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sexta-feira, 29 de novembro de 2019

LULA TOMOU NA TARRAQUETA — CHUPA QUE É DOCE, JARARACA!



Como eu disse no post anterior, o julgamento do processo sobre o Sítio de Atibaia pelo TRF-4 chegou a ser suspenso, foi remarcado, e depois mantido por ordem do ministro Edson Fachin. A sessão começou na manhã da quinta-feira e se estendeu até o final da tarde. Afinal, vivemos tempos de votos intergalácticos, e o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava-Jato no TRF-4, demorou horas para concluir a leitura do seu, que tinha mais de 350 páginas. Dias Toffoli, se lhe tivessem dado corda, provavelmente ainda estaria explicando o dele, no caso do compartilhamento de informações de transações suspeitas ligadas a investigações criminais sem prévia autorização judicial. Aliás, esse julgamento também teve prosseguimento na tarde de ontem, quando foram colhidos os votos faltantes e estabelecido o placar de 8 votos a 3 — ao final, o presidente da Corte e relator do processo aderiu à maioria e retificou seu voto, mudando o placar para 9 votos a 2 a favor do compartilhamento.

Com essa decisão, deixou de valer a liminar de Toffoli que, em julho, atendendo um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro — feito dentro de um recurso apresentado por donos de um posto de gasolina em São Paulo — suspendeu ao menos 935 investigações. Em tese, foi esse recurso que os ministros julgaram, a despeito de a defesa do senador ter pegado carona no processo alegando que, a exemplo do que ocorreu em relação aos donos do posto, o MP-RJ teve acesso às informações de seu cliente sem autorização judicial. Toffoli, no entanto, parece achar que todo mundo é idiota, pois enfatizou diversas vezes que o caso do filho do pai não estava em discussão.

Os efeitos que a queda da liminar terá no governo é coisa que ainda iremos descobrir, já que o famigerado "Caso Queiroz" fede mais que peixe podre. Quanto à UIF (ex-Coaf), que Toffoli incluiu "de alegre" nesse julgamento, também se formou maioria a favor do compartilhamento dos dados, mas não ficou decidido se o Ministério Público pode encomendar ao órgão informações de pessoas específicas para fins de investigação. Dado o avançado da hora (devido, em grande medida, ao boquirrotismo dos eminentes ministros), a regulamentação ficou para a sessão da próxima quarta-feira, 4.

Segundo Josias de Souza, a suprema montanha pariu o óbvio ao reconhecer que os órgãos de controle foram criados para controlar, e que, quando submetidos a indícios de crimes, têm a obrigação de compartilhar os dados com as autoridades encarregadas de investigar e denunciar criminosos. Dizia-se que o STF cogitava restringir o compartilhamento para proteger o cidadão. Proteção do cidadão tornou-se um luxuoso eufemismo para conversa fiada. O texto da Constituição prestigia a privacidade do cidadão, mas o escudo constitucional não pode ser erguido para proteger criminosos. Sobretudo num país como o Brasil, em que a corrupção se tornou endêmica.

O resultado do julgamento precisa produzir pelo menos duas consequências. A primeira, inquestionável, é o reconhecimento de que Toffoli fez uma lambança ao congelar a investigação contra Flávio Bolsonaro e outros 935 inquéritos. Na semana passada, ao proferir o voto mais longo e confuso da história da Corte, seu presidente se referiu à Receita e ao Coaf como fornecedores de material para "investigações de gaveta, que servem apenas para assassinar reputações" (deveria se desculpar pela generalização). A segunda consequência, ainda pendente de verificação, é o descongelamento dos inquéritos — o que envolve Flávio Bolsonaro e todos os demais.

Toffoli chamou de "lenda urbana" a informação de que o julgamento diz respeito também ao filho do presidente da República. Não tem nada a ver, disse ele. No Supremo, nada virou sinônimo de tudo. Zero Um precisa abandonar o cinismo das firulas jurídicas. Passa da hora de o filho do presidente levar meio quilo de explicações à balança da Justiça.

Voltando ao caso da badalhoca vermelha e seu folclórico Sítio Santa Bárbara, a decisão unânime da 8ª Turma do TRF-4 me passou a impressão de que, ao contrário dos ministros do STJ, os desembargadores não se curvaram à pressão de Gilmar Mendes et caterva. Para quem não se lembra, no dia 23 de abril passado, a 5ª Turma do STJ, criticada pela Maritaca de Diamantino por "endossar as decisões dos desembargadores do TRF-4 nos casos da Lava-Jato", reduziu a pena do ex-presidente ladrão, antecipando sua progressão para o regime semiaberto. Mas a subserviência foi desnecessária, pois o próprio Supremo se encarregou de rever sua jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, abrindo as portas das celas de Lula, Dirceu e milhares de condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos nos tribunais superiores.

Com a decisão de ontem no TRF-4, o bocório de Garanhuns, que, além dos processos do tríplex e do sítio, responde a outras oito ações na Justiça Federal do Paraná, São Paulo e Distrito Federal, teve a pena aumentada pelo colegiado (de 12 anos e 10 meses para 17 anos, 1 mês e 10 dias). Não voltará para a prisão imediatamente, devido à estapafúrdia decisão do STF que passou a proibir o cumprimento da pena após condenação por uma juízo colegiado, mas basta o Supremo negar seus recursos para que ocorra o trânsito em julgado da sentença condenatória (isso se a suprema facção pró-crime não inventar moda, o que não é de todo impossível).

Cristiano Zanin, o engomadinho, deve embargar a decisão da 8ª Turma do TRF-4 e apelar ao STJ e STF, a exemplo do caso do tríplex, no qual impetrou mais de 100 recursos e chicanas protelatórias de todas as cores e sabores — e ainda alega que seu cliente não teve direito à ampla defesa naquele processo. Aliás, diante desse disparate, Raquel Dodge chegou mesmo a afirmar que o ex-presidente confunde “direito à ampla defesa” com “direito à defesa ilimitada, exercida independentemente de sua utilidade prática para o processo, em razão do mero ‘querer’ das partes”.

