinheiro com “agrotóxicos”, mas porque, se não o fizerem, seus tomates morrerão. E aí: o que seria da pizza? E do molho al sugo? E do ketchup?

O problema não seria só com a pizza de Nápoles e do resto da Itália. Sem tomate iria acabar, do mesmíssimo jeito, a pizza da Moóca, de São José dos Ausentes e da Groenlândia, porque ninguém ainda descobriu como seria possível cultivar tomates, em volume que faça algum sentido, com a ação natural das abelhas, trato de algas marinhas e outras lendas presentes no aparelho mental da população naturalista, orgânica, vegana, e por aí afora. Você decide, então: ou existe tomate do jeito que ele é na vida real, ou não existe tomate. A lógica comum diria que é melhor deixar os tomates quietos, como eles estão — mesmo porque, ao que se sabe, pouquíssima gente morre neste mundo por comer a macarronada da mamma. Mas vá você dizer isso a um combatente a favor da alimentação natural e contra “o veneno na minha comida”. Será acusado de ser um “defensor do agronegócio”, da “indústria química”, da “ganância”, do “lucro” e daí para baixo. Mais: vai ser carimbado como retrógrado, fascista e inimigo da saúde humana em geral.

Não se trata de uma questão só de tomates. O trigo e a soja, o arroz e o feijão, o milho e a batata, e todos os alimentos produzidos em massa na face da Terra têm de receber hoje montanhas de produtos químicos para sobreviver — ou é assim ou desaparecem. O problemão, nesse caso, é como alimentar na prática os 7 bilhões de cidadãos citados acima. Não apareceu até agora uma única resposta coerente para isso. O que existe mesmo, no mundo das realidades, é a seguinte opção: ou você alimenta as pessoas ou alimenta as pragas. Pior ainda, quem vai levar na cabeça são os mais pobres, pois a maioria da população global é constituída de pobres — e, por eles serem muitos, criam o incômodo de consumir mais comida que todas as classes médias, altas ou altíssimas do mundo somadas. São eles os que vão comer menos — até porque não têm dinheiro para comprar sua janta nas lojas “biô”, orgânicas ou naturalistas do Leblon.

Nunca houve tanto agronegócio no mundo. Nunca se consumiram tanta carne, frango e outras proteínas básicas. Nunca houve tanto alimento para o homem — e nunca se produziu e vendeu tanto produto artificial para o campo. Ao mesmo tempo, jamais a população do planeta foi tão grande como hoje. Nem tão bem alimentada, até por questões legais — uma Volkswagen, por exemplo, é obrigada por lei a oferecer pelo menos dois tipos de proteína em seus refeitórios, no almoço e no jantar, todos os dias. Só consegue cumprir a lei se acha frango e boi em quantidade suficiente — e para isso frangos e bois têm de engordar cada vez mais depressa, o que é impossível sem hormônios, rações com componentes químicos, vacinas. Milhares de outras empresas brasileiras precisam, por lei, fazer exatamente a mesma coisa — ou os fiscais vão lhes socar em cima uma quantidade de multas capaz de levar até o Google à falência.


Como fica, então? Se estivessem pondo “veneno” na comida, você iria ver gente caindo morta na sua frente em cada esquina, todo dia. Em vez disso, a população só aumenta. É óbvio que o uso da química, biogenética e outras tecnologias na agricultura é uma questão de doses certas, produtos de qualidade, mais segurança quanto aos seus danos potenciais à saúde, mais competência no manejo. Mas nunca, também, houve progressos tão espetaculares na melhoria científica dos adubos, pesticidas, transgênicos e tudo o mais que se põe nas lavouras. São os fatos. A alternativa é voltar à Idade da Pedra, quando a alimentação era 100% natural — e o sujeito precisava ter uma sorte do cão para chegar vivo aos 30 anos de idade.

Texto de J.R. Guzzo.

sábado, 24 de agosto de 2019

UM PAÍS DIFERENTE




Na noite de ontem, o presidente Bolsonaro fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão — pontuado por panelaços aqui e acolá — para anunciar medidas de combate aos incêndios e ao desmatamento na Amazônia. Na oportunidade, lembrou sua excelência que incêndios florestais existem em todo o mundo, e que isso pode ser pretexto para sanções internacionais. Disse também que as queimadas das últimas semanas estão na média dos últimos 15 anos, mas que o governo não está satisfeito e vai atuar para conter os focos de incêndio. Faltou dizer que incêndios e queimadas são coisas diferentes, como já havia explicado a ministra da Agricultura. E que a Amazônia queima desde sempre sob a leviandade de presidentes que não têm coragem para proibir o desmate — isso, nem o presidente nem a ministra disseram.

