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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

CRISE? QUE CRISE?



Enquanto falta dinheiro para comprar giz para as escolas e gaze para os hospitais — e Bolsonaro sugere espaçar as idas ao banheiro para economizar papel higiênico —, nossos colossos togados confundem recursos protelatórios e chicanas com o pleno direito de defesa que assiste aos réus. Como se não bastasse, os doutos decisores decidem em flagrante desacordo com os interessas da sociedade e, entre uma sessão e outra, banqueteiam-se, a expensas do Erário, com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca, arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tornedores de filé”. Tudo regado a uísques e vinhos importados e premiados, naturalmente.

Escusado repetir (mais uma vez) por que considero a atual composição do STF a pior de toda a história. A quem interessar possa, esta postagem e a subsequente dão uma boa ideia da suprema agonia, e mais dois textos — igualmente ilustrativos — as complementam (tome uma dose cavalar de Plasil e clique aqui e aqui degustá-los). Mas não posso me furtar a relembrar que, graças ao folclórico "nós contra eles" de Lula e seu bando, a cizânia dividiu a sociedade e se espalhou como metástase pela alta cúpula do Judiciário, transformando o Brasil na única democracia do mundo formada por 13 poderes: o Executivo, o Legislativo e os 11 ministros supremos, que agem como se cada qual fosse dono da verdade e de seu próprio tribunal.

A divisão em alas "garantista" e "punitivista" azedou o relacionamento entre os togados supremos. Como se não bastassem os embates verbais (para não dizer bate-bocas) entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, dignos de cortiço de quinta categoria — num deles, Barroso acusou Mendes (e não se razão, mas isso já é outra conversa) de ser “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia” —, agora o presidente e o vice-presidente da corte quase não se falam.

Toffoli integra a ala "garantista", que defende a impunidade a pretexto de resguardar o direito dos réus; Fux, a dos "punitivistas", favorável ao cumprimento antecipado da pena em nome do combate à impunidade. Segundo matéria publicada na revista Época, os membros desse grupo são chamados pejorativamente pelos do outro time de "iluministas". O relacionamento entre os dois está a tal ponto estremecido que não houve, durante o último recesso, a tradicional divisão do plantão: o presidente dos togados preferiu ficar ele próprio responsável por todas as decisões urgentes do período, inclusive aquela em que, a pretexto de proteger Flávio Bolsonaro, sobrestou todos os demais processos baseados em dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle sem autorização judicial.

Não se espera que um juiz — qualquer juiz — decida visando agradar a gregos e troianos, mas que julgue em conformidade com a legislação vigente. Por outro lado, a intenção do legislador nem sempre está expressa de forma clara e na letra fria da lei, daí os magistrados se valerem da "hermenêutica" termo que o jargão jurídico emprestou do religioso para definir a interpretação dos textos legais à luz do "espírito" da lei, ou seja, visando inferir o alcance das intenções do legislador.

Interpretar a lei não significa legislar, como deveriam saber os togados supremos — e muitos de seus pupilos nas instâncias inferiores — que parecem achar que, se limites existem, é para que sejam ultrapassados. Agem como se dirigissem em alta velocidade, imbuídos da certeza de que nenhum policial rodoviário se atreveria a multá-los; afinal, eles são supremos, inatingíveis, incontestáveis, irretorquíveis e incriticáveis.

Quiseram os constituintes de 1988 que coubesse ao supremo o direito de errar por último, e à plebe ignara, que paga os altos salários e banca suas escandalosas mordomias dos decisores, o papel de ovelha de presépio.

Como quase tudo mais neste mundo, a política funciona como uma via de mão dupla. Em junho, um pacto institucional celebrado entre os chefes dos Poderes impediu a queda do castelo de cartas tupiniquim. Bolsonaro correu risco real de ser apeado da Presidência, do que se pode inferir que nem todas as conspirações palacianas são fruto da paranoia e da imaginação fértil do capitão e seus pimpolhos.

