Não faz muito tempo, o ministro Luís Roberto Barroso, num memorável bate-boca com Gilmar Mendes, definiu o colega como mistura
do mal com o atraso e pitadas de psicopatia. Antes disso, numa conceituação igualmente
lapidar, o jornalista J.R. Guzzo rotulara o laxante togado de
fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de
altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país.
Antes de prosseguir, vale abrir um parêntese: no apagar das luzes do primeiro semestre e logo
antes do STF entrar em recesso, Gilmar Mendes rejeitou o pedido do PT e do PCdoB que visava suspender as prisões de condenados em segunda
instância e apontava omissão da presidente da Corte, por não pautar para
julgamento uma ação sobre o tema. O ministro, que passou a ser contrário à
prisão após condenação em 2ª instância, afirmou em sua decisão que não houve
omissão por parte de Cármen Lúcia. Segundo ele, por mais relevante que possa
ser a questão debatida, a Presidência da Corte tem poder de organizar a ordem
dos processos a serem julgados, que, no caso concreto, o tempo de pendência da
ação anterior é exíguo, e que não se trata de questão ainda não discutida, a
merecer uma solução primeira e urgente do tribunal.
Mendes lembrou
que o plenário já discutiu várias vezes a possibilidade de prisão em segunda
instância e reconheceu que o entendimento atual é no sentido de que não há
violação à presunção de inocência (em outubro de 2016, por 6 votos a 5, o pleno
negou os pedidos de medida cautelar para barrar a possibilidade de execução
provisória de pena, como a prisão, após condenação em segunda instância).
Marco Aurélio já
liberou para julgamento o mérito de outras ações sobre o tema, mas Cármen Lúcia — a quem cabe definir a
pauta das sessões plenárias — resiste a levar o assunto novamente a julgamento,
mas é bom lembrar que, em setembro, Toffoli
assumirá a presidência da Corte e a atual presidente ocupará o lugar dele na 2ª
turma. Fecho o parêntese e passo ao ministro Marco Aurélio.
Na não menos brilhante definição do jornalista, poeta e
escritor José Nêumanne Pinto, o ministro Marco Aurélio Mello é um
misto de Hidra de Lerna —
com corpo de dragão,
hálito venenoso e nove cabeças
de serpente capazes de se regenerar — com o deus romano Jano — retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a
outra, para trás. Em entrevista a uma emissora de rádio e televisão
portuguesa, sua excelência — que foi indicada para o Supremo pelo primo e dublê de ex-presidente impichado, senador e réu
Fernando Collor de Mello (que, como Lula, é ficha-suja, mas que, também
como Lula, aspira disputar a presidência
da Banânia) — afirmou que a prisão do ex-presidente petralha é ilegal, mas que ele
é inelegível.
Aqui cabe abrir outro parêntese. Em meio a uma crise política,
econômica e ética sem precedentes na nossa história, nosso povo continua
mergulhado na ignorância, e os políticos, descolados da realidade. Não espanta,
portanto, que 60% dos eleitores não sabem em quem votar — ou tencionam anular o
voto, votar em branco ou simplesmente não comparecer às urnas, o que pode produzir
um efeito contrário ao desejado por favorecer, ainda que indiretamente, o
candidato mais bem colocado. Esse quadro nada alvissareiro, que não se restringe à
eleição presidencial, mas também à escolha de governadores, senadores,
deputados federais e estaduais, deriva em grande medida da dicotomia fomentada
pelo PT sob o comando do demiurgo de Garanhuns — que posa de preso político quando na verdade não
passa de um político preso. A se
confiar nos institutos de pesquisa, o sevandija vermelho é líder em intenções
de voto, o que se deve, também em grande medida, à desinformação da parcela
menos favorecida e mais ignorante do eleitorado, que se lembra com saudades do
primeiro governo Lula, mas se
esquece do Mensalão, da eleição de Dilma, do Petrolão e de todas as mazelas que permearam a história recente
deste pobre país.
Segundo José Nêumanne,
no mítico Raso da Catarina do sertão
de místicos e cangaceiros, Marco Aurélio
surge como um misto do beato Antônio
Conselheiro e do cabra Corisco, com
o cajado da Constituição numa das mãos e o martelo de juiz outra. Na semana
encerrada com seu aparente golpe no cravo e outro na ferradura, seus aliados na
2ª Turma cuspiram nas inúmeras
evidências e “coincidências” de depoimentos de delatores premiados para negar,
por cinco a zero, punição ao casal Gleisi
Hoffmann e Paulo Bernardo. As
batatas da vitória foram devoradas no festim (com toda a razão) de seguidores
do deus-pai da Petelândia, que atribuíram à notícia o condão mágico de abrir a
cela que confina o profeta e anula a profecia.
A decisão de Fachin
— mais do que evidente, inevitável — de transferir para o plenário o julgamento
da tentativa da defesa de Lula de
cancelar a condenação de seu cliente, decidida em primeira e segunda instâncias
(por unanimidade), verteu fel no chope da vitória num jogo que nunca foi, nem
tinha como ser, preliminar. O relator da Lava-Jato
não poderia deixar de fazê-lo, dando sequência à decisão
tomada pela vice-presidente do TRF-4. Da mesma forma, o presidente da 2ª Turma — Ricardo Lewandowski, que ninguém em sã consciência acusaria de anti
lulista — nada poderia fazer senão desmarcar a sessão na qual o pedido em
questão seria votado.
Nessa guerra — em que campeiam adiamentos, recursos e
chicanas infindáveis —, a defesa de Lula
“estranhou” que a desembargadora do TRF-4
tenha tomado sua decisão às vésperas do julgamento já agendado no STF. Ou seja, à falta de fatos e,
agora, até de argumentos, restou a Cristiano
Zanin exigir do Judiciário que submeta o calendário à conveniência de seu
cliente. Fecho o parêntese.
Foi no fragor dessa batalha que o ministro Marco Aurélio transportou para além-mar
sua guerrilha particular, ao lado dos companheiros Lewandowski, Gilmar, Celso e Toffoli, que soltam presidiários de colarinho-branco aos magotes,
contrariando a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda
instância. Ao fazê-lo, o douto membro da colenda Corte a desafia, sobrepondo
com arrogância às decisões majoritárias do tribunal as próprias convicções ou
seus interesses pessoais, sejam lá quais forem. Destarte, ele confirma o
veredicto pouco lisonjeiro (sobre a mais alta instância judiciária) manifestado
pelo especialista Joaquim Falcão, da
FGV, de que não há um STF uno, mas um conjunto desarmonioso
de 11 cabeças — daí a conjunção da Hidra
de Lerna com o deus romano Jano.
“Processo, para mim,
não tem capa. Processo, para mim, tem unicamente conteúdo. Eu não concebo,
tendo em conta minha formação jurídica, tendo em conta a minha experiência
judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, declarou Mello.
A frase dá definitivamente eco ao discurso dos arautos do
profeta de Vila Euclides, segundo os
quais este é vítima de uma perseguição contumaz de elites exploradoras que
controlam a polícia, o Ministério Público e as duas instâncias iniciais do
Judiciário. Ao fazê-lo, o ministro adere à campanha difamatória do PT, que não tem alternativa ao
presidiário mais popular do País para disputar a eleição presidencial, no
pressuposto de que toda a Justiça se resume ao plenário fracionado da corte
real, entendida a palavra como de reis, e não da realidade.
E sem perder o hábito de confundir só para contrariar, Marco Aurélio repetiu o Conselheiro Acácio, ao reafirmar o óbvio ululante da inelegibilidade de Lula.
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