Fato é que, mesmo condenado em três instâncias no caso do tríplex e em duas no do sítio, o fiduma de Garanhuns, continua solto, debochando dos juízes de carreira que o apenaram, já que o STF, que articulou sua libertação, há muito que deixou de ser composto por juristas de renome. Segundo José Nêumanne, o que há por lá são empregadinhos que abrem portas e carregaram pastas dos chefões das organizações criminosas da política e da gestão pública, recompensando seus ex-superiores com a impunidade na prática. E é bem por aí.

Na visão sempre abalizada de Merval Pereira, o combate à corrupção ganhou duas batalhas judiciais na última quarta-feira. No TRF-4, a condenação de Lula por unanimidade, com aumento da pena e dos dias-multa determinados pela juíza substituta Gabriela Hardt, que respondeu temporariamente pela 13ª Vara Federal do Paraná até que o juiz federal Luiz Antônio Bonat fosse efetivado no posto. No STF, quando se formou maioria favorável ao compartilhamento de dados pelos órgãos de fiscalização com o Ministério Público e a Polícia federal sem prévia autorização judicial.

Os dois casos são emblemáticos, diz Merval, porque superam obstáculos impostos no embate que se trava há algum tempo sobre a amplitude ou limitação da Operação Lava-Jato e assemelhadas. O resultado do julgamento em Porto Alegre é mais importante, dada a decisão unânime de não fazer o processo retornar às alegações finais da primeira instância. Segundo os desembargadores, ainda que a decisão do STF sobre a ordem das alegações finais deva ser respeitada, é preciso demonstrar o prejuízo causado ao não permitir que os réus falem depois dos delatores. Ainda não foram definidos os limites dessa decisão. O procurador-geral Augusto Aras defende que ela não se estenda processos já encerrados, e ministra Cármen Lúcia, no seu voto, concordou com a tese de que os réus devem apresentar as alegações finais antes dos delatores, mas, para que haja nulidade em sentenças já proferidas, é preciso que demonstrem que foram prejudicados. Existe a possibilidade de o Supremo limitar o alcance da decisão, beneficiando somente réus que pediram, ainda na primeira instância, o direito de apresentar seus memoriais por último, e que provarem que foram prejudicados por não terem sido atendidos.

Cá entre nós e a torcida do Flamengo, querer que os juízes de primeira instância "adivinhassem" que um belo dia o Supremo tiraria da cartola uma aleivosia de tal calibre seria um completo absurdo, mesmo em se tratando a facção pró-crime dos togados supremos. Isso sem mencionar que o próprio ministro Dias Toffoli sugeriu a seus pares que os casos deveriam ser analisados individualmente e só haveria anulação da sentença quando e se os réus comprovassem prejuízo real ao exercício da ampla defesa — o que não aconteceu no processo do demiurgo de Garanhuns. O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, disse em seu voto que o STF terá de enfrentar uma questão que a Suprema Corte dos Estados Unidos já enfrentou, decidindo há anos que uma medida que atinja processos já concluídos só vale a partir da sua promulgação, sem retroceder, para não causar insegurança jurídica.

Observação: A insegurança jurídica criada pelas jurisprudências de ocasião de alguns ministros supremos é tão ou mais assustadora que os disparates de Jair Bolsonaro & Filhos. Felizmente, se Deus quiser o Diabo deixar, estaremos livres do decano no ano que vem, de Marco Aurélio Mello em 2020 e de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski em 2023. Isso se a PEC da bengala não for revogada ou se o imprevisível tiver voto decisivo na assembleia dos acontecimentos; basta lembrar que Teori Zavascki, indicado por Dilma em 2012, continuaria ministro até 2023 se não tivesse morrido numa mal explicada queda de avião em janeiro de 2017.  

Enfim, caso o Congresso aprove a prisão após a condenação em segunda instância, o que parece bem encaminhado, o crápula de nove dedos voltará para a cadeia, pois os anos de condenação dos dois processos serão somados, e ele precisaria cumprir 1/6 do total antes de progredir para o regime semiaberto, sem mencionar os demais processos, cujas prováveis condenações podem elevar sua pena a mais de 200 anos. 

Na avaliação sempre ácida, mas eivada de um requintado senso de humor, do jornalista e comentarista político Josias de Souza, o TRF-4 foi implacável com Lula devido ao sem-número de evidências de que o ex-presidente petralha se corrompeu. Ao pendurar no pescoço da cascavel uma segunda medalha de corrupto, o colegiado deixou no ar uma dúvida incômoda quanto à adequação do nome do tribunal que representa a última instância do Judiciário brasileiro: STF ou STL? Supremo Tribunal Federal ou Supremo Tribunal do Lula? A dúvida não é impertinente. Ao contrário, é plenamente justificável.

Não fosse pela recente decisão do Supremo de revogar a regra que permitia a prisão de condenados na segunda instância, Lula estaria nesse momento fazendo a mala para retornar à cadeia. Graças ao Supremo, esse risco foi substituído pelo velho cenário em que os condenados com dinheiro para pagar advogados recorrem em liberdade até o infinito ou a prescrição dos crimes — o que chegar primeiro. Generoso, o pedaço do STF que compõe o STL ainda ofereceu à defesa do criminoso a possibilidade de requerer a anulação do processo. Fez isso ao determinar que réus delatados devem falar por último nos processos, depois de tomar conhecimento das alegações finais dos delatores. Os advogados pediram a anulação, mas o TRF-4 negou. Prevaleceu o entendimento segundo o qual os juízes não poderiam adivinhar que o Supremo criaria uma nova regra, que não estava prevista em nenhuma lei, para beneficiar os condenados.

Os advogados de Lula vão recorrer. Os recursos chegarão ao STF. Ou ao STL. Hoje, o combate à corrupção no Brasil depende dos humores do Supremo Tribunal do Lula.  

sábado, 23 de novembro de 2019

NÃO PRECISA EXPLICAR, EU SÓ QUERIA ENTENDER



Depois de proferir em toffolês um voto de proporções siderais e de ocupar boa parte da sessão seguinte tentando explicar o que nem ele próprio entendeu, Dias Toffoli passou a palavra para o dono da calva mais luzidia do STF e, ao final do voto do colega, suspendeu o julgamento do recurso que definirá se informações sigilosas de órgãos de controle podem ser compartilhadas com o Ministério Público sem autorização judicial.

