segunda-feira, 5 de novembro de 2018

AINDA SOBRE O PRESIDENTE ELEITO JAIR BOLSONARO



Na mais conturbada eleição desde a redemocratização, com a população dividida em petistas/lulistas e antipetistas/antilulistas, os 57,8 milhões de votos que elegeram Bolsonaro 38º presidente do Brasil não vieram somente de bolsomínions, simpatizantes e admiradores de suas propostas, mas também de gente que não queria (e continua não querendo) ver o Brasil governado por um presidiário. Mutatis mutandis, o mesmo raciocínio se aplica ao candidato derrotado, já que uma parcela significativa dos votos que ele recebeu veio de eleitores preocupados com a possibilidade de a vitória do deputado-capitão servir de passaporte para a volta da ditadura militar.

Nada disso teria sido necessário se, no primeiro turno, nosso “esclarecidíssimo” eleitorado tivesse apostado num candidato mais “de centro”. Mesmo aquela trupe de show de horrores contava com João Amoedo, Henrique Meirelles e Geraldo Alckmin — aliás, o picolé de chuchu seria uma escolha natural, visto que PSDB e PT disputaram todas as finais dos campeonatos presidenciais de 1994 a 2014. Mas agora é tarde, Inês é morta. Felizmente, no duelo épico entre “o bem e o mal” do último dia 28 (o que um e outro candidato representava dependia dos olhos de quem o visse) venceu o melhor — ou o “menos pior”: Haddad na presidência seria Lula no poder e José Dirceu no caixa.

A vitória de Jair Messias Bolsonaro é um fait accompli, em que pesem as cinco ações em que o presidente eleito e o candidato derrotado se acusam mutuamente de abuso de poder econômico na campanha e pedem um a inelegibilidade do outro. A ministra Rosa Weber, atual presidente do TSE, disse que as investigações têm um período de “instrução probatória” e o corregedor irá perceber necessidade de provas que definirão maior ou menor necessidade de tempo. Em outras palavras, a Corte pode chegar a uma decisão nos próximos dias ou nos próximos anos — basta lembrar que a ação movida pelos tucanos contra a chapa Dilma-Temer, depois da derrota de Aécio em 2014, só foi julgada em junho do ano passado.

Bolsonaro é réu no STF (decisão da 1ª Turma por 4 votos a 1, vencido o ministro Marco Aurélio) pelos crimes de injuria e apologia ao estupro. A ação, que foi aberta em 2016 e está em fase final, investiga o episódio no qual, em 2014 o deputado afirmou (na Câmara e em entrevista ao jornal Zero Hora) que a colega petista Maria do Rosárionão merecia ser estuprada porque era muito feia e não fazia seu ‘tipo’”. 

Observação: Não tenho procuração para defender o presidente eleito — que, aliás, pode passar muito bem sem a minha defesa —, mas basta assistir ao vídeo para ver que ele reagiu a uma provocação da petista, que o acusou de estuprador: 



Mais recentemente, outra denúncia contra Bolsonaro (desta vez por crime de racismo) foi submetida ao STF, mas o julgamento de seu recebimento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, depois que os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux votaram pela rejeição e Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, pela aceitação.

Segundo a Constituição, “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Isso significa que processos anteriores à posse terão sua tramitação suspensa até que o réu deixe o cargo de presidente.

Caso fosse condenado e a decisão transitasse em julgado antes da posse (o que é absolutamente improvável), há duas correntes de entendimento: na primeira, Bolsonaro teria os direitos políticos suspensos, o que impediria a posse; na segunda, crimes definidos em lei como de menor poder ofensivo (injúria, difamação, apologia ao crime etc.) não se enquadram no disposto pela Lei da Ficha-Limpa e, portanto, não acarretariam inelegibilidade. Mas parece ser unânime o entendimento de que “pelo bem da estabilidade política, o presidente eleito não deverá ser condenado antes da posse”, e depois que ele assumir, o processo será suspenso.

Declarações polêmicas são a marca registrada de Bolsonaro, que, a exemplo de Ciro Gomes, não tem papas na língua e diz o que pensa antes de pensar no que vai dizer. É certo que peixe morre pela boca, mas foi justamente essa postura, digamos, intempestiva, que conquistou dezenas de milhões de votos. Já o PT usa a estratégia da vitimização. Ultimamente, isso tem funcionado apenas com a patuleia, que não precisa ser convencida de nada, dada sua fidelidade canina a Lula e ao partido — que ora se apresenta mais dividido que nunca: Jaques Wagner, com o apoio de Haddad, quer aproveitar a derrota para fazer um mea-culpa e renovar a legenda, ao passo que a senadora rebaixada a deputada Gleisi Hoffmann e o senador não reeleito Lindbergh Farias estão 100% na agenda do presidiário de Curitiba (talvez por isso não conseguiram se reeleger para o Senado).

Picuinhas à parte, a vitória de Bolsonaro reacendeu nossa esperança — ou, pelo menos, mostra uma luz no fim do túnel que, pela primeira vez em anos, parece não vir do farol da locomotiva. Claro que o presidente eleito terá um trabalho monstruoso pela frente, e será cobrado “por ter cachorro e por não ter”. Um prenúncio dessa oposição ferrenha é a repercussão do convite feito a Sérgio Moro para a “superpasta da Justiça”. Como se sabe, a facção esquerdopata pode não prestar como governo, mas é habilíssima como oposição, e certamente criticará tudo que Bolsonaro fizer, e pintará com as cores da aleivosia cada frase que ele disser.

Torçamos, pois, pelo melhor, e façamos votos de que o presidente eleito esteja à altura do desafio — que inclui uma economia em frangalhos, uma recessão cruel e um nível de desemprego em patamares indecentes (problemas que o PT e seus satélites atribuem candidamente a Michel Temer, mas que foram gestados e paridos no governo Dilma, de quem Temer foi vice de 1º de janeiro de 2011 até o momento em que a titular foi penabundada e ele assumiu o posto).

Amanhã a gente continua.

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 3)


ENGOLIMOS DE UMA VEZ A MENTIRA QUE NOS ADULA E BEBEMOS GOTA A GOTA A VERDADE QUE NOS AMARGA.

Veículos flex (equipados com motor bicombustível) podem ser abastecidos com gasolina, etanol ou uma mistura de ambos em qualquer proporção. Insisto neste ponto porque muita gente ainda acha que é preciso gastar toda a gasolina do tanque antes de abastecer com álcool (e vice-versa), o que não faz o menor sentido. Mas sempre haverá um frentista de posto (ou outro “entendido” de plantão) sempre pronto a convencê-lo do contrário.

Observação: Se você der ouvidos a frentista de posto, trocará as palhetas do limpador de para-brisa toda vez que abastecer o carro. Além de completar o óleo do motor, naturalmente. Meça o nível do óleo você mesmo, semanalmente, num local plano, de preferência pela manhã, antes de ligar o motor. Na impossibilidade, faça-o somente depois de deixar o motor esfriar por uns 15 minutos (tempo necessário para o óleo desça das partes altas e se acumule no cárter). Se o nível estiver entre as marcas de mínimo e máximo da vareta, não é preciso adicionar óleo. Lembre-se de que os frentistas costumam receber comissão pela venda de palhetas, aditivos e outros badulaques, daí seu empenho em nos empurrar essas coisas.

