Dos
três processos que tramitam contra Lula
na 13ª Vara Federal em Curitiba, o
primeiro, envolvendo o folclórico tríplex no Guarujá, foi julgado em abril de
2017 e resultou na condenação do molusco a 9 anos e meio de prisão em regime
fechado. Em janeiro deste ano, o TRF-4
não só ratificou a decisão de primeira instância como aumentou a pena de 9 anos e meio para
12 anos e 1 mês.
Nos próximos dias, o juiz federal Sérgio Moro julgará a ação que o
petista responde pela cobertura vizinha à sua em SBC e o terreno onde seria
construído o novo Instituto Lula, que,
de acordo o Ministério Público, foram fruto de propina da Odebrecht. Também neste mês de novembro, depois de ouvir o patriarca da Odebrecht e seu filho Marcelo (a audiência está marcada para
o próximo dia 5), Moro deverá colher
o depoimento do ex-presidente (provavelmente no dia 14) nos autos do processo
que trata do famoso sítio Santa Bárbara,
em Atibaia. Além deles, serão ouvidos o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro e dois
grandes amigos de Lula: o advogado Roberto Teixeira e o pecuarista José Carlos Bumlai. O depoimento já era
para ter acontecido, mas, para evitar qualquer tipo de exploração eleitoral, o
magistrado achou por bem adiar o julgamento para depois do segundo turno das
eleições.
Não me cabe prejulgar os feitos, naturalmente, mas, até onde eu sei, as acusações são robustas, a exemplo das possibilidades de o deus
pai da Petelândia vir a ser novamente condenado. Daí podermos dizer sem medo de errar que situação da autodeclarada “alma viva mais honesta da galáxia” não é das mais confortáveis.
A começar pelo fato de ele estar preso desde o dia 7 de abril numa cela
especial da Superintendência da PF
em Curitiba. Por que Lula não está no Complexo
Médico-Penal em Pinhais, na região metropolitana da capital paranaense? Bem,
essa é uma boa pergunta. No despacho expedido por ocasião da prisão do condenado,
Moro determinou que ele ficasse
hospedado nessa espécie de Sala de Estado Maior “em razão da dignidade do cargo
ocupado”, bem como para evitar riscos a sua integridade moral ou física. Mas nunca é
demais lembrar que não estamos falando de
um preso político, mas de um político preso que conspurcou a Presidência,
aparelhou as Instituições e rapinou a Petrobrás e outras estatais para manter
seu espúrio projeto de poder. Onde a dignidade, cara pálida?
A conversa está boa e poderia seguir adiante indefinidamente, pois assunto é o que não falta. No entanto, considerando que resolvi compartilhar com vocês mais uma
pérola da lavra de J.R. Guzzo — cujo
texto, aliás, é bastante extenso —, passo desde logo a palavra ao
colunista, diretor do grupo EXAME e
membro do conselho Editora Abril:
Quatro anos atrás, apenas quatro anos
atrás, o ex-presidente Lula estava
no topo do mundo — ou, pelo menos, acreditava que não havia ninguém acima dele
no resto do planeta. Tinha sido presidente da República, eleito e reeleito, por
oito anos seguidos. Nesse período, por uma razão ou outra, convenceu os grandes
colossos do pensamento político brasileiro e internacional de que seu governo
havia sido um fabuloso sucesso, e de que ele, pessoalmente, era um novo Stupor
Mundi, o “Espanto do Mundo” neste
despertar do século XXI. “He’s the man”, disse dele Barack Obama —
ele é “o cara”. Outros altos lordes da cena mundial, do secretário-geral da ONU
ao Santo Padre o Papa, lhe prestavam homenagem. Economistas, sociólogos e
filósofos acreditavam que Lula
conseguira “avanços sociais” inéditos para o Brasil — uma combinação rara de
distribuição de renda, eliminação da pobreza e progresso econômico. Tinha
eleito sua sucessora Dilma Rousseff,
uma nulidade da qual ninguém jamais ouvira falar — e, mais ainda, conseguira o
quase milagre da sua reeleição, em 2014. Tinha sobrevivido a pelo menos um
escândalo gigante, o da corrupção em massa de parlamentares do mensalão. Tinha
descoberto o pré-sal e ia fazer o Brasil entrar na Opep. Tinha construído um estádio bilionário para o Sport Club Corinthians Paulista.