Salvo chuva, salvo engano, o julgamento prosseguirá na sessão ordinária da próxima quarta-feira, quando votarão os demais ministros por ordem inversa de antiguidade. O problema é o ritmo imprimido aos trabalhos pelo atual presidente da Corte — o mesmo cidadão reprovado duas vezes seguidas no concurso público para juiz de Direito e que não pode, por consequência, ser juiz em nenhuma das quase 5.500 comarcas do Brasil, mas preside a mais alta corte de justiça do país, para onde foi promovido pelo Padim Lula em 2009, graças aos "bons serviços" prestados ao PT, a José Dirceu e ao próprio Lula. Enfim, restam 8 sessões até o início do recesso do Judiciário, e faltam os votos de 9 ministros. Façam as contas.

De acordo com Josias de Souza, do célebre voto que Toffoli demorou quase 5 horas para ler e cujo teor ninguém entendeu direito dando a impressão de que o ministro procurava ideias desesperadamente, como um cachorro que esqueceu onde escondeu o osso  e das explicações complementares que ocuparam boa parte da sessão de quinta-feira, vislumbra-se no horizonte uma reversão de expectativas que pode extinguir a blindagem concedida a Flávio Bolsonaro pelo Maquiavel de Marília e reforçada pela Maritaca de Diamantino.

Observação: Se Toffoli perorou por quase cinco horas seguidas, e nem seus pares na Corte entenderam patavina do que o homem estava dizendo, imagine-se, então, o público que paga a subsistência dos onze supremos togados e em nome de quem eles dão expediente em seu palácio brasiliense. Ao final, o ministro Luís Roberto Barroso fez a única sugestão prática para desvendar a massa bruta de palavrório despejada sobre a sessão: “Vamos chamar um professor de javanês”.

Segundo J.R. GuzzoToffoli e seus parceiros de facção no STF são hoje a pior ameaça ao estado de direito, às instituições e à democracia no Brasil. Não são os “bots” das redes sociais, as “milícias”, a “extrema direita” e sabe lá Deus quem mais. São eles. Em geral, suas excelências fazem isso ordenando que os criminosos sejam protegidos e tenham direito à impunidade, sobretudo nos casos de corrupção. Mas a destruição da lei e a proibição de se prestar justiça no Brasil inclui, também, a incapacidade funcional de entender questões básicas de Direito. Estamos tendo mais uma prova disso. Senão vejamos.

Depois de congelar o inquérito contra Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações, depois de enfiar o ex-Coaf num processo que tratava exclusivamente da Receita Federal, depois de requisitar os dados sigilosos de 600 mil pessoas e empresas, depois de tudo isso, Toffoli finalmente reconheceu ser "absolutamente constitucional" o compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público e a Polícia Federal sem autorização judicial. Ou seja: a pretexto de socorrer o primogênito do presidente desta banânia, Toffoli paralisou desnecessariamente, durante quatro longos meses, investigações que deveriam estar em franco andamento.

Segundo a votar, Alexandre de Moraes reforçou a constitucionalidade da atuação do ex-Coaf, agora chamado de UIF, e sustentou que também a Receita Federal tem o dever de compartilhar com o Ministério Público o resultado da apuração de delitos tributários, algo que Toffoli ensaiara limitar, em contradição com a jurisprudência do próprio Supremo. Antes que a sessão de quinta-feira terminasse, alguns togados — entre os quais Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski manifestaram seu desconforto em discutir a atuação do Coaf num julgamento sobre a Receita. Ainda que seja impossível antecipar os veredictos de suas excelências, há no plenário da Corte um jeitão de virada.

A certa altura, Fachin como que constrangeu Toffoli a reconhecer que, prevalecendo seu voto ou o voto de Alexandre de Moraes, a liminar que enviou ao freezer os casos de Zero Um e outros 925 investigados iria para o beleléu. Confirmando-se a derrubada da liminar, Toffoli deveria se auto incluir, na condição de réu, no processo secreto que abriu para investigar ataques contra o Supremo e seus membros, visto que, no momento, ninguém desmoraliza mais o tribunal do que seu presidente (cujo mandato, salvo impeachment ou outro imprevisto qualquer, termina somente em setembro do ano que vem).

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

DILMA DISCURSAVA EM DILMÊS; TOFFOLI VOTA EM TOFFOLÊS


O voto tamanho XGG de Dias Toffoli — cuja leitura, na sessão da última quarta-feira, levou quase cinco horas — me fez pensar se o presidente da nossa mais alta Corte não teria sido "tomado" pelo espírito de Abelardo Barbosa, mais conhecido como "Chacrinha", que se notabilizou pela frase: "Eu não vim para explicar, vim para confundir". Tanto é que a maioria do togados supremos deixaram a sessão sem entender o que, de fato, seu presidente quis dizer naquele interminável pregação (talvez a mais longa de toda a história centenária do STF).

Sem citar a liminar que concedeu monocraticamente a Flávio Bolsonaro, Toffoli acatou o recurso extraordinário do MP no processo sub-judice, anulando a decisão do desembargador José Marcos Lunardelli (que havia tornado ilegal o compartilhamento de dados da Receita com o MP, sem autorização judicial, na condenação do casal Hilario e Toyoka Hashimoto pelo crime de sonegação fiscal), e reafirmou que o UIF (ex-Coaf) pode compartilhar relatórios de inteligência financeira, mas desde que incluam somente informações de movimentações globais das pessoas físicas ou jurídicas e que não haja “encomenda” contra determinada pessoa. Disse ainda o nobre ministro que, em relação ao compartilhamento de representações fiscais da Receita com o MP, este deve instaurar uma investigação ao receber as informações e encaminhar o caso para a Justiça, que, a partir da instauração da investigação, possa acompanhar todo o desdobramento do caso.

