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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A CRISE BOLSONARO X PSL — QUANDO O NAVIO ABANDONA OS RATOS


Quase um ano após trocar a magistratura por um cargo no governo, Sérgio Moro disse a Veja que " BRASÍLIA É CHEIA DE INTRIGAS". Não demora e o ex-juiz da Lava-Jato descobrirá que merda fede. Jair Bolsonaro já fez essa descoberta, e agora tenta se afastar do bodum. No afã de se blindar contra o mau cheiro exalado pela LARANJAL DO PSL, ele faz como o cara que muda de calçada depois de pisar na merda (voltaremos a esse assunto mais adiante).

Dias atrás, disse o presidente, ao vivo em cores, que "o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, mas no minério". Depois, perguntado sobre o paradeiro de Fabrício Queiroz, respondeu: "Tá com a sua mãe". Quando alguém que se apresentou como pré-candidato no Recife pelo PSL e disse que estava com Bolsonaro e com Bivar (presidente nacional do PSL), cochichou em seu ouvido que esquecesse o PSL. E emendou: o Bivar está queimado para caramba lá. Vai queimar o meu filme também. Esquece esse cara”. Como de praxe, sua excelência perdeu mais uma chance de ficar de boca fechada. Se tivesse deixado passar o comentário, o cochicho não teria virado bochicho. Pondo lenha na fogueira, a usina de crises ambulante acentuou o racha no partido pelo qual se elegeu — e que, graças a ele, passou de uma sigla nanica, com um único deputado federal, à segunda maior bancada na Câmara (atrás somente do PT).

Observação: Desde que deu baixa do exército e ingressou na política, Bolsonaro trocou de partido nada menos que sete vezes.

Palavras são só palavras, mas o fato é que o presidente, sempre "cioso da liturgia do cargo" (entre aspas para destacar a ironia com que eu digo isso), usa-as para deixar patente que a diplomacia está no sangue de seu clã (a julgar pela genética, Zero Três fará um excelente trabalho à frente da embaixada do Brasil nos EUA). Se realmente deixar o partido, teremos a curiosa situação em que o navio abandona os ratos; se ficar só na ameaça, ainda assim alimentará as chamas que ardem no ninho pesselista e escreverá mais um capítulo da nova novela que envolve o governo.

Apesar de seu papel relevante no crescimento do PSL na última eleição, Bolsonaro não tem influência proporcional no processo decisório no partido. O Diretório Nacional é composto por aliados de Bivar, que deverá ter posição decisiva na definição de candidaturas, estratégias e da distribuição de recursos no ano que vem. De um lado, o capitão poderia buscar o afastamento da crise dos laranjas e construir uma base mais coesa. De outro, há riscos de aprofundamento na divisão da direita e mais turbulências na gestão da governabilidade. Além disso, não há garantias de que a massa de parlamentares eleitos graças à onda bolsonarista no último pleito o seguiria — sobretudo quando se considera que a nova sigla não contaria com estrutura partidária e acesso a recursos públicos. E é nisso que apostam os dirigentes do PSL. Se a decisão for pela migração para uma sigla já existente, há risco de parlamentares perderem o mandato.

Nos cálculos de bolsonaristas, o grupo contaria com cerca de 30 deputados da bancada de 54 parlamentares pesselistas na Câmara. Se as estimativas se confirmarem, a bancada será a nona maior da casa legislativa, com 24 assentos a menos que o PT. Além disso, em não havendo expulsão nem justa causa para a saída, o presidente e os parlamentares que o acompanharem não poderão levar o cofrinho, o que significa abrir do Fundo Partidárioaquele dinheiro que os políticos roubam de nós para se elegerem e continuar nos roubando. A sigla deve receber cerca de R$ 103 milhões neste ano e R$ 360 milhões em 2020, sendo R$ 245,2 milhões do Fundo Eleitoral.

