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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

POLÊMICAS E COMENTÁRIOS VERGONHOSOS — TRISTE BRASIL



Em 9 de outubro de 1979, perguntado por um menino de 10 anos como ele se sentiria se fosse criança e seu pai ganhasse salário mínimo, o então presidente Figueiredo respondeu: "Eu dava um tiro no coco." Na época, o mínimo em São Paulo correspondia a US$ 76. O general tentou consertar, dizendo que "trabalharia para ajudar o pai", mas foi pior a emenda que o soneto.

Na última terça-feira o episódio se repetiu em versão revista e atualizada. Em áudio divulgado no site do Ministério Público, o procurador de Justiça de Minas Gerais Leonardo Azeredo dos Santos reclamou do salário ao procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, dizendo que teve que baixar “seu estilo de vida” para sobreviver:

Quero saber se nós, no ano que vem, vamos continuar nessa situação ou se vossa excelência já planeja alguma coisa, dentro da sua criatividade, para melhorar nossa situação. Ou se vamos ficar nesse mizerê" (o grifo é meu). "Quem é que vai querer ser promotor, se não vamos mais ter aumento, ninguém vai querer fazer concurso nenhum. [...] "Estou deixando de gastar R$ 20 mil de cartão de crédito e estou passando a gastar R$ 8 (mil), para poder viver com os meus R$ 24 mil. Vamos ficar desse jeito? Nós vamos baixar mais a crista? Nós vamos virar pedinte, quase?

Se R$ 24 mil mensais é "mizerê", fico pensando como Azeredo classificaria o salário mínimo (R$ 998). "Desgracê"? E o que dizer dos 12,6 milhões de desempregados, que não recebem nem essa "merreca"?

O Estado (leia-se o povo, pois o governo não gera recursos; os servidores públicos são pagos com o dinheiro dos impostos) desembolsa mensalmente R$ 35.462,22 para pagar um procurador, que, depois dos descontos de previdência e IR, recebe R$ 23.751,36. Um promotor em início de carreira já entra na instituição recebendo R$ 30.404,42 (R$ 20.487,81 após descontos).

Diferentemente de servidores do Executivo, o MP não sofre com parcelamento e atrasos de salários. Por conta de indenizações e remunerações temporárias ou retroativas, Leonardo custou ao Erário, em janeiro deste ano, R$ 99.474,02. Em dezembro de 2015, foram R$ 145.670,65 (após os descontos, o pobre coitado embolsou "míseros" R$ 132.988,26).

Outro pronunciamento estapafúrdio que bombou nas redes sociais: Carlos Bolsonaro, que se licenciou do cargo de vereador no Rio de Janeiro para palpitar em tempo integral nos assuntos do Governo Federal, tuitou que as "vias democráticas" atrasariam ou impossibilitariam "a transformação que o Brasil quer". 

"Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos... e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!", escreveu Carluxo em sua conta no Twitter.

A declaração repercutiu mal entre políticos de todos os espectros ideológicos: desde o PT e o PSOL até o DEM e o PSDB, incluindo o vice-presidente, Hamilton Mourão. Como Figueiredo antes dele, o filho do presidente também tentou remendar: "O que falei: por vias democráticas as coisas não mudam rapidamente. É um fato. Uma justificativa aos que cobram mudanças urgentes". Mais uma vez, a emenda fiou pior que o soneto, sobretudo porque o moçoilo voltou a atacar seus críticos, chamando-os de "canalhas" e "lixos".

Para não ficar só nisso: A CPMF foi criada em 1997 e extinta em 2007, após uma grande campanha contrária de empresários e setores da sociedade civil. Doze anos depois, ela volta a nos assombrar, já que sua exumação vem sendo cogitada pela equipe econômica do governo como solução para engordar os cofres públicos neste tempos de vacas magras. 

Em julho, Bolsonaro descartou a ressurreição do imposto impopular, e tornou a fazê-lo na última sexta-feira. Mas vale lembrar que o capitão já quebrou diversas promessas de campanha, a começar pela propalada cruzada anticrime e anticorrupção, já que no seu governo a família vem primeiro.

Pela proposta de reforma tributária em elaboração pela equipe do ministro Paulo Guedes, a CPMF (não com esse nome, evidentemente) pode ser recriada para compensar a desoneração da folha de pagamento em todos os setores da economia. O tributo teria entre 0,5% e 0,6% sobre as movimentações financeiras, e teria de ser por meio de uma PEC, o que exigiria 308 votos em duas votações na Câmara e 49 votos em outras duas votações no Senado. 

Por enquanto, não há clima no Congresso para aprovar o finado "imposto do cheque", mas é bom lembrar que na política as coisas mudam como as nuvens no céu. Você olha, e elas estão de um jeito; minutos depois já está tudo diferente. De todo modo, vale acrescentar que essa brincadeira sem graça já custou o cargo de Secretário da Receita Federal a Marcos Cintra, que não pediu demissão, como inicialmente afirmou o ministro-chefe da Casa Civil, mas foi penabundado por determinação do presidente da Banânia. Aliás, é impressionante que Cintra, que tem 74 anos, ainda não aprendeu que peixe morre pela boca.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

TOFFOLI, LULA, O VÍNCULO ENTRE O PT E O PCC E OUTRAS CONSIDERAÇÕES




Cientistas políticos, analistas e outros palpiteiros afirmam que a democracia pressupõe a alternância do poder como elemento intrínseco a sua própria concepção. No Brasil, porém, ao menos um dos Poderes não segue essa norma: no STF, os togados não são eleitos, mas indicados pelo chefe do executivo da vez e chancelados pelo Senado. Até hoje, apenas 5 nomes foram rejeitados — Barata Ribeiro, Inocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demóstenes da Silveira Lobo —, nenhum deles na "nova república".

Uma vez aboletados na Corte, os felizardos lá permanecem intocáveis e irremovíveis até colherem a 75.ª flor no jardim de suas nem sempre ilibadas existências (a menos que morram ou peçam o boné antes da aposentadoria compulsória, naturalmente). Para piorar, dos 11 semideuses desse Olimpo, 7 foram indicados por Lula ou Dilma. As exceções são o decano Celso de Mello — classificado de "juiz de merda" pelo ex-ministro Saulo Ramos —, alçado ao posto por José Sarney; Marco Aurélio — que chegou lá por influência do pai, embora tenha recebido a toga pelas mãos do primo Fernando Collor; Gilmar Mendes, nomeado por FHC, e Alexandre de Moraes, escolhido por Michel Temer. Como se vê — e eu venho dizendo desde outros carnavais —, a composição atual é a pior de toda a história do tribunal.

Nosso sistema político está falido. São trinta e tantas agremiações fisiologistas que não representam a população, embora subsistam e sejam financiadas por dinheiro público (dos fundos eleitoral e partidário). Algumas são verdadeiras organizações criminosos: De acordo com O Globo, ligações interceptadas pela Polícia Federal mostram que integrantes do PCC que controlam a venda de drogas e armas dos presídios reclamam da transferência de presos para o sistema federal, xingam o ministro da Justiça e afirmam que, durante gestões anteriores, o bando e o Partido dos Trabalhadores tinham um diálogo "cabuloso". Veja a seguir a transcrição de um trecho do áudio:

Os caras tão no começo do mandato dos cara, você acha que os cara já começou o mandato mexendo com nois irmão. Já mexendo diretamente com a cúpula, irmão. (…) Então, se os cara começou mexendo com quem estava na linha de frente, os caras já entrou falando o quê? ‘Com nois já não tem diálogo, não, mano. Se vocês estava tendo diálogo com outros, que tava na frente, com nois já não vai ter diálogo, não’. Esse Moro aí, esse cara é um filha da puta, mano. Ele veio pra atrasar. Ele começou a atrasar quando foi pra cima do PT. Pra você ver, o PT com nois tinha diálogo. O PT tinha diálogo com nois cabuloso, mano, porque… situação que nem dá pra nois ficar conversado a caminhada aqui pelo telefone, mano”.