Voltando à vaca fria: Quando a mistura ar-combustível era formada nos jurássicos carburadores, a relação estequiométrica (proporção entre o ar e combustível) era obtida através dos gargulantes (ou giclês). No caso da gasolina, a proporção ideal é de 14,6:1, ou seja, a quantidade de ar na mistura é 14,6 vezes maior que a do combustível (ainda bem que não pagamos pelo ar). No caso do etanol, que tem poder calorífico inferior ao da gasolina, a proporção é de 8,4:1, o que se traduz numa mistura “mais rica”.

Em face do exposto, fica fácil concluir que, sem o concurso da injeção eletrônica, seria inviável alternar entre álcool e gasolina (ou usar uma mistura dos dois) e, portanto, não teríamos carros flex. Ao contrário dos carburadores, onde a relação estequiométrica não varia, a injeção conta com sensores estrategicamente posicionados, que monitoram as necessidades do propulsor em tempo real, permitindo à central estabelecer quantidades e proporções adequadas a cada momento específico, o que assegura melhor desempenho com menor consumo de combustível.

À exemplo da relação estequiométrica, a taxa de compressão — que corresponde ao número de vezes que a mistura ar-combustível é comprimida pelo movimento ascendente do pistão, no interior do cilindro, antes que a centelha produzida pela vela de ignição provoque sua queima — varia conforme o combustível para o qual o motor é projetado. No caso da gasolina, ela é de 10:1 e no do álcool, de 12:1. Todavia, ao contrário da relação estequiométrica, a taxa de compressão não pode ser alterada pelo sistema de injeção eletrônica (isso ficará mais claro ao longo dos próximos capítulos).

A título de curiosidade, a Nissan vem desenvolvendo um motor com taxa de compressão variável, que pode tornar os veículos flex mais eficientes (embora o objetivo da montadora japonesa seja otimizar o funcionamento dos motores turboalimentados). Explicando em rápidas pinceladas, a variação da taxa de compressão é obtida pela alteração do curso dos pistões diretamente no eixo de manivelas (onde as bielas se conectam). Uma engrenagem harmônica comanda um braço, esse braço gira um eixo, e esse eixo ajusta a inclinação do virabrequim, comprimindo a mistura mais ou menos vezes, de acordo com uma série de variáveis.

Não ficou claro? Então releia o parágrafo acima depois de ler os próximos capítulos desta sequência e você certamente entenderá melhor o que essa inovação significa.

Por hoje é só. Continuamos depois do final de semana prolongado pelo feriado de finados. Até lá.

domingo, 4 de novembro de 2018

BOLSONARO — BILHÕES POUPADOS COM O FIM DA "COMUNICAÇÃO SOCIAL TRANSPARENTE"



A certa altura em uma entrevista já como o próximo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro disse que seu governo, entre diversas outras coisas, vai “diminuir” as verbas que o Erário paga hoje a uma certa rede de televisão e a um certo jornal diário para publicarem anúncios de propaganda oficial. Há pelo menos um erro sério nessa promessa: o verbo “diminuir”. A única palavra correta no caso, já que ele tocou no assunto das relações entre imprensa e governo, é “acabar”. Para os dois, a televisão e o jornal? Sim, para os dois — e para todos os outros veículos de comunicação do Brasil, sem nenhuma exceção.

Por que contentar-se em roubar menos da população que paga por tudo isso, se há a oportunidade de não roubar nada? É a coisa mais fácil do mundo. Não existe nenhuma lei que obrigue o governo a jogar dinheiro fora com a imprensa. Não é preciso pedir licença ao STF ou ao Congresso, por mais que ambos acabem passando mal com isso. Também não há que pedir autorização da ONU, como o PT poderia exigir. Basta decidir que a partir de 1º de janeiro de 2019 o Tesouro Nacional não pagará mais nem um tostão para publicar anúncios na mídia deste país.

O fato é que não poderia haver momento melhor para começar a limpeza dessa usina de lixo que se chama “área de comunicação social do governo”. A maioria dos jornalistas brasileiros, com a concordância de seus empregadores, está combatendo há meses numa guerra sem quartel contra os perigos de ditadura que, segundo eles, apareceram no Brasil com o novo presidente. Então: propaganda para as massas, elites e tudo o que vem no meio das duas é uma das armas mais perversas das tiranias em todo o mundo e em todas as épocas. Que tal ficarmos livres dessa — pelo menos dessa? 

Bolsonaro, ao acabar com tamanha lavagem cerebral, estaria fazendo um gesto de paz para acalmar um pouco os comunicadores. “Estão vendo?”, poderia perguntar. “Vou abrir mão dos bilhões que tenho para comprar a aprovação da opinião pública”. Os jornalistas e seus patrões, por seu lado, não poderiam reclamar por estar perdendo essa dinheirama — fica ruim, de fato, falar mal da ditadura porque o ditador parou de lhes pagar. Além do mais, por que não reclamam de nada hoje? Já recebem dinheiro sujo. Não ficará limpo com o fascismo que anunciam.

O fato, para não ficar enganando o leitor com complexidades que não existem, é que, de todos os 1.001 pés-de-ca­bra à disposição do governo para roubar dinheiro do contribuinte, a propaganda oficial é um dos mais hipócritas. Não tem nada de pública — ao contrário, é puro negócio privado, bom só para quem manda no governo, os donos e empregados dos órgãos de imprensa e todos os intermediários que se movem entre uns e outros. Não tem a menor utilidade para o cidadão. Também não há ninguém pedindo “comunicação”. 

Você já viu alguma multidão sair à rua exigindo “publicidade já?”. Não existe em democracia alguma do planeta; ninguém jamais ouviu falar em “Inglaterra para Todos”, ou “Acelera, Holanda”. Em compensação, é oxigênio puro para ditaduras e governos de países subdesenvolvidos pelo mundo afora. Fala-se, é claro, na necessidade de publicar editais, leis, nomeações e outros atos do governo. Parem de fingir. Tudo isso pode ser escrito no Diário Oficial, que já é do poder público e tem de ser divulgado de qualquer jeito. Quem estiver interessado que compre — ou que se paguem os trocados que a mídia privada cobra por esse tipo de anúncio. Mas não é disso que estamos falando, não é mesmo? O que interessa é o dinheiro grosso que os governos pagam para dizer como são bons para você.

Bolsonaro fala em “critérios técnicos” para distribuir a publicidade em seu governo. Que piada. Não há aí nada de critério nem de “técnico” — é puro desvio de dinheiro público para bolso privado. Esqueçam as “campanhas de vacinação” que a mídia divulga em seu noticiário normal, ou “a obrigação de prestar contas ao público”. Quem está interessado, ou acredita, nisso? 

E os “pequenos veículos”, ou grandes, que morreriam sem a propaganda oficial? Problema deles — que arrumem leitores e anúncios privados para ganhar sua vida. A verdade é uma só: o cidadão vai economizar bilhões com o fim da “comunicação social transparente”, sem contar o que deixará de ser gasto com os milhares de funcionários empregados nesse falso serviço. Um governo que tem cerca de 800.000 servidores na ativa tem também a obrigação de tirar dali os que são realmente necessários para o trabalho de comunicação que realmente deve ser feito. O resto é safadeza.

