Mostrando postagens com marcador presidente eleito. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador presidente eleito. Mostrar todas as postagens

sábado, 22 de dezembro de 2018

QUEM GANHOU — TEXTO DE J.R. GUZZO PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA



Está havendo muito espanto, e até bem mais do que isso, cada vez que o novo presidente Jair Bolsonaro anuncia algum nome para o ministério ou o primeiro escalão do seu governo. Alguns, para dizer a verdade, são aceitos sem muita conversa — gente para o Banco Central, o Ministério da Infraestrutura, a chefia do Tesouro Nacional etc., mesmo porque boa parte do público nem sabe que existe um Tesouro Nacional. São coisas sérias, chatas e, fora os próprios interessados nos cargos, quem vai discutir para valer por um negócio desses? Não dá bem para ver, realmente, nenhuma briga de foice por causa do novo secretário-geral adjunto da Fazenda, por exemplo, ou algo parecido — também não se veem, nesses casos, amizades íntimas que explodem, rixas de morte dentro das famílias ou bloqueios tempestuosos no Facebook, como se tornou praxe na campanha eleitoral. Mas assim que aparece uma nomeação mais vistosa, daquelas que mexem com os chamados “grandes temas nacionais”, o tempo fecha. Os surtos de irritação, impaciência e nervosismo que têm acompanhado o anúncio dos nomes se concentram, até agora, numa questão básica: como é que foram escolher um sujeito desses? O novo ministro das Relações Exteriores, por exemplo, foi descrito pelos cientistas políticos praticamente como um doente mental. O da Educação se viu mais ou menos acusado de acreditar que a Terra é plana. A ministra “da Mulher”, ou coisa que o valha, é outro objeto de assombro.

O que está acontecendo? A resposta é: não está acontecendo nada. Ou melhor, está acontecendo exatamente aquilo que tinha de acontecer. No último dia 28 de outubro, o deputado Jair Bolsonaro ganhou as eleições para presidente da República e, dali por diante, passou a escolher para o governo o tipo de pessoa que o seu eleitorado quer ver lá — ou, pelo menos, as pessoas que ele imagina serem as mais capazes de fazer as coisas que prometeu aos 58 milhões de brasileiros que votaram nele. Forçosamente, se você não gosta do que Bolsonaro propôs para o Brasil do começo ao fim de sua campanha eleitoral, e em seus trinta anos de vida pública, também não pode gostar das figuras que ele tem escolhido para ajudar no governo. Não há outro jeito. Como poderia haver? Se o novo presidente estivesse colocando nos ministérios figuras aplaudidas, aprovadas ou aceitáveis por quem votou contra ele, alguma coisa estaria profundamente errada na história toda. Quem está contra Bolsonaro, e há muita gente contra, tem mais é que não gostar mesmo das escolhas feitas por ele. Quem tem de gostar são os que estão a favor do novo presidente — e há mais gente a favor do que contra, razão, aliás, pela qual é Bolsonaro, e não Lula, quem está nomeando os ministros. Fazer o quê, a esta altura? Esperar que o governo comece, só isso. Aí, sim — se os escolhidos não fizerem o que foi combinado na campanha, ou fizerem mal, haverá toda a razão para dizer que suas nomeações foram um desastre.

O ministro nomeado para o Itamaraty, Ernesto Araújo, ilustra bem esse curioso descompasso entre o resultado da eleição e a condenação do ministério de Bolsonaro pela crítica. Araújo acha que o Brasil deve ter os Estados Unidos como o principal aliado em suas relações exteriores. Não gosta de Cuba, da Venezuela nem de ditaduras africanas, tampouco de que recebam dinheiro de presente do BNDES. Desconfia de toda essa constelação internacional de doutrinas que vê com alarme o agronegócio no Brasil, quer que os países abram suas fronteiras à imigração ou imagina um mundo governado por comitês da ONU e burocracias do mesmo gênero. Mas não é justamente tudo isso que o eleitorado de Bolsonaro espera de um novo Itamaraty? Os brasileiros que gastarão 20 bilhões de dólares em viagens ao exterior em 2018 vão para os Estados Unidos e o mundo capitalista, não para a Guiné Equatorial ou a Faixa de Gaza — quem gosta desses lugares é o ex-chanceler Celso Amorim, só que ele está do lado que perdeu. A população, na verdade, nem sabe quem é esse Araújo; o que sabe, isso sim, é que os Estados Unidos dão mais certo que a Palestina. Se o novo ministro também acha isso, ótimo.