Nos bastidores, Bolsonaro teria dito aos deputados com os quais se reuniu na última quarta-feira que busca alternativas jurídicas para abrir a maçaneta da porta de saída do PSL. À imprensa, negou que esteja fazendo as malas, classificou suas desavenças com o partido de "briga de marido e mulher", coisa que "de vez em quando acontece". Considerando-se o caráter mercantil da relação, o matrimônio deveria se chamar "patrimônio". No caso específico, um patrimônio público.

O lado bom da história é que os dados de votações na Câmara mostram que o conflito está visível muito mais na política partidária do que no cotidiano de votações do Congresso. O PSL é o partido mais alinhado às orientações do governo. Em 98% das vezes em que votaram, os deputados pesselistas seguiram a indicação do Executivo.

Para encerrar, transcrevo mais um artigo do sempre brilhante Josias de Souza:

Ganha um cesto de laranjas quem for capaz de apontar um mísero tema de interesse público associado à irritação que leva Jair Bolsonaro a tratar o seu próprio partido, o PSL, na base do pontapé. Se Bolsonaro estivesse discutindo com o presidente do PSL, Luciano Bivar, por conta da promiscuidade que transforma a legenda em matéria prima para a Polícia Federal e o Ministério Público, tudo bem. Mas é improvável que o presidente inicie a sério esse tipo de debate. A menos que pretenda começar pela sujeira que se acumula no seu quintal, onde, como realçou o Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, acumula-se a sujeira produzida pelo filho Flávio Bolsonaro e o faz-tudo Fabrício Queiroz.

A causa mais visível da encrenca é uma disputa pelo poder partidário, o que inclui a administração de duas caixas milionárias: o fundo partidário e o fundo eleitoral. Os dois são abastecidos com dinheiro público. Bolsonaro diz que Bivar está "muito queimado". É impossível discutir com o presidente numa matéria em que ele vai se tornando um especialista. Mas o mal de uma briga a céu aberto entre o estorricado e o tostado é o eleitor que passa não distinguir quem exala mais cheiro de cinzas.

Hoje, Bolsonaro ameaça saltar do PSL fazendo a pose de um navio que abandona os ratos. Como a lei não permite levar o caixa do partido junto, não são negligenciáveis as chances de o capitão permanecer na legenda. Se sair trocará um problema pelo outro, pois os partidos no Brasil viraram apenas mais um ramo do crime organizado. Se ficar, conviverá num mato do qual não sai coelho. Só sai Luciano Bivar, Marcelo Álvaro Antonio, Flávio Bolsonaro.

Tudo isso não chega a afetar o café com leite dos brasileiros. Mas contribui para fazer de Bolsonaro apenas mais um personagem da crise de representatividade que levou os eleitores brasileiros a transformarem todas siglas partidárias — PT, PSDB, MDB, PSL e que tais — em sinônimo da única sigla que qualquer um decodifica instantaneamente. Tem apenas três letras. Começa com F, traz o D no meio e termina com P.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

PONTO E CONTRAPONTO




Se não foram um sucesso retumbante, as manifestações promovidas por bolsomínions e afins tampouco foram um fiasco: milhares de pessoas saíram às ruas em 130 dos 5.570 municípios brasileiros — a maioria vestindo verde e amarelo — em defesa da reforma da Previdência e do pacote anticrime e anticorrupção. As mobilizações ocorreram em cidades dos 26 estados e do DF, mas as mais significativas foram registradas em São Paulo e no Rio. Ainda que tenha havido ataques pontuais ao Congresso — sobretudo contra parlamentares do Centrão — e ao STF, não houve registro de badernas, quebra-quebras, confrontos com a polícia e outros incidentes deploráveis que tais. Numa rápido pronunciamento à imprensa, Bolsonaro, sorrindo de orelha a orelha, classificou o movimento “espontâneo” como um recado “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se liberte”. A adesão foi visivelmente menor que nas manifestações pelo impeachment de Dilma — ou mesmo que no protesto do último dia 15. Em Sampa, os manifestantes se concentraram ao redor de sete carros de som espalhados por oito quarteirões da Avenida Paulista, entre a Brigadeiro e a Augusta. O Nas Ruas — que ocupou o espaço que em 2014 foi dos movimentos Brasil Livre e Vem Pra Rua — levou um boneco inflável gigante do presidente e tocou o jingle de sua campanha. Dito isso, vamos adiante.