Observação: Em entrevista a VEJA, o ministro Dias Toffoli confirmou que o Brasil esteve à beira de uma crise institucional entre os meses de abril e maio, e disse que sua atuação foi fundamental para pôr panos quentes numa insatisfação que se avolumava. A combinação explosiva envolvia setores político e empresarial e militares próximos a Bolsonaro. No Congresso, a reforma da Previdência não avançava, e o Executivo acusava os deputados de querer trocar votos por cargos e verbas públicas. O impasse aumentou quando um grupo de parlamentares resolveu desengavetar um projeto que previa a implantação do parlamentarismo — se aprovado, Bolsonaro se tornaria uma figura decorativa, um presidente sem poder (ou um "banana", nas palavras do próprio presidente).

Mas não existe almoço grátis: o pacto conteve a insurreição, mas tornou nosso indômito presidente refém da nova agenda política, cujo objetivo é travar a Lava-Jato e seus desdobramentos. Mutatis mutandis, o mesmo se deu quando Temer comprou o apoio das marafonas do Câmara para se escudar das "flechadas" do ex-PGR Rodrigo Janot. Por uma via, o vampiro do Jaburu se segurou no palácio; por outra, tornou-se um presidente "pato-manco" — ou "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos terminam o mandato tão desgastados que os garçons palacianos demonstram seu desprezo servindo-lhes o café frio. E foi parar na cadeia poucos meses depois de descer a rampa do Planalto.

É, a vida tem dessas coisas.

sábado, 15 de dezembro de 2018

GLEISI DIZ QUE LULA VAI PASSAR O NATAL EM CASA E, DEPOIS, ANDAR SOBRE AS ÁGUAS


Muitos ainda se lembram — e como esquecer? — das ameaças petistas às vésperas do julgamento de Lula pelo TRF-4. O próprio grão-petralha chegou a dizer que convocaria o “exército de Stédile”, mas acabou condenado e preso — não sem antes se encastelar no Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e tripudiar da PF e da Justiça por 36 horas, como se tudo se resumisse a mostrar à patuleia ignorante quem estava no controle. Mas nem as hostes de demônios apareceram, nem o país entrou em convulsão. A caterva de militontos, acampada diante da sede da Superintendência da PF em Curitiba — de onde, diziam os organizadores do "movimento", não arredariam pé enquanto o ai-jesus da esquerda brasileira não fosse libertado — resistiu durante algum tempo, mas finalmente debandou e voltou para o buraco imundo de onde jamais deveria ter saído.

Muita gente ainda acredita que o demiurgo de Garanhuns é um perseguido político, vítima da elite dirigente que manda e desmanda nas repartições policiais, nos vários departamentos do Ministério Público e nas varas da Justiça. São os 40 e poucos milhões que votaram no corrupto e lavador de dinheiro condenado e preso, quando este disputou a presidência travestido em Fernando Haddad.

ATUALIZAÇÃO: Ainda sobre o nauseabundo de Garanhuns, a Justiça aceitou uma nova denúncia do MP por crime de lavagem de dinheiro em negociatas com a África. Infelizmente, a prescrição fulminou a pretensão punitiva pelo crime tráfico de influência, mas o fato é que o até então hepta virou octarréu — ainda não é um Cabral, cujas penas já somam 200 anos, mas está bem encaminhado. Só relembrando: segundo o artigo 115 do Código Penal, são reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos , ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.


Como bem definiu José Nêumanne, é a velha distribuição de óculos de quaisquer graus e dentaduras de quaisquer calibres em troca de votos por uma massa que nunca foi de esquerda, mas guarda boas recordações dos governos petistas e vota no sevandija vermelho — ou em que ele indica — como votaram outras marionetes que tentavam dar alguma legitimidade ao autoritarismo vigente antanho, mesmo sendo definidos de forma muito pouco elegante pelo marechal Castelo Branco como vivandeiras de bivaques.