Para provar que a Amazônia inteira está em chamas, o presidente da França postou uma foto de 1989 e, em seguida, outra de um fotógrafo morto em 2013. Fez tabelinha com Cristiano Ronaldo, que preferiu um incêndio no Rio Grande do Sul. Com aliados assim, a floresta não precisa de inimigos. Macron aproveitou para jogar gasolina no debate às vésperas da reunião do G7, ao chamar nossa Hileia de “nossa casa”, e ainda cometeu a tolice de lhe atribuir o papel de pulmão do mundo, uma afirmação negada pelos ecologistas há muito tempo. Bolsonaro colaborou para o incêndio retórico incluindo no bate-boca denúncias sem provas de autoria do crime a ONGs financiadas pelos países ricos. A ver até que ponto essa merda ainda vai feder.


A Fiesp vê com espanto as ameaças de países participantes do tratado comercial do Mercosul, anunciado há menos de 60 dias, de recuarem no que foi acordado em exaustivos debates ao longo de duas décadas. Causa espécie que os integrantes do tratado recorram a pretextos que não têm qualquer relação com o que foi negociado para fazer política interna e tentar atacar a imagem do Brasil, que participa de todos grandes os acordos globais sobre clima e meio ambiente em vigor — e os cumpre.

Observação: A “resistência” acha que vai liquidar a fatura com mais um discurso do Macrô, três “manifestações em todo o Brasil” e os dez merréis de carne que a Finlândia diz que não vai comprar mais. Aí é só pedir o impíxe do homem e correr pro abraço.

Vamos ver até que ponto essa merda ainda vai feder.
 
O presidente da República pode ser ruim, ou muito ruim, conforme a definição que deixar o leitor mais confortável. Também pode ser bom, caso se leve em conta a opinião dos que acham que ele está sempre certo. Na verdade, para simplificar a conversa, o presidente pode ser o que você quiser.

Mas os fatos que podem ser verificados na prática estão dizendo que seu governo, depois dos primeiros sete meses, é bom — ou, mais exatamente, o programa de governo é bom, possivelmente muito bom. Esqueça um pouco o Jair Bolsonaro que aparece em primeiríssimo plano no noticiário, todo santo dia, em geral falando coisas que deixam a maioria dos comunicadores deste país em estado de ansiedade extrema.

Em vez disso, tente prestar atenção no que acontece. O que acontece, seja lá o que você acha de Bolsonaro, é que seu governo está conseguindo resultados concretos. Mais: é um governo que tem planos, e tem a capacidade real de executar esses planos. Enfim, é um governo que tem uma equipe muita boa fazendo o trabalho que lhe cabe fazer.

O ministro Paulo Guedes tem um plano, e seu plano está sendo transformado em realidades — a começar pela aprovação de uma reforma da Previdência que todos os cérebros econômicos do Brasil julgavam, até outro dia, ser uma impossibilidade científica.

A reforma tributária virá; seja qual for sua forma final, ela deixará um país melhor. Uma bateria de outras mudanças, basicamente centradas no avanço da liberdade econômica e na faxina administrativa para melhorar a vida de quem produz, está a caminho — diversas delas, por sinal, já foram feitas e estão começando a funcionar. Guedes é um ministro de competência comprovada, e sua equipe, que ele deixa em paz para trabalhar, tem qualidade de país desenvolvido.

É bobagem, simplesmente, apostar contra ele. Os ministros Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, Bento Albuquerque, de Minas e Energia, e Tereza Cristina, da Agricultura, são craques indiscutíveis — e estão mudando, em silêncio, o sistema nervoso central das estruturas de produção do país.
Há mais. O ministro Sergio Moro, que seria destruído numa explosão nuclear, está mais vivo do que nunca. Há todo um novo ambiente, voltado para as realidades e para a produção de resultados, em estatais como a Petrobras ou a Caixa Econômica Federal, a Eletrobras ou o BNDES.

As mudanças, aí e em muitos outros pontos-chave do Estado nacional, estão colocando o Brasil numa estrada oposta à que vem sendo seguida desde 2003 — e é claro que a soma de todos esses esforços, por parciais, imperfeitos e deficientes que sejam, vai criar um país diferente. Os avanços são pouco registrados na mídia? São. O governo comete erros, frequentemente grosseiros? Comete.
Suas propostas sofrem deformações, amputações e alterações para pior? Sofrem. O presidente é uma máquina de produzir atritos, problemas de conduta e confusões inúteis? É. Mas nada disso tem impedido, não de verdade, que o governo esteja conseguindo obter a maioria das coisas que quer. Já conseguiu uma porção delas em seus primeiros sete meses. Não há fatos mostrando que vá parar de conseguir nos próximos três anos e meio.