A ORCRIM (falo do PT, não do PCC) anunciou no último domingo que vai protocolar uma notícia crime no STF contra Sérgio Moro e os agentes da PF responsáveis pela investigação. Desde que o conteúdo do documento veio a público, o partido afirma se tratar de uma armação “forjada” e que “vem no momento em que a Polícia Federal está subordinada a um ministro acuado pela revelação de suas condutas criminosas”.

Voltando ao Legislativo e ao Executivo, quando os parlamentares perderam a credibilidade e o mais alto cargo do funcionalismo público federal passou a ser ocupado por uma sequência de presidentes que, com exceção de FHC, hoje ou estão cumprindo, ou já foram presos, ou respondem a processos criminais, o Judiciário se tornou o último bastião da nossa esperança. Mas quem vive de esperança morre de fome. O julgamento do mensalão jogou luz sobre os togados supremos, de quem até então só se ouvia falar pela "Voz do Brasil". Hoje, as opiniões e vieses político-partidários dessa suprema confraria são públicos e notórios: em qualquer discussão de botequim, gente que não consegue lembrar os nomes dos 11 titulares da Seleção Canarinho cita nominalmente, de cor e salteado, os 11 togados supremos deste projeto de Banânia.

Como nada é tão ruim que não possa piorar, desde setembro do ano passado que o Supremo é presidido por ninguém menos que José Antonio Dias Toffoli, o "conciliador", cujo currículo se resume a serviços prestados ao Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, à CUT, ao PT e ao guerrilheiro de araque José Dirceu. Na lapidar avaliação do jornalista J.R. Guzzo, um sujeito que foi reprovado duas vezes em concursos para a Magistratura e, portanto, é considerado incompetente para ser juiz da comarca mais ordinária do interior, não só é um dos 11 juízes supremos, mas também o presidente de todos eles.

Esse fenômeno de suspeição e parcialidade provavelmente sem similar no mundo civilizado foi nomeado por Lula — o presidiário mais famoso deste lado da galáxia —, e pelos conhecimentos que demonstrou, não tem capacidade sequer para apitar uma pelada de várzea. Mesmo assim, preside a mais alta corte de Justiça do país. Ele e quem o leva a sério — a começar pelos colegas que o chamam de excelência — insistem todos os dias em tratar o Brasil como um país de idiotas. Não há como entender por que raios uma aberração com este grau de grosseria deve ser imposta a 200 milhões de brasileiros. Para além disso, todo o resto é conversa fiada. 

Para concluir, um texto de Augusto Nunes:

Meia dúzia de bacharéis em Direito que viraram ministros do Supremo depois de escolhidos pelo presidente da República (e aprovados pelo Senado ao fim de uma sabatina com cara de chá de senhoras) imaginam que, embora os três Poderes sejam independentes, o Judiciário é mais independente que os outros. Na cabeça desses doutores em tudo especializados em nada, o Executivo e o Legislativo dependem do que dá na telha do único poder que não depende de nenhum e não obedece a ninguém.

Intercalando interpretações amalucadas de normas constitucionais, frases em Latim e citações impenetráveis de autores que leram na diagonal, os pedantes de toga fazem o diabo. A semana de trabalho tem três dias, o ano é obscenamente encurtado por recessos e feriadões, são cada vez mais frequentes as viagens internacionais (na primeira classe, ao lado da patroa e por conta dos pagadores de impostos), mas a turma encontra tempo para decidir o que é certo e o que é errado qualquer que seja o tema, principalmente se o desconhecem.

Os superjuízes liderados por Gilmar Mendes nunca negam fogo. Como lidar com homofobia, demarcação de terras indígenas, feminicídio? Eles sabem o que pode e o que não pode. Operações da Polícia Federal, atribuições do Ministério Público, desempenho de magistrados e policiais federais, pronunciamentos do chefe do Executivo, prisão em segunda instância  — perguntas sobre esses ou quaisquer outros assuntos encontrarão a resposta na ponta da língua do time que finge tudo saber o tempo todo.

Não faz tanto tempo assim que os ministros do Supremo eram escolhidos entre os melhores e mais brilhantes do mundo jurídico brasileiro. Também assolado pela Era da Mediocridade, anunciada pelo resultado das eleições de 2002, o STF foi ficando parecido com os vizinhos de praça. O estrago foi agravado pela consolidação do único critério que orientou o preenchimento de vagas na corte durante os governos de Lula e Dilma: o escolhido deveria mostrar em seus votos que seria eternamente grato a quem o havia escolhido.

A virtual revogação das duas exigências impostas pela Constituição — um juiz do Supremo deve ter notável saber jurídico e reputação ilibada — escancarou a porta de entrada a figuras que falam demais, em linguagem muito estranha, e falam tanto que não lhes sobra tempo para pensar. No momento, os semideuses de botequim se concentram numa irracional ofensiva destinada a emparedar os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, começando por Deltan Dallagnol, acuar o ministro Sérgio Moro, livrar da insônia os bandidos de estimação e, supremo sonho do bando, tirar Lula da cadeia.

Por ignorar que a paciência da plateia acabou no momento em que aprendeu com a Lava-Jato que todos são iguais perante a lei, a tropa de choque parece seguir acreditando que ninguém pode com o Supremo — que pode tudo, até  inocentar culpados e culpar inocentes sem que nada aconteça. Dias Toffoli, por exemplo, abriu um inquérito que tudo permite e transformou Alexandre de Morais no primeiro relator-detetive da história. Gilmar Mendes qualificou de “organização criminosa” o comando da Lava-Jato e concedeu um habeas corpus perpétuo ao receptador de mensagens roubadas Glenn Greenwald. Para essa gente, não há limites para o absurdo.

“Japona não é toga”, lembrou em outubro de 1964 o então presidente do Senado, Auro Moura Andrade, a chefes militares decididos a atropelar a Constituição. Com quatro palavras, Auro ensinou que não cabia às Forças Armadas usurpar funções privativas do STF. Um general no papel de juiz é tão absurdo quanto um magistrado no comando de uma divisão de infantaria. Pois chegou a hora de  inverter a ordem dos substantivos para adaptar a frase aos tempos modernos e obstruir o avanço dos oniscientes de araque.

Antes que ousem proclamar a Ditadura do Latinório, os doutores em nada precisam aprender que toga não é japona. A lição será assimilada em poucos segundos se for berrada em manifestações que a imensidão de descontentes está devendo a si mesma. Além de uma japona, os gilmares, toffolis, lewandowskis e similares andam enxergando na toga  a capa do Superman. Como para tantos outros, a cura para esses supremos delírios também está na voz das ruas.

Se lhe sobrar tempo — e estômago —, não deixe de ler a entrevista de Toffoli que a revista Veja publicou na edição desta semana. Em resumo, o ministro conta que entre abril e maio últimos houve uma tentativa de golpe para depor o presidente Jair Bolsonaro, e que ele, Toffoli, interveio e, junto com outros nomes de peso da República, conseguiu abortar. Sem dar nomes aos bois, o presidente do STF dá a entender que foi sob a ameaça do golpe que adiou o julgamento da ação que poderia acabar com a prisão em segunda instância, beneficiando Lula. A preocupação com o golpe, segundo ele, destravou na Câmara a aprovação da reforma da Previdência, e os que viam no parlamentarismo a melhor forma de governo a ser implantada com a deposição de Bolsonaro acabaram abandonando a ideia. Dito em outras palavras: por vias tortas, adotou-se a proposta de um pacto entre os três poderes sugerida por Toffoli à época. Mas é tudo conversa fiada. Veja uma versão resumida e mais realista no vídeo a seguir:

domingo, 23 de junho de 2019

A SABOTAGEM DA LIBERDADE



O PREÇO DA LIBERDADE É A ETERNA VIGILÂNCIA

Há um novo totalitarismo crescendo pelo mundo afora — mais nocivo, talvez, do que foi na maioria das suas variadas encarnações anteriores. Essa praga antiga se apresenta, em sua versão moderna, como o contrário daquilo que realmente é. Engana melhor do que nunca as almas ansiosas em praticar o bem. Acaba tendo mais chance, no fim das contas, de ser mais eficaz do que jamais foi. 