Enquanto perdurou a ilusão de que o eleitorado carente superaria em volume as classes médias revoltadas com a roubalheira comandada pelo presidiário mais célebre do Brasil, este recebia visitas frequentes e inúteis em sua “sala de estado-maior” — cortesia do então juiz federal Sérgio Moro a quem o molusco insolente faz questão de execrar. Muitos iam beijar a mão do padim Lula na cadeia, esperando conseguir uma cadeira no Congresso ou, quem sabe, uma posse de governador estadual. Muitos obtiveram essa mercê: sob as bênçãos do tendeiro do ABC, estão nos palácios governamentais de Piauí, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte. Com sua luxuosa ajuda, fizeram-se também os de Pernambuco e Alagoas, valiosos vassalos no tempo de glória e aliados de oportunidade nesta hora de aperto. O PT elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados, 59 deputados, sete a mais do que os 52 que concorreram pela legenda do PSL, que elegeu o capitão reformado e deputado do baixíssimo clero que o derrotou no pleito presidencial.

Mas a gratidão mobiliza menos do que a necessidade. São poucos os que ainda visitam o faraó pernambucano depois que o TSE o obrigou a adotar o nome do boneco no lugar do posto reservado ao ventríloquo, e que um singelo e inesperado voto no julgamento de seu recurso evitou o massacre por unanimidade que poderia ter reduzido sua empáfia a zero. Nem a fidelidade dos cinco morcegões do STF que mantêm a adesão à profecia negada pela realidade serviu-lhe de conforto.

Em troca da antes desprezada prisão domiciliar, por cuja defesa o ex-ministro supremo Sepúlveda Pertence perdeu a hegemonia na equipe de defensores, o rufião de botequim que ameaçava os adversários com o fogo de seu ódio virou esmoler do próprio direito de ir e vir. Sem visitantes com quem trocar um dedo de prosa nem serviçais a lhe gritar as horas do lado de fora do prédio em troca de um sanduíche de mortadela e um copo de tubaína, tenta lubrificar com as próprias lágrimas a gazua retórica que acredita que poderá libertá-lo da porta sem grades da repartição pública que o abriga.

Gleisi Hoffmann e Fernando Haddad, dois inimigos mortais na luta pela carniça do PT, viraram agora pregadores do trololó do chefão humilhado pelo prolongamento da pena a cumprir. Não há mais por que temer a encarnação do João Ferrador, o metalúrgico enfezado que ameaçava os patrões da indústria metalúrgica com seu mau humor inegociável, que já não assusta nem adolescentes em bailes de debutantes. Sem meter medo, tenta encurtar a pena causando dó.

Essa lorota de depressão não é inócua. Deve haver até ministros do STF, mesmo entre os que não foram por Lula agraciados com a indicação ao trono, que se disponham à prática da grata comiseração. Nem é preciso ter o animus liberandi de Gilmar Mendes ou a gratidão de ex-vassalo do atual presidente da Corte. Sabe lá Deus quantas almas misericordiosas se escondem debaixo daquela fantasia macabra de Batman de luto, sempre dispostas a perdoar e interromper uma pena — quando por mais não seja, para mostrar o devido lugar de um juiz de primeira instância que desafie seu reino de “capinhas”, pagos para evitar o esforço muscular dos braços de seus patrões empertigados, empurrando os assentos confortáveis para acomodar os supremos traseiros.

A coluna Radar da revista Veja excitou a curiosidade dos portais fiéis ao lulismo noticiando que Jair Bolsonaro teria manifestado a intenção de evitar o excesso de visitas, providenciando para Lula aposentos mais tranquilos numa unidade do Exército. Mas não consta que, entre os poderes que o presidente eleito irá adquirir com a posse, haja uma espécie de extensão do juizado de penas especiais para ex-presidentes. Não há lei que preveja isso, nem as regalias de que o presidiário mais notório do País goza no lugar que hoje ocupa. O justo e legal seria encontrar cela adequada para ele num presídio comum, sem que haja a necessidade de a maior autoridade da República cuidar disso. Afinal, já lhe bastam a corrupção criminosa endêmica a combater e uma crise econômica, financeira, ética e social gigantesca a enfrentar. A moradia do condenado de Curitiba deve ser assunto exclusivo de varas de execução penal e carcereiros.