Texto de J.R. Guzzo

sábado, 3 de novembro de 2018

O CAVALO DE TROIA PETISTA E O FUTURO GOVERNO BOLSONARO



Dizia eu na postagem anterior que com o afastamento do juiz Sérgio Moro da 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, os processos da Lava-Jato que estavam sob sua pena serão conduzidos pela juíza substituta Gabriele Hardt, pelo menos até que o TRF-4 defina quem assumirá definitivamente o posto. Assim, tanto o julgamento da ação envolvendo a cobertura vizinha à residência de Lula, em São Bernardo do Campo, e o terreno para a construção da nova sede do Instituto Lula, em São Paulo, quanto a instrução do processo sobre o folclórico Sítio Santa Bárbara, no município paulista de Atibaia, ficarão a cargo dessa magistrada, que tem 42 anos, é formada em Direito pela Universidade Federal do Paraná e juíza substituta na 13ª Vara Federal desde 2014.

O convite feito pelo presidente eleito ao juiz Moro, para comandar superpasta da Justiça, caiu como uma bomba no colo da petralhada. A folclórica Dilma Rousseff, por exemplo, do alto de sua parvoíce, relembrou que o magistrado autorizou a gravação e vazou sua conversa com Lula, alimentando o processo de impeachment; condenou e determinou a prisão do ex-presidente sem provas, inviabilizando sua candidatura; vazou a delação de Palocci a uma semana do 1º turno, com o propósito de prejudicar tanto sua candidatura (de Dilma) ao Senado quanto a de Haddad à Presidência, e agora anuncia que vai abandonar a magistratura para ser ministro daquele cuja eleição ele (Moro) viabilizou com suas decisões.

Rezam pela mesma cartilha a lunática presidente da ORCRIM e senadora rebaixada a deputada, Gleisi Hoffmann — para quem “Moro será ministro de Bolsonaro depois de ser decisivo pra sua eleição, ao impedir Lula de concorrer” — e outros “próceres” petistas, como o também senador derrotado Lindbergh Farias, o deputado reeleito Paulo Pimenta, o próprio candidato derrotado Fernando Haddad (que de prócer não tem nada, mas enfim...), e por aí segue a procissão, sempre entoando o cântico da vitimização, do golpe, e mais um sem-número de bobagens que tais. A propósito, o presidente eleito declarou (sobre Moro chefiar o Ministério da Justiça) que “se o PT reclamou é porque a decisão foi acertada”.

A irresignação dessa caterva é mais uma prova de que seus interesses estão anos-luz distantes dos interesses republicanos. Aliás, o PT e seus satélites vêm prometendo fazer a mais radical oposição ao próximo governo, além de cobrar urgência ao TSE na análise da ação que pede a inelegibilidade de Bolsonaro (respaldada numa matéria jornalística da Folha segundo a qual empresas apoiadoras do candidato do PSL teriam comparado pacotes de disparo de mensagens contra o PT por meio do aplicativo mensageiro WhatsApp). É lamentável, para dizer o mínimo, que o país seja obrigado a aturar tamanha desfaçatez desses maus perdedores.

Uma semana antes do segundo turno, a revista IstoÉ publicou uma matéria de capa em que comparava a campanha do "poste" de Lula a um “Cavalo de Troia”. Mas a pergunta é: como alguém poderia acreditar que um imenso cavalo de madeira recheado de soldados fosse um inocente presente para uma cidade?

Observação: No âmbito da informática, essa expressão remete a um programa malicioso, mas travestido em aplicativo útil para ludibriar os incautos. A origem remonta à lenda do Cavalo de Tróia contada por Homero em seu poema “Ilíada”, segundo a qual um grande cavalo de madeira, deixado pelos troianos às portas de Esparta, foi levado para dentro pelos gregos, que pensaram tratar-se de um presente. Mais tarde, na calada da noite, os soldados que estavam escondidos no interior do cavalo abriram os portões para o exército de Troia, que assim venceu a guerra.

 Em seu livro “A Marcha da Insensatez”, a escritora e historiadora americana Barbara W. Tuchman, duas vezes laureada com o Prêmio Pulitzer, aborda um dos maiores paradoxos humanos: a insistência dos governos em adotarem políticas contrárias aos próprios interesses. Em um texto fluido e envolvente, ela destaca quatro conflitos históricos em que ações equivocadas tiveram consequências desastrosas para milhares de pessoas: a Guerra de Troia, a reforma protestante, a independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã.

No Brasil dos nossos dias, às vésperas do segundo turno das eleições mais conturbadas da história tupiniquim, o PT tentou apresentar à sociedade sua versão do Cavalo de Troia. Por trás do verde e amarelo que substituíram o vermelho petista, o procurador do criminoso de Garanhuns tentou se dissociar da imagem do outorgante (que de início procurou assimilar, até mesmo comendo o “s” dos plurais em seus discursos) e se travestir num simpático ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo. Todavia, a sequência de erros administrativos e o envolvimento de Lula e seu partido nos escabrosos casos de corrupção que quase arruinaram o Brasil continuam vívidos na memória de uma parte expressiva da população, daí a fraude vermelha ter sido derrotada por uma diferença de quase 11 milhões de votos.

Contumaz em atribuir aos adversários os próprios erros e suas consequências, o PT acusa o presidente eleito de transformar o pleito em plebiscito, quando na verdade quem fez isso foi o próprio PT. A ideia de posar de democrata de última hora, apresentar-se como alguém capaz de aglutinar os partidos de esquerda e pacificar a nação não funcionou, como não funcionaram tantas outras estratégias petistas. 

Na farsa inicialmente encenada, o presidiário metido a candidato imaginava que a liderança nas pesquisas lhe outorgaria uma espécie de absolvição popular, coroando a tese de que “sua condenação não passou de uma injustiça”. Mas falhou, continua preso, e seu preposto foi derrotado por um candidato que, até não muito tempo atrás, não passava de um simples deputado do baixo clero, para não dizer um ilustre desconhecido.

Por esse mesmo fantasioso caminho da redenção pelas urnas seguiriam outros petistas enrolados com a Justiça, que também ganharam nas urnas idêntica resposta à que foi dada ao fantoche de Lula. O formato plebiscitário foi aceito, mas para derrotar o PT, como provaram os resultados das urnas no primeiro turno (quando faltou pouco para Bolsonaro sagrar-se presidente) e comprovaram no segundo. 

O PT apostava que prevaleceria na memória do eleitorado a lembrança do ascensão econômica havida durante a primeira gestão de Lula, mas que o que prevaleceu foram a corrupção das gestões petistas e crise gestada e parida pela imprestável gerentona de araque. O que se pretendia esconder na barriga do Cavalo de Tróia restou escancarado aos olhos da população (ou pelo menos da parcela pensante da população).

Preso há quase sete meses na carceragem da PF em Curitiba, Lula transformou sua cela em comitê de campanha e recebeu visitas frequentes de seu “poste” — numa sequência interrompida somente quando o próprio presidiário lhe ordenou que só voltasse lá depois da vitória no segundo turno. Na prática, pouco mudou, pois a ausência do contato pessoal entre o criador e a criatura foi suprida por emissários do PT, que continuaram indo a Curitiba, dia sim outro também, para receber instruções sobre os rumos da campanha. Aliás, se o resultado da eleição tivesse sido outro, a presença de Lula no governo Haddad seriam favas contadas: preso, Lula governaria o país da mesma maneira que dirige seu apodrecido partido; solto, certamente teria uma posição de destaque no Ministério de seu poste.