Trata-se, para ir logo ao centro da questão, de impor às pessoas uma coleção de regras de pensamento e de conduta que devem ser obedecidas como um muçulmano obedece ao Alcorão; ou o sujeito se submete a isso, ou é excomungado como inapto para levar uma vida aceitável pelo conjunto da humanidade. E que regras são essas? O cidadão é bombardeado por elas o dia inteiro. Tem de aceitar como verdades absolutas, por exemplo, que todos têm o direito de terem tudo, independente do que façam ou deixem de fazer, que a ciência deve se subordinar “à sociedade”, ou que existe apenas uma maneira, e nenhuma outra, de pensar sobre democracia, raça, sexo, natureza, religião, animais, alimentação, agricultura, dinheiro, mérito individual, liberdade de expressão e mais uns 5.000 outros assuntos.

Alguma coisa existe? Então é preciso criar uma lei sobre ela, dizendo o que é certo e o que é errado a seu respeito. É proibido discordar do que foi decidido. Faz parte das suas obrigações sociais, por exemplo, aceitar que as crianças não nascem com um sexo definido pelos seus órgãos genitais, masculinos ou femininos, mas decidem depois se querem ser homem ou mulher. É recomendado, também, achar que a vida de um animal selvagem tem prioridade em relação à vida de um ser humano. É preciso concordar com a ideia de que o homem não tem o direito de alterar a natureza em seu benefício, ou que a vegetação natural não pode ceder espaço para a produção de alimentos. Deve ser vetado ao mundo pobre, ou mais pobre, ter qualquer aspiração realista a ser menos pobre — sua função no planeta é permanecer como está hoje, pois se quiser ficar mais parecido com o mundo rico vai consumir muita água, emitir carbono, usar fertilizantes e praticar sabe-se lá quantas desgraças a mais. Agricultura moderna? Trata-se de algo privativo do Primeiro Mundo — “fazendas aqui, florestas lá”, reza o grande credo atual dos ambientalistas, agricultores e milionários americanos.

Há leis cada vez mais autoritárias sobre toda e qualquer questão que envolva a cor da pele das pessoas — não só a cor, apenas, mas também a tonalidade dessa cor. Tudo o que é considerado branco, em princípio, é culpado de alguma transgressão, ou pelo menos suspeito; só à essa porção da humanidade se aplica a ideia do pecado original, e só a ela se impõe a obrigação de passar a vida purgando suas culpas de nascença através de uma série crescente de obrigações. Ser considerado negro, na nova forma totalitária de organizar a vida, é, ao contrário, uma virtude em si. Além disso, confere-se às pessoas definidas como negras direitos especiais, não previstos em nenhuma constituição civilizada — crédito permanente por virtudes não comprovadas, ressarcimento por injustiças sofridas até 500 anos atrás, vantagens sobre os não-negros decididas pelo poder público, como as “quotas”, e por aí se vai. Qualquer tentativa de debater o assunto é considerada automaticamente como racismo.

O novo totalitarismo, até agora, não resolveu o que se deve pensar sobre as etnias que não são nem brancas e nem negras — os considerados “índios” desfrutam mais ou menos do mesmo status conferido aos negros, mas ainda não há definição sobre as raças orientais, por exemplo, o que deixa num limbo, só na China, Japão e Coréia, cerca de 1 bilhão e 600 milhões de pessoas. Pecadores ou justos? Há pontos obscuros, também, quanto aos próprios negros — quando vivem na África parecem ser considerados inferiores, de alguma forma, aos que não vivem lá. Como apontado acima, há restrições sérias quanto aos seus direitos de escapar da miséria, por causa dos possíveis danos que trariam à vegetação nativa — e, talvez mais grave ainda, aos animais selvagens. Se um leão, por exemplo, sair pelas ruas de Londres querendo comer gente, será abatido pela polícia. Na África, porém, pode comer quantos negros quiser. Na visão de praticamente todos os ambientalistas, o ser humano, ali, ameaça o território do bicho e, portanto, não tem direito a se defender — que se vire para escapar, é tudo o que lhe recomendam. Jamais passa pela cabeça de alguém que talvez aconteça o contrário — é o leão quem ameaça a vida do homem e sua família. Nessas horas a questão racial muda de qualidade. Ser branco na Europa urbana é muito melhor, e mais seguro, do que ser negro no meio do mato na África.

Um episódio recente, aqui no Brasil, serve de maneira exemplar para trazer à luz do sol outros despropósitos causados pelo novo totalitarismo na “questão racial”. Uma atriz negra foi proibida, na prática, de receber o papel de uma espécie de heroína social negra (figura que depois, na vida real, acabaria se revelando uma fraude), por não ter uma pele considerada suficientemente negra para representar a personagem. Pior: não só apoiou o veto a si própria, como pediu desculpas por ter aceitado inicialmente o papel sem ter a quantidade de cromossomos suficiente para tal. Quantos seriam necessários, então? Qual a porcentagem aceitável de sangue negro que alguém precisa ter para representar o papel de um negro? Fica-se com a impressão que o próximo passo será a exigência de testes de laboratório, com cálculos de DNA e o veredito de uma junta de biólogos. O contrassenso explícito, no caso, é pregar ações contra a discriminação racial e, ao mesmo tempo, praticar racismo da pior espécie — ou seja, permitir ou proibir uma pessoa de fazer um trabalho não em função dos seus méritos, mas pela cor da sua pele, ou do tom da sua pele.

A agressão às liberdades, nessa nova maneira de ver o mundo, pode ser particularmente venenosa na área cultural — na verdade, a cultura tem sido uma das vítimas preferidas dos novos totalitários. Ainda há pouco, em janeiro deste ano, a universidade católica de Notre Dame, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos, mandou cobrir (até a sua remoção definitiva) uma coleção de doze murais, descrevendo cenas de Cristóvão Colombo na América; desde 1880 as obras enfeitavam a entrada do seu prédio principal. O reitor da universidade, atendendo a um antigo abaixo-assinado de 300 estudantes (entre os 8.500 que estudam ali) e funcionários, decidiu que as pinturas significariam a cumplicidade da escola diante da “exploração e repressão dos americanos nativos” pelos europeus; esse “lado escuro” da história, disse ele, não poderia mais ser exibido ao público. Stalin não faria melhor na velha União Soviética.

É em casos como esse, e em tantos outros, que aparece a semente do mal — a constante imposição de uma visão do “bem” através da prática de atos que, historicamente, só são cometidos em tiranias. Há cada vez mais restrições, por exemplo, à liberdade de premiar. Do Nobel ao Oscar, tornou-se comum dar os prêmios não mais a aquele que foi considerado o melhor trabalho, mas à pessoa que foi considerada a mais representativa de alguma virtude — pertencer a “minorias”, ser “perseguido”, levar este ou aquele estilo de vida etc. É uma espécie de imposição, em escala mundial, do Prêmio Lenin. A liberdade de palavra, cada vez mais, vai para o espaço — o ministro brasileiro do Ambiente, Ricardo Salles, viu-se impedido semanas atrás de falar em diversas cidades da Europa depois que 600 cientistas assinaram um manifesto denunciando o Brasil por crimes ambientais. Que crimes, especificamente? Algum deles verificou as acusações, com rigor técnico, antes de assinar a condenação? Nenhum — e isso, tanto quanto se saiba, é o contrário de ciência, atividade que se obriga a lidar com fatos, e não com crenças. Trata-se cada vez menos, na verdade, de defender a sua opinião; o que importa é não permitir que seja ouvida a opinião do outro. Não apenas estão censuradas as respostas diferentes. Não se admite, sequer, que sejam feitas as perguntas.