O governo Bolsonaro é ruim? De novo, dê a resposta que lhe parecer melhor. Mas sempre vale a pena lembrar que a maioria das coisas só é ruim ou boa em comparação com outras da mesma natureza. O atual governo seria pior que o de Dilma Rousseff ou de Lula? E comparando com o de Fernando Collor, então, ou o de José Sarney? Eis aí o problema real para quem não gosta do Brasil do jeito que ele está — o governo Bolsonaro não vai ser um desastre.

A possibilidade de repetir o que houve nos períodos citados acima é igual a zero. Impeachment? Sonhar sempre dá. Mas onde arrumar três quintos contra Bolsonaro no Congresso? Na última vez que a Câmara votou uma questão essencial, a reforma da Previdência, deu 74% dos votos para o governo. Melhor pensar em outra coisa — ou aceitar o fato de que o homem vai estar aí pelo menos até 2022.

Texto de J.R. Guzzo.

sábado, 17 de agosto de 2019

QUANDO QUERO VER O PATETA, VOU À DISNEY, NÃO A BRASÍLIA



Em 16 de março de 1990 — uma sexta-feira —, um dia depois de ter tomado posse, o primeiro presidente eleito pelo voto direto após quase 30 anos — 21 dos quais sob a ditadura militar que o atual presidente diz jamais ter existido — decretou feriado bancário e anunciou um pacote de medidas econômicas que incluía o confisco dos depósitos bancários e das até então intocáveis cadernetas de poupança dos brasileiros. Os saques na conta corrente e na poupança foram limitados a NCz$ 50 mil, e o restante do dinheiro ficaria retido por 18 meses, rendendo juros de 6% ao ano mais correção monetária. No caso dos fundos de curto prazo e do overnight (refúgio de parte da classe média diante da “inflação galopante”), poderiam ser sacados somente 20% ou NCz$ 25 mil, o que fosse maior, pagando ainda tributação de 8% sobre o valor retirado.

Ao fim do feriado bancário de três dias, longas filas se formaram nas agências, e os bancos não tinham dinheiro suficiente para cobrir saques dos clientes. Como nosso povo é useiro e vezeiro em fazer piadas com a própria desgraça, uma anedota que logo correu o país (de boca em boca, pois ainda não havia redes sociais) era mais ou menos assim: "Após horas na fila para sacar seus NCz$ 50 mil, um sujeito resolveu matar o presidente, mas volta à fila poucos minutos mais tarde. Perguntado por que havia desistido, ele respondeu: A fila para matar Collor está muito maior."

Fiz essa breve introdução porque agora, quase 30 depois do funesto Plano Collor, figuras de destaque nos poderes Judiciário e Legislativo fazem fila para mandar calar-se o chefe do Executivo. Em abril, quando Bolsonaro interferiu na política de preços da Petrobras, FHC mandou-lhe o seguinte recado: "Tomara que os que pouco sabem aprendam ou calem. No mês passado, diante de mais uma declaração pra lá de infeliz do capitão, o ministro supremo Marco Aurélio Mello disse que “apenas criando um aparelho de mordaça” Bolsonaro poderia parar de proferir o que chamou de incivilidade e grosseria. Dias atrás, o tucano Tasso Jereissati, relator da PEC previdenciária no Senado, disse: "quanto mais ele [Bolsonaro] ficar calado, melhor, que aí as coisas fluem com mais tranquilidade, sem criar nenhum ponto de atrito", e a emedebista Simoni Tebet, presidente da CCJ do Senado, lhe fez eco: "toda vez que Bolsonaro ofende a classe política, joga as redes sociais contra o Congresso, ele acaba atrapalhando”.

Calado, o mais turbulento na galeria de presidentes brasileiros é um poeta; quando abre a boca, é um pateta. Mas como esperar que Bolsonaro se cale se antes de entrar na política ele já exibia sinais de impetuosidade, desrespeito pelos limites e ânsia de protagonismo? Se foram atos de indisciplina que o levaram a deixar o Exército? Para quem não se lembra, em 1986, quando tinha 31 anos, Bolsonaro publicou na revista Veja um artigo em que reclamava do soldo, e foi punido com 15 dias de prisão e um processo disciplinar. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente e o insurreto, absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Há uma identidade de valores, de estilo e de estratégia entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, mas este não é cria daquele: muito antes de saber quem era Trump, o capitão já dizia que FHC devia ser fuzilado e que Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque era feia. Ambos são fenômenos, mas fenômenos independentes, surgidos e aprimorados cada um por si, como signos do tempo. Um dia vão acabar, como tudo acaba, mas estão vivos e desconfia-se que em ascensão. Tanto um como o outro têm chances reais de se reeleger.