Quanto aos sinais de depressão, Lula é um depressivo crônico, que costuma enfrentar suas crises com um líquido engarrafado que não é vendido em farmácias, nem para cujo consumo se exige prescrição médica. Não seria o caso de ministrar esse tratamento habitual, pois não consta que seu consumo seja permitido em estabelecimentos penais. De qualquer maneira, quem conhece as predileções do preso, seus carcereiros e os hábitos corriqueiros do Brasil não achará estranho se ele estiver recorrendo à água que passarinho não bebe.

Agora, a cereja do bolo: Gleisi Hoffmann, a senadora petista rebaixada pelas urnas a deputada, diz alimentar esperanças de que Lula seja libertado antes do Natal. "Estamos apostando em um habeas corpus que está no Supremo, que pede a liberdade do presidente Lula. Entendemos que Lula é inocente, não oferece nenhum risco à sociedade para estar em uma prisão em segundo grau. E achamos que o Supremo tem se mostrado recentemente com posições mais garantistas", diz a abilolada, mas, ad cautelam, acrescenta: "Se isso não acontecer, estamos organizando um Natal com Lula".

Seria providencial, mas desde que Gleisi, Dilma, Lindbergh, Pimenta, Haddad e outros sectários notórios da seita do demônio fossem todos trancafiados em celas contíguas à sala de estado maior ocupada por seu amado líder, e com ele ser transferidos para um presídio comum, civil ou militar, até o Cão vir reclamar suas almas imprestáveis. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

DALLAGNOL E A LIBERDADE DE CRITICAR



Em agosto de 2018, a 2ª Turma do STF, com os votos do trio calafrio (Mendes, Toffoli e Lewandowski), retirou do ex-juiz Sérgio Moro, então responsável pelos processos da Lava-Jato em Curitiba, trechos de depoimentos de executivos da Odebrecht que se referiam ao ex-presidente Lula, a pretexto de não terem ligação com a Petrobrás. 

Em entrevista à CBN, o procurador Deltan Dallagnol afirmou que os três de sempre do Supremo Tribunal Federal retiram o que podem das mãos de Moro, dão sempre os habeas corpus e estão sempre se tornando uma panelinha. Dallagnol fez uma ressalva importante: “não estou dizendo que estão mal-intencionados, estou dizendo que objetivamente mandam uma mensagem de leniência”. Mesmo assim, o ministro Dias Toffoli acionou o Conselho Nacional do Ministério Público, que iniciou uma apuração que se transformou em Processo Administrativo Disciplinar contra o coordenador da Lava-Jato em Curitiba.

A liberdade de expressão geral do membro do MPé garantida. E quando ele se pronuncia sobre os processos em que é parte — o que é o caso da entrevista em tela —, acrescenta-se ainda a inviolabilidade, significando que mesmo certas manifestações, que em outras circunstâncias poderiam ser consideradas um ilícito, não o são neste caso. Trata-se de uma ampliação da liberdade; é algo semelhante ao que ocorre, por exemplo, com deputados federais e senadores, a quem o artigo 53 da Constituição torna “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

A inviolabilidade dos membros do MP, ainda que sem a mesma amplitude da que gozam os parlamentares (cuja imunidade, lembramos, é de natureza constitucional), é necessária, pois é natural que o integrante doMinistério Público, como parte nos processos, tenha todo o direito de se manifestar publicamente sobre tais processos e as decisões judiciais neles tomadas. Claro que a crítica não pode ser feita de qualquer forma, pois essa liberdade sofre uma modulação no artigo 43, que lista os deveres dos membros do MP, entre os quais o de “zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções”. Este trecho foi, inclusive, mencionado pelo corregedor Orlando Moreira como tendo sido desrespeitado por Dallagnol em sua entrevista, mas seu entendimento implica uma visão muito restritiva da liberdade de expressão garantida aos membros do MP, pois dá a entender que as críticas a uma decisão judicial, ou mesmo a um conjunto delas, seriam um ataque pessoal aos ministros ou uma desmoralização da instituição judicial.