Neste domingo, ao se
encerrar a apuração do segundo turno da eleição presidencial de 2018, Lula estava na lona — ou, se quiserem,
continuava na sua viagem rumo ao fundo do poço, que ele iniciou dois ou três
anos atrás e imaginou que fosse capaz de interromper com uma vitória eleitoral
milagrosa. Seu candidato, Fernando
Haddad, foi derrotado por um adversário que até seis meses atrás não
existia na política brasileira. Confirmou-se, no segundo turno, o que foi
anunciado no primeiro: Lula, hoje, é
uma garantia de derrota para tudo o que aparece ligado ao seu nome. Quer ganhar
uma eleição? Mostre ao eleitorado, como fez Jair Bolsonaro, que você é 100% contra Lula. Seu partido virou picadinho. Sua reputação continua em
ruínas, e só afundou mais com a ação arruaceira do PT para tumultuar o pleito. Pior que tudo, Lula sai das eleições no mesmo lugar onde estava quando entrou
nelas: na cadeia, cumprindo há sete meses uma pena de doze anos por corrupção e
lavagem de dinheiro. Após mais de trinta anos no centro das decisões, pode
estar a caminho de ser eliminado como uma força ativa na vida política do
Brasil.
O que aconteceu com Lula e com o PT em tão pouco tempo? É extraordinariamente pesado para Lula, depois de usar um maciço sistema
de forças, pressões e dinheiro para convencer o público de que é um “preso
político” condenado sem “provas”, receber a sentença que ele recebeu do
eleitorado brasileiro: não, não queremos mais que você seja presidente;
queremos, isto sim, que você continue na cadeia. Está na cara que em algum
momento, entre as alturas de 2014 e o desastre da eleição de 2018, alguma coisa
deu horrivelmente errado. O que foi?
Na verdade, muitas
coisas deram errado — ou, mais exatamente, quase nada mais deu certo desde o
momento em que, já no segundo governo Dilma,
a Justiça brasileira começou a investigar de verdade a corrupção no governo. A Operação Lava-Jato foi um terremoto em
câmera lenta. Continua até hoje a mandar gente para a penitenciária, mas, no
início, praticamente ninguém acreditava que aquilo fosse dar em alguma coisa.
Nunca tinha dado. Por que iria dar agora?
Pior que estar errado
é continuar errando, e nisso Lula
tem se mostrado insuperável ao longo de seus anos de desmanche. Não é tão
complicado assim entender o porquê. Um dos problemas do ex-presidente é essa
coisa de dizerem o tempo todo que ele é um gênio da política, um cérebro com
capacidade sobrenatural para sair ganhando de qualquer desastre em que se mete.
Falam assim os devotos, os admiradores liberais, a mídia, o mundo e os
adversários. A complicação é que o ex-presidente acredita nisso tudo. Parece
não compreender que, quando os entendidos em política anunciam que Lula é capaz de voar, quem tem de
acreditar é a plateia, não ele. Mas Lula
acredita — e, como não voa, só pode mesmo acabar despencando no chão.
Talvez ninguém tenha
resumido a situação tão bem quanto o senador eleito Cid Gomes, do Ceará, ao ser confrontado por um pelotão de fiéis que
gritavam “Lula, Lula”, logo após o
naufrágio no primeiro turno. “O Lula
está na cadeia, babaca”. Acontece que a Lava-Jato
e o trabalho do juiz Sergio Moro,
mais o Ministério Público, a Polícia Federal e o TRF-4 de Porto Alegre,
acabaram, sim, dando em muita coisa — na verdade, jamais uma ação do Judiciário
brasileiro deu em tanta coisa. Eventualmente, com o tempo, mostraram que o rei
estava nu, ao provar que nos governos de Lula
e de Dilma a prática da corrupção
superou a roubalheira de qualquer outra época, talvez em qualquer lugar do
mundo. Lula esteve entre os que não
acreditaram que a terra começava a tremer. Estava errado.