O voto quilométrico surpreendeu a todos, tanto pelo tamanho e pela linguagem tortuosa quanto por abrir caminho para a retomada do compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação. Mas a cereja do bolo foi tentar convencer a todos de que em momento algum ele, Toffoli, teria impedido que os inquéritos prosseguissem, atribuindo essa "fake news" a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de imprensa que divulgaram essas informações de forma "terrorista". A pergunta que fica é: se foi mesmo assim, por que o ministro levou tanto tempo para se explicar? Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente para lhe atribuir a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e corrupção, por que, então, não expediu prontamente uma nota oficial ou convocou uma coletiva para dar conta do "equívoco" e acabar com o “terrorismo” da imprensa?

No que diz respeito ao hoje senador Flavio Bolsonaro, sujeito não tão oculto nesse julgamento, a defesa do filho do presidente alega que o repasse dos dados ao MP sem autorização da Justiça caracterizaria quebra de sigilo, mas o fato é que a quebra do sigilo fora autorizada pela Justiça, e uma proibição do uso desses dados significaria impedir ad aeternum a investigação de zero um. Como bem observou um desembargador do TRF-2 a propósito de outro assunto, “se tem rabo de jacaré; couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”.

Josias de Souza, com o humor cáustico que caracteriza seus comentários no Jornal da Gazeta, explicou que o Toffoli se expressou num idioma muito parecido com o português, só que muito mais confuso: o toffolês. Quem conseguiu ouvir toda a explanação sem cochilar ficou com a impressão de que ele votou a favor da imposição de condições para o compartilhamento de dados sigilosos sem autorização judicial. O ex-Coaf não poderia entregar aos investigadores senão dados genéricos. Detalhamentos, só com autorização judicial. A continuidade dos inquéritos congelados desde julho — o de Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações — ficaria condicionada a uma análise caso a caso. As restrições seriam ainda maiores para a Receita Federal. Após apalpar os dados enviados pelo Fisco, o MP seria obrigado a comunicar imediatamente a abertura de uma investigação ao juiz, que supervisionaria o inquérito.

As explicações soaram claras como a gema. Munidos de todas as informações transmitidas por Toffoli, os repórteres tiraram suas próprias confusões e, um tanto constrangidos, cercaram o orador no início da noite para lhe pedir que trocasse em miúdos o voto que começara a ler no expediente da manhã. "Em relação ao Coaf, pode sim compartilhar informações", declarou Toffoli. "Mas ele é uma unidade de inteligência. O que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de prova." Então, não haveria nada de novo sob o Sol, pois a coisa já funciona exatamente assim. Mais tarde, em novo esforço de tradução do toffolês para o português, o gabinete de Toffoli informou que, no caso do Coaf, não há novas limitações. Como assim? Considerando-se que os relatórios produzidos pelo órgão não incluem documentos detalhados, poderiam continuar circulando no formato atual. Se é assim, por que diabos o descongelamento do inquérito contra Flávio Bolsonaro e os outros 935 dependeriam de análises posteriores? Nada foi dito sobre esse paradoxo.

Em seu voto-latifúndio, Toffoli disse que o MP não poderia, em hipótese nenhuma, "encomendar relatórios" ao UIF (novo nome do Coaf). Na tradução do gabinete, procuradores e promotores podem requisitar complementos de informações recebidas da unidade de inteligência. Toffoli repetiu várias vezes a expressão "lenda urbana". Fez isso, por exemplo, ao assegurar que o julgamento iniciado nesta quarta não tem nada a ver com Flávio Bolsonaro, reiterando a doutrina Saci-Pererê ao sustentar que a liminar que concedera em julho, a pedido da defesa do primogênito do presidente, havia paralisado "poucos processos".

Faltou explicar por que considera o congelamento de 935 inquéritos pouca coisa. Alguns ministros esforçaram-se para reprimir uma risadinha enquanto ouviam Toffoli. Com a ironia em riste, um dos colegas de presidente do Supremo referiu-se ao voto dele como "uma grande homenagem ao Dia da Consciência Negra." Num flerte com o politicamente incorreto, o ministro declarou: "O voto do relator foi um autêntico samba do crioulo doido". Vivo, Sérgio Porto, o magistral criador do samba, discordaria. Seu crioulo entoou: "Joaquim José / Que também é / Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro II". Não dizia coisa com coisa, mas era taxativo. Dias Toffoli, por gelatinoso, terá de explicar-se novamente diante dos seus pares, pois vários deles foram dormir ruminando dúvidas sobre o voto de dimensões amazônicas.

O fato é que Toffoli começou com dois pés esquerdos a leitura do seu voto. Logo de início, o presidente do STF produziu duas pérolas. A primeira: "Aqui não está em julgamento o senador Flávio Bolsonaro". A segunda: "poucos processos foram paralisados por sua decisão; seus críticos é que tentaram criar um "clima de terrorismo".

Foi graças a um habeas corpus da defesa de Flávio Bolsonaro que Toffoli enfiou o Coaf dentro de um processo que envolvia apenas a Receita Federal. Foi por conta do mesmo recurso que Toffoli congelou o inquérito que corre contra o filho do presidente e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. Toffoli jura que o vínculo do filho do presidente com o processo, assim como o Saci-Pererê, jamais existiu. Mas o advogado do zero um estava presente na sessão da Suprema Corte. Assim como as autoridades que cuidam dos outros 935 processos travados por Toffoli, o defensor de Flávio Bolsonaro esfregava as mãos, na perspectiva de que o caso contra seu cliente seria anulado. Quer dizer: Ao contrário do Saci, o interesse dos encrencados é real e tem múltiplas pernas. Dependendo da decisão a ser tomada pelo Supremo, o UIF é que pode sair do julgamento como uma "lenda urbana", um órgão de controle mudo e sem pernas.