Também como parte da estratégia de transformar a eleição em plebiscito, Lula tentou emplacar Dilma como senadora, para que, com a legitimidade outorgada pelos eleitores mineiros, continuasse defendendo as “realizações” de seu governo e a narrativa de que seu impeachment foi um golpe — falou-se até que ela seria a nova presidente do Senado. Mais uma vez, porém, “faltou combinar com os russos”: a anta não foi eleita e o poste foi varrido pelo tsunami antipetista e antilulista representado pelos 57,8 milhões de votos obtidos por Jair Messias Bolsonaro.

Engana-se redondamente quem acha que o PT aprendeu a lição. Mesmo derrotado por um sentimento majoritário antilulista, a associação criminosa travestida de partido tenta manter a liderança da esquerda brasileira anunciando uma oposição sem trégua ao novo governo. Haddad, pasmem, continua insistindo no ramerrão da “prisão injusta” de Lula. A presidente nacional da legenda, Gleisi Hoffmann, chegou mesmo a dizer, na véspera do segundo turno, que o indulto seria o presente ideal para o criminoso de Garanhuns (que completava 73 anos naquele dia).

As urnas deixaram bem claro o que pensam do discurso petista 57.797.847 eleitores, a exemplo do que fizeram o senador Cid Gomes (“Lula tá preso, babaca, vai fazer o quê?”) e o rapper Mano Brown, que mijaram no chope dos petistas ao denunciar os “equívocos” cometidos pela ORCRIM e seu distanciamento do povo. Mas quem pôs a cereja no bolo foi Ciro Gomes, ao declarar seu rompimento com o PT — que muito provavelmente ficará isolado na condição de oposição radical a qualquer preço (detalhes nesta postagem). O ex-governador do Ceará sinaliza que fará uma oposição mais equilibrada — até onde isso lhe for possível, dado seu notório temperamento explosivo —, que pode render frutos para sua liderança. 

Em última análise, a única chance de o PT voltar a se colocar como grande esperança do povo brasileiro seria um retumbante fracasso do governo Bolsonaro, mas isso já é outra conversa. Por essa e outras, o partido jogará no “quanto pior, melhor”, como sempre fez ao não votar em Tancredo Neves para presidente, não apoiar o governo de transição de Itamar Franco, não assinar a Constituição de 1988, não apoiar o Plano Real, e por aí vai.

Agora, diante do convite (e respectiva aceitação) feito a Moro para comandar a pasta da Justiça, a seita maldita, temendo pelo próprio rabo, alardeia uma suposta parcialidade do juiz Moro contra Lula — o que também tem precedentes: em em 1989, depois de ter sido derrotado por Collor no segundo turno da primeira eleição direta pós redemocratização, o partido acusou o presidente eleito de estar pagando favores (depois que Collor convidou Francisco Rezek, ministro do STF que coordenara a eleição como Presidente do TSE, para a pasta das Relações Exteriores). Guardadas as devidas proporções, é isso que o PT faz agora, em mais uma lunática teoria conspiratória que vê na nomeação do magistrado a “prova cabal” de parcialidade na condução dos processos contra Lula. Mas basta ter olhos e isenção de ânimo para ver que é perfeitamente natural um candidato eleito em grande parte por defender a luta contra a corrupção e apoiar a Lava-Jato convidar o símbolo maior desse combate para integrar seu ministério .

Haveria muito mais a dizer, mas vejo agora que o texto já ficou longo demais. Para encerrar, relembro apenas que a partir de janeiro Moro deverá controlar a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Controladoria-Geral da União e parte do Coaf — hoje atrelado ao Ministério da Fazenda. Sua agenda será “anticorrupção” e “anticrime organizado”, segundo o presidente eleito, que prometeu ao escolhido “total liberdade” para indicar o primeiro escalão do que chamou de “superministério”, além de “caminho aberto” para ser indicado ao Supremo Tribunal Federal em 2020, na vaga que será aberta pelo atual ministro Celso de Mello.

Petralhada, tremei!

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

SÉRGIO MORO, O SUPERMINISTÉRIO DA JUSTIÇA E A FÁBULA DO VELHO, O MENINO E O BURRO



Convidar Sérgio Moro para comandar a pasta da Justiça e, mais adiante, ocupar uma cadeira no STF foi uma maneria de o presidente eleito sinalizar que a Lava-Jato seguirá seu curso sem interferências do Executivo, bem como de de exibir a “régua” a ser usada na composição de seu Ministério.

Moro aceitou o convite na manhã de ontem — não sem “certo pesar”, segundo declarou em nota, já que terá de encerrar prematuramente uma carreira de 22 anos na magistratura (nesse caso não cabe afastamento, é preciso pedir exoneração do cargo de juiz para assumir o de ministro). Por outro lado, o “superministério” (que englobará as pastas da Justiça e da Segurança Pública) lhe dará a oportunidade de implementar reformas anticorrupção e anticrime organizado, além de não obstar uma futura promoção ao Supremo — aliás, é mais comum um ministro da Justiça ascender à Corte do que um juiz de primeira instância.

Observação: A menos que algum ministro do STF morra ou deixe o cargo por outro motivo que não a aposentadoria compulsória, a próxima vaga só se abrirá em novembro de 2022, quando decano Celso de Mello completar 75 anos. Ainda que vários pedidos de impeachment pairem sobre as cabeças de Gilmar Mendes, Toffoli e Lewandowski, todos dormitam placidamente nas gavetas do Congresso, e mesmo com a renovação dos quadros do Legislativo no ano que vem as chances de um deles prosperar são bastante remotas.

Moro ficou de conceder uma coletiva à imprensa na próxima semana, mas já adiantou que, para evitar controvérsias desnecessárias, não participará das novas audiências da Lava-Jato. Pelo que eu entendi, isso significa que ele não julgará sequer o processo em que Lula é réu por suposto recebimento de propina da Odebrecht na forma de um apartamento em São Bernardo do Campo (a cobertura vizinha àquela em que ele morava até se mudar para a Superintendência da PF em Curitiba) e um terreno em São Paulo (onde seria construída a nova sede do Instituto Lula), cujos autos estão conclusos para sentença. 

Observação: Em suas razões finais, além de alegar que o réu foi tratado como culpado desde a fase inicial e que deve absolvido por insuficiência de provas, a defesa do criminoso de Garanhuns saiu-se com a seguinte pérola: “Como é sabido, o Sr. Jair Bolsonaro disputou o segundo turno das eleições presidenciais com um correligionário do Defendente. Ao longo da campanha realizou declarações atentatórias ao Estado de Direito e, no que interessa ao processo, ameaçou publicamente o Defendente e seus correligionários, afirmando, em tom de galhofa, que iria ‘varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil, que o Defendente iria “apodrecer na cadeia” e que seus aliados políticos, seu concorrente aí incluso, seriam jogados ao cárcere para ‘ficar alguns anos’ ao lado do Defendente.” A instrução encontra-se encerrada e os autos, conclusos para sentença.

Com o afastamento de Moro, caberá à juíza substituta Gabriela Hardt dar andamento aos processos da Lava-Jato. Ela já substituiu o magistrado em outras ocasiões — numa delas, mandou prender o ex-ministro José Dirceu, que, na sequência, conseguiu um habeas corpus no STF — mas, na condição de juíza substituta, não poderá assumi-los em definitivo, cabendo ao presidente do TRF4, desembargador Thompson Flores, designar o substituto de Moro entre os juízes titulares vinculados à corte e que tenham interesse em assumir a vara (pelas regras, a preferência é daquele que tiver mais tempo de magistratura).