Da mesma forma, criou-se grande escândalo em torno da ministra Damares Alves — ela é contra o aborto, acha que há meninos e meninas, e não “meninxs”, e é a favor do ensino religioso, que existe no Brasil desde o padre Anchieta. O novo ministro da Educação é considerado um homem da Idade da Pedra por ser contra a escola “com partido” — e assim por diante. Queriam o quê? Outro ministério, agora, só com outra eleição.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A NOVELA COAF/BOLSONARO — CONCLUSÃO




Pedágiorachid, mensalinho, tanto faz; a prática é a mesma e remonta às mais priscas eras da política tupiniquim. Em poucas palavras, os políticos engordam os próprios salários garfando parte da remuneração dos assessores parlamentares. E o número absurdo de vassalos que suas majestades podem contratar a expensas do Erário (nosso dinheiro) assanha seu apetite pantagruélico: na Câmara Federal, cada gabinete pode ter entre 5 e 25 servidores comissionados, com salários que variam de aproximadamente R$ 1 mil a R$ 15 mil; no Senado o número de funcionários dobra e a remuneração vai de R$ 4 mil a R$ 17 mil.

O fato de ser corriqueiro não torna o pedágio lícito. O problema é que as pessoas não veem nada de errado em devolver o dinheiro em troca do emprego, e consequências legais — como o enquadramento do denunciante em irregularidade, exoneração do cargo e devolução integral de todos os salários do período trabalhado — dificultam a denúncia. 

No caso envolvendo o clã dos Bolsonaro (detalhado na postagem anterior), há indícios clássicos dessa prática infame, notadamente devido à coincidência das datas dos depósitos com a do pagamento dos salários na ALERJ. Todavia, até que Fabrício conte sua versão dos fatos, continuarão sobrando perguntas e faltando respostas.  Segundo a revista digital Crusoé, ele deverá justificar a movimentação “atípica” em sua conta alegando pequenos negócios que realizava, como venda de eletrônicos importados. Mas a explicação terá de ser esmiuçada pelos promotores, e como o COAF não detalha as transações, uma quebra de sigilo bancário será determinante para a apuração dos fatos.

O mesmo relatório do COAF que colocou o Fabrício sob as luzes da ribalta lista “transações atípicas” de 75 assessores de 20 deputados de partidos como PTPSC e PSOL, que somam R$ 207 milhões. Aliás, o deputado Lúcio Vieira Lima, acusado juntamente com o irmão Geddel de ter mocozado R$ 51 milhões num bunker em Salvador, garfava 80% do salário de seus assessores. No PT, uma prática semelhante chegou a ser institucionalizada, com funcionários de gabinete sendo obrigados a destinar parte de seus salários ao caixa do partido. No Rio Grande do Sul, um deputado foi denunciado em 2015 por funcionários do próprio gabinete, num esquema estimado em R$ 800 mil por ano; em Goiás, o MP estadual denunciou 30 funcionários de um deputado e dois vereadores que devolviam até 90% do salário em troca de não precisarem trabalhar.

Reitero que quem foi eleito tendo o combate à corrupção como principal mote de campanha não pode agir como os corruptos que prometeu enquadrar. Mas não se pode perder de vista que não elegemos um santo para presidente, e sim um capitão reformado que ingressou na vida pública como vereador e foi deputado federal por 27 anos, durante os quais apresentou 172 projetos, relatou 73 deles, conseguiu aprovar apenas dois e respondeu a 7 processos por quebra do decoro parlamentar — as ações por injúria, apologia ao estupro e racismo repercutem até hoje. Tudo isso era público e notório, ou seja, nada veio à luz depois do segundo turno das eleições.

Todos temos uma boa ideia de como as coisas funcionam no Congresso e sabemos que política e honestidade são mutuamente excludentes. Como bem salientou Joesley Batista — duble de moedor de carne bilionário e delator, que conseguiu a proeza de delatar a si mesmo e perder os benefícios do acordo de colaboração —, “em Brasília, quem não está na Papuda está no Planalto”

Não dá para voltar no tempo e mudar o que se fez no passado, mas é possível não cometer os mesmos erros no futuro. Jair Bolsonaro chegou ao poder com a promessa de acabar com as velhas práticas na política. Os bolsomínions votaram nele porque aprovam suas propostas e admiram sua postura combativa, beligerante. Mas milhões de eleitores o fizeram para impedir a volta do PT ao poder, depois que ficou definido, no primeiro turno, que o embate final seria travado entre os dois extremos do espectro político.   