AtualizaçãoA sessão suprema de ontem foi dedicada integralmente à complementação (ou tentativa de explicação) do voto de Toffoli e ao voto do ministro Alexandre de Moraes. Para os que não sabem, depois do relator, que é o primeiro a votar, os ministros se pronunciam por ordem de antiguidade, do mais recente para o mais antigo. Pelo que se pôde entender do voto de Toffoli — que fica mais difícil de interpretar a cada vez que seu autor tenta explicá-lo —, Moraes, que votou pela validade do compartilhamento de dados financeiros do UIF (antigo Coaf) e da Receita Federal com o Ministério Público sem autorização judicial, teria aberto a divergência, ainda que parcial, levado o placar a 1 a 1. Na sequência, o julgamento foi suspenso, devendo ter prosseguimento na sessão da próxima quarta-feira (27). Considerando que ainda faltam os votos de 9 ministros e que o Judiciário entre em recesso no dia 20 de dezembro, não está afastada a possibilidade de o resultado final ser conhecido somente em fevereiro do ano que vem.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

CENÁRIO POLÍTICO - UM POUCO DE TUDO E MUITO DE NADA



Inicio as postagens da semana com uma boa notícia, para variar: a versão White House do Pato Donald anunciou ontem a morte do líder do grupo terrorista Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi. Não me entendam mal. Não se trata de celebrar a morte de alguém, mas de festejar a extirpação de um câncer. Afinal, o que é o terrorismo senão um câncer?

Também dedico algumas linhas à disputa entre a versão planaltense do Pateta & Filhos e os líderes do PSL pelo controle da legenda e respectivo fundo partidário, que no final do ano pode chegar a R$ 110 milhões. 

Depois da troca de afagos — Peppa Pig pra lá, Bambi pra cá — entre certo ex-candidato a embaixador e certa ex-líder do governo no Congresso, o tempo fechou de vez, e são grandes as possibilidades de esse bate-boca de cortiço ir parar no STF — que além de corte constitucional e última instância do Judiciário também atua como curva de rio (local onde o lixo arrastado pela correnteza tende a se acumular).

A bronca do clã presidencial com Joice Hasselmann é tamanha que o próprio Jair Bolsonaro se deu ao trabalho de espalhar para seus contatos do zap a montagem da deputada na famosa nota de 3 reais. E depois que o Delegado Waldir foi substituído por Zero Três na liderança da sigla na Câmara (o ex-candidato a embaixador abriu mão "patrioticamente" dessa pretensão para prestar localmente seus inestimáveis serviços ao país), o troco não se fez esperar: processos de expulsão foram abertos contra 19 deputados alinhados ao presidente Bolsonaro.

Observação: O líder tem como principal atribuição representar a sigla na Câmara. Cabe a ele, por exemplo, discursar na tribuna para falar em nome do partido e fazer a orientação sobre como a bancada deve votar em cada projeto em discussão. É ele quem negocia diretamente com o presidente da Câmara e de suas comissões as pautas, orientações e acordos, cabendo-lhe, ainda, levar o pleito da bancada em reuniões com representantes de outros Poderes, em especial com o Executivo. O deputado que ocupa a liderança de um partido tem ainda uma estrutura maior de apoio, com direito a gabinete adicional com assessores e cargos.

Sobre o julgamento das deploráveis ADCs (assunto que venho abordando desde o último dia 17, quando a novela começou), a sessão da última quinta-feira foi adiada depois que Rosa Weber concluiu sua confusa exposição de motivos e, num voto imenso, mal lido e com citações que nada tinham a ver com o objeto da discussão, seguiu a posição adotada pelo relator. Mas vale lembrar que a ministra não mudou de opinião, pois sempre foi contrária à prisão após condenação em segunda instância — embora viesse seguindo o entendimento da maioria "em respeito ao princípio da colegialidade".

Seja como for, Rosa era tida como o "fiel da balança", e seu voto foi mais um prego no caixão da Lava-Jato. Se a tendência não mudar (e pode mudar, como veremos mais adiante), voltará a valer a regra que vigeu entre 2009 e 2016, segundo a qual o cumprimento da pena só tem início depois de todos os recursos possíveis, imagináveis e admissíveis nas quatro instâncias do Judiciário tupiniquim serem apreciados — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Na quanta-feira, quando Toffoli já se preparava para suspender a sessão, o "apressadinho" Ricardo Lewandowski fez questão de ler seu voto (não vai levar mais que dez minutinhos, presidente) e mudou o placar de 4 a 2 para 4 a 3. Quando o julgamento for retomado na próxima semana, a menos que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimento o voto de Cármen Lúcia (que deve acompanhar a maioria dissidente) e os de Gilmar Mendes e Celso de Mello (que tendem a seguir o relator) devem formar o placar de 5 a 5, ficando o desempate por conta do voto de Minerva do presidente da Corte.

Para náufrago, diz um velho ditado, qualquer jacaré é tronco, e a despeito de seu "invejável" currículo, Toffoli é tudo que nos resta. E a boa notícia é que ele deu a entender que pode mudar seu posicionamento. Nas quatro ocasiões em que a prisão em segunda instância foi discutida, sua excelência só votou a favor em 2016 (a exemplo de Gilmar Mendes, que então defendia esse entendimento com unhas e dentes). No último dia 17, porém, após suspender a sessão, disse que “muitas vezes o voto nosso na presidência não é o mesmo voto, pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira, não é um voto de bancada. É um voto que tem o cargo da representação do tribunal como um todo”.

Também me dá esperança o fato de Toffoli almejar ser lembrado como o "presidente conciliador", tendo, inclusive, sugerido uma terceira via. Se sua proposta for realmente levada em mesa (e aprovada pela maioria), o cumprimento provisório da pena passará a ser iniciado após a decisão do STJ, o que não é grande coisa, mas ajuda a evitar que a prescrição da pretensão punitiva do Estado mantenha longe da cadeia políticos corruptos e demais condenados com cacife para contratar criminalistas chicaneiros estrelados, especializados em procrastinar ad æternum o julgamento final dos processos.

Talvez essa proposta seja mais uma jabuticaba jurídica, mas o que é mais uma chaga para um lazarento? O que é exorbitar a hermenêutica para alguns julgadores togados que, em vez de atuar como guardiões da Constituição, reescrevem as leis para favorecer seus bandidos de estimação? Quer um exemplo? Então vamos lá: semanas atrás o STF não só anulou a condenação de Márcio de Almeida Ferreira (essa foi a segunda anulação de sentença no âmbito da Lava-Jato) como se posicionou a favor (por 7 votos a 4) do desenvolvimento de uma tese que norteie as instâncias inferiores sobre a ordem de apresentação dos memoriais em processos que envolvem réus delatores e delatados. O julgamento foi adiado sine die, mas deverá ser retomando agora em novembro.