Moro é recado claro de moralidade. E com a PF na Justiça, sob seu comando, é a garantia de que a Lava-Jato vai continuar”, disse o advogado Gustavo Bebianno, um dos principais conselheiros do presidente eleito. Mas nem todo mundo pensa assim: ouvi há pouco na CBN um jurista dizer que, ao abandonar a Lava-Jato, Moro decretará o fim da operação, e que para o magistrado, a nomeação será o mesmo que “passar de cavalo a burro”. Não sei se faz sentido: se as pastas da Justiça e da Segurança Pública forem reagrupadas, o futuro ministro passará de juiz da Lava-Jato a chefe dos investigadores.

O grão-tucano FHC pendurou no Twitter uma nota sobre as primeiras mexidas ministeriais promovidas por Bolsonaro. “Moro na Justiça. Homem sério. Preferia vê-lo STF, talvez uma etapa.” Em seguida, sobre as incorporações de pastas: “Fusões de ministérios sim, com prudência. Já vimos fracassos coloridos (sic).” E arrematou: “Torço pelo melhor, temo que não, sem negativismos nem adesismos. A corrupção arruína a política e o país. Se Moro a combater ajudará o país.”

Na avaliação do coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, a decisão de Moro é “bastante positiva para a causa anticorrupção e para o Brasil. Como ministro da Justiça, ele poderá impactar ainda órgãos muito importantes para o controle da corrupção, como a Polícia Federal, a CGU e o COAF, ampliando sua influência positiva dos casos em Curitiba para todo o país.” Sobre a acusação de o magistrado ter se deixado seduzir pela política

Se o juiz Moro tivesse aspiração política, ele poderia ter se tornado presidente ou senador nas últimas eleições com alta probabilidade de êxito. Mentiras como essa serão repetidas, mas não vão abalar a Lava-Jato. Quanto à Lava-Jato: Seguirá com outros magistrados. Há ainda bastante por fazer e será feito. Perde-se o grande talento de um juiz, mas a maior parte da equipe seguirá firme lutando contra a corrupção, como profissionais, na operação, e como cidadãos.”

Especulações abundam, mas eu acho temerário tirar conclusões antes que a poeira assente, razão pela qual limito-me a transcrever uma fábula que li quando criança, e que cai como uma luva no caso em tela:

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

DE OLHO EM CIRO GOMES



Magoado com a estratégia de Lula para isolá-lo no primeiro turno e de olho na eleição de 2022, Ciro Gomes decidiu preservar o seu nome da disputa do segundo turno, frustrando os petistas que apostavam que ele faria um gesto em favor de Haddad. 

Bolsonaro venceu o pleito, mas tanto Ciro quanto sua vice, Kátia Abreu, cresceram na campanha, e agora o pedetista parece disposto a liderar a oposição ao próximo governo — uma oposição de verdade, não como a do PT, que impede o país de funcionar.

Ciro demonstrou bom senso anunciar seu rompimento com Lula e a seita do inferno. Em entrevista à Folha, fez duras críticas ao partido “que se quer hegemônico e é traidor”. Disse ter sido “miseravelmente traído por Lula e seus asseclas”, e que não declarou voto ao fantoche porque não quer mais fazer campanha com o PT. Disse ainda que considerou “um insulto” o convite para assumir o papel de vice no lugar de Haddad: “Esses fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei insultado.”

Perguntado se será candidato em 2022, Ciro respondeu que quem conhece o Brasil sabe que afirmar isso agora é um mero exercício de especulação. “Só essa cúpula exacerbada do PT é que já começou a campanha de agressão. Eu não. Tenho sobriedade e modéstia. Acho que o país precisa se renovar. O lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro de fascista”.

Ciro disse ainda que Lula sabia da roubalheira do petrolão porque ele, Ciro, avisara ao então presidente que, na Transpetro, Sérgio Machado estava roubando Renan Calheiros, e que Lula se corrompeu por isso e que hoje está cercado de bajuladores como Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto.

Na avaliação do ex-governador, “Haddad é uma boa pessoa, mas, se fosse uma pessoa que tivesse mais fibra, jamais teria aceitado esse papelão. Toda segunda ir lá [visitar Lula]... Quem acha que o povo vai eleger pessoa assim? Lula nunca permitiu nascer ninguém perto dele. E eles empurram para a direita, que é o querem fazer comigo.”

Pelo andar da carruagem, o PDT deve entrar em rota de colisão com o PT, que muito provavelmente ficará isolado na condição de oposição radical a qualquer preço. Ciro sinaliza que fará uma oposição sadia, patriótica. Haverá um caminho pelo meio para a oposição, da esquerda mais responsável, que pode render frutos para sua liderança. Mas a única chance de o PT voltar a ser a grande esperança do povo brasileiro é se nada der certo no governo de Bolsonaro. Daí porque os petistas certamente apostarão no quanto pior, melhor.

VEÍCULOS FLEX: É MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 2)


NADA INSPIRA MAIS CORAGEM AO MEDROSO DO QUE O MEDO ALHEIO.

Se ter um carro movido a álcool nos anos 80 e 90 era uma provação (a ponto de o slogan do governo “Carro a Álcool — Você ainda Vai Ter Um — soar como “praga de madrinha”), ter um veículo flexível (ou bicombustível) de hoje em dia é tudo de bom, sobretudo porque a maior parte dos problemas verificados nas primeiras safras das versões a álcool já foi sanada há tempos. Assim, a liberdade de escolher entre os dois combustíveis na hora de abastecer vem conquistando os motoristas e estimulando os fabricantes a aumentar a produção dos veículos “flex” e a “tropicalizar” alguns modelos importados, de modo a lhes garantir a mesma prerrogativa.

Como eu disse na postagem anterior, esse “prodígio” só foi possível depois que a indústria finalmente aposentou o pré-histórico carburador, que dosava a mistura queimada nas câmaras de combustão do motor através de gargulantes (também chamados de “giclês), resultando numa proporção estequiométrica invariável — em torno de 14,6:1 nos modelos à gasolina e 8,4:1 nos modelos a álcool. Já na injeção eletrônica, sensores estrategicamente posicionados realizam diversas medições em tempo real e enviam os dados a um módulo que realiza ajustes na mistura, no ponto de ignição, etc., de maneira a otimizar a queima. Daí por que os veículos “flexíveis” podem ser abastecidos com gasolina, álcool ou a mistura de ambos em qualquer proporção.

Por proporção estequiométrica, entenda-se a relação entre a quantidade de ar e combustível que chega até a câmara de combustão, é comprimida pelo movimento ascendente do pistão e inflamada pela centelha produzida pela vela de ignição. A “explosão” resultante gera o movimento descendente do êmbolo, cuja biela faz girar o eixo de manivelas responsável por transmitir essa “força” para as rodas motrizes, mas não sem o concurso do sistema de embreagem, das engrenagem da caixa de câmbio, do diferencial, etc. (A quem interessar possa, tudo isso foi detalhado numa matéria iniciada nesta postagem).

Uma proporção estequiométrica de 14,6:1 — como a que é usada nos motores à gasolina — indica que a mistura é composta de 14,6 vezes mais ar do que combustível (ainda bem que não pagamos pelo ar). No álcool, a proporção é de 8,4:1, e a razão de essa mistura ser mais “rica” é o menor poder calorífico do etanol.

