NEM TUDO É O QUE PARECE. ÀS VEZES, O BURACO É MAIS EMBAIXO.
Em meados de 2019, um grupelho de hackers liderado por Walter Delgatti Neto acendeu o estopim do maior ataque contra a maior operação anticorrupção da história desta banânia.
Segundo Delgatti revelou à PF, Manoela D'Ávila, que havia sido candidata a vice na chapa de Fernando Haddad em 2018, teria intermediado o repasse do material rapinado pela quadrilha ao jornalista americano Glenn Greenwald, dono do site esquerdista Intercept Brasil.
A quadrilha de capiaus — que ficaria conhecida mais adiante como "Hackers de Araraquara" — invadiu os celulares de diversas autoridades — entre as quais Deltan Dallagnol, então coordenador do braço paranaense da Lava-Jato — e teve acesso às mensagens trocadas via Telegram entre os procuradores da força-tarefa e juiz Sergio Moro, que àquela altura já havia deixado a 13ª Federal de Curitiba e ingressado no governo Bolsonaro como ministro da Justiça e Segurança Pública.
"Vermelho", como Delgatti era conhecido por causa dos cabelos ruivos, era dono de uma respeitável capivara — seis processos por crimes de estelionato, furto qualificado, apropriação indébita e tráfico de drogas, além de duas condenações. Dias antes de ser preso, ele abasteceu a Land Rover que dirigia pelas ruas de Ribeirão Preto, alegou problemas com o cartão de crédito e disse ao frentista que sacaria o dinheiro e voltaria em seguida, mas jamais apareceu.
Preso em 2023, o hacker contou que a deputada Carla Zambelli o contratou para invadir sistemas do Judiciário com o objetivo de desacreditar o processo eleitoral e criar narrativas favoráveis à reeleição de Bolsonaro. A parlamentar foi condenada pela 1a Turma do STF a 10 anos de prisão e perda do mandato. Delgatti também foi condenado a 8 anos e 3 meses de prisão. A dupla deverá ainda pagar uma indenização de R$ 2 milhões.
Greenwald sempre posou como a "quintessência da moralidade", mas nunca foi flor que se cheire. Nas pegadas do sucesso do best-seller How Would a Patriot Act?, publicou mais quatro livros e assinou colunas no site americano Salon e no jornal inglês The Guardian. Às vésperas das eleições americanas de 2016, divulgou mensagens trocadas entre a equipe da candidata Hillary Clinton e jornalistas. Seu nome originou o neologismo "greenwalding", que significa "pinçar um conteúdo e tirá-lo do contexto com o objetivo de difamar alguém".
O suposto "desvio de conduta" de Moro e Dallagnol foi prontamente replicado por veículos de comunicação "parceiros" de Greenwald, a despeito de os acusados não reconhecerem sua autenticidade e de a PF não as ter periciado. No entanto, mesmo sem qualquer validade jurídica, o material espúrio foi levado em consideração por ministros do STF, que colaram em Moro a pecha de juiz parcial e, de quebra, cravaram mais um prego no caixão da Lava-Jato.
Como juiz federal, Moro enquadrou poderosos em processos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix. No auge da Lava-Jato, condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado tupiniquim, como Lula, José Dirceu, Sérgio Cabral e Marcel Odebrecht. No governo, foi traído por Bolsonaro. Como aspirante à Presidência, filiou-se ao Podemos, migrou para o União Brasil e foi sabotado por Luciano Bivar. Candidatou-se a deputado federal por São Paulo e se elegeu senador pelo Paraná. Dos oito projetos que apresentou, nenhum foi aprovado.
Moro se tornou refém da imagem de herói nacional que cultivou e do político pouco habilidoso que se revelou. Como juiz, jurou que jamais entraria para a política. Ministro, simulou desinteresse pelo Planalto. Pré-candidato à Presidência, prometeu levar a campanha até o fim. Candidato a deputado por um partido, elegeu-se senador por outro. Execrado pela esquerda, abandonado pela extrema-direita e antipático aos olhos da alta cúpula do Judiciário, passou a colher os frutos do que plantou ao trocar o certo pelo duvidoso (ou pelo errado, como descobriu mais adiante).
Moro colecionou muitos inimigos, mas ninguém investiu tanto contra sua reputação quanto ele próprio, que ajudou a incinerar as sentenças que lhe deram fama e a transformar as multas de corruptores confessos em cinzas no forno de pizza do STF. Na Divina Comédia, Dante Alighieri percorre o Inferno e o Purgatório guiado por Virgílio, e o Paraíso, pela mão de sua amada Beatriz. Na política, cada um precisa fazer seu caminho; Moro entrou nessa sem guia, e acabou tropeçando nas próprias promessas.
Com a corda no pescoço e os pés no cadafalso, o ministro que engolia sapos virou o senador que engole elefantes, e seu desejo de salvar o país da corrupção transmutou-se em ânsia de livrar a si mesmo da cassação. A perspectiva de um processo criminal levou-o a pedir (e obter) uma audiência com o ministro Gilmar Mendes (que passou de defensor do combate à corrupção a crítico ferrenho da Lava-Jato no Paraná e desafeto do ex-juiz). O encontro durou 90 minutos. Quando Moro tentou se desvincular de Dallagnol, ouviu de Gilmar: "Tudo que a "Vaza-Jato" revelou, eu já sabia. Vocês combinavam o que estaria nas peças. Não venha dizer que não".
Execrado pela esquerda e abandonado pela direita, Moro se reaproximou do capetão durante os debates finais do 2º turno das eleições de 2022. No Senado, nada fez de consistente nem demonstrou qualquer liderança na oposição. No dia da aprovação de Flávio Dino para o STF, fotos em que ele foi flagrado conversando amistosamente com o “ministro comunista” de Lula e um flagra da tela de seu celular por uma lente impertinente caíram sobre o ex-herói nacional como uma pá de cal.
No século XIX, certas diferenças só podiam ser lavadas com sangue num duelo. Hoje, a hemorragia de Moro escorre sobre as cinzas da Lava-Jato. Quem consegue avistar uma saída honrosa na mais degradante desonra pode achar alvissareira a tentativa do ex-candidato da antipolítica de estreitar sua inimizade com a toga mais política do STF, mas o excesso de cinismo apenas confirma: no Brasil, a exceção é que costuma parecer farsante — a regra é ser farsa mesmo.
Continua.