A uma semana do segundo turno das eleições, o capitão deu a seguinte declaração: “O que eu pretendo é fazer uma excelente reforma política, acabando com o instituto da reeleição, que começa comigo caso seja eleito, e reduzindo um pouco, em 15% ou 20%, a quantidade de parlamentares”. Passados quase nove meses, não fez nem uma coisa nem outra. Picado pela mosca azul, passou a entremear suas estultices primeiro com insinuações, depois com declarações de que é, sim, candidatíssimo à reeleição. Mas nada garante que não seja abatido em seu voo de galinha antes mesmo de terminar este mandato. Ao que tudo indica, já houve articulações nesse sentido, mas que o "pacto institucional" costurado por Dias Toffoli, o sonhador, impediu de avançar.

Quase 30 anos no baixo clero da Câmara consagraram Bolsonaro na política do ultraje. A postura de enfrentamento é da sua natureza. Recuos e tentativas conciliatórias há — ninguém vem sendo mais useiro e vezeiro em desdizer o que disse (e até o que não disso) do que nosso capitão —, mas parecem carecer de sinceridade. Bolsonaro age às vezes age como um estrategista de alto coturno e noutras, como um parlapatão irresponsável. Há quem veja sua beligerância atávica, no velho estilo estudantil “não levo desaforo para casa”, como um papel que ele interpreta, mas o mais provável é que isso faça parte da sua personalidade, e nada poderá muda-lo. É como na fábula do Sapo e o Escorpião, onde este convence aquele a levá-lo nas costas até o outro lado do rio, argumentando que ambos morrerão se ele o aguilhoar, mas tasca-lhe o ferrão assim mesmo, porque é incapaz de agir contra sua natureza.

A PEC da Previdência, vista como a maior vitória política de Bolsonaro até o momento, não foi aprovada na Câmara devido aos esforços  do chefe do Executivo, mas apesar de seu empenho em melar a tramitação da proposta. Em outras circunstâncias, seria a hora de comemorar e vislumbrar um céu de brigadeiro nas relações com o Congresso rumo à aprovação de outras pautas importantes, mas o que se vê no horizonte são nuvens carregadas. A já folclórica incontinência verbal do presidente, sua capacidade de produzir crises quase diárias e a ausência de uma estratégia para formar uma base de apoio não permitem tanto otimismo. Enfim, a ver.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A LAVA-JATO TORPEDEADA E A DISPUTA PELO COMANDO DA PGR


Só mesmo numa republiqueta de bananas que um expoente do que há de pior na política, réu em uma dezena de ações criminais e que continua solto porque a atual composição do STF é a mais medíocre de toda a história da Corte, ousa pedir a cabeça do coordenador da maior operação anticrime e anticorrupção da história e, o que é pior, tem chances reais de ser atendido.

Falo de Renan Calheiros, o cangaceiro das Alagoas, autor do projeto de medidas contra o abuso de autoridade, aprovado da última quarta-feira pela Câmara e, como já fora aprovado no Senado, segue agora para sanção presidencial. Trata-se de uma proposta oportunista, requentada a partir de um projeto apresentado em 2009 pelo então deputado Raul Jungmann, que nada tinha a ver com a Lava-Jato — que, à época, sequer existia. 

A ideia, então, era atualizar a legislação para conter os abusos de qualquer autoridade pública, mas o que levou essa proposta a ser desengavetada dez anos — e ser aprovada a toque de caixa, em votação secreta — é a motivação que importa nos dias de hoje: controlar a Lava-Jato, defender os congressistas de maneira geral e Renan, em particular. Da forma como foi aprovado, o texto retira da legislação seu caráter de proteção geral dos cidadãos e transforma o projeto em mero instrumento de bloqueio da ação dos órgãos de investigação e acusação, como o Ministério Público e a Receita Federal, além de constranger juízes.

Em cinco anos de existência, a Lava-Jato contabilizou 2.252 anos, 4 meses e 25 dias de condenações para 159 réus (veja mais números na figura ao lado). Mas nem tudo são flores nesse jardim. No entanto, desde que foi deflagrada, em 17 de março de 2014, ela vem sendo bombardeada por todos os lados. De alguns meses a esta parte, vazamentos espúrios de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, e deste com outros procuradores, vêm fornecendo farta munição para a banda podre do Congresso e do Judiciário. 

Diante de reportagens segundo as quais ministros do STF estariam pressionando Raquel Dodge para afastar Dallagnol, a PGR, em nota, disse que o procurador tem garantia constitucional de não ser afastado dos processos da Lava-Jato, dos quais é o promotor natural, atuando em conjunto com os demais membros da força-tarefa designados pela procuradoria-geral. No último dia 12, Dodge prorrogou por mais um ano o "prazo de validade" da operação — que acabaria no mês que vem, quando se encerra também o mandato de Dodge, caso o presidente não a reconduza ao cargo.