Observação: Inexiste previsão legal de que os delatados falem por último. Nem na Constituição, nem no Código Penal, nem no Código de Processo Penal, que foi revisto e reformado muitas vezes, inclusive depois do surgimento da delação premiada. O que há é a vontade política de alguns ministros que, a pretexto de uma cruzada contra as "arbitrariedades" da Lava-Jato, valem-se da "jurisprudência criativa" para anular todo o esforço feito até aqui para enfrentar a corrupção, que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, mas de mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiro público. Demais disso, “jurisprudência criativa" que prevê algo que não estava na lei equivale a lei processual nova e portanto não invalida atos processuais levados a efeito anteriormente.

Resumo da ópera: Se a jurisprudência sobre a prisão em segunda instância for mudada e o status quo que vigeu entre 2009 e 2016 restabelecido, consagrar-se-á uma situação que não existe em lugar nenhum do mundo — nem mesmo em democracias sólidas, garantidoras do direito à plena defesa e ao devido processo legal, mas onde bandidos condenados começam a cumprir suas penas após a decisão da segunda instância, senão logo depois da primeira condenação. É bom lembrar que na segunda instância encerra-se a análise do processo à luz da matéria fática (provas, etc.). Quando um recurso chega ao STJ ou ao STF, a culpabilidade do réu já está plenamente estabelecida, não cabendo aos ministros, portanto, declarar inocente alguém que os desembargadores do Tribunal Regional Federal (ou do Tribunal de Justiça, conforme o caso) tenham considerado culpado, ainda que possam anular um julgamento baseado em erros processuais, como uso de provas ilícitas ou cerceamento de defesa, por exemplo. Nestes casos, o julgamento é refeito, podendo, inclusive, resultar em nova condenação.

Ao contrário do que almejam os corruptos e seus defensores, as Cortes superiores existem para atuar no caso de direitos fundamentais dos réus serem violados durante o processo, e não para protelar ao máximo o momento em que os criminosos terá de acertar suas contas com a Justiça — ou, com alguma sorte, empurrar a coisa com a barriga até que a prescrição fulmine inexoravelmente a eficácia da pretensão punitiva/executiva do Estado.

sábado, 19 de outubro de 2019

O SUPREMO SUSPENSE E O SEGREDO DE POLICHINELO — PRIMEIRA PARTE


Ao trilar do apito supremo do supremo togado que preside os demais togados supremos (melhor dizendo, que coordena os trabalhos da suprema corte, como fez questão de frisar o ministro Marco Aurélio), iniciou-se mais um supremo jogo de cartas marcadas. A partida foi adiada, mas, a menos que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimentos, a vitória do supremo time favorito está garantida  ou seja, ao final de mais essa batota, será conhecido somente o supremo placar.

Como tuitou o jurista Modesto Carvalhosa, a aberração jurídica do nosso pretório excelso nesse teatro do absurdo é uma quebra do sistema penal e está criando uma grave crise institucional ao deixar de atender aos interesses legítimos da sociedade e passar a desagregar o próprio Estado Democrático de Direito. O jornalista, acadêmico e comentarista político Merval Pereira, por seu turno, comparou essa celeuma suprema a um episódio ocorrido em 1827, quando Bernardo Pereira de Vasconcelos, jornalista e deputado do Império, subiu à tribuna para criticar o que considerava um excesso de recursos no sistema judicial brasileiro. Passados 192 anos, ainda não se chegou a uma conclusão.

Não tenho como não relembrar mais uma vez, mesmo correndo o risco de ser repetitivo, que esse imbróglio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação foi uma questão de somenos enquanto políticos de alto coturno não eram alcançados pelo braço da lei. É certo que existe um dispositivo na famigerada Constituição Cidadã que dá guarida à tese dos garantistas de araque, mas é igualmente certo que a prisão após a condenação em primeira instância era regra no Brasil até 1973, quando então a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o então chefão do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância

Herança de nossa colonização portuguesa, essa profusão de instâncias recursais chegou a cinco: a primeira, uma segunda, que era o Tribunal da Relação, uma terceira, a Casa da Suplicação, uma quarta, o Supremo Tribunal de Justiça, que originou o STF, e a graça Real — o último recurso, que era endereçado diretamente ao Rei. O retro mencionado Bernardo de Vasconcelos, autor do projeto legislativo do Código Criminal do Império, defendia que os recursos não deveriam suspender a condenação, exceto em pena de morte: “o contrário é estabelecer o reinado da chicana”.

A Constituição de 1824 e o sistema recursal do Império só admitiam duas instâncias — a do juiz monocrático e a do tribunal da relação como corte de apelação. Reagia-se contra o excesso de recursos do Antigo Regime, visto como garantidor de privilégios e impunidade. Daí termos hoje 4 instâncias, sendo a última o STF, que, de corte constitucional, passou a ser a um só tempo uma espécie de Valhala na Asgard tupiniquim e uma curva de rio, onde se acumula todo tipo de porcaria.

O código de Bernardo de Vasconcelos representou a primeira codificação criminal autenticamente nacional, definindo princípios hoje consagrados em toda legislação criminal do ocidente: princípio da legalidade, anterioridade, proporcionalidade e cumulação das penas, assim como a imprescritibilidade. Juristas estrangeiros aprenderam português só para lê-lo no original, que inovou em vários aspectos, entre os quais o da maioridade penal, que não era abordada por nenhum código ocidental. Pelo visto, os eminentes togados supremos atuais não têm o mesmo apreço pela obra de Vasconcelos. O que é uma pena.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA: JULGAMENTO IMPORTANTE NO STF



Quase ao mesmo tempo em que Lula termina de cumprir um terço da pena a que foi condenado pelo STJ no caso do tríplex, o plenário do Supremo julga hoje (acompanhe ao vivo) um caso semelhante àquele em que a 2ª turma anulou a condenação de Aldemir Bendine. A decisão, como todos se lembram, baseou-se numa tese estapafúrdia suscitada pela defesa do réu, segundo a qual suas alegações finais deveriam ter sido aparentadas antes das do delator, que também é réu no processo.