O novo totalitarismo, naturalmente, reserva para política um contêiner de mandamentos tão extremos como os aplicados para as questões descritas acima. Sua principal preocupação, hoje em dia, parece ser aquilo que descreve como o “perigo das maiorias”. Que raio seria isso? É algo tão simples quanto parece. Deixar que eleições livres decidam por maioria de votos as questões importantes é um risco cada vez mais contestado, pois o ponto de vista contrário ao seu pode ganhar — e aí vai ser preciso aceitar “gente errada” no governo. Jair Bolsonaro, por exemplo: eis aí, na visão do novo totalitarismo, um caso aberrante de erro cometido pela maioria. Donald Trump, então, é citado praticamente como uma prova científica de que “é preciso fazer alguma coisa” para que o eleitorado não tenha mais o poder de escolher um sujeito como ele para a Presidência — e causar, com isso, prejuízos, mudanças e retrocessos no processo civilizatório mundial, tal como ele é entendido por quem não aprova a conduta do presidente americano. E se os dois, Bolsonaro e Trump, forem reeleitos, então? Aonde vai parar este mundo?

O mesmo se aplica a Matteo Salvini, hoje o maior líder político da Itália, a Benjamin Netanyahu, que há 11 anos seguidos ganha todas as eleições em Israel, ou a Narendra Modi, visto como um pesadelo de direita na Índia — onde acaba de ser reeleito para a chefia do governo numa eleição em que votaram 600 milhões de pessoas. Isso mesmo, 600 milhões — um número que ajuda, definitivamente, a entender por que o universo que chama a si próprio de progressista fica tão incomodado com o “perigo das maiorias”. Há também, no atual time de assombrações, os ingleses que querem sair da Comunidade Europeia. Há os escândalos mundiais detectados na mera existência do líder das Filipinas, ou do chefe direitista que comanda a Hungria ganhando todas as eleições desde 2010 — como se a Hungria pudesse ameaçar alguém num mundo com 7 bilhões de habitantes. Nenhum deles — realmente nenhum — chegou ao governo por golpe de Estado; é tudo resultado de eleição livre. Problemaço.

Na falta de algum projeto coerente para lidar com essas adversidades, o novo totalitarismo se dedica a tentativas variadas de sabotar os governos eleitos, ou a expor a relação completa dos delitos que atribui a seus eleitores — ignorância, despreparo, cegueira política, fascismo, estupidez e por aí afora. Na melhor das hipóteses, são inocentes úteis que se deixam enganar pela demagogia ou, como se diz na moda atual, pelo “populismo”. A ferramenta básica é classificar como autoritária, reacionária ou totalitária toda a opinião que não seja a sua. Mais que tudo, talvez, se chama de “discurso do ódio” qualquer posição divergente — algo que, naturalmente, deveria ser proibido por lei. Na verdade, de maneira aberta ou disfarçada por palavras em favor da moderação e contra o extremismo, busca-se bloquear, como numa espécie de prisão preventiva, a manifestação do ponto de vista alheio. Foi o que se viu nas últimas manifestações de rua em apoio a Bolsonaro e aos seus programas — as pessoas não deveriam se meter numa coisa dessas, porque era perigoso para “as instituições”, seria um incentivo ao mal, iria fortalecer o radicalismo e sabe lá Deus quanta coisa mais. Resumo da ópera: temos de salvar a democracia proibindo a manifestação das opiniões que achamos antidemocráticas.
Não vai ser fácil para ninguém sair fora dessa charada.

Texto de J.R. Guzzo

quarta-feira, 17 de abril de 2019

CRUSOÉ RETIRA “FAKE NEWS” DO AR E É MULTADA MESMO ASSIM



Devido a uma sequência de críticas e sátiras dirigida à deputada petista Maria do Rosário, o comediante Danilo Gentili foi condenado, pelo crime de injúria, à pena de 6 meses e 28 dias de detenção. A parlamentar, para quem não se lembra, já processou o então deputado Jair Bolsonaro por dizer que “ela não merecia ser estuprada porque era muito feia”, e, em vídeo no YouTube, considerou “extremamente abusivo tudo que há em torno desse processo contra Lula”.

O caso de Gentili começou com uma declaração da petista em defesa do então deputado psolista Jean Wyllys — que cuspiu em Jair Bolsonaro na Câmara — e do ator petista José de Abreu — que cuspiu em um casal num restaurante em São Paulo. “Julgam Jean e Zé de Abreu por uma reação imediata. Quem reage a agressão não planeja como agir, quem agride sim. Respeite e serás respeitado”, sentenciou Maria do Rosário. Só que Bolsonaro não havia agredido Jean Wyllys, salientou o diretor de jornalismo da Jovem Pan, Felipe Moura Brasil, e que o casal hostilizou Zé de Abreu pelo uso da Lei Rouanet, que o ator negou, mas depois reconheceu publicamente — no insuportável Domingão do Faustão, que se valeu do benefício por pelo menos duas vezes.  

Rosário chamou de “agressão” o insulto verbal para amenizar ou legitimar a agressão física das cusparadas de Wyllys — uma ação planejada, como mostraram as câmeras, e não uma “reação imediata”. Gentili aplicou o mesmo raciocínio contra a própria deputada, aludindo ao caso em que ela disse “sim” quando Bolsonaro lhe perguntou se o estava chamando de estuprador: “Aí ela chama o cara de estuprador, toma um empurrão, dá chilique, falsa e cínica pra caralho [...] quando alguém cuspir em você, devolva com um soco que a Maria do Rosário aprova cuspir nela quando ela chama de estuprador”.

Ao receber uma notificação extrajudicial pedindo a retirada dos conteúdos publicados por ele no Twitter, o humorista publicou um vídeo em que esconde com os dedos o início e o fim da palavra deputada — deixando visível apenas “puta” —, rasga a notificação, coloca os papéis dentro das suas calças e o remete de volta à Câmara. Ninguém precisa conhecer ou apreciar seu trabalho, nem considerar engraçado ou de bom gosto este comportamento específico, mas, pelo contexto, nota-se que, ao chamar Rosário de “puta”, Gentili não a acusou de ser uma prostituta que aluga seu corpo e seus serviços sexuais, mas simplesmente a xingou, reagindo a um documento do Estado com teor de censura a postagens de conteúdo crítico, ainda que ácido, a uma parlamentar e sua defesa de cuspidores.

A juíza da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, porém, considerou que o caso concreto “revela a expressão de uma personalidade merecedora de reprovação em grau elevado”, daí a condenação de Gentili a detenção em regime semiaberto, mesmo que o “ato delituoso” não tenha sido praticado com violência e que o réu não seja reincidente. Como o cinismo petista já era conhecido, o caso concreto, na verdade, revela apenas a banalização da prisão como forma de patrulha. Estimulada por Rosário, a Justiça cuspiu na liberdade de expressão.

O presidente Bolsonaro — que recebeu a cusparada de Wylys, mas não processou o cuspidor — publicou um tuíte dizendo que Gentili deveria poder exercer seu direito de expressão. “Compreendo que são piadas e faz parte do jogo, algo que infelizmente vale para uns e não para outros”. Logo depois, Gentili respondeu, também via Twitter: “Fico aliviado por entender que esse post significa um registro do compromisso do governo com a liberdade de expressão”. 

