quinta-feira, 17 de julho de 2025

O PRESIDENCIALISMO DE COOPTAÇÃO

POLÍTICOS SÃO COMO AMANTES ARGENTINAS; QUANTO MAIS CEDEMOS A ELES, MAIS ELES TOMAM DE NÓS. 


Durante o Gilmarpalooza, Flávio Dino fez uma longa explanação sobre a crise institucional e culpou o presidencialismo de coalizão, mas citou diretamente apenas um presidente. Ao tratar da questão do IOF, afirmou que, apesar de rasa e simplória, a controvérsia foi elevada a um tema constitucional de altíssima indagação devido a fatores que escapam à alçada do STF. Perguntado sobre as emendas parlamentares, atribuiu os problemas à desestruturação do presidencialismo de coalizão. Confrontado com o fato de o STF ter considerado constitucionais as emendas impositivas, reconheceu tratar-se de uma dificuldade adicional para a corte. 


Dino mencionou diretamente o governo Collor e indiretamente o de Bolsonaro, mas evitou tecer críticas a Lula, que é apontado pelo cientista político Carlos Pereira como responsável direto pela crise atual. Já o sociólogo Celso Rocha de Barros, em artigo na Folha, seguiu a cartilha lulista, culpando diretamente o Congresso. Mas o buraco é bem mais embaixo.

 

A distorção institucional começou em 1997, quando o então presidente Fernando Henrique alterou as regras do jogo para permitir a própria reeleição. Em 2010, seguindo a cartilha de Vladmir Putin, Lula articulou a eleição de um "poste" para manter aquecida a poltrona que ele pretendia voltar a ocupar quatro anos depois. Mas o "poste" não entendeu (ou não topou) encenar o espetáculo escrito pelo criador, acabou expurgada. E assim teve início o descolamento entre Executivo e Legislativo que culminou no orçamento secreto sob Bolsonaro. 

 

O mesmo Supremo que ora se propõe a mediar a crise entre Executivo e Judiciário anulou as condenações de Lula na Lava-Jato — como fez em outras grandes investigações que ousaram envolver políticos relevantes — e o trouxe de volta por linhas tortas ao Palácio do Planalto, onde ele tenta limpar a própria biografia a qualquer custo — já que a conta será paga pelos contribuintes brasileiros — e disputar um quarto mandato.

 

Com raras e honrosas exceções, os semideuses supremos mantêm laços estreitos com os presidentes que os indicaram, participam de jantares com parlamentares, comentam publicamente processos que eles próprios julgarão, interferem em questões legislativas e têm passados que contaminam seus votos. Dino foi indicado por Lula como ministro com a cabeça política, e Barroso, presidente de turno da corte, caiu na armadilha de declarar publicamente que nós derrotamos o bolsonarismo.

 

Isso nos leva a questionar a capacidade do STF para mediar disputas políticas que seus membros ajudaram a criar fazendo o que eles agora apresentam como solução: interferir no jogo político. O fim da reeleição vem sendo vendido como panaceia para todos os males do nosso sistema político, mas Aristóteles já dizia que um bom governo depende da virtude do governante.

 

Dilma governou sem existir politicamente até ser expelida pelo sistema; Bolsonaro foi a alternativa para os eleitores que não queriam o país governado por um presidiário que nunca esteve à altura do cargo e, como desgraça pouca é bobagem, hoje governa com os olhos no retrovisor, uma agenda personalíssima e um discurso falacioso, como evidenciam seu posicionamento sobre as guerras na Ucrânia, em Gaza e no Irã, e o velho e batido ramerrão dos ricos contra pobres.

 

O mandato-tampão de Michel Temer começou como um sopro de ar fresco numa catacumba e tinha tudo para avançar nas reformas estruturais, mas seu prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos — sem falar na conversa de alcova com Joesley Batista. Ainda assim, ficou claro que, mesmo falho e capenga, o sistema político brasileiro pode funcionar, desde que não seja sabotado por dentro — como disse Churchill, a democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as demais já experimentadas.

 

O presidencialismo exige um chefe do governo à altura do cargo — ou, no mínimo, com respaldo popular e capacidade de governar. O Brasil só teve isso por breves momentos e por acaso. Discutir a implementação do parlamentarismo —  ou de um semipresidencialismo, como se tem cogitado — pode ser útil, mas tudo dependerá de como os que comandam o sistema se comportarão.


Com Rodolfo Borges e revista Crusoé