domingo, 1 de julho de 2018

MARCO AURÉLIO — MISTO DE HIDRA DE LERNA COM O DEUS JANO



Não faz muito tempo, o ministro Luís Roberto Barroso, num memorável bate-boca com Gilmar Mendes, definiu o colega como mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia. Antes disso, numa conceituação igualmente lapidar, o jornalista J.R. Guzzo rotulara o laxante togado de fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país.

Antes de prosseguir, vale abrir um parêntese: no apagar das luzes do primeiro semestre e logo antes do STF entrar em recesso, Gilmar Mendes rejeitou o pedido do PT e do PCdoB que visava suspender as prisões de condenados em segunda instância e apontava omissão da presidente da Corte, por não pautar para julgamento uma ação sobre o tema. O ministro, que passou a ser contrário à prisão após condenação em 2ª instância, afirmou em sua decisão que não houve omissão por parte de Cármen Lúcia. Segundo ele, por mais relevante que possa ser a questão debatida, a Presidência da Corte tem poder de organizar a ordem dos processos a serem julgados, que, no caso concreto, o tempo de pendência da ação anterior é exíguo, e que não se trata de questão ainda não discutida, a merecer uma solução primeira e urgente do tribunal.

Mendes lembrou que o plenário já discutiu várias vezes a possibilidade de prisão em segunda instância e reconheceu que o entendimento atual é no sentido de que não há violação à presunção de inocência (em outubro de 2016, por 6 votos a 5, o pleno negou os pedidos de medida cautelar para barrar a possibilidade de execução provisória de pena, como a prisão, após condenação em segunda instância).

Marco Aurélio já liberou para julgamento o mérito de outras ações sobre o tema, mas Cármen Lúcia — a quem cabe definir a pauta das sessões plenárias — resiste a levar o assunto novamente a julgamento, mas é bom lembrar que, em setembro, Toffoli assumirá a presidência da Corte e a atual presidente ocupará o lugar dele na 2ª turma. Fecho o parêntese e passo ao ministro Marco Aurélio.

Na não menos brilhante definição do jornalista, poeta e escritor José Nêumanne Pinto, o ministro Marco Aurélio Mello é um misto de Hidra de Lerna com corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar — com o deus romano Jano — retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás. Em entrevista a uma emissora de rádio e televisão portuguesa, sua excelência — que foi indicada para o Supremo pelo primo e dublê de ex-presidente impichado, senador e réu Fernando Collor de Mello (que, como Lula, é ficha-suja, mas que, também como Lula, aspira disputar a presidência da Banânia) — afirmou que a prisão do ex-presidente petralha é ilegal, mas que ele é inelegível.

Aqui cabe abrir outro parêntese. Em meio a uma crise política, econômica e ética sem precedentes na nossa história, nosso povo continua mergulhado na ignorância, e os políticos, descolados da realidade. Não espanta, portanto, que 60% dos eleitores não sabem em quem votar — ou tencionam anular o voto, votar em branco ou simplesmente não comparecer às urnas, o que pode produzir um efeito contrário ao desejado por favorecer, ainda que indiretamente, o candidato mais bem colocado. Esse quadro nada alvissareiro, que não se restringe à eleição presidencial, mas também à escolha de governadores, senadores, deputados federais e estaduais, deriva em grande medida da dicotomia fomentada pelo PT sob o comando do demiurgo de Garanhuns — que posa de preso político quando na verdade não passa de um político preso. A se confiar nos institutos de pesquisa, o sevandija vermelho é líder em intenções de voto, o que se deve, também em grande medida, à desinformação da parcela menos favorecida e mais ignorante do eleitorado, que se lembra com saudades do primeiro governo Lula, mas se esquece do Mensalão, da eleição de Dilma, do Petrolão e de todas as mazelas que permearam a história recente deste pobre país.  

Segundo José Nêumanne, no mítico Raso da Catarina do sertão de místicos e cangaceiros, Marco Aurélio surge como um misto do beato Antônio Conselheiro e do cabra Corisco, com o cajado da Constituição numa das mãos e o martelo de juiz outra. Na semana encerrada com seu aparente golpe no cravo e outro na ferradura, seus aliados na 2ª Turma cuspiram nas inúmeras evidências e “coincidências” de depoimentos de delatores premiados para negar, por cinco a zero, punição ao casal Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo. As batatas da vitória foram devoradas no festim (com toda a razão) de seguidores do deus-pai da Petelândia, que atribuíram à notícia o condão mágico de abrir a cela que confina o profeta e anula a profecia.

A decisão de Fachin — mais do que evidente, inevitável — de transferir para o plenário o julgamento da tentativa da defesa de Lula de cancelar a condenação de seu cliente, decidida em primeira e segunda instâncias (por unanimidade), verteu fel no chope da vitória num jogo que nunca foi, nem tinha como ser, preliminar. O relator da Lava-Jato não poderia deixar de fazê-lo, dando sequência à decisão tomada pela vice-presidente do TRF-4. Da mesma forma, o presidente da 2ª TurmaRicardo Lewandowski, que ninguém em sã consciência acusaria de anti lulista — nada poderia fazer senão desmarcar a sessão na qual o pedido em questão seria votado.

Nessa guerra — em que campeiam adiamentos, recursos e chicanas infindáveis —, a defesa de Lula “estranhou” que a desembargadora do TRF-4 tenha tomado sua decisão às vésperas do julgamento já agendado no STF. Ou seja, à falta de fatos e, agora, até de argumentos, restou a Cristiano Zanin exigir do Judiciário que submeta o calendário à conveniência de seu cliente. Fecho o parêntese.

Foi no fragor dessa batalha que o ministro Marco Aurélio transportou para além-mar sua guerrilha particular, ao lado dos companheiros Lewandowski, Gilmar, Celso e Toffoli, que soltam presidiários de colarinho-branco aos magotes, contrariando a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. Ao fazê-lo, o douto membro da colenda Corte a desafia, sobrepondo com arrogância às decisões majoritárias do tribunal as próprias convicções ou seus interesses pessoais, sejam lá quais forem. Destarte, ele confirma o veredicto pouco lisonjeiro (sobre a mais alta instância judiciária) manifestado pelo especialista Joaquim Falcão, da FGV, de que não há um STF uno, mas um conjunto desarmonioso de 11 cabeças — daí a conjunção da Hidra de Lerna com o deus romano Jano.

Processo, para mim, não tem capa. Processo, para mim, tem unicamente conteúdo. Eu não concebo, tendo em conta minha formação jurídica, tendo em conta a minha experiência judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, declarou Mello.

A frase dá definitivamente eco ao discurso dos arautos do profeta de Vila Euclides, segundo os quais este é vítima de uma perseguição contumaz de elites exploradoras que controlam a polícia, o Ministério Público e as duas instâncias iniciais do Judiciário. Ao fazê-lo, o ministro adere à campanha difamatória do PT, que não tem alternativa ao presidiário mais popular do País para disputar a eleição presidencial, no pressuposto de que toda a Justiça se resume ao plenário fracionado da corte real, entendida a palavra como de reis, e não da realidade.

E sem perder o hábito de confundir só para contrariar, Marco Aurélio repetiu o Conselheiro Acácio, ao reafirmar o óbvio ululante da inelegibilidade de Lula.

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