Para complementar o que eu disse no post anterior, sobre
este ser um país de merda, segue um artigo do festejado J.R. Guzzo, colunista de Veja (o texto a seguir foi condensado:
A democracia no Brasil lembra uma daquelas fotos antigas de
reis africanos que de vez em quando ilustram livros de história. Muitos deles,
ouvindo oficiais do Império Britânico ou outros figurões europeus da época colonial
que lhes davam lições de civilização, progresso e bons modos, pareciam
encantados, e em geral chegavam à conclusão de que teriam muito a ganhar
transformando a si próprios em soberanos civilizados o mais depressa possível.
O meio prático de fazer isso, em sua maneira de ver as coisas, era imitar os
trajes, jeitos e enfeites dos peixes graúdos que lhes falavam das maravilhas da
Rainha Vitória ou do Imperador Napoleão III.
O resultado
aparece nas fotografias; as mais clássicas mostram uns negros magros, ou
gordíssimos, com uma cartola de segunda mão na cabeça, ou um desses capacetes
de caçador inglês, calças rasgadas aqui e ali, pés descalços ― ou calçados com uma
bota só, velha e sem graxa. Imaginavam-se nobres, modernos e iguais a seus
pares europeus, mas não passavam de pobres coitados. Junto com as novas roupas
e os acessórios, os retratados conservavam seus colares com ossos, pulseiras de
metal e argolas na orelha ou no nariz ― e a história iria provar com fatos o
quanto foi inútil todo esse esforço de imitação. Das nações mais evoluídas,
suas majestades copiavam os trajes. Não aprenderam as virtudes. Continuaram
desgraçando a si e a seu país enquanto eram roubados até o último papagaio
pelos que vieram ensiná-los a ter valores cristãos, avançados e democráticos.
Por outras vias, acontece no Brasil mais ou menos a mesma
coisa. Na fotografia aparece uma democracia de Primeiro Mundo ― mas a realidade
do dia a dia mostra pouco mais que uma cópia barata e malsucedida do artigo
legítimo. Temos uma Constituição, eleições a cada dois anos e uma Câmara de
Deputados. Temos, imaginem só, um Senado e até um presidente do Senado. Temos
um Supremo Tribunal Federal e até uma presidenta do Supremo Tribunal Federal;
seus juízes se chamam ministros, usam togas pretas como os reis africanos
usavam cartolas, e escrevem (às vezes até uma frase inteira) em latim. Temos
partidos políticos. Temos procuradores gerais, parciais, federais, estaduais,
municipais, especializados em acidentes do trabalho, patrimônio histórico, meio
ambiente, infância, urbanismo e praticamente todas as demais áreas da atividade
humana. Temos uma Justiça Eleitoral. Temos centenas de direitos legais,
inclusive ao lazer, à moradia e ao amparo, se formos desamparados. Não falta
nada — a não ser a democracia.
Em matéria de democracia, como em tantas outras coisas que
separam as nações desenvolvidas das subdesenvolvidas, o Brasil ficou só na
foto. As eleições são subordinadas a
todo tipo de patifaria, a começar pelo voto obrigatório, seguido do horário
eleitoral compulsório no rádio e na televisão e de deformações propositais que
entopem a Câmara dos Deputados com
políticos das regiões que têm menor número de eleitores. Os resultados são um
monumento à demagogia, à corrupção e à estupidez. Dos quatro presidentes
eleitos após a volta das eleições diretas, em 1989, dois foram depostos por
impeachment e um está condenado a nove anos e meio de cadeia. Dos 513 deputados e 81 senadores, cerca de
40% respondem a algum tipo de procedimento penal, a maioria por corrupção ―
fora das penitenciárias, é a maior concentração de criminosos em potencial por
metro quadrado que existe no território nacional. Na última campanha presidencial,
a candidata Dilma Rousseff gastou
300 milhões de reais, boa parte fornecidos pelos maiores criminosos confessos
do Brasil. O eleitorado, em grande
parcela, é ignorante, desinformado e
desinteressado pelos seus direitos. Temos uma aberração, a Justiça Eleitoral, que existe para dar
ao país eleições exemplares ― mas permite a produção dos políticos mais ladrões
do mundo.
O Supremo Tribunal
Federal, que na teoria tem a função de servir como o nível máximo da
Justiça brasileira, é uma contrafação da corte suprema dos países
desenvolvidos. Seu último feito, possivelmente sem similar em nenhuma outra
nação, foi aprovar o perdão perpétuo
para o autor confesso de mais de 200 crimes, dono de um patrimônio de bilhões
de dólares, atendendo a um pedido até hoje inexplicável do procurador-geral
da República ― que, também na teoria, é encarregado justamente de pedir a
punição dos criminosos. Seus juízes decidem tudo, do destino dos presidentes ao furto de codornas, e escrevem
sentenças em português incompreensível. Temos 35 partidos políticos, que se
reproduzem como ratos; alguns não têm um único deputado ou senador no
Congresso. Essa monstruosidade não tem nada a ver com liberdade política. Quase todos os partidos brasileiros são
criados apenas para meter a mão nas verbas de um “fundo partidário”, que já
anda perto de 1 bilhão de reais por ano, tirados dos impostos pagos pelos
contribuintes e distribuídos aos políticos. Recebem uma cota de tempo no
horário eleitoral obrigatório, que põem à venda nos anos em que há eleição;
também cobram para aceitar a inscrição de candidatos. Até outro dia, com o apoio em massa dos partidos de “esquerda”, o Brasil era talvez o único país onde se
defendia um imposto, o imposto sindical, como se fosse um direito do cidadão —
da mesma maneira como se transforma o voto, que é um direito, em obrigação
legal.
Os direitos dos cidadãos, na verdade, talvez representem a
área mais notável das semelhanças entre a democracia brasileira e os reis
africanos que aparecem nas fotos-símbolo do colonialismo. Nunca houve tantos
direitos escritos nas leis; nunca o poder público foi tão incompetente para
mantê-los. Não consegue, para desgraça geral, garantir nem o mais importante de
todos eles ― o direito à vida. Com
60 000 assassinatos por ano, o Brasil é hoje um dos países onde a vida humana
tem o menor valor. Há uma recusa sistemática em combater o crime por parte
de nove entre dez políticos com algum peso; o maior pavor deles é ser
considerados, por causa disso, como gente da “direita”. Acham melhor, como as
classes intelectuais, os comunicadores e os bispos, falar mal da polícia. Pode passar pela cabeça de alguém que
exista democracia num país que tem 60 000 homicídios por ano?
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