Decisões judiciais são, sim, passíveis de questionamentos da parte de qualquer cidadão, incluindo autoridades como procuradores da República. A crítica, quando formulada de maneira objetiva, serve como ferramenta de fortalecimento da instituição responsável pela decisão criticada. Se não fosse assim, aos membros do MPsó seriam permitidos elogios, o que, convenhamos, nem exige liberdade de expressão. Aliás, é bom registrar que, não raro, os próprios ministros do STFdirigem-se uns aos outros em termos que, estes sim, extrapolam totalmente qualquer regra de boa convivência — basta lembrar os famosos bate-bocas entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, num dos quais o primeiro acusa o colega de ser “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Todavia, mesmo essas manifestações são protegidas pelos mesmíssimos mecanismos que garantem o direito à expressão por parte de Dallagnol.

Na entrevista, o procurador contestou a decisão propriamente dita, bem como outras da lavra dos mesmos três ministros, sem fazer qualquer julgamento de caráter, deixar de reconhecer a legitimidade do STF para decidir o que decidiu ou manifestar a intenção de desobedecer a decisão. Não há como ver nisso desprestígio ao Poder Judiciário ou comprometimento da imagem institucional do MP.

Dallagnol tem seu direito garantido pela inviolabilidade de que trata a Lei Orgânica do MP — e assim seria ainda que sua crítica fosse infundada, o que não é o caso. Afinal, Mendes e Toffoli, em especial, não têm sido pródigos em conceder habeas corpus, dentro e fora da Lava-Jato? Em junho deste ano, Toffoli não sacou da cartola um habeas corpus “de ofício” (por iniciativa própria) a José Dirceu?

O que os votos de Mendes, Toffoli e Lewandowski têm em comum é sempre a tendência favorável aos réus, sob uma compreensão chamada “garantista” do processo penal, mesmo quando há suficientes evidências de crimes de corrupção. Daí a referência à “mensagem de leniência em favor da corrupção” feita por Dallagnol ser plenamente justificada, especialmente no caso de remessas de delações à Justiça Eleitoral, que só pode julgar os crimes de caixa dois, ignorando totalmente o contexto de corrupção que deu origem ao dinheiro usado ilegalmente nas campanhas, um crime que ficaria impune.

O que temos aqui é uma crítica objetiva a uma decisão do STFem um caso no qual a Lava-Jato atua como parte, crítica essa protegida pela Constituição e pela Lei Orgânica doMinistério Público. Considerar Dallagnol culpado de infração disciplinar, aplicando-lhe uma pena que tem sérias consequências em sua carreira, é um desserviço ao próprio Ministério Público e ao bem comum. Uma punição, neste caso, prejudica o MP porque, com este perigoso precedente aberto, os demais procuradoresacabarão se autopoliciando para evitar processos semelhantes; e prejudica a sociedade, porque a voz do Ministério Público tem sido a sua defesa contra a corrupção. Precisamos que ela continue a ressoar, forte e independente.

Observação: O julgamento do processo administrativo contra Dallagnol, que estava pautado para a sessão da última terça, 11, foi adiado para o próximo dia 18.

Com informações da Gazeta do Povo.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

AINDA SOBRE LULA E A LIMINAR QUE LIVROU DIRCEU DA CADEIA



A decisão de soltar o guerrilheiro de festim, tomada na última terça-feira pela 2ª Turma do STF, não é definitiva. Trata-se de uma liminar em habeas corpus, concedida por 3 votos a 1, a pretexto de “o paciente não ser prejudicado com a suspensão do julgamento” (resultante do pedido de vista do ministro Fachin). O decano da Corte, ministro Celso de Mello, não participou da sessão, mas a maioria “pro reo” teria sido estabelecida mesmo que ele estivesse presente. Aliás, Fachin vem sendo sistematicamente derrotado pelo “trio garantista do Supreminho”, embora isso tenda a mudar a partir de setembro, quando Toffoli assumir a presidência da Corte e a ministra Cármen Lúcia, atual presidente, substituí-lo na 2ª Turma — como se vê, há males que vêm para o bem.