Ao que parece, o Judiciário não leva em conta o que o chefe do Executivo pensa ou deixa de pensar. O presidente do STF, que durante a cerimônia de posse de Bolsonaro exaltou a “liberdade de imprensa e a atuação independente e autônoma do Ministério Público”, não só determinou a instauração de um inquérito sigiloso para apurar fake news e ameaças contra os ministros da corte e seus familiares (isso seria atribuição do Ministério Público), como escolheu ele próprio o relator dessa bizarrice (a relatoria deveria ser designada por sorteio eletrônico) e lhe pediu retirasse imediatamente do ar uma reportagem publicada pela revista Crusoé com o título “O amigo do amigo de meu pai”, que levanta suspeitas sobre sua “reputação ilibada”.

Além de censurar a revista digital e o site O Antagonista, responsável pela publicação, o ministro Alexandre de Moraes estipulou multa de R$ 100 mil por dia em caso de desobediência e determinou que a PF intimasse os responsáveis a prestar depoimento no prazo de 72 horas. Mesmo obedecendo à determinação, Crusoé foi multada. Mas não é só: Moraes determinou o bloqueio de contas em redes sociais e do WhatsApp de sete pessoas investigadas por publicarem "ofensas" contra a Corte. Entre os alvos está o general da reserva Paulo Chagas, que teria publicado “postagens de propaganda de processos violentos ou ilegais para a alteração da ordem política e social, com repercussão entre seguidores”, e que o investigado “defendeu a criação de um Tribunal de Exceção para julgamentos de membros do STF ou mesmo substituí-los”.

O ex-comandante do Exército e atual assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional, general Eduardo Villas Bôas, demonstrou preocupação com restrições que o general da reserva Paulo Chagas está sofrendo. Após sessão de homenagem ao Dia do Exército na Câmara, segundo o Metrópoles, o militar disse desconhecer as motivações de Alexandre de Moraes, mas espera da Justiça que as coisas sejam colocadas “no devido lugar”. “Conheço muito o general Paulo Chagas. Amigo pessoal meu e confesso que estou preocupado. Vamos acompanhar os desdobramentos disso. Já o atual comandante do Exército, general Edson Pujol, não quis comentar a decisão do magistrado, mas defendeu Chagas: “Não tenho os detalhes, a motivação que levou, as circunstâncias. O que eu posso dizer é que conheço o Paulo Chagas, é um militar e um cidadão íntegro, temos maior respeito e admiração por ele.”

A determinação de Moraes é alarmante e coloca o Brasil em contato com a censura depois de algumas décadas livres desta mazela. “Estamos diante da situação mais grave dos últimos tempos”, frisou a jurista Janaína Paschoal, na última terça-feira, em publicação no Twitter. Na avaliação de José Nêumanne, o ministro cometeu vários erros, começando por grafar Cruzoé, com "z", e ao abusar do latim para preservar a “honra” do presidente da Corte, terminou por expô-lo ainda mais, pois a truculência despertou a atenção geral para o material censurado. A informação de que o ofendido atendia pelo codinome de “amigo do amigo do meu pai” no propinoduto da Odebrecht bombou geral. Para ouvir a opinião sempre abalizada de Merval Pereira, clique aqui.

Observação: O ministro Marco Aurélio, em conversa com o Estadão, reconheceu que houve censura na decisão do colega: “Isso, pra mim, é inconcebível. É um retrocesso em termos democráticos. Prevalece a liberdade de expressão, para mim é censura. [...] Eu não vi nada de mais no que foi publicado com base em uma delação. O homem público é, acima de tudo, um livro aberto.” Indagado se o plenário da corte poderia derrubar a decisão, o ministro respondeu: “Não sei, cada qual tem a sua concepção sobre o Estado democrático de direito. A minha é sólida e sempre procedi assim.”

O senador Randolfe Rodrigues comparou o inquérito do STF a um novo AI-5: “Toffoli e Moraes fabricaram para si um AI-5: falou mal deles, dançou! Não é possível que, em plena democracia, dois juízes se comportem assim, aterrorizando a cidadania, transformados suas togas negras em capuzes de carrascos da sociedade!” Pelo Twitter, o senador acrescentou: Ninguém escapa do AI-5 do Supremo: jornalistas, ativistas e até generais! Logo chegarão aqui no Senado, porque o coro de insatisfeitos só aumenta. Precisamos dar um basta nos desmandos desta fração que sequer representa a maioria do STF, mas que se acha a própria encarnação do poder.” 

Segundo a Folha, o senador Alessandro Vieira, autor dos dois requerimentos para criação da CPI Lava-Toga , declarou: “Se alguém tinha dúvidas sobre a urgência da CPI das cortes superiores, os ministros confirmam a sua necessidade. E quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora precisa se preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde se avolumam as ações autoritárias.”

Além de pedir o arquivamento do inquérito do STF sobre “fake news”, a PGR quer que todos os atos praticados sejam anulados, incluindo buscas e apreensões e censura a sites.Considerando os fundamentos constitucionais desta promoção de arquivamento, registro, como consequência, que nenhum elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida será considerada pelo titular da ação penal ao formar sua opinio delicti. Também como consequência do arquivamento, todas as decisões proferidas estão automaticamente prejudicadas.” 

Observação: Como o Ministério Público não participou da abertura do inquérito (tanto a instauração como escolha do relator partiram de Toffoli), a PGR não pode arquivá-lo (a prerrogativa é do STF). Segundo o G1, Raquel Dodge afirma que a corte não pode manter o inquérito: “O sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções na persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga; não se admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse”. Teimosamente, Moraes rejeitou a recomendação de Dodge e manteve o andamento do inquérito. Virou queda de braço (mais uma entre muitas neste começo de gestão). Enfim, como dizia minha finada avó, quem brinca com fogo mija na cama ou acaba se queimado.

Resumo da ópera: Há um textinho famoso sobre o nazismo — que, como ensina Reinaldo Azevedo, é da autoria do teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984), embora nove entre dez citadores o atribuam a Maiakovski, Brecht, ou mesmo ao brasileiro Eduardo Alves da Costa (que realmente escreveu algo parecido):

“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. E aí já não havia mais ninguém para reclamar.”


sexta-feira, 12 de abril de 2019

OS 100 DIAS DE BOLSONARO, BURACOS NEGROS E OUTROS ASSUNTOS


As duas imagens acima são de buracos negros. Escolha a que você acha que combina melhor com a definição desse fenômeno.

OBSERVAÇÃO: Devido à ausência do ministro Marcelo Ribeiro Dantas na sessão de ontem no STJ, o julgamento do REsp de Lula pela 5ª Turma ficou para depois da Páscoa (provavelmente para o dia 23). Veja mais detalhes sobre essa interminável novela na postagem anterior.

O atual governo completou 100 dias anteontem. O presidente comemorou e até pediu desculpas pelas “caneladas”. Disse que não nasceu para ser presidente, e sim militar (?!), mas não descartou a possibilidade de disputar a reeleição. É a prova provada de que o poder vicia, corrompe e é como um camaleão às avessas: todos tomam a sua cor: Num instante em que ostenta a pior avaliação já atribuída a um presidente em início de mandato desde a redemocratização, Bolsonaro já não defende o fim da reeleição, alegando que não cabe a ele, mas ao Congresso promover uma reforma que a elimine do ordenamento jurídico.

Em condições normais, seria apenas constrangedor assistir a um governante que acabou de se eleger com a promessa de ser o coveiro de velhos hábitos políticos comprometendo seu governo com uma disputa pelo Poder que, além de prematura, pode ser paralisante. Quando isso ocorre no aniversário de 100 dias de uma Presidência decepcionante, porém, o constrangimento descamba para a aberração. Como bem salientou Josias de Souza, político que não ambiciona o Poder vira alvo, mas político que só ambiciona o Poder erra o alvo. A única ambição que Bolsonaro deveria ter no momento é a ambição de trabalhar.