Por enquanto, o pedágio é uma suspeita a ser esclarecida. Mas é preocupante, sobretudo pela influência de Fabrício junto ao clã Bolsonaro: além do cargo que ocupou nos últimos dez anos, o assessor-motorista emplacou as duas filhas e a mulher em cargos comissionados, com salários entre R$ 9,8 mil e R$ 12 mil. Uma das filhas conciliava a profissão de personal trainer com as atividades de gabinete, que preveem jornada semanal de 40 horas. Isso leva a crer que o pedágio envolveria salários de funcionários fantasmas, que sequer apareciam para trabalhar, mas cujos salários engordavam o caixa administrado por Fabrício Queiroz.

Na visão do General Mourão, seria “burrice ao cubo” um assessor fazer caixinha de gabinete usando transferências bancárias. Eduardo Bolsonaro diz que não é “a pessoa errada” para responder perguntas sobre o episódio. Deltan Dallagnol, procurador da Lava-Jato e alvo de elogios públicos de Jair Bolsonaro, cobra agilidade nas investigações, e Flávio, que até então se colocava como a voz do novo governo no Senado, quase que sumiu de cena. Nas redes sociais, ele postou que “não fez nada de errado e que é o maior interessado em que tudo se esclareça”. 

Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, disse que o COAF deveria ter agido 13 anos atrás, no mensalão — o que faz sentido, mas não anula o imbróglio envolvendo o clã Bolsonaro. O próprio presidente eleito se antecipou ao risco que o episódio ainda pode representar à sua imagem; numa live no Facebook, ele declarou: “Se algo estiver errado, que seja comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos aí a conta deste erro, porque nós não podemos comungar com erro de ninguém”.

O PT, matreiro como o Tinhoso, decidiu não fustigar Bolsonaro em razão das movimentações suspeitas do ex-motorista, preferindo esperar o caso crescer para tentar acertar, mais do que o presidente eleio, seu ministro da Justiça, Sergio Moro. Ainda assim, o partido entrou com três representações na PGR contra o clã, duas pedindo que se investigue Flávio, o ex-motorista, e a futura primeira-dama, e uma para apurar se houve o vazamento da operação Furna da Onça — origem do levantamento do COAF que resultou nesse rebosteio. Foi mais um gesto político do que uma ação visando a resultados práticos e imediatos. No Congresso, metade dos atuais deputados não foi reeleita, de modo que um pedido de abertura de uma CPI, a esta altura do campeonato, seria perda de tempo. Em janeiro, porém, a história muda. Resta saber o que mais vai surgir até lá.

Ainda há muito a dizer, mas este texto já está bem mais extenso do que eu gostaria, e a paciência do leitor (como também a minha) tem limites. Volto ao assunto numa próxima oportunidade, quando novos fatos vierem a lume.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

AUMENTO DE SALÁRIO DOS MINISTROS SUPREMOS — PRIMEIRA DERROTA DE BOLSONARO NO CONGRESSO?


O partido que Lula fundou para “fazer a diferença” tornou-se a quintessência da corrupção depois de vencer as eleições de 2002 e assumir a Presidência acusando FHC de ter deixado uma “herança maldita” que só existia na aleivosia da petralhada.

Não que o PSDB fosse o obelisco da honestidade, longe disso: criado a partir de uma costela do PMDB, o partido dos tucanos caiu nas graças dos brasileiros devido ao sucesso do Plano Real e teve seu momento de glória nas eleições de 1994. Mas deixou a esquerda criar asas e se transformou num cemitério de egos que até hoje não aprendeu que brigar entre si não serve como treinamento para lutar contra os verdadeiros adversários. Assim, perdeeu as eleições de 2002 para o PT, não se empenhaou em reverter o quadro em 2006 e 2010 e entrou em parafuso com a derrota de Aécio em 2014. 

Embora tenha contribuído para o impeachment de Dilma e apoiado a ideia de um governo de transição que, mantendo de pé uma “pinguela” reformista, atravessasse a pior fase da crise e entregasse o país em melhores condições para o presidente a ser eleito em 2018, o PSDB nada fez para influenciar ou direcionar esse governo. E um governo de perfil “parlamentar” com uma base pouco confiável, sem grandeza e sem projeto, não poderia mesmo dar certo. Para piorar, os tucanos se deixaram impregnar pelos interesses escusos do Congresso e pela preocupação em esvaziar a Lava-Jato e recompor oligarquias e práticas clientelistas, trocando a grande política pela pequena política.