O ponto:

Depois de ter distribuído pelo WhatsApp um texto segundo o qual o País é "ingovernável" sem os "conchavos" políticos e de dizer que conta "com a sociedade" para "juntos revertermos essa situação", o presidente Jair Messias Bolsonaro voltou a fazer apelos diretos ao "povo" contra o Congresso — em relação ao qual nutre indisfarçável desprezo, embora tenha sido obscuro parlamentar durante 28 anos. Cresce a inquietante sensação de que o capitão decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias cuja vontade não pode ser contrariada por supostamente traduzir os desejos do "povo" e, mais, de Deus. Ao que parece, o presidente passou a acreditar de fato na retórica salvacionista que permeou sua campanha eleitoral, alimentada por alguns assessores e pelos filhos, com o intuito de antagonizar o Congresso – visto como o lugar da "velha política" e, portanto, como um obstáculo à regeneração prometida ao povo.

Ao cabo de cinco meses de governo, em que todos os indicadores sociais e econômicos apresentaram sensível deterioração, fruto de sua inação administrativa e da descrença generalizada e cada vez maior na sua capacidade de governar, Bolsonaro começa a flertar com a "ruptura institucional", expressão que apareceu no texto que o presidente chancelou ao distribuí-lo na sexta-feira retrasada. Diante da repercussão negativa, em lugar de serenar os ânimos e demonstrar seu compromisso com a democracia representativa, estabelecida na Constituição, o chefe do Executivo ampliar as tensões, lançando-se de vez no caminho do cesarismo.

Ao comentar o texto de teor golpista que passou adiante pelo WhatsApp, Bolsonaro disse que "esse pessoal que divulga isso faz parte do povo e nós temos que ser fiéis a ele". E completou: "Quem tem que ser forte, dar o norte, é o povo". Ora, o mesmo povo que o elegeu para se ver livre das proezas lulopetistas elegeu 81 senadores e 513 deputados, além de legisladores e governantes estaduais. Depois, o presidente divulgou em seu perfil no Facebook o vídeo de um pastor congolês que diz que ele (Bolsonaro) foi escolhido por Deus para comandar o Brasil: "Pastor francês (sic) expõe sua visão sobre o futuro do Brasil", explicou o presidente, que completou: "Não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na política. Quem deve ditar os rumos do país é o povo! Assim são as democracias". O ilustre salvador talvez conheça a história do Congo, porque a do Brasil ele definitivamente ignora.

No vídeo endossado pelo presidente, o tal pastor, um certo Steve Kunda, diz que, "na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus", como "o imperador persa Ciro", e que "o senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil, você querendo ou não". E lança um apelo aos brasileiros: "Não passe seu tempo criticando. Juntem as forças e sustentem esse homem. Orem por ele, encorajem-no, não façam oposição".

Em condições normais, tal exegese de botequim seria tratada como blague, mas não vivemos tempos normais — pois é o próprio presidente que, ao levar tais cretinices a sério, parece de fato considerar sua eleição como parte de uma "profecia". O resumo dessa mixórdia mística é que Bolsonaro acredita ser nada menos que um instrumento de Deus e o porta-voz do "povo". Portanto, quem quer que se oponha a ele não passa de um sacrílego.