O ex-governador de São Paulo e eterno picolé de chuchu, Geraldo Alckmin, disse que o governo de Bolsonaro é improvisado, heterogêneo, com uma pauta equivocada, uma agenda antiquíssima. “Nós estamos discutindo se o nazismo é de esquerda ou de direita, se o golpe foi golpe ou não foi golpe. Uma agenda velhíssima. Não temos nova e velha política, temos boa política e má política. A boa política não envelhece”, afirmou o tucano, do alto da autoridade que lhe conferem os míseros cinco milhões de votos (4,79% do total) que obteve ao disputar a presidência no ano passado (1,3 milhão de votos a menos do que recebeu João Dória, que disputou — e ganhou — o governo de São Paulo). Alckmin também reiterou que o PSDB não fará parte da base do governo, e que o partido irá “votar os projetos que forem importantes ao país”. Segundo O Antagonista, sua vanguarda é o programa de Ronnie Von.

Pausa para o contraponto: O Ibope classificou os 100 primeiros dias do governo Bolsonaro como os piores primeiros 100 dias de todos os governos desde a redemocratização. Mas esse mesmo Ibope também sentenciou que, se chegasse ao segundo turno, o deputado-capitão seria fragorosamente derrotado, independentemente de quem fosse seu oponente. Demais disso, se todos os presidentes eleitos pelo voto popular desde 1989 se saíram melhor que o atual, é preciso não perder de vista que Collor e Dilma foram penabundados do cargo e que Lula está preso (e FHC está senil e, cá entre nós, não tem moral para criticar Bolsonaro, mas isso é outra conversa).

Mudando de pato para ganso: De sua cela VIP em Curitiba, Lula mandou avisara à tigrada que “Gleisi Hoffmann é sua candidata à reeleição para a presidência nacional do partido” (a informação é praticamente oficial, já que vem da colunista social da Folha de S. Paulo). Aproveitando o embalo, presidiário ordenou também “que a oposição interna a ela baixe a bola” (Lula não admite discordâncias; o partido, afinal, é dele). 

Pensando bem, ninguém melhor que a “amante” para chefiar a ORCRIM: a loirinha apoia incondicionalmente a ditadura genocida de Maduro, lambe as botas dos mandatários cubanos e silencia diante da misoginia, da homofobia, da perseguição às minorias étnicas e religiosas (inclusive aos cristãos) perpetradas por seus aliados islamofascistas do Irã, do Hamas, etc. E ainda diz que "Jesus Cristo sempre foi a referência dos petistas", e que se for preciso abandonar Lula para fazer alianças, o PT não fará alianças. 

A questão é que ninguém mais — nem na esquerda — quer fazer aliança com o PT.

sábado, 9 de março de 2019

AS ESTULTICES DE BOLSONARO — OU: ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA...


Minha ideia era falar no bispo abilolado — que provavelmente será considerado inimputável e, portanto, não responderá criminalmente pelo atentado contra a vida de Bolsonaro —, mas a notável perseverança do presidente em agir como opositor de si mesmo, poupando a esquerda desse trabalho (basta-lhe assistir e aplaudir), levou-me, mais uma vez, a mudar a pauta. Sem mais delongas, passemos ao que interessa (ou nem tanto, mas é o que se tem para hoje).

Na última quinta-feira, durante uma cerimônia em homenagem aos 211 anos do Corpo de Fuzileiros Navais, Bolsonaro acrescentou mais uma pérola ao colar que vem fiando desde a campanha. Mas basta assistir ao vídeo para ver que fizeram tempestade em copo d’água. Salta aos olhos que a intenção do presidente era elogiar as Forças Armadas, e não desmerecer os Poderes da República. Todavia, como vem se tornando hábito e se repetindo com uma frequência irritante, o capitão escolheu muito mal as palavras.

O prurido resultante de mais esse nonsense pode ser classificado como “muito peido e pouca bosta” (a expressão pode ser deselegante, mas perde longe para o vídeo escatológico — e não pornográfico, porque não exibe relações sexuais —, tuitado pelo presidente (ou por zero dois, que tem acesso às contas do pai nas redes sociais). E se a intenção era desqualificar os blocos carnavalescos, o feitiço virou contra o feiticeiro. A ação dos dois desqualificados, filmada supostamente durante o Carnaval, não serve para alertar a população de coisa alguma, muito menos de que "é isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro". Se não há dúvida de que houve quebra de decoro, tampouco há que se falar em consequências danosas para o país — que não a repercussão do ato falho presidencial na imprensa internacional. Até aí, nada de mais. Se não fosse Bolsonaro o presidente, talvez a repercussão fosse bem outra. Enfim, bola pra frente. Segue o baile. Ponto final.

Dois erros não produzem um acerto. Pedir impeachment do presidente, com todas as consequências nefastas para um país que já vai mal das pernas, seria dar o tiro de misericórdia na reforma da Previdência, acelerar as máquinas deste Titanic de dimensões continentais e travar o leme no curso de colisão com a monstruosa montanha de gelo que o espera mais adiante. Uma atitude idiota como que só cabe na cabeça de petistas e assemelhados, que é mantida oca a poder de laxante.

Voltando à "monumental ofensa" à democracia e aos três Poderes que a sustentam, ninguém espera que Bolsonaro discurse como um Demóstenes, que domine nosso idioma como um Machado de Assis ou que faça política como um Ruy Barbosa. Mas ele bem que poderia se ater ao script, evitando os improvisos que tanto desconforto têm causado. Ainda que sua tropa de choque acorra para apagar os incêndios, a insistência do capitão, de botar fogo no paiol de pólvora, é positivamente estarrecedora.

Observação: Não dá para dizer que essa pantomima seja um déjà vu do período dilmista, até porque a Rainha Bruxa do Castelo do Inferno não conseguia juntar lé com cré, mas suas tiradas abiloladas eram apenas alvo de chacota, ao passo que as "bolsonarianas", quando mais não seja, derrubam a Bolsa e fazem o dólar disparar. Isso sem mencionar que, a cada edição revista e atualizada dessa tragicomédia, um pouco da nossa confiança no governo desce pelo ralo.  

Como na fábula do velho, o menino e o burro, Bolsonaro é criticado tanto pelo que diz ou faz quanto pelo que deixa de dizer ou fazer. Porém, ao tomar para si a tarefa da oposição, sua excelência fomenta especulações de que o país estaria melhor nas mãos do vice, em que pese o desconforto produzido pela ideia da volta ao militarismo. A vocação inata de meter os pés pelas mãos parece estar no DNA da “família real”, como se pode inferir dos esforços do “príncipe zero dois” em desconstruir o governo do pai. Pouco importa se as intenções são boas, já que boas intenções pavimentam a estrada para o inferno. E pelo visto, não é só o pitbull do presidente que precisa de focinheira.

Mesmo num arremedo de republiqueta de bananas como a nossa, não dá para o presidente governar pelo Twitter e se pronunciar somente através do seu porta-voz. Depois que Rodrigo Maia alertou para o fato de que, se governo não assumir uma atitude proativa, não será possível aprovar a reforma da Previdência, Bolsonaro vem tentando fazer sua parte. Foi o que se viu na tal cerimônia no Rio, quando ele mencionou a necessidade de todos (aí incluídos os militares) darem sua contribuição de sacrifício. O problema é que não pisou no freio antes da curva, como teria feito um bom piloto, e isso obrigou a eletrônica embarcada a corrigir a trajetória para evitar o acidente. 