RelembrandoNo mês passado, por 3 votos a 1, a 2ª turma derrubou uma decisão de Moro que havia condenado Bendine a 11 anos de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Foi a primeira vez que o Supremo anulou uma condenação de Moro, impondo uma das maiores derrotas da Lava-Jato até hoje, e também a primeira vez que a ministra Cármen Lúcia discordou de Fachin em julgamentos cruciais da Lava-Jato julgados na turma. Cármen se alinhou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, mas ressaltou que o seu voto naquela ocasião considerou as peculiaridades do caso específico de Bendine, que foi obrigado entregar seus memoriais ao mesmo tempo que os delatores, embora houvesse solicitado prazo diferenciado. Com base na decisão que beneficiou Bendine, a defesa de Lula pediu à Corte que anule suas condenações, bem como uma ação que ainda não foi julgada na 13ª Vara Federal do Paraná, além de pedir que a alma mais honesta da galáxia seja posta em liberdade.

Agasalhar esse entendimento é absurdo, seja porque não há previsão legal que o ampare, seja porque em praticamente todas as ações criminais (originárias ou não da Lava-Jato) sempre foi dado às defesas o mesmíssimo prazo para as alegações finais, fossem os acusados delatores ou não — e jamais alguém, antes da defesa de Bendine, se insurgiu contra isso.

Se no plenário a maioria dos decisores acompanhar o entendimento da 2ª Turma, tanto os julgamentos de Lula quanto de vários outros condenados podem ser anulados e recomeçados do zero.

O TRF-4 deve julgar em breve o recurso de Lula contra a condenação no processo referente ao sítio de Atibaia, no qual juíza substituta Gabriela Hardt condenou o petralha a 12 anos e 11 meses de prisão. O desembargador João Pedro Gebran entregou seu voto no último dia 11, e o revisor Leandro Paulsen também já concluiu o seu, restando agora o presidente, Victor Luiz dos Santos Laus, marcar a data do julgamento.

Isso significa que Lula pode ser condenado novamente antes mesmo que os trâmites burocráticos para a progressão da pena sejam cumpridos, ou que seja mandado para casa e volte a cumprir a pena no regime fechado logo em seguida — a não ser que nesse meio tempo uma nova decisão do STF modifique a jurisprudência em vigor sobre o cumprimento provisório da pena após condenação em segunda instância.

Como salientou o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelas ações da Lava-Jato no RJ, “no processo criminal brasileiro sempre houve delatores e delatados, réus confessos que depõem contra corréus”. A interpretação inusitada da 2ª Turma, que equipara delatores a auxiliares da acusação, não encontra respaldo na nossa legislação penal. Tanto é assim que o TRF-4 e o STJ referendaram a decisão do então juiz Sérgio Moro, debalde os esperneio da defesa.

Por se tratar de um entendimento sui generis e sem precedentes, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, decidiu submeter ao plenário o HC do ex-gerente da Petrobras Marcio de Almeida Ferreira, cuja defesa argumenta que o réu sofreu grave constrangimento por não poder apresentar as alegações finais após a manifestação dos réus colaboradores.

A depender vontade do ministro Dias Toffoli, atual mestre de cerimônias do circo supremo, o imbróglio em questão ficaria ad kalendas græcas  (as calendas eram o primeiro dia do mês romano, quando as pessoas habitualmente realizavam seus pagamentos, e como elas não existiam no calendário grego, referir-se às "calendas gregas" é o mesmo que dizer "no dia de São Nunca").

Comenta-se que os ministros buscam uma forma de delimitar os efeitos da decisão que beneficiou o ex-presidente da Petrobras, sendo uma delas anular apenas sentenças em que o condenado pediu mais prazo e teve a solicitação negada pelo juiz, como ocorreu no caso específico de Bendine, evitando que centenas de investigados, réus e condenados se livrem da cadeia.

Segundo o jornal GGN, a maioria dos ministros tende a manter a regra adotada no julgamento de Bendine, mas limitando-a para evitar um “efeito cascata” sobre outras sentenças da Lava-Jato. No caso de Lula, por exemplo, a decisão da corte não deverá ter impacto sobre o processo do triplex, pois o molusco abjeto já foi condenado em 3 instâncias, mas poderia beneficiá-lo no caso sítio de Atibaia, que está em grau de recurso perante o TRF-4. Como dito, o fator limitante deve ser o de exigir que o réu tenha reclamado do rito processual (a questão das alegações finais) desde a primeira instância.

A conferir.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

COISAS DO BRASIL — PARTE 3 (TODOS OS PROCESSO CONTRA LULA)



ATUALIZAÇÃO:

A continuação da franquia Santa Inquisição, ora encenada na suposta Casa do Povo, foi pródiga em grosserias e por pouco não terminou em grossa pancadaria. Mais uma demonstração cabal de que somos representados politicamente por gente que não vale o que come — embora o correto fosse dizer “não vale a merda que caga”, não vou fazê-lo para não ser indelicado.

Na sessão, que durou cerca de 8 horas, repetiram-se ipsis litteris as perguntas feitas pelos senadores no capítulo anterior. E os deputados de oposição criticaram Moro por das as mesmas respostas. Queriam o quê?

Por volta das 21h40, o psolista Gláuber Braga vaticinou que “a história não absolverá” Sérgio Moro, que ele será lembrado “como o juiz que se corrompeu, como um juiz ladrão” — como se sabe, gente imprestável costuma medir os demais por sua própria régua. Parlamentares saíram em defesa do ministro, e o tempo fechou. Moro deixou o recinto sob gritos de “fujão” — o mesmo tratamento dispensado pela patuleia a Paulo Guedes, como o leitor certamente se lembra.

Houve vários momentos de tensão. Num deles, bateram boca o petista Rogério Corrêa, que chamou Dallagnol de “mau elemento” e “cretino”, e o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, que saiu em defesa do procurador. O presidente da CCJ, Felipe Francischini, ameaçou encerrar a reunião durante a discussão, mas os ânimos serenaram (mais ou menos) e o circo seguiu adiante.