A cada dois anos, a Associação Nacional de Procuradores da República faz uma eleição em que cerca de 1.300 procuradores votam naqueles que mais gostariam que comandasse a PGR. Os três nomes mais votados são submetidos ao presidente da República, que geralmente escolhe o primeiro da lista, embora não seja obrigado a tal (ao indicar Raquel Dodge, o ex-presidente Temer optou pelo segundo nome, mas isso agora não vem ao caso), podendo até mesmo indicar um procurador que não esteja incluído nessa lista tríplice. Bolsonaro está indeciso, tendo mesmo afirmado que o cargo do chefe do MPF é mais importante que o seu próprio, e que é preciso escolher o candidato cujo perfil atenda várias exigências — e que não seja barrado, depois, pelo Senado, a quem compete chancelar a indicação presidencial. 

Observação: Na lista deste ano, os três procuradores mais votados são Mário Bonsaglia, Luíza Frischeisen e Blal Dalloul. Dodge preferiu não disputar a eleição e tentou se cacifar junto ao governo, mas especula-se que Bolsonaro descartou reconduzi-la ao cargo para um segundo mandato depois que ela pediu providências em relação a zero três, que o papai presidente quer porque quer nomear para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos.

Voltando à Lava-Jato, o próximo dia 27 pode ser decisivo para a sobrevivência da operação. Nesse dia, a 2ª Turma do STF vai retomar o julgamento do habeas-corpus do presidiário de Curitiba. Como a ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do relator, Edson Fachin, contrário ao pedido da defesa do ex-presidente ladrão, e considerando como deverão votar Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, o decano Celso de Melo deverá ser o fiel da balança. Façam suas apostas (e suas orações). Paralelamente, o CNMP deverá julgar a tentativa de reabrir um processo disciplinar contra Deltan Dallagnol, e a coincidência dos dois julgamentos pode ser explosiva, caso os resultados sejam percebidos pela opinião pública como uma tentativa de frear a força-tarefa.

No julgamento do HC de Lula, a alegação da defesa é a suposta parcialidade do então juiz Sérgio Moro, mas o recurso foi apresentado antes de Verdevaldo das Couves e seu Interpret entrarem em ação. A defesa do petralha apensou o material espúrio aos autos do processo, como a lembrar os ministros de sua existência — como os arquivos digitais foram obtidos de maneira ilegal e não foram periciados, eles "não estão nos autos e, portanto, não estão no mundo", como se costuma dizer nos meios jurídicos. Isso significa que não possível usar essa suposta "troca de mensagens tóxicas" para embasar um pedido de anulação do julgamento que condenou o molusco repulsivo. Mesmo assim, diz Merval Pereira, "eles pairam sobre as cabeças dos ministros como almas do outro mundo, que não existem, mas assustam", e, portanto, podendo ou não ser usados no julgamento, eles têm potencial para contaminar a decisão dos magistrados.

O caso envolvendo Dallagnol é igualmente preocupante. A representação formulada pelos conselheiro Leonardo Accioly, Eric Venâncio, Luiz Fernando Bandeira de Mello e Gustavo Rocha se baseia nos diálogos publicados, e foi arquivada monocraticamente pelo corregedor Rochadel pelo fato de serem imprestáveis como prova. Acontece que Accioly e Venâncio pediram a reabertura do caso, para que o plenário decida. O parecer do relator será apresentado no dia 27, quando também será votado pelo Conselho de 12 membros, 6 dos quais são do Ministério Público.

Ainda segundo Merval, tudo indica que não há maioria para punir Dallagnol, mas alguns membros do Conselho terão que se submeter ao Senado para renovação dos mandatos, e esse pode ser um fator de pressão ponderável, já que o Congresso, a OAB, e o STF estão mancomunados para frear a Lava-Jato, e todos eles têm representantes no Conselho. Os próprios membros do Ministério Público decidirão sob forte estresse. Processos disciplinares podem resultar em punições que vão de advertência a expulsão do Ministério Público, mas é possível que, no caso de Dallagnol, a coisa não vá além de uma simples advertência. A questão que possível não quer dizer provável.   

Dallagnol e seus companheiros de Curitiba vêm ressaltando a importância da opinião pública à Lava-Jato para frear a ação da banda podre do Congresso e do Judiciário. Está sendo convocada para o próximo dia 25 uma manifestação nacional de apoio a Sérgio Moro e a Dallagnol, e contra a libertação de Lula. Ao mesmo tempo, há um movimento no Senado para abrir uma CPI já apelidada de Lava-Toga. Como a atribuição de processar togados supremos é dos senadores, essa é uma reação política que visa contrabalançar a pressão contra Moro e os procuradores de Curitiba.