Observação: Não confunda proporção estequiométrica com taxa de compressão, pois esta última indica quantas vezes a mistura ar-combustível é comprimida pelo pistão. Uma taxa de compressão em torno de 10:1 (como a que é utilizada nos motores à gasolina) significa que a mistura é comprimida 10 vezes antes de a centelha produzida pela vela de ignição provocar sua queima. Nos veículos a álcool, essa taxa aumenta para 12:1. Tenha em mente que a taxa de compressão reflete diretamente no rendimento térmico do motor, mas é limitada pela capacidade de detonação do combustível (voltarei a esse assunto oportunamente).

Via de regra, um carro flex “roda menos quilômetros por litro” com álcool do que com gasolina, mas isso não significa necessariamente maior custo por quilômetro — embora exija abastecimentos mais frequentes, o que pode ser um problema em viagens longas por estradas nas quais os postos ficam muito espaçados entre si. Se a diferença de preço entre os dois combustíveis for de 30%, o custo empata; se for maior, será mais vantajoso abastecer com etanol, como reza a tal regrinha dos 70% que que eu mencionei no início do capítulo anterior.

Mas vantagens de usar álcool não param por aí, como veremos na postagem da próxima segunda-feira. Até lá.

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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

LULA LÁ (EM CURITIBA)! E QUE FIQUE POR LÁ.



Dos três processos que tramitam contra Lula na 13ª Vara Federal em Curitiba, o primeiro, envolvendo o folclórico tríplex no Guarujá, foi julgado em abril de 2017 e resultou na condenação do molusco a 9 anos e meio de prisão em regime fechado. Em janeiro deste ano, o TRF-4 não só ratificou a decisão de primeira instância como aumentou a pena de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês. 

Nos próximos dias, o juiz federal Sérgio Moro julgará a ação que o petista responde pela cobertura vizinha à sua em SBC e o terreno onde seria construído o novo Instituto Lula, que, de acordo o Ministério Público, foram fruto de propina da Odebrecht. Também neste mês de novembro, depois de ouvir o patriarca da Odebrecht e seu filho Marcelo (a audiência está marcada para o próximo dia 5), Moro deverá colher o depoimento do ex-presidente (provavelmente no dia 14) nos autos do processo que trata do famoso sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Além deles, serão ouvidos o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro e dois grandes amigos de Lula: o advogado Roberto Teixeira e o pecuarista José Carlos Bumlai. O depoimento já era para ter acontecido, mas, para evitar qualquer tipo de exploração eleitoral, o magistrado achou por bem adiar o julgamento para depois do segundo turno das eleições. 

Não me cabe prejulgar os feitos, naturalmente, mas, até onde eu sei, as acusações são robustas, a exemplo das possibilidades de o deus pai da Petelândia vir a ser novamente condenado. Daí podermos dizer sem medo de errar que situação da autodeclarada “alma viva mais honesta da galáxia” não é das mais confortáveis. A começar pelo fato de ele estar preso desde o dia 7 de abril numa cela especial da Superintendência da PF em Curitiba. Por que Lula não está no Complexo Médico-Penal em Pinhais, na região metropolitana da capital paranaense? Bem, essa é uma boa pergunta. No despacho expedido por ocasião da prisão do condenado, Moro determinou que ele ficasse hospedado nessa espécie de Sala de Estado Maior “em razão da dignidade do cargo ocupado”, bem como para evitar riscos a sua integridade moral ou física. Mas nunca é demais lembrar que não estamos falando de um preso político, mas de um político preso que conspurcou a Presidência, aparelhou as Instituições e rapinou a Petrobrás e outras estatais para manter seu espúrio projeto de poder. Onde a dignidade, cara pálida?  

A conversa está boa e poderia seguir adiante indefinidamente, pois assunto é o que não falta. No entanto, considerando que resolvi compartilhar com vocês mais uma pérola da lavra de J.R. Guzzo — cujo texto, aliás, é bastante extenso —, passo desde logo a palavra ao colunista, diretor do grupo EXAME e membro do conselho Editora Abril:

Quatro anos atrás, apenas quatro anos atrás, o ex-presidente Lula estava no topo do mundo — ou, pelo menos, acreditava que não havia ninguém acima dele no resto do planeta. Tinha sido presidente da República, eleito e reeleito, por oito anos seguidos. Nesse período, por uma razão ou outra, convenceu os grandes colossos do pensamento político brasileiro e internacional de que seu governo havia sido um fabuloso sucesso, e de que ele, pessoalmente, era um novo Stupor Mundi, o “Espanto do Mundo” neste despertar do século XXI. “He’s the man”, disse dele Barack Obama — ele é “o cara”. Outros altos lordes da cena mundial, do secretário-geral da ONU ao Santo Padre o Papa, lhe prestavam homenagem. Economistas, sociólogos e filósofos acreditavam que Lula conseguira “avanços sociais” inéditos para o Brasil — uma combinação rara de distribuição de renda, eliminação da pobreza e progresso econômico. Tinha eleito sua sucessora Dilma Rousseff, uma nulidade da qual ninguém jamais ouvira falar — e, mais ainda, conseguira o quase milagre da sua reeleição, em 2014. Tinha sobrevivido a pelo menos um escândalo gigante, o da corrupção em massa de parlamentares do mensalão. Tinha descoberto o pré-sal e ia fazer o Brasil entrar na Opep. Tinha construído um estádio bilionário para o Sport Club Corinthians Paulista.

Neste domingo, ao se encerrar a apuração do segundo turno da eleição presidencial de 2018, Lula estava na lona — ou, se quiserem, continuava na sua viagem rumo ao fundo do poço, que ele iniciou dois ou três anos atrás e imaginou que fosse capaz de interromper com uma vitória eleitoral milagrosa. Seu candidato, Fernando Haddad, foi derrotado por um adversário que até seis meses atrás não existia na política brasileira. Confirmou-se, no segundo turno, o que foi anunciado no primeiro: Lula, hoje, é uma garantia de derrota para tudo o que aparece ligado ao seu nome. Quer ganhar uma eleição? Mostre ao eleitorado, como fez Jair Bolsonaro, que você é 100% contra Lula. Seu partido virou picadinho. Sua reputação continua em ruínas, e só afundou mais com a ação arruaceira do PT para tumultuar o pleito. Pior que tudo, Lula sai das eleições no mesmo lugar onde estava quando entrou nelas: na cadeia, cumprindo há sete meses uma pena de doze anos por corrupção e lavagem de dinheiro. Após mais de trinta anos no centro das decisões, pode estar a caminho de ser eliminado como uma força ativa na vida política do Brasil.

O que aconteceu com Lula e com o PT em tão pouco tempo? É extraordinariamente pesado para Lula, depois de usar um maciço sistema de forças, pressões e dinheiro para convencer o público de que é um “preso político” condenado sem “provas”, receber a sentença que ele recebeu do eleitorado brasileiro: não, não queremos mais que você seja presidente; queremos, isto sim, que você continue na cadeia. Está na cara que em algum momento, entre as alturas de 2014 e o desastre da eleição de 2018, alguma coisa deu horrivelmente errado. O que foi?

Na verdade, muitas coisas deram errado — ou, mais exatamente, quase nada mais deu certo desde o momento em que, já no segundo governo Dilma, a Justiça brasileira começou a investigar de verdade a corrupção no governo. A Operação Lava-Jato foi um terremoto em câmera lenta. Continua até hoje a mandar gente para a penitenciária, mas, no início, praticamente ninguém acreditava que aquilo fosse dar em alguma coisa. Nunca tinha dado. Por que iria dar agora?