A estratégia da esquerda, que ficou clara desde o início da audiência, era pôr em dúvida a imparcialidade de Moro na condução dos processos da Lava-Jato. Gleisi Hoffmann (nome que dispensa apresentações), questionou a relação da esposa do ministro com o advogado trabalhista Carlos Zucolotto, a quem o doleiro Rodrigo Tacla Duran, denunciado na Lava-Jato, atribui suposto contato para intermediar sua delação, além de perguntar se Moro ou a mulher têm contas no exterior. O ex-juiz repudiou a pergunta sobre Zucolotto e, em relação às contas, disse tratar-se de maluquice. “Não sou eu que sou investigado por corrupção”, disse Moro a Gleisi — que não é ré, mas responde a denúncias sobre recebimento de propinas da Odebrecht em sua campanha de 2014.   

Indagado sobre nulidades em processos envolvendo o picareta dos picaretas, o ministro afirmou: “É de se perguntar, realmente, quem defende então Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Renato Duque, todos esses inocentes que teriam sido condenados segundo o Intercept”. “Sobre anulação de casos do ex-presidente, nós precisamos de defensores então dessas pessoas para defender que elas sejam imediatamente colocadas em liberdade, já que foram condenados pelos malvados procuradores da Lava-Jato, os desonestos policiais e o juiz parcial”. 

Moro disse ainda que, por trás das mensagens — que classificou de “balão cheio de nada” — existe uma “tentativa criminosa” de invalidar condenações da Lava-Jato, e que tem certeza de que se, durante a condução da Operação, tivesse se omitido, deixado a corrupção florescer, virado os olhos para o outro lado, agora estaria sofrendo esses ataques.

Cenas burlescas como essas me fazem pensar se Bolsonaro não tem razão quando afirma que o maior erro da ditadura (ditadura que, por vezes, ele próprio nega ter existido) foi torturar e não matar. A que ponto chegamos!

Prosseguindo com o que eu dizia no post da última segunda-feira sobre os processos em que Lula é réu, a ação que trata do tríplex no Guarujá já foi julgada em primeira, segunda e terceira instâncias. O então juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente a 9 anos e meio de prisão, o TRF-4 aumentou a pena para 12 anos e 1 mês e o STJ a reduziu para 8 anos e 10 meses. Foi por conta desse processo que o petralha acabou no xadrez. 

Com base na alegada parcialidade de Moro, a defesa busca anular o julgamento e todos os atos processuais subsequentes. Para tanto, já impetrou mais de 100 recursos perante todas as instâncias do Judiciário. O julgamento do pedido de suspeição — ora “robustecido” pela juntada aos autos do material obtido por hackeamento digital e vazado seletivamente pelo site esquerdista The Interceptor —  foi retomado na última terça-feira, 25, mas a 2ª Turma do STF decidiu adiá-lo para depois do recesso e rejeitar por 3 votos a 2 (nem é preciso dizer de quem foram esses dois votos) a sugestão do ministro Gilmar Mendes, que, assumindo o papel de advogado do réu, propôs a concessão de uma liminar que libertasse o “paciente” e o mantivesse fora da cadeia até que o mérito do HC fosse finalmente julgado. Depois essa gente ainda reclama quando é achincalhada nas manifestações de rua em favor da Lava-Jato e de Sérgio Moro.

Observação: A despeito do carnaval que se vem fazendo a propósito das conversas atribuídas a Moro, Dallagnol e outros procuradores da Lava-Jato, o material vazado por Gleen Greenwald carece de comprovação — tanto é que o processo administrativo disciplinar aberto contra o coordenador da força-tarefa no Paraná foi arquivado pelo corregedor nacional do MPF, Orlando Rochadel. Nas palavras do próprio Rochadel: "Ainda que as mensagens em tela fossem verdadeiras e houvessem sido captadas de forma lícita, não se verificaria nenhum ilícito funcional".

Outra ação julgada em primeira instância trata do folclórico sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Segundo o MPF, o ex-presidente foi um dos mentores e articuladores do pagamento de propina pela Odebrecht e OAS mediante um esquema envolvendo a nomeação de diretores da Petrobras orientados à prática de crimes em favorecimento das empreiteira. Entre os executivos indicados por ele — e também denunciados pelo MPF — figuram Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Nestor Cerveró. Na sentença, a juíza federal substituta Gabriela Hardt, que ficou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná desde até o juiz Luiz Antonio Bonat fosse efetivado, condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. Tanto os réus (são 9 ao todo) e o Ministério Público recorreram; a defesa de Lula busca anular a condenação e os procuradores, aumentar a pena aplicada pela magistrada.

Espera-se que a 8ª Turma do TRF-4 liquide esta fatura logo após o recesso do Judiciário. Se a condenação for confirmada, Lula verá pelo binóculo a possibilidade de deixar a prisão ainda este ano, ao menos sem depender da concessão de um habeas corpus pelo STF. E ainda que os togados supremos rediscutam a novela da prisão em segunda instância — Toffoli disse recentemente que isso pode ocorrer ainda neste ano, dependendo das “janelas” da pauta da Corte — e decidam que o cumprimento da pena só deverá ter início após a condenação em terceira instância, é bom lembrar que a 5ª Turma do STJ reconheceu por unanimidade a culpa do petista, embora tenha reduzido sua pena para 8 anos e 10 meses e 20 dias.

Observação: Apesar de o sítio estar em nome de “laranjas”, ficou sobejamente demonstrado que Lula era o proprietário de fato. Quanto a provas documentais, há que ter mente que “ninguém assina recibo de corrupção” — em outras palavras, a despeito de ser difícil haver provas diretas em casos de corrupção e lavagem de dinheiro, um conjunto robusto de indícios é, sim, suficiente para incriminar alguém, e no caso do sítio, a exemplo do tríplex, um conjunto gigantesco de provas indiciárias foram carreadas aos autos. Os petistas argumentam que, a exemplo do tríplex, o sítio “jamais pertenceu a Lula”, como comprava o registro da escritura em nome de Jonas Leite Suassuna Filho e Fernando Bittar. Ambos são (ou eram) sócios do “Ronaldinho dos Negócios” — como o ex-presidente se referia a seu primogênito — e teriam comprado a propriedade, segundo a defesa, para oferecer ao ex-presidente como uma “área de descanso”. Quanta gentileza!

Para não alongar demais este texto, o resto fica para uma próxima postagem.