O ex-juiz da Lava-Jato continua sendo o ministro mais popular do atual governo, e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, embora considerado pelo presidente “um esquerdista tipo PSOL”, tem apoio até de seus seguidores para ser indicado ao cargo de procurador-geral da República. Todavia, segundo os palpiteiros de plantão, Moro pediu a Bolsonaro que indicasse Dallagnol, mas o capitão teria se recusado. Em uma das mensagens divulgadas pelo Interpret e seus satélites, Dallagnol e os demais procuradores de Curitiba teria demonstrado falta de respeito pela autoridade de Raquel Dodge, que é próxima de Gilmar Mendes e desagrada os procuradores por não dar encaminhamento célere às delações premiadas, como fazia Rodrigo Janot. A delação de Leo Pinheiro, por exemplo, até hoje não foi encaminhada para o STF para homologação.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

BOLSONARO PATO MANCO?



Jair Bolsonaro foi eleito com os votos dos brasileiros que não queriam a volta do PT e que viam em Paulo Guedes uma garantia para o programa econômico liberal. Em seus arroubos mais megalômanos, o capitão acha que chegou aonde chegou por méritos próprios. Só que não. Mas isso não muda o fato de que ele foi eleito com o desafio de incorporar ao seu governo o que chama de "nova política", nem o ambiente hostil que lhe impede de consolidar uma base aliada.

Se continuar travando batalhas ideológicas sem sentido, Bolsonaro pode perder o poder para o Congresso e ver seu respaldo popular se reduzir aos bolsomínions — militância cega que vê no “mito” o que a patuleia desvairada vê no presidiário de Curitiba. O capitão já reconheceu que não foi talhado para o cargo, pois nasceu para ser militar, mas, depois que foi afastado do Exército por indisciplina, entrincheirou-se no baixo-clero da Câmara Federal, onde, ao longo de 27 anos, apresentou 172 projetos e relatou 73 e conseguiu aprovar apenas 2.  

Em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo (salário pago aos militares). A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, ele planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Devido a sua autodeclarada inaptidão para a Presidência, Bolsonaro dá ao Legislativo a oportunidade de usurpar o poder de fato do Executivo. Esse processo já está em curso, embora de modo dissimulado. Ao manejar mal a “caneta”, o presidente perde confiabilidade e cria um vácuo que, na política, nunca fica vago durante muito tempo. E ao acusar o Congresso de estar todo ele comprometido com o toma-lá-dá-cá da velha política, estimula os parlamentares a assumirem as rédeas da coisa pública — aqui entendida como aquilo que afeta a vida do povo brasileiro. Prova disso é que os presidentes da Câmara e do Senado se mostram mais engajados na reforma da Previdência do que o próprio Bolsonaro, tomando para si a responsabilidade da aprovação e avisando que ela se dará nos termos dos parlamentares.

Observação: Em entrevista à Globo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é uma panaceia (*), que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça.

A reforma tributária também será tocada a partir de proposição apresentada no Legislativo, que vem se interessando por uma reformulação administrativa mais profunda que a parca extinção e/ou fusão de ministérios — objeto da MP 870, recentemente aprovada na Câmara e no Senado, e que, numa clara retaliação ao ministro Sérgio Moro, mandou para a pasta da Economia o Coaf. Cogita-se no Parlamento uma discussão sobre a inevitável reforma política, mas o Executivo não deu um pio a respeito. O assunto surgirá, ainda que no debate torto sobre o fim ou não da reeleição.

As pessoas que foram às ruas no domingo 26, atendendo ao chamado do presidente, deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo, e no qual a caneta Bic presidencial é insuficiente para vencer. O tal “pacto” entre os Poderes não tem como existir, já o STF não pode se comprometer em aprovar algo que, mais adiante, será obrigado a julgar. E vale lembrar que a corte não é o ministro Dias Toffoli, que atualmente a preside, mas um conjunto de 11 ministros com têm ideias próprias (e nem sempre isentas ou sensatas) a respeito de quase tudo.

Na visão de Willian Waak, a ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) — frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.

“As ruas” — ou o que Bolsonaro entende por isso — teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria, em caso de necessidade, os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entenderem de alguma maneira. 

Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso caminha com alarmante rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo, como foi citado linhas atrás). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência — é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica. 

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, amplia-se a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo é uma quimera com chances pífias de se concretizar. O presidente atua como um competente gerador de crises, não se mostra disposto a liderar coisa alguma, e mais de uma vez deixou a própria bancada na mão. Ele confia estar na rota política correta, mas que é justamente a que vai diminuir drasticamente o poder da sua prosaica Bic. Talvez esteja na hora de usar uma Montblanc.