Dirceu foi condenado a 30 anos e 9 meses de prisão, e as chances de a sentença ser revertida nas instâncias superiores são pífias. Mas a Constituição reza que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, a despeito de a jurisprudência vigente no Supremo ser de que, uma vez condenado por um juízo colegiado, o réu pode começar a cumprir a pena, sem prejuízo de poder recorrer às instâncias superiores. Como se sabe, esse entendimento não é pacífico e vem suscitando frequentes rusgas entre alguns ministros, notadamente entre Gilmar Mendes, o laxante togado, e seu colega Luis Roberto Barroso, que classificou recentemente o “ministro-deus” de “mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia.

O ministro Edson Fachin pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso, mas não sem que Toffoli, relator da ação, propusesse a concessão de uma liminar para que Dirceu permanecesse fora da cadeia até, pelo menos, o mérito da reclamação ser julgado — no que foi prontamente acompanhado por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Daí o placar de 3 votos a 1, sendo de Fachin o único voto contra a liminar. 

Quando Fachin liberar a ação para julgamento de mérito, é possível que Dirceu continue livre, leve e solto até sabe Deus quando. Como dito linhas atrás, além do princípio constitucional da presunção de inocência, há que se levar em conta que a jurisprudência vigente no Supremo permite ao colegiado que condenou o réu determinar ou não a prisão sua prisão. Foi essa “possibilidade” que colocou Lula na cadeia em abril, já que o TRF-4 determinou ao juiz Sérgio Moro que expedisse o competente mandado de prisão contra o petralha.

O fato de Dirceu ter sido beneficiado pela tal liminar não significa necessariamente que Lula também o será (aliás, Lula já foi beneficiado por uma medida semelhante, por ocasião do julgamento de um pedido de habeas corpus preventivo, às vésperas da Semana Santa). Mas onde há fumaça, há fogo, diz um velho ditado.  

Na reclamação que resultou na concessão da liminar a Dirceu, seus advogados alegam que a possibilidade de detenção após condenações em segunda instância é apenas uma possibilidade — e não uma obrigatoriedade —, e que, nestes casos, a prisão deve ser fundamentada. Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli pensam exatamente desse modo sobre as prisões após sentença de segundo grau, e Celso de Mello parece rezar pela mesma cartilha, embora dê uma no cravo e duas na ferradura.

O plenário do Supremo já decidiu que não é preciso fundamentação às ordens de prisão de condenados em segunda instância, mas os “garantistas” de plantão têm manifestado publicamente que, para eles, a questão está em aberto e será analisada novamente em breve. Assim, aplicam seu entendimento em casos concretos envolvendo prisões após sentença de segundo grau.

Como se não bastasse, a defesa de Dirceu sustenta que, ao autorizar a prisão do ex-chefe de Toffoli após sua condenação em segunda instância, o TRF-4 desrespeitou uma decisão tomada em abril de 2017 pela própria 2ª Turma do STF, que lhe concedeu um habeas corpus e converteu sua prisão em medidas alternativas — Mendes, Lewandowski e Toffoli votaram pela soltura do guerrilheiro do povo brasileiro” naquela ocasião.

Observação: A Justiça do DF deu prazo de cinco dias para Dirceu se apresentar ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba. A determinação é da juíza Leila Cury, da Vara de Execuções Penais, segundo a qual cabe à Justiça paranaense determinar quais medidas cautelares devem ser aplicadas durante a soltura — "inclusive para instalação de nova tornozeleira eletrônica, se for o caso”. Com isso, as regras de cumprimento da liberdade devem ficar a cargo da 13ª Vara Federal do Paraná, onde o processo teve início. Caberá ao juiz Moro, inclusive, determinar onde o ex-ministro ficará morando enquanto aguarda o fim do julgamento.

É preocupante é o fato de essa decisão da segunda turma afetar todo o conceito de prisão em segunda instância no Brasil, em especial nos casos da Lava-Jato e, sobretudo, no do demiurgo de Garanhuns, que não só pleiteia aguardar em liberdade o julgamento de seus infindáveis recursos, mas também quer disputar as próximas eleições. Como a questão ainda não foi revista pelo plenário do Supremo — o que teria efeito vinculante, ou seja, valeria para todos os casos análogos —, a liminar concedida a Dirceu afronta a súmula do TRF-4 que determina especificamente a prisão de condenados após esgotados os recursos na segunda instância do Judiciário. Por outro lado, a maioria dos ministros parece inclinada a entender que a prisão não pode ser automática, pois há necessidade de fundamentação. Por essas e outras, a insegurança jurídica campeia solta.