Com 13 milhões de desempregados, estagnação econômica e perspectivas pouco animadoras em relação às reformas, tudo o que o País não precisa é de um presidente que devaneia sobre seu papel institucional e político e que, em razão disso, estimula seu entorno e a militância bolsonarista — a que Bolsonaro dá o nome de "povo" — a alimentar expectativas sobre soluções antidemocráticas como um atalho para a realização de "profecias". O reiterado apelo de Bolsonaro ao "povo" para fazer valer uma suposta "vontade de Deus" envenena a democracia e colabora para a ampliação da cisão social entre os brasileiros e destes com a política. A esta altura, parece cada vez mais claro que o capitão não estava para brincadeira quando disse, em março, que não chegou ao governo para "construir coisas para nosso povo", e sim para "desconstruir muita coisa". Espera-se que a democracia brasileira e suas instituições resistam a essa razia.

Com Reinaldo Azevedo.

Agora o contraponto:

Há um avião pronto para decolar, com combustível suficiente para tirar você da seca. Mas você quer saber se tem vascaíno a bordo, qual a religião do fabricante e o signo do copiloto. Assim está o Brasil, com um grupo de abnegados tentando fazer a reforma da Previdência pegar no tranco apesar de vocês, os analistas zoodiacais do neofascismo imaginário.

Até anteontem, o que importava, basicamente, era ter uma tripulação confiável para tirar o Brasil do deserto deixado pela exuberância da DisneyLula. Após uma eleição cheia de artimanhas para tentar reabilitar o poder da quadrilha, o país escolheu o caminho pelo qual, por vias tortas ou não, a tal tripulação confiável chegou à cabine de comando. Mas vocês não querem mais sair do lugar. Aparentemente, vocês trocaram o Posto Ipiranga pelo salão de cabeleireiro, onde uma desavença sobre a novela da véspera é crise grave. De fato, é uma rotina mais agitada e emocionante, pois o Posto Ipiranga é um tédio.

E assim estamos, neste estanho ano da graça de 2019. Enquanto Paulo Guedes, Rogério Marinho, Sérgio Moro e outros grandes trabalham duro para tirar o país do atoleiro, vocês fuxicam rebotalhos de rede social e tocam nos ouvidos da nação as suas cornetas do fracasso. Nada presta, assim não dá, olê-olê-olá. Os velhos trombeteiros do apocalipse, de Ciro Gomes a Roberto Requião, de Jean Wyllys a Gleisi Hoffmann, estão animadíssimos com a chegada de vocês à orquestra.

A reforma está afundando na CCJ — diziam vocês — porque o governo só existe no Twitter (vocês sabem tudo de articulação política), porque Rodrigo Maia mordeu a orelha do cachorro do Bolsonaro, porque o Mourão é o golpista gente boa (vocês estão na dúvida), porque os filhos são fanfarrões (ah, se eles tivessem MBA em etiqueta comparada…) e, acima de tudo, porque vocês encontraram essa fantasia de corregedores perfumados do estorvo bolsonarista e vão fazer cara de nojo para tudo. A reforma passou bem na CCJ, mas vocês continuaram com cara de nojo, dizendo que demorou (!), dizendo que o projeto do Paulo Guedes foi desidratado e não vai prestar, olê-olê, olê-olá.

Sobre essa parte de viver surfando entre meias-verdades, vocês estão provando aos parasitas do petismo que é possível mentir com muito mais classe do que eles fizeram por 13 anos. Aliás, no salão da resistência democrática não se ouviu um pio sobre a fake news da menina que se recusou a cumprimentar o presidente. Podem poupar suas meias-verdades para explicar esse silêncio hediondo: já entendemos que na nova cartilha de vocês não é permitido apontar eventuais picaretagens na imprensa, porque pode ser entendido como discurso bolso-fascista. Incrível como vocês estão mudados (os cabelos continuam os mesmos, mas o juízo… quanta diferença).

Ainda assim, a nova aposta de vocês não é de todo burra. Não há de faltar bizarrices dos Bolsonaros e seus circundantes para alimentar as crises de fofoca que vocês hoje se dedicam a fermentar e espalhar. Vocês são os colunistas sociais da miragem autoritária, uma espécie de reencarnação da Revista Amiga para futricas de coturno. Não deixa de ser um papel na sociedade.