Ainda que o núcleo militar do governo esteja sempre pronto a pressionar a tecla do controle remoto que muda o idioma presidencial do bolsonarês para o português, isso deveria ser exceção, não a regra geral. E, de novo, a frequência é assustadora: a nota lida pelo porta-voz, general Otávio do Rego Barros (sobre o apreço de Bolsonaro pelo Carnaval) ainda repercutia no noticiário quando o chefe do Gabinete de Segurança Institucional e o vice-presidente precisaram entrar em ação para apagar o novo incêndio. 

O general Augusto Heleno ponderou que “tentaram distorcer isso [a fala do presidente] como se [a garantia da democracia] fosse um presente dos militares para os civis”; o general Hamilton Mourão disse que “O presidente falou que onde as Forças Armadas não estão comprometidas com democracia e liberdade, esses valores morrem. É o que acontece na Venezuela. Lá, infelizmente as Forças Armadas venezuelanas rasgaram isso aí. Foi isso o que ele quis dizer". Aliás, o professor Olavo de Carvalho — ponto de referência para Bolsonaro — já disse estar arrependido de apoiar Mourão na campanha, que o vice "afaga os que odeiam o presidente e ofende os que o amam", que ele traiu os eleitores com posicionamentos recentes (que supostamente vão contra o pensamento de Bolsonaro) e por aí afora. Peguntado sobre o fato, o general fez o gesto de beijo na mão, sinalizando que as acusações são irrelevantes.

Segue o baile.

domingo, 30 de setembro de 2018

AINDA SOBRE LEWANDOWSKI E A MARACUTAIA “SOLTA-LULA”



Conforme eu disse no post anterior, o dublê de ministro supremo e militante petista Ricardo Lewandowski vem tramando a soltura de Lula enquanto a atenção dos brasileiros está voltada para as eleições. Tanto é que, ignorando o que disse seu par, correligionário e atual presidente da Corte sobre não pautar neste ano as ADCs que questionam o cumprimento da pena após decisão de segunda instância, o conspícuo magistrado insiste que não fazê-lo seria perder uma “oportunidade única oferecida a este Supremo Tribunal para uma correção de rumos”.

À exemplo dos demais integrantes do trio assombro da togaLewandowski já vinha concedendo habeas corpus a condenados em segunda instância em desconformidade com o que foi decidido pelo plenário da Corte em 2016. Mas sua grande "sacada", agora, é tratar a execução provisória da pena como prisão preventiva, exigindo fundamentação que explicite a sua necessidade (como o risco de fuga ou de novos crimes — como se não bastassem aqueles pelos quais o réu já foi condenado).

Na mesma linha de Lewandowski, a CCJ do Senado pode aprovar, em decisão terminativa, novos critérios para a decretação de prisão após a condenação em segunda instância. Carlos Fernando Lima, ex-procurador da Lava-Jato, denunciou a manobra numa postagem no Facebook:

OLHEM COMO PRETENDEM LIVRAR O LULA! Com tanto a ser feito pelo Brasil, congressistas acham tempo durante o recesso branco para criar problemas para o combate à corrupção. A CCJ do Senado quer transformar a prisão em segunda instância, uma forma de execução antecipada da pena, em uma espécie de prisão preventiva, e assim livrar quem apresente garantias que não irá fugir ou cometer novos crimes. O texto que será votado é um substitutivo do senador Ricardo Ferraço (do PSDB) ao PLS 402, da lavra do senador Roberto Requião (do MDB). A confusão é proposital, fazendo parecer que a prisão de Lula, como exemplo, seja considerada preventiva quando é, na verdade, execução provisória, que não se sujeita a contracautela. É preciso cuidar da esperteza de alguns quando o Brasil não está prestando atenção. Votações nas vésperas ou logo após graves acontecimentos, quando a população está ‘olhando para o outro lado’, indicam que há algo de podre na proposta.

Se essas manobras vingarem, o pulha de Garanhuns será solto sem que Haddad volte atrás em sua promessa de campanha e, se eleito, conceda indulto presidencial a seu chefe supremo.

Na última sexta-feira, Lewandowski autorizou o demiurgo de Garanhuns a dar uma entrevista à colunista vermelha da Folha, Monica Bérgamo. Antes, o pedido havia sido negado pela 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, que alegou não haver “previsão constitucional ou legal que embase direito do preso à concessão de entrevistas ou similares”. 

Ao recorrer ao Supremo, o jornal argumentou que a decisão “impôs censura à atividade jornalística e mitigou a liberdade de expressão, em afronta a decisão anterior daquela Corte”. Mas a festa do presidiário durou pouco: atendendo a um pedido do partido Novo, o ministro Luiz Fux suspendeu liminar (decisão provisória) concedida por seu par na Corte: “Determino que o requerido Luiz Inácio Lula da Silva se abstenha de realizar entrevista ou declaração a qualquer meio de comunicação, seja a imprensa ou outro veículo destinado à transmissão de informação para o público em geral”, escreveu o magistrado em sua decisão.

Fux considerou haver “elevado risco” de as entrevistas causarem “desinformação” na véspera da eleição. “No caso em apreço, há elevado risco de que a divulgação de entrevista com o requerido Luiz Inácio Lula da Silva, que teve seu registro de candidatura indeferido, cause desinformação na véspera do sufrágio, considerando a proximidade do primeiro turno das eleições presidenciais”, disse o magistrado em seu despacho.

No pedido à Corte, o Novo alega que o PT tem apresentado Lula diversas vezes como integrante da chapa que disputa a Presidência, o que desinforma os eleitores. A decisão de Fux será submetida ao plenário do STF. Ainda não dá data para o julgamento.

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quinta-feira, 5 de julho de 2018

ESTADO DE EXCEÇÃO — MINISTROS DO SUPREMO EM GUERRA COM A DEMOCRACIA



Esqueça por um momento, se for possível, as ordens do STF que mais uma vez mandaram soltar José Dirceu, o príncipe do PT condenado a 30 anos e nove meses de cadeia por corrupção, além de outros dois colossos da vida pública nacional — um, do PSDB, é acusado de roubar merenda escolar e o outro é tesoureiro do PP. (Só isso: tesoureiro do PP. Não é preciso dizer mais nada.) 

Faz sentido um negócio desses? Claro que não. Não existe na história do Judiciário brasileiro nenhum réu condenado a mais de 30 anos de prisão por engano, ou só de sacanagem; dos outros dois nem vale a pena falar mais do que já se vem falando há anos. Mas a questão, à esta altura, já não é o que cada um deles fez ou é acusado de ter feito no mundo do crime — a questão é o que estão fazendo os ministros supremos que abriram a porta da cadeia para os três, e virtualmente para todo o sujeito que hoje em dia é condenado por roubar o erário neste país.

Esses ministros, pelo que escrevem nas suas sentenças, decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. Tudo bem, mas há uma pergunta que terá de ser respondida uma hora qualquer: é possível existir democracia num país onde Gilmar Mendes, Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 200 milhões de pessoas?

Esse grupo de cidadãos está no STF por indicação, basicamente, de um ex-presidente da República hoje na cadeia, condenado a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, e por uma ex-presidente deposta por quase três quartos dos votos do Congresso. Foram aprovados para seus cargos pelo Senado Federal — um dos ajuntamentos mais corruptos que se pode encontrar entre os seres humanos vivos no momento sobre a face da Terra. Jamais receberam um voto. Não respondem a ninguém. Como os loucos, os pródigos e os silvícolas, estão fora do alcance da lei — não podem ser acusados de nada, e muito menos punidos por qualquer ato que venham a cometer. Têm o direito de ficar nos seus cargos pelo resto da vida. Com essa proteção toda, garantida pela Constituição suicida em vigor no Brasil, deram a si próprios o poder de anular provas. Podem ignorar qualquer lei em vigor, recusar-se a aplicar normas legais, não aceitar decisões do Congresso e suprimir procedimentos judiciais. Dizem, é claro, que todas as suas sentenças estão de acordo com as leis — mas são eles, e só eles, que decidem o que a lei quer dizer. Se resolverem que dois mais dois são sete, nenhum brasileiro terá o direito de dizer que são quatro.