(*Na mitologia grega, Panaceia era a deusa da cura, mas o termo é usado popularmente para designar algo que remedeia qualquer doença, que é capaz de solucionar todos os males. Bom seria se a reforma de Previdência fosse realmente uma panaceia para as mazelas do Brasil, e melhor ainda sem também despachasse todos os petistas e congêneres para a Venezuela (com passagem só de ida) e fizesse com que locutores de comerciais de supermercados e lojas de departamento parassem de gritar.

domingo, 16 de junho de 2019

BISPO, BOLSONARO E AS TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO


Conversavam um zoófilo, um sádico, um assassino, um necrófilo, um piromaníaco e um masoquista. Disse o primeiro: 'Vamos pegar um gato!' E o segundo: 'Vamos pegar um gato e torturá-lo!' O terceiro: 'Vamos pegar um gato, torturá-lo e matá-lo!' O quarto: ' Vamos pegar um gato, torturá-lo, matá-lo e violá-lo!' O quinto: 'Vamos pegar um gato, torturá-lo, matá-lo, violá-lo e atear-lhe fogo!' E o último: 'Miau!'

Doido de pedra que se preza rasga dinheiro e come merda. Não parece ser o caso de Adélio Bispo de Oliveira, que há nove meses esfaqueou o então candidato Jair Bolsonaro durante um ato de campanha em Juiz de Fora, supostamente "por inconformismo político". O atentado (até hoje mal explicado), por óbvio, alimenta teorias da conspiração, quando mais não seja porque tão logo se deu a prisão do esfaqueador uma escrete de causídicos estrelados, movidos a honorários estratosféricos, assumiu o caso.

Bispo declarou que investiu contra Bolsonaro porque “não simpatizava com ele”, mas refutou ligação com qualquer partido político, embora tenha sido filiado ao PSOL de 2007 até 2014 (uma evidência incontestável de que ele realmente não bate bem da bola, mas isso é outra conversa). Cinco dias antes do atentado, ele publicou uma ameaça numa página de apoiadores do “mito”, chamando o candidato de “marionete do capitalismo” e afirmando que ele merecia um tiro na cabeça. Depois, disse à polícia que recorreu à faca porque comprar uma arma de fogo seria caro e burocrático demais. O inquérito concluído semanas depois não identificou patrocínio ou patrocinador; para os investigadores, Bispo era como "lobo solitário".

Dezenas de policiais federais analisaram 150 horas de vídeos, 600 documentos e 1.200 fotos, além de 2 terabytes de informações encontradas com o agressor e de quebras de sigilo telefônico, bancários e telemático. Mas o segundo inquérito, que apura quem está bancando a defesa de Bispo — e, portanto, teria interesse no atentado —, foi paralisado pelo desembargador Néviton Guedes, do TRF-1, a pedido do Conselho Federal da OAB, depois que o advogado Zanone Manuel de Oliveira, que coordena a defesa do criminoso, foi alvo de uma operação de busca e apreensão em casa, num hotel e numa locadora de veículos de sua propriedade.

A premeditação do crime salta aos olhos: O autor, que morava em Montes Claros, viajou para Juiz de Fora com duas semanas de antecedência, fotografou previamente os locais por onde a vítima passaria e a acompanhou durante todo o dia 6 de setembro, tendo acesso até mesmo ao hotel em que Bolsonaro almoçaria com empresários mineiros. Planejamento digno de um "lunático"? Poi sim! Claro que há um departamento dentro do nosso psiquismo que adora teorias conspiratórias, e longe de mim querer fomentá-las, mas alguns detalhes escabrosos dessa mixórdia são dignos de nota:

1) O atual presidente nacional da OAB tem fortes laços com o PT;

2) O desembargador que paralisou a investigação que realizou buscas no escritório do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, principal coordenador da defesa de Bispo, foi nomeado para o cargo por Dilma e já suspendeu os interrogatórios de Lula e Luleco na Operação Zelotes e uma decisão que impedia o funcionamento do Instituto Lula;

3) Bispo estava desempregado, mas possuía 4 smartphones e um computador portátil (notebook). Dois meses antes do crime, ele gastou centenas de reais (pagos em dinheiro vivo) num clube de tiro frequentado por dois dos filhos de Bolsonaro, e mais adiante pagou adiantado — também em dinheiro vivo — por duas semanas de hospedagem numa pensão em Juiz de Fora;

4) Nas semanas subsequentes à do atentado, a dona da pensão e outro hóspede com quem Bispo tivera contato nos dias anteriores ao do crime entregaram suas almas ao criador (segundo a versão oficial, a mulher sofria de câncer terminal e o sujeito não só era usuário de drogas como tinha problemas de saúde;

5) No dia 6 de agosto de 2013, quando ainda era filiado ao PSOLBispo esteve no anexo 4 da Câmara dos Deputados, como ficou registrado no sistema. No dia do atentado, alguém simulou sua entrada na Câmara — que fica a 1.000 quilômetros de distância de Juiz de Fora —, o que constituiria um álibi perfeito se ele tivesse conseguido fugir (uma sindicância feita na Câmara afirmou tratar-se de “um engano”, e eu não consegui apurar o que resultou da investigação feita pelo Instituto Nacional de Criminalística de Brasília);