Observação: A decisão reabriu o debate sobre prisões após condenação em segundo grau. “Enquanto essas ADCs não forem julgadas, esse tema ficará em aberto e as turmas e os magistrados não estão adstritos a um julgamento específico tomado em plenário. Urge, e faço eco às palavras do ministro Marco Aurélio, já tarda o julgamento das ADCs”, disse Ricardo Lewandowski.

Voltando ao caso específico de Lula, a concessão da liminar a Dirceu sugere que, se o julgamento do recurso do molusco não tivesse sido retirado da pauta, o sacripanta provavelmente teria sido solto. Daí porque Fachin resolveu enviar o caso ao plenário; se o submetesse à 2ª Turma (como queria a defesa do criminoso), ele certamente seria voto vencido. E como o ministro deu prazo de 15 dias para o Ministério Público se manifestar, o recesso do Judiciário, que começa no final desta semana, nunca veio em momento tão oportuno.


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terça-feira, 8 de maio de 2018

SOBRE A AMEAÇA DA INTERVENÇÃO MILITAR



Se as forças armadas assumissem o governo, fechassem o Congresso, o STF, e mandassem essa corja toda para o xadrez, quantos brasileiros ficariam a favor dos militares? É difícil dizer. Mas o número de pessoas que vê a intervenção militar como a única solução para limpar a estrabaria em que se transformou o poder público tupiniquim cresce a olhos vistos a cada dia que passa.

Sempre tive comigo que a pior democracia ainda é melhor que a melhor das ditaduras, e que os militares não são imunes à corrupção nem à picada da mosca azul. Aliás, a história ensina que eles vêm para ficar pouco tempo, mas se entronizam no poder, prendem, arrebentam e não resolvem merda nenhuma. De uns tempos a esta parte, no entanto, venho repensando esses conceitos.

Com a possível exceção da extrema direita, ninguém gosta de falar abertamente em intervenção militar, regime militar, ditadura militar. É preciso ficar contra, é claro, mas ficar contra agora pode ser um problemão depois, se um dia a casa cair. Por isso, como ressalta o jornalista J.R. Guzzo em mais um artigo magistral, publicado na edição impressa de Veja desta semana, quem tem algum interesse em política já não se sente desconfortável em tocar no assunto, sobretudo se não tiver mais paciência com o lixo que as mais altas autoridades produzem sem parar e despejam todos os dias à sua porta.

Avança a passos de gigante o número de cidadãos que veem com bons olhos a possibilidade de os militares promoverem uma faxina em regra no que é hoje a vida pública neste país. O assunto é espinhoso, e discuti-los abertamente é como falar em corda em casa de enforcado. Mas não é assobiando que se espanta a assombração, nem fazendo cara de preocupado em programas de TV ou escrevendo artigos para pedir aos militares, por favor, que respeitem a Constituição, as instituições e os monstros que ambas pariram e hoje estão soltos por aí.

Embora não haja dados oficiais ― até porque os institutos de pesquisa não fazem a pergunta, talvez por medo de ouvir a resposta ―, imagina-se que uma parte significativa da população receberia com uma salva de palmas as imagens de tanques rolando nas ruas e políticos, ministros supremos e empreiteiros de obras atropelando-se uns aos outros para fugir pela porta dos fundos. E diminui a cada dia o número de pessoas realmente dispostas a brigar pela manutenção dessa democracia que está aí. Afinal, você sairia às ruas para defender, por exemplo, o mandato dos senadores Renan Calheiros, Aécio Neves, Romero Jucá e outros que tais?