Pior que estar errado é continuar errando, e nisso Lula tem se mostrado insuperável ao longo de seus anos de desmanche. Não é tão complicado assim entender o porquê. Um dos problemas do ex-presidente é essa coisa de dizerem o tempo todo que ele é um gênio da política, um cérebro com capacidade sobrenatural para sair ganhando de qualquer desastre em que se mete. Falam assim os devotos, os admiradores liberais, a mídia, o mundo e os adversários. A complicação é que o ex-presidente acredita nisso tudo. Parece não compreender que, quando os entendidos em política anunciam que Lula é capaz de voar, quem tem de acreditar é a plateia, não ele. Mas Lula acredita — e, como não voa, só pode mesmo acabar despencando no chão.

Talvez ninguém tenha resumido a situação tão bem quanto o senador eleito Cid Gomes, do Ceará, ao ser confrontado por um pelotão de fiéis que gritavam “Lula, Lula”, logo após o naufrágio no primeiro turno. “O Lula está na cadeia, babaca”. Acontece que a Lava-Jato e o trabalho do juiz Sergio Moro, mais o Ministério Público, a Polícia Federal e o TRF-4 de Porto Alegre, acabaram, sim, dando em muita coisa — na verdade, jamais uma ação do Judiciário brasileiro deu em tanta coisa. Eventualmente, com o tempo, mostraram que o rei estava nu, ao provar que nos governos de Lula e de Dilma a prática da corrupção superou a roubalheira de qualquer outra época, talvez em qualquer lugar do mundo. Lula esteve entre os que não acreditaram que a terra começava a tremer. Estava errado.

Sua principal conquista, hoje, se resume a sair um dia da prisão — pouca coisa para quem já esteve na primeiríssima classe da vida. O fato é que o ex-presidente não soube reagir quando começou a sofrer derrotas, e a melhor demonstração disso é que não quis, em nenhum momento, admitir que tinha sido derrotado em alguma coisa. Em vez disso, e de pensar com seriedade nas causas de seus problemas, resolveu embarcar num cruzeiro de ilusões. Problema? Que problema? No primeiro tombo complicado, no episódio do Mensalão, começou dizendo que tinha sido “apunhalado pelas costas” e que o povo merecia “desculpas” — mas, um minuto depois de ver que ia escapar do desastre a preço de custo, voltou atrás e passou a jurar que não havia acontecido nada de errado, imaginem só que absurdo. Daí em diante, nunca mais acertou o passo. Como se livrou do primeiro desastre, achou que iria se livrar de todos — só que, na vida real, não estava se livrando de nada. Estava apenas aumentando o tamanho do buraco em que tinha se enfiado.

A sequência é bem conhecida. Lula errou horrendamente quando escolheu Dilma para guardar sua cadeira de presidente por quatro anos. Errou de novo quando ela não quis sair e inventou de ser reeleita; em vez de exigir que o “poste” fosse embora para que ele próprio se lançasse candidato à Presidência, como planejava, fez de conta que estava tudo bem. Seguiu-se, daí, a maior calamidade que Lula e o PT poderiam esperar — Dilma foi um desastre ainda pior depois da reeleição, e tanto ele como o partido ficaram olhando, sem fazer nada, enquanto a grande “gerente” mandava tudo para o espaço. Quando o povo foi para a rua, em multidões cada vez maiores, Lula e o PT decidiram que não estava acontecendo nada; era só um bando de “coxinhas” fazendo barulho no domingão. Quando perceberam, enfim, que aquilo tudo estava simplesmente levando ao impeachment de Dilma, perderam de novo. Lula tentou ser ministro — foi barrado pela Justiça, que a essa altura já estava roncando à sua volta. Mudou-se para Brasília, imaginando que tinha poder para virar a votação no Congresso a favor de Dilma. A sucessora acabou deposta por quase três quartos dos votos.

Não passou pela cabeça de Lula nem pela dos dirigentes do PT, a essa altura, que a situação toda estava indo para o saco. Ao contrário: acharam que a grande ideia era “ir para cima” e balançar ainda mais o barco. Inventou-se a lenda do golpe — não colou. Partiram para uma briga com a opinião pública, do tipo “ou eu ou ele”, entre Lula e Sergio Moro, o “juizinho do interior” — deu Moro, disparado. Em vez de montar uma defesa jurídica profissional, técnica e voltada para a eficácia, Lula decidiu transformar seu processo numa “causa política”, sonhando que “a população” fosse bloquear o trabalho normal da Justiça e salvar o seu couro — apesar de todas as provas de que “a população”, já fazia muito tempo, estava pouco ligando para o que lhe acontecia. Ficou apostando em safar-se com trapaças jurídicas miúdas, ou com traficâncias no submundo dos tribunais superiores, ou com acertos secretos na “segunda turma” do STF — capaz, no imaginário petista, de salvar da cadeia não só Lula, mas quem Lula mandasse ser salvo. Não deu em nada. Com ele já trancado em sua cela em Curitiba, montou-se a fantasia de um acampamento gigante em torno da prisão, que ali ficaria “até Lula ser solto”. No seu momento de maior esplendor, o cerco reuniu 500 pessoas. Chegou a ficar com setenta. Há muito tempo não existe mais. A “convulsão social” com “derramamento de sangue” prometida pelo alto-comando do PT jamais apareceu. “A ONU” mandou soltar Lula, anunciou-se através do mundo. Ninguém ligou — possivelmente nem a ONU.

A última tentativa de virar o jogo, com a campanha eleitoral, teve o seu desfecho neste domingo, com o resultado que se sabe. Como em quase tudo o que tem acontecido com Lula e o PT no passado recente, foi uma sucessão de erros, cegueira e ilusões. Começou com a alucinação de que Lula, preso e condenado em duas instâncias a doze anos de xadrez, seria o candidato do partido. Daí em diante só piorou. Em nenhum momento o ex-presidente tentou entender por que, afinal de contas, tanta gente estava querendo votar em Jair Bolsonaro. Nem ele nem o seu sistema de apoio se interessaram em pensar um pouco nas propostas do adversário — e muito menos em propor alguma alternativa a elas. Ficaram repetindo, do começo ao fim, a mesma lista de acusações a Bolsonaro, apesar do evidente pouco-caso da maioria do eleitorado em relação a todas elas — homofobia, racismo, fascismo, elogio à tortura, desprezo à mulher, defesa do porte de armas, intenção de criar uma ditadura no Brasil. Deram a impressão de não ter percebido que nada disso tirou um voto sequer do concorrente. Nem mesmo notaram a realidade básica de que não podiam tratar como “inimigo”, ou “ameaça”, um candidato que não era nem inimigo nem ameaça para os 50 milhões de brasileiros que votaram nele no primeiro turno. Onde está o “gênio político” que não prestou atenção a nenhuma dessas coisas?

Lula e o PT tiveram uma ilusão fatal, também, com a sua celebradíssima capacidade de “transferir votos” e de transformar “postes” em governantes vitoriosos. Há transferência a favor, claro, mas hoje em dia o problema é que Lula, ao mesmo tempo, transfere voto contra para os seus candidatos; ganha um, perde dois. Já transferiu com sucesso votos para Dilma e para o próprio Fernando Haddad, presenteado com a prefeitura de São Paulo. Mas aí era outro Lula. Já há dois anos, na última vez que se pôde medir seu condão de transferir votos, não transferiu nada — não funcionou, aliás, com o mesmo Haddad, que perdeu a prefeitura no primeiro turno para um adversário que nunca tinha disputado uma eleição na vida. O PT, nas eleições municipais de 2016, foi moído nas urnas. Lula, a essa altura, era um Lula a caminho da cadeia; já não conseguia eleger postes, como não elegeu agora. A ficha demorou a cair. A votação do primeiro turno avisou: “Fora, Lula”. E qual a primeira coisa que Haddad fez logo depois de ter ouvido esse recado? Foi visitar Lula na cadeia.