6) Cinco horas após a prisão, o advogado Pedro Possa, convocado pelo colega Zanone, estava a postos na delegacia da PF em Juiz de Fora para blindar o esfaqueador — Zanone disse que aceitou o caso após receber um email (ou uma mensagem de WhatsApp) de um contratante misterioso ligado à Igreja do Evangelho Quadrangular de Montes Claros, e que escalou Possa porque o colega mora perto. No dia seguinte, 7 de setembro, o próprio Zanone voou de BH para Juiz de Fora em seu avião particular, acompanhado do também advogado Fernando Magalhães.

Em entrevista a VEJABolsonaro reafirmou a suspeita de que foi vítima de uma trama ainda a ser desvendada. Após nove meses de investigação, a PF não encontrou nenhum indício que sustente essa desconfiança. As evidências colhidas pelos investigadores dão conta de que Bispo “não é normal”. Aos peritos, o ex-garçom disse que começou a pensar em matar Bolsonaro quando soube que, caso fosse eleito, ele pretendia “fuzilar os petralhas”, e que pôr fim à vida do candidato era uma missão divina — Deus em pessoa teria dito a Bispo que somente ele “poderia salvar o Brasil da destruição”. Os delírios, ao que tudo indica, foram construindo o enredo da tragédia.

No dia 6 de setembro, ao verificar que sua vítima potencial se hospedara num hotel defronte a uma praça onde havia monumentos maçônicos, o esfaqueador não teve dúvidas de que Bolsonaro era maçom” e, por isso, entregaria as riquezas do país “ao Fundo Monetário Internacional, aos próprios maçons e à máfia italiana”. Convencido disso, ele se infiltro na multidão que acompanhava o comício em Juiz de Fora e esfaqueou o capitão no abdômen. A missão divina fracassou, mas, segundo o dublê tupiniquim de Jack, o Estripador, ela ainda será concluída: ele já avisou que, se for solto, voltará a atentar contra a vida do presidente e de Michel Temer, que “também participaria da conspiração maçônica”.

A Justiça concluiu recentemente que esse projeto de estrume sofre de transtorno delirante permanente paranoide — o que tecnicamente o torna inimputável; quando muito, ele pode ser internado num manicômio judiciário e reavaliado a cada dois anos. Por precaução, cópias do laudo foram enviados ao Palácio do Planalto. Bispo está no presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS) mas pediu para ser transferido — o lugar, segundo ele, está impregnado de “energia satânica”.

Todos são iguais perante a Lei, mas quem tem bons advogados é “mais igual que os outros”. Lula  acreditou nisso e acabou na cadeia. Mas a pergunta que não quer calar é: quem está bancando a defesa? O ex-garçom é que não é.

Bolsonaro e o filho Carluxo também podem estar sofrendo de algum transtorno mental. A hipótese mais provável aponta para Transtorno de Estresse Pós-Traumático, que acarreta ansiedade, variações abruptas de humor, anorexia nervosa, paranoia e narcisismo. Antonio Egídio Nardi, professor titular do Instituto de Psiquiatrias da UFRJ, diz que o TEPT é um sofrimento psíquico muito comum em nossa sociedade violenta, embora afete mais comumente os veteranos de guerra, policiais, bombeiros e socorristas. Hoje, porém, com a violência urbana, os quadros clínicos são rotina nos consultórios de psiquiatras e psicólogos.

O TEPT pode ocorrer em qualquer idade após a exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual. Nardi exemplifica que ocorrem pesadelos nos quais o conteúdo e/ou o sentimento estão relacionados ao evento traumático. A ênfase é nas lembranças recorrentes do evento, e normalmente incluem componentes emocionais e físicos, mas os sintomas mais comuns de revivência são pesadelos que repetem o evento em si.

Resumo da ópera: Diz um velho ditado que "de médico e de louco, todo mundo tem um pouco". Mas Bispo, até onde se sabe, não come merda nem rasga dinheiro. Mas talvez Lula não estivesse tão errado quando disse que o Brasil está sendo governado por um “bando de maluco” (sic).

Sobre as "conversas" vazadas pelo Intercept Brasil — esse assunto já deu no saco, mas continua dando pano pra manga — Caio Coppola já havia advertido sobre a má índole do jornalista americano Gleen Greenwald, que, por força de suas ligações umbilicais com a esquerda, com o PT e com Lula, mudou-se para o Brasil e vive atualmente no Rio de Janeiro, em ligação homoafetiva com o deputado David Miranda. Ouça o que o moço disse a respeito:



Sobrando tempo e dando jeito, não deixe de assistir: https://vimeo.com/341854175