Se apesar de vocês o avião decolar e tirar o Brasil da seca, vocês obviamente vão querer embarcar correndo, pedindo educadamente desculpas pelo atraso. Não tem problema, a tripulação que está dando duro mal sabe de vocês (não dá tempo de ler a Revista Amiga). São democratas — exatamente como vocês fingem ser — e não irão barrar ninguém. Talvez os passageiros a bordo não sejam tão receptivos, mas não dedicarão a vocês nada pior do que uma cara de nojo, como a que vocês hoje fazem para tudo. Nada grave, eles apenas terão entendido quem vocês são.

Com Guilherme Fiúza.

Independentemente da adesão às manifestações pró-Bolsonaro, líderes dos partidos que comandam o Congresso definiram um pacote de medidas para limitar o raio de ação do presidente. Avaliação uníssona colhida pela Folha entre congressistas é que o capitão tem demonstrado incapacidade de governar (quando a isso, é impossível discordar). Além de acelerar discussões sobre impeachment (aí já entramos no campo minado das asnices), a insatisfação encontra lastro e incentivo no mundo empresarial e financeiro, o que faz deputados e senadores assumirem a dianteira de iniciativas como as reformas da Previdência e tributária. "Vai ser necessário ignorar o governo, não tem outra saída", afirma o deputado Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara. O lema dessa caterva parece ser "Desinformação acima de tudo, ignorância acima de todos". Que Deus nos ajude.

Tanto os seguidores atávicos do presidiário de Curitiba quanto os do ex-astrólogo autoproclamado guru e rei da grosseria não são maioria, são apenas barulhentos. A maioria é formada por pessoas com desejo genuíno de construir um país próspero, justo e feliz. O problema é que muitas dessas pessoas estão sendo manipuladas pelo medo, a reboque de notícias falsas.

domingo, 20 de maio de 2018

AS ENTRANHAS DO SUPREMO E AS ATROCIDADES DE GILMAR MENDES



Dando sequência ao o “tour” iniciado na última quinta-feira, chegamos ao gabinete de Gilmar Mendes, no 5.º andar do anexo II do prédio do STF. O ministro é o único remanescente das nomeações feitas por FHC depois que Nelson Jobim e Ellen Gracie se aposentaram. Formado em Direito pela Universidade de Brasília, com doutorado na Alemanha e uma breve passagem pelo Itamaraty, ele ostenta, talvez, uma das mais sólidas formações entre a composição atual, mas se destaca mesmo é por sua belicosidade ― os embates que travou com Joaquim Barbosa e Marco Aurélio entraram para a história do STF, as recentes rusgas com Luís Roberto Barroso vêm superando as expectativas e suas decisões escalafobéticas disputando, dia sim outro também, espaço na mídia com os boletins do tempo e a cotação do dólar.

Em sua suposta “cruzada” contra as prisões alongadas da Lava-Jato, o superministro tem concedido habeas corpus a criminosos como Jacó Barata, Anthony Garotinho, Joesley Batista, José Dirceu e Roger Abdelmassih (apenas para ficar nos mais notórios). Só mesmo uma patologia jurídica explica essa sua determinação em contrariar o senso comum e desafiar os colegas com decisões monocráticas, como as que tomou na última semana ao mandar soltar Paulo Preto ― ex-diretor da Dersa que desviou R$ 113 milhões para paraísos fiscais ― e Milton Lyra ― lobista apontado como operador do MDB, e, no apagar das luzes da sexta-feira, mais quatro suspeitos de fraudar fundos de pensão e presos na Operação Rizoma.

A vocação para laxante e a propensão a afrontar o colegiado rendeu a Gilmar Mendes, somente no ano passado, meia dúzia de pedidos de impeachment. Desses, dois foram mandados para o arquivo por Eunício Oliveira antes mesmo que tivessem qualquer tramitação, e os demais, aí incluído o que foi respaldado num abaixo-assinado virtual com 1,7 milhão de apoios, dormitam nas gavetas da presidência do Senado. Semanas atrás, o jurista Modesto Carvalhosa protocolou mais um, mas cabe ao Senado julgar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo, e como o número de parlamentares que já foram ou estão prestes a ser denunciados por práticas pouco republicanas não para de crescer, o ministro está pouco se lixando, confiante de que os pedidos continuarão sendo engavetados (ao menos até a próxima legislatura).