Por mais que se faça de conta que as instituições estão funcionando, a classe política perdeu o respeito dos cidadãos deste país. Afinal, se quem deveria manter o regime democrático funcionando se desmoraliza a cada dia e despreza solenemente as regras da democracia, como, então, achar que está tudo bem? Só nossas “autoridades constituídas” dizem que está: como a Constituição proíbe o fechamento do Congresso, do Supremo, etc., imaginam que podem pintar e bordar, que os militares, informados de que existe uma “cláusula pétrea” mandando o Brasil ser uma democracia, continuarão assistindo impassíveis à anarquia promovida por magistrados supremos, ministros de Estado, líderes parlamentares e outros que têm a obrigação de sustentar o cumprimento das leis, mas vivem em colapso moral e não conseguem manter em pé nem mesmo um guarda-sol de praia.

Falam que não se pode confundir a democracia com as pessoas que ocupam cargos de governo ― de outra forma, um regime democrático só existiria numa sociedade de homens justos e racionais ― e que os que estão mandando mal podem ser substituídas através de eleições, processos judiciais e demais mecanismos previstos em lei, e blá, blá, blá... Mas é exatamente isso que vem sendo feito no Brasil, sem sucesso, desde 1985. Nossa democracia faliu. Tenta-se fazê-la funcionar há mais de 30 anos, mas ela não funciona. Talvez seja possível seguir adiante por mais algum tempo, com um remendo aqui e outro ali, mas é indubitável que, neste momento, há menos gente disposta a escorar o que está ruindo do que a chutar o pau da barraca.

O Brasil é um país sui generis. Em qualquer lugar do mundo, golpes são promovidos por quem tem o apoio das forças armadas e quer mandar às favas a Constituição. Aqui, os militares dizem ― com deu a entender semanas atrás o General Villas Boas ― que exigem o cumprimento da Constituição e das leis penais para continuar nos quartéis. Quem está querendo abolir a Constituição e as leis penais são Lula, o PT e seus satélites, que não conseguem sobreviver com as regras atuais ― eles e a cáfila de políticos de todos os partidos que estão com a Justiça seus calcanhares, as empreiteiras de obras públicas, os fornecedores do governo e tantos outros que vivem de rapinar o Tesouro Nacional.

O último esforço (último no sentido de mais recente, não de derradeiro, infelizmente) em favor dessa corja abjeta partiu do trio assombro togadoGilmar, Toffoli e Lewandowski ―, com vistas a tirar Lula da prisão, suprimir provas e anular sua condenação. É o sonho do criminoso de Garanhuns, de seus advogados milionários de Brasília, do PT-PSOL-PCdoB etc. e de dez entre dez bandidos sob ameaça de punição: declarar a Lava-Jato ilegal, sumir com tudo que ela já fez e demitir o juiz Moro a bem do serviço público, juntamente com todos os magistrados que combatem a corrupção no Brasil. Claro que os ministros supremos não dizem isso com essas palavras, e sim estão aplicando o embargo dos embargos do agravo teratológico com efeito suspensório diante da combinação hermenêutica de mutatis mutandis interlocutórios com ora pro nobis infringentes. Nem perca tempo com o vodu jurídico que a mídia repassa com casca e tudo: é pura tapeação para ver se soltam Lula e ajudam a ladroagem a escapar do xadrez e continuar roubando em paz.

Lula e seu sistema de apoio não querem a democracia. Recusam-se a cumprir a lei e a aceitar decisões legítimas da Justiça. Sabem que não têm futuro num regime democrático, com poderes independentes, Lava-Jato, imprensa livre e o restante do pacote. Eles precisam estar no governo, não só para ter empregos, fazer negociatas e ganhar dinheiro da Odebrecht, mas porque estar no poder é a diferença entre estar dentro ou fora da cadeia. É por isso que o deputado petista Wadih Damous disse outro dia que “é preciso fechar o STF” ― depois de reconhecer que o ministro Gilmar Mendes é um aliado do partido.

O mundo político e a elite, caídos de quatro no chão, olham em silencio para tudo isso, aterrorizados por Lula e assustados com a voz da tropa. Quando quiserem reclamar, poderão se ver reclamando sozinhos. E tarde demais.

Com J.R. Guzzo.

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