Houve uma tentativa aparentemente desesperada, aí, para virar a casaca — mas já era tarde demais. Os cérebros estratégicos do partido acharam melhor, no segundo turno, que Haddad se transformasse num personagem de fic­ção, inexistente até a véspera. Queriam que ele aparecesse, de repente, como um sujeito que não tinha nada a ver com Lula. Tiraram o nome do ex-presidente da campanha, e sumiram as máscaras com o rosto de Lula sobrepondo-se ao de Haddad. O vermelho foi suprimido da paleta de cores do PT — tudo ficou subitamente verde-amarelo. O programa do candidato foi mudado: apagaram alguns dos pontos mais claramente suicidas e instruíram o até então Lula-Haddad-Lula-Haddad-Lula-Haddad a fazer uma cara de Fernando Henrique. Perda de tempo. Galinha que anda com pato, como ensina o dito popular, acaba morrendo afogada. Haddad andou tanto com Lula que acabou entrando na água com ele. Entrou vestido de verde-amarelo, mas a roupa a essa altura não adiantava mais nada. Também não adiantou fingir que era Haddad.

Em seu desabamento progressivo, Lula, com a ajuda empolgada do PT, quis representar o papel de mártir. Péssima ideia. Brasileiro, no fundo, não gosta de gente que está na cadeia. Não acha que as penitenciárias estejam cheias de injustiçados. Pelo contrário: acha que há muita gente culpada do lado de fora. Para a maioria do eleitorado, Lula não é vítima nem preso político. É só um político ladrão que foi condenado — como deveriam ser nove entre dez dos que continuam soltos. Não é um julgamento sereno, mas é assim que a massa pensa e continuará pensando, e vai apenas perder seu tempo quem quiser convencê-la do contrário. Revela muito da decomposição política de Lula e do PT o fato de terem achado que uma cela de cadeia é um lugar capaz de despertar admiração no povo ou de servir como centro de comando de uma campanha eleitoral.

A vida é cheia de surpresas, como acaba de mostrar a eleição de Bolsonaro, e coisas que nunca aconteceram antes sempre podem acontecer um dia. Lula e seu complexo de forças, mais a quase totalidade dos que se dedicam a explicar o que ocorre na política brasileira, precisariam recomeçar do zero para ter alguma chance de entender, algum dia, o que está havendo com o Brasil de 2018 — e o que pode vir pela frente. Há várias maneiras de fazer isso, mas uma delas, certamente, é admitir que existe neste país uma imensa quantidade de gente inconformada com quase tudo o que o poder público lhe serviu nos últimos trinta anos, de José Sarney a Michel Temer. Os políticos perderam o controle das ruas — e para a esquerda, que sempre imaginou que a rua estaria do seu lado, a perda é uma calamidade ainda maior. O fato real é que Lula e seu partido não têm mais nada a ver com a massa, como não tinham nas manifestações de 2015 e 2016. Quem leva gente à praça pública, hoje, é o presidente eleito Jair Bolsonaro. Enquanto essa realidade não for encarada com firmeza, ele continuará sem competição verdadeira.

VEÍCULOS FLEX: É MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL?


DIGA A UM ADOLESCENTE PARA NÃO FAZER, E ELE FARÁ. DIGA PARA FAZER, E ELE NÃO FARÁ. TENTE ENGANÁ-LO DIZENDO-LHE PARA FAZER O QUE VOCÊ NÃO QUER QUE ELE FAÇA, E ELE OBEDECERÁ E FARÁ. NÃO ENTENDEU? LEIA DE NOVO.

Os veículos “Flex” já representam 80% da frota nacional, mas muitos motoristas ainda têm dúvidas sobre qual combustível utilizar. De modo geral, a regra é abastecer com álcool sempre que seu preço for pelo menos 30% inferior ao da gasolina, mas isso me parece uma visão muito simplista. Então, para responder a pergunta que intitula esta postagem, comecemos voltando no tempo até a década de 70.

A possibilidade de usar o álcool da cana-de-açúcar como combustível automotivo remonta ao início do século passado, mas só passou a ser considerada mais seriamente no brasil no anos 70, já que até então o preço do barril de petróleo no mercado internacional favorecia o uso da gasolina. Mas esse cenário mudou em outubro de 1973, quando a assim chamada “crise do petróleo” reacendeu o interesse mundial por fontes alternativas de energia. O álcool, que sempre fora considerado subproduto do açúcar, passou a desempenhar papel estratégico na economia brasileira e, diante do sucesso do Programa Nacional do Álcool, deixou de ser encarado apenas como resposta a uma crise temporária. 

Em 1975, o governo brasileiro passou a intensificar a produção etanol para substituir a gasolina. Durante algum tempo, os resultados foram alvissareiros, e as montadoras passaram a priorizar a fabricação de carros a álcool (em 1991, aproximadamente 60% da frota nacional eram movidos por essa fonte energética). Mais adiante, porém, uma nova redução no preço do petróleo fez com que a diferença de preço entre os combustíveis desestimulasse o uso do etanol, devido, sobretudo, ao consumo elevado apresentado pelos veículos e a necessidade de manutenção constante (componentes como tanque de combustível, carburador e outros apresentavam sérios problemas de corrosão devido ao contato direto com o produto). Isso sem mencionar que, nos dias mais frios, trafegar com um carro a álcool era uma verdadeira provação, a começar pela dificuldade de fazer o motor “pegar” pela manhã. 

Em 2003, porém, uma nova crise do petróleo voltou a impulsionar o uso do etanol como combustível, mas aí a bola da vez eram os motores flexíveis, capazes de queimar tanto álcool quanto gasolina. O resto é história recente, mas não custa lembrar que o fim da reserva de mercado e a liberação das importações, durante o governo Collor, se não transformaram nossas jurássicas “carroças” em veículos de primeiro mundo, ao menos constituíram um avanço importante, que mais adiante nos traria airbag, freios ABS, controles de estabilidade e tração, transmissão automatizada, piloto automático e a injeção eletrônica de combustível (sem a qual não haveria como produzir motores flexíveis).

Observação: De meados da década de 70, quando os militares proibiram as importações, até o governo do caçador de marajás de araque, que reverteu a proibição, somente uns poucos automóveis de de topo de linha e preços estratosféricos dispunham de ar condicionado, direção hidráulica, transmissão automática e, em raríssimos casos, acionamento elétrico dos vidros das portas — recursos atualmente comuns até mesmo nos assim chamados “carros populares”.

Até o final dos anos 1980, quando a injeção eletrônica era largamente utilizada nos países desenvolvidos, o Brasil insistia no obsoleto carburador. O primeiro veículo nacional a aposentar esse anacronismo foi o VW Gol GTI — uma série esportiva limitada (e cara) daquele que se tornou o carro nacional mais popular depois que o Fusca deixou de ser fabricado. Já o primeiro veículo nacional movido a etanol foi o Fiat 147, e o primeiro “bicombustível” foi o GolTotal Flex”, que a Volkswagen apresentou em 2003, durante a comemoração de seus 50 anos de operação no Brasil.

Continuamos na próxima postagem.

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