As recorrentes trocas acaloradas de opinião entre o Gilmar Mendes e Luiz Roberto Barroso chamam a atenção tanto pela virulência quanto pela circunstância ― inédita, pelo menos até onde a vista alcança ― de um membro da Suprema Corte tratar um colega por “você” (“me deixa de fora desse seu mau sentimento; você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, disse Barroso a Mendes).

Há uma cizânia no STF, e o fator desencadeador é a Lava-Jato, que provocou a ruptura em três níveis: o primeiro no piso térreo dos partidarismos, o segundo no piso intermediário da postura dos juízes em face das penas, e o terceiro no alto plano das concepções teóricas. No térreo, a dissenção no tribunal corresponde às dissenções na política e na sociedade. Mendes, Toffoli e Lewandowski são os ministros com currículo e atuação mais ligados à política e aos políticos. O primeiro trabalhou nos governos Collor e FHC e é próximo do governo Temer. O segundo foi consultor da CUT, assessor jurídico da bancada do PT na Câmara e, no governo Lula, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil e Advogado Geral da União. O terceiro trabalhou junto à administração do PMDB (hoje MDB) na prefeitura de São Bernardo do Campo e no governo de São Paulo, e no julgamento do mensalão fez o contraponto ao rigor do relator Joaquim Barbosa ― nenhum deles admitirá que os vínculos e as preferências políticas interferem em sua atividade, mas é óbvio que eles são pessoas inseridas na sociedade, e como tal portadoras de preferências políticas.

Observação: O terceto fantástico se consolidou contra o que alega ser avanços indevidos e arbitrariedades da Lava-Jato. Ainda que Mendes se declare antipetista e os demais sejam próximas à petralhada, o acordo entre eles é “você salva os meus que eu salvo os seus”. No campo oposto ficam Fachin, Barroso, Fux, Cármen Lúcia e, eventualmente, Rosa Weber ― um grupo que partilha uma comunhão ideológica em prol de uma faxina na política e uma revolução no modo de fazer campanhas, atuar no parlamento e governar. Ambos os lados fazem seus lances de olho no lance seguinte, e Marco Aurélio, Celso de Mello e Alexandre de Moraes oscilam entre um campo outro.

No piso intermediário fica o garantismo ― diz-se garantista o magistrado que garante a liberdade do réu até a dissipação da derradeira dúvida, a exemplo do ministro Marco Aurélio. Também há os garantistas de ocasião, que só o são quando o réu não é de tendência política contrária, mas isso já é outra conversa. No plano mais elevado situam-se as concepções sobre a natureza e o alcance da Constituição e do STF, e os três níveis da discórdia se fazem presentes, misturados, nas votações de 6 a 5 ou, no máximo, 7 a 4 que têm caracterizado o normal das sessões plenárias. Nas duas turmas, calhou de o trio assombro ficar reunido na segunda, deixando Fachin isolado ou, vez por outra, apoiado pelo decano da Corte. Aliás, as turmas ficaram conhecidas por apelidos: a primeira, que absolve sempre, é o Jardim do Éden, a segunda, que condena, é a Câmara de Gás.

Em setembro, Toffoli assumirá a presidência da Supremo (perspectiva assustadora, mas real). Consola o fato de que ele deixará a segunda turma, e Cármen Lúcia, que hoje é a presidente, assumirá seu lugar. Quando nada, a vida do ministro relator da Lava-Jato ficará menos espinhosa.

Haveria muito mais a dizer, mas vejo agora que este texto já superou (em muito) a extensão que eu considero aceitável. Para não cansar ainda mais o leitor, encerro por aqui.

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