Ao virar as costas para a opinião pública, o PSDB perdeu a chance de resgatar a imagem de alternativa lógica para quem não aguanta mais tanta corrupção. Depois de décadas disputando o cenário eleitoral com o PT seus satélites, não se deu conta de que Dória seria a melhor alternativa para disputar o Planalto nas últimas eleições — para que Alckmin tivesse chance, seria preciso que o eleitorado fosse mais esclarecido e politizado; com a população dividida entre petistas e antipetistas, a candidatura do insosso picolé de chuchu estava fadada ao fracasso. Assim, somada ao crescente repúdio a Lula e ao PT, a inépcia do tucanato favoreceu a ascensão de um deputado do baixo clero que em 7 mandatos consecutivos teve apenas dois projetos aprovados — mas que desde a reeleição de Dilma, em 2010, vinha se preparando para seu momento de glória.

Se Bolsonaro está pronto para assumir o timão da Nau dos Insensatos, só o tempo dirá. As dificuldades são enormes, como também a oposição a seu governo — que nem começou oficialmente e já sofreu uma derrota monumental: a aprovação do aumento salarial dos ministros do STF deve aumentar em R$ 4 bilhões o déficit público em 2019. Esse “reajuste” — como alguns preferem chamá-lo — foi defendido e comemorado por 7 dos onze ministros da nossa mais alta Corte. Apenas Celso de Mello, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Rosa Weber entenderam que o contexto atual demanda cortes nos gastos públicos, e não sua majoração. Ricardo Lewandowski — o eterno rábula petista de São Bernardo do Campo — teve a cara de pau de dizer que juízes aposentados e pensionistas vivem “em situação de penúria” com o salário atual (R$ 33,7 mil mensais). O que dizer, então, dos trabalhadores comuns, cuja medida salarial é de R$ 2.222 por mês — isso para os ainda têm emprego —, e da esmagadora maioria de aposentados e pensionistas dos INSS, que subsistem com míseros R$ 940 mensais?

Veja o leitor como são as coisas: Enquanto presidiu o Supremo, a ministra Cármen Lúcia evitou colocar em votação o reajuste dos magistrados. Assim que assumiu a presidência da Corte, em setembro passado, Dias Toffoli não só se apressou em pautar o aumento, ms também se empenhou pessoalmente em garantir sua aprovação no Congresso, como dá conta esta matéria do jornal Valor. Na visão desse outro militante de toga, para além do reajuste em si estava em jogo sua capacidade de negociação, e seria bom para a sua imagem de ministro “político”, aberto ao diálogo, conseguir finalmente tirar do papel uma proposta que estava na mesa de discussão há anos. Nesse sentido, antes mesmo de assumir oficialmente a presidência da Corte, Toffoli barganhou com Michel Temer a aprovação do aumento em troca da promessa de levar ao plenário ações que pedem o fim do auxílio-moradia, hoje pago de maneira indiscriminada, mesmo para juízes que têm imóvel próprio no município onde estão lotados.

Uma campanha on-line capitaneada pelo Partido Novo contra essa indecência já contabiliza mais de 2 milhões de assinaturas. O partido pede a Temer que vete o aumento com base na Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe o chefe do Executivo de aumentar a despesa com os servidores a menos de 180 dias do término de seu mandato. Em entrevista à imprensa no último sábado, o presidente eleito disse que, se já estivesse no cargo, vetaria a proposta: “Não tem outro caminho no meu entender, até pela questão de dar exemplo…Eu falei antes da votação que é inoportuno, o momento não é esse para discutir esse assunto”.

Bolsonaro pretendia se reunir com os presidentes da Câmara e do Senado nesta semana, mas cancelou o compromisso devido ao mal-estar advindo desse imbróglio, sobretudo porque o Senado aprovou o aumento a despeito (e logo depois) de suas ponderações no sentido de que não era o momento adequado, pois o país não só está fechando o ano com as contas no vermelho, como também iniciará 2019 com perspectiva de déficit. 

Além de fazer ouvidos moucos para os apelos do presidente eleito, o Senado — que conta com uma penca de parlamentares em final de mandato (dentre os quais Eunício Oliveira, atual presidente da Casa e do Congresso Nacional), que não conseguiram se reeleger — aprovou também, de forma relâmpago, o regime tributário especial do setor automotivo, contrariando os interesses do futuro governo — que tem defendido uma política econômica sem a concessão de benefícios fiscais a setores específicos. Revanchismo? Quem? Eu?

Resta saber se Michel Temer vai vetar ou não o reajuste dos ministros. Façam suas apostas.