Os grandes gênios da nossa criatividade política, com os seus imensos estoques de sabedoria acumulada, devem ter alguma resposta para a pergunta feita acima. Talvez eles saibam como seria possível manter, ao mesmo tempo, o regime democrático e uma corte suprema povoada por Toffolis, Gilmares e Lewandowskis e dedicada a manter a corrupção como uma atividade legal no Brasil. Para os mortais comuns, está difícil de entender. 

Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que o tribunal mais alto do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as atuais leis brasileiras, como garantem os ministros a cada vez que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso; nesse caso, o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. Contra eles, no entendimento de parte do STF, nenhum fato existe; nenhuma prova é válida. Os Toffolis, etc., conseguiram montar no Brasil um novo fenômeno: ao contrário da fábula narrada por Kafka em “O Processo”, o simples fato de alguém ser acusado perante o tribunal é a prova indiscutível de sua inocência.

Artigo de J.R. GUZZO

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terça-feira, 8 de maio de 2018

SOBRE A AMEAÇA DA INTERVENÇÃO MILITAR



Se as forças armadas assumissem o governo, fechassem o Congresso, o STF, e mandassem essa corja toda para o xadrez, quantos brasileiros ficariam a favor dos militares? É difícil dizer. Mas o número de pessoas que vê a intervenção militar como a única solução para limpar a estrabaria em que se transformou o poder público tupiniquim cresce a olhos vistos a cada dia que passa.

Sempre tive comigo que a pior democracia ainda é melhor que a melhor das ditaduras, e que os militares não são imunes à corrupção nem à picada da mosca azul. Aliás, a história ensina que eles vêm para ficar pouco tempo, mas se entronizam no poder, prendem, arrebentam e não resolvem merda nenhuma. De uns tempos a esta parte, no entanto, venho repensando esses conceitos.

Com a possível exceção da extrema direita, ninguém gosta de falar abertamente em intervenção militar, regime militar, ditadura militar. É preciso ficar contra, é claro, mas ficar contra agora pode ser um problemão depois, se um dia a casa cair. Por isso, como ressalta o jornalista J.R. Guzzo em mais um artigo magistral, publicado na edição impressa de Veja desta semana, quem tem algum interesse em política já não se sente desconfortável em tocar no assunto, sobretudo se não tiver mais paciência com o lixo que as mais altas autoridades produzem sem parar e despejam todos os dias à sua porta.

Avança a passos de gigante o número de cidadãos que veem com bons olhos a possibilidade de os militares promoverem uma faxina em regra no que é hoje a vida pública neste país. O assunto é espinhoso, e discuti-los abertamente é como falar em corda em casa de enforcado. Mas não é assobiando que se espanta a assombração, nem fazendo cara de preocupado em programas de TV ou escrevendo artigos para pedir aos militares, por favor, que respeitem a Constituição, as instituições e os monstros que ambas pariram e hoje estão soltos por aí.

Embora não haja dados oficiais ― até porque os institutos de pesquisa não fazem a pergunta, talvez por medo de ouvir a resposta ―, imagina-se que uma parte significativa da população receberia com uma salva de palmas as imagens de tanques rolando nas ruas e políticos, ministros supremos e empreiteiros de obras atropelando-se uns aos outros para fugir pela porta dos fundos. E diminui a cada dia o número de pessoas realmente dispostas a brigar pela manutenção dessa democracia que está aí. Afinal, você sairia às ruas para defender, por exemplo, o mandato dos senadores Renan Calheiros, Aécio Neves, Romero Jucá e outros que tais?

Por mais que se faça de conta que as instituições estão funcionando, a classe política perdeu o respeito dos cidadãos deste país. Afinal, se quem deveria manter o regime democrático funcionando se desmoraliza a cada dia e despreza solenemente as regras da democracia, como, então, achar que está tudo bem? Só nossas “autoridades constituídas” dizem que está: como a Constituição proíbe o fechamento do Congresso, do Supremo, etc., imaginam que podem pintar e bordar, que os militares, informados de que existe uma “cláusula pétrea” mandando o Brasil ser uma democracia, continuarão assistindo impassíveis à anarquia promovida por magistrados supremos, ministros de Estado, líderes parlamentares e outros que têm a obrigação de sustentar o cumprimento das leis, mas vivem em colapso moral e não conseguem manter em pé nem mesmo um guarda-sol de praia.

Falam que não se pode confundir a democracia com as pessoas que ocupam cargos de governo ― de outra forma, um regime democrático só existiria numa sociedade de homens justos e racionais ― e que os que estão mandando mal podem ser substituídas através de eleições, processos judiciais e demais mecanismos previstos em lei, e blá, blá, blá... Mas é exatamente isso que vem sendo feito no Brasil, sem sucesso, desde 1985. Nossa democracia faliu. Tenta-se fazê-la funcionar há mais de 30 anos, mas ela não funciona. Talvez seja possível seguir adiante por mais algum tempo, com um remendo aqui e outro ali, mas é indubitável que, neste momento, há menos gente disposta a escorar o que está ruindo do que a chutar o pau da barraca.

O Brasil é um país sui generis. Em qualquer lugar do mundo, golpes são promovidos por quem tem o apoio das forças armadas e quer mandar às favas a Constituição. Aqui, os militares dizem ― com deu a entender semanas atrás o General Villas Boas ― que exigem o cumprimento da Constituição e das leis penais para continuar nos quartéis. Quem está querendo abolir a Constituição e as leis penais são Lula, o PT e seus satélites, que não conseguem sobreviver com as regras atuais ― eles e a cáfila de políticos de todos os partidos que estão com a Justiça seus calcanhares, as empreiteiras de obras públicas, os fornecedores do governo e tantos outros que vivem de rapinar o Tesouro Nacional.

O último esforço (último no sentido de mais recente, não de derradeiro, infelizmente) em favor dessa corja abjeta partiu do trio assombro togadoGilmar, Toffoli e Lewandowski ―, com vistas a tirar Lula da prisão, suprimir provas e anular sua condenação. É o sonho do criminoso de Garanhuns, de seus advogados milionários de Brasília, do PT-PSOL-PCdoB etc. e de dez entre dez bandidos sob ameaça de punição: declarar a Lava-Jato ilegal, sumir com tudo que ela já fez e demitir o juiz Moro a bem do serviço público, juntamente com todos os magistrados que combatem a corrupção no Brasil. Claro que os ministros supremos não dizem isso com essas palavras, e sim estão aplicando o embargo dos embargos do agravo teratológico com efeito suspensório diante da combinação hermenêutica de mutatis mutandis interlocutórios com ora pro nobis infringentes. Nem perca tempo com o vodu jurídico que a mídia repassa com casca e tudo: é pura tapeação para ver se soltam Lula e ajudam a ladroagem a escapar do xadrez e continuar roubando em paz.

Lula e seu sistema de apoio não querem a democracia. Recusam-se a cumprir a lei e a aceitar decisões legítimas da Justiça. Sabem que não têm futuro num regime democrático, com poderes independentes, Lava-Jato, imprensa livre e o restante do pacote. Eles precisam estar no governo, não só para ter empregos, fazer negociatas e ganhar dinheiro da Odebrecht, mas porque estar no poder é a diferença entre estar dentro ou fora da cadeia. É por isso que o deputado petista Wadih Damous disse outro dia que “é preciso fechar o STF” ― depois de reconhecer que o ministro Gilmar Mendes é um aliado do partido.

O mundo político e a elite, caídos de quatro no chão, olham em silencio para tudo isso, aterrorizados por Lula e assustados com a voz da tropa. Quando quiserem reclamar, poderão se ver reclamando sozinhos. E tarde demais.

Com J.R. Guzzo.

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