Sua principal
conquista, hoje, se resume a sair um dia da prisão — pouca coisa para quem já
esteve na primeiríssima classe da vida. O fato é que o ex-presidente não soube
reagir quando começou a sofrer derrotas, e a melhor demonstração disso é que
não quis, em nenhum momento, admitir que tinha sido derrotado em alguma coisa.
Em vez disso, e de pensar com seriedade nas causas de seus problemas, resolveu
embarcar num cruzeiro de ilusões. Problema? Que problema? No primeiro tombo
complicado, no episódio do Mensalão,
começou dizendo que tinha sido “apunhalado pelas costas” e que o povo merecia
“desculpas” — mas, um minuto depois de ver que ia escapar do desastre a preço
de custo, voltou atrás e passou a jurar que não havia acontecido nada de
errado, imaginem só que absurdo. Daí em diante, nunca mais acertou o passo.
Como se livrou do primeiro desastre, achou que iria se livrar de todos — só
que, na vida real, não estava se livrando de nada. Estava apenas aumentando o
tamanho do buraco em que tinha se enfiado.
A sequência é bem
conhecida. Lula errou horrendamente
quando escolheu Dilma para guardar
sua cadeira de presidente por quatro anos. Errou de novo quando ela não quis
sair e inventou de ser reeleita; em vez de exigir que o “poste” fosse embora
para que ele próprio se lançasse candidato à Presidência, como planejava, fez
de conta que estava tudo bem. Seguiu-se, daí, a maior calamidade que Lula e o PT poderiam esperar — Dilma
foi um desastre ainda pior depois da reeleição, e tanto ele como o partido
ficaram olhando, sem fazer nada, enquanto a grande “gerente” mandava tudo para
o espaço. Quando o povo foi para a rua, em multidões cada vez maiores, Lula e o PT decidiram que não estava acontecendo nada; era só um bando de
“coxinhas” fazendo barulho no domingão. Quando perceberam, enfim, que aquilo
tudo estava simplesmente levando ao impeachment de Dilma, perderam de novo. Lula
tentou ser ministro — foi barrado pela Justiça, que a essa altura já estava
roncando à sua volta. Mudou-se para Brasília, imaginando que tinha poder para
virar a votação no Congresso a favor de Dilma.
A sucessora acabou deposta por quase três quartos dos votos.
Não passou pela cabeça
de Lula nem pela dos dirigentes do PT, a essa altura, que a situação toda
estava indo para o saco. Ao contrário: acharam que a grande ideia era “ir para
cima” e balançar ainda mais o barco. Inventou-se a lenda do golpe — não colou. Partiram
para uma briga com a opinião pública, do tipo “ou eu ou ele”, entre Lula e Sergio Moro, o “juizinho do interior” — deu Moro, disparado. Em vez de montar uma defesa jurídica profissional,
técnica e voltada para a eficácia, Lula
decidiu transformar seu processo numa “causa política”, sonhando que “a
população” fosse bloquear o trabalho normal da Justiça e salvar o seu couro —
apesar de todas as provas de que “a população”, já fazia muito tempo, estava
pouco ligando para o que lhe acontecia. Ficou apostando em safar-se com
trapaças jurídicas miúdas, ou com traficâncias no submundo dos tribunais
superiores, ou com acertos secretos na “segunda turma” do STF — capaz, no imaginário petista, de salvar da cadeia não só Lula, mas quem Lula mandasse ser salvo. Não deu em nada. Com ele já trancado em
sua cela em Curitiba, montou-se a fantasia de um acampamento gigante em torno
da prisão, que ali ficaria “até Lula
ser solto”. No seu momento de maior esplendor, o cerco reuniu 500 pessoas.
Chegou a ficar com setenta. Há muito tempo não existe mais. A “convulsão
social” com “derramamento de sangue” prometida pelo alto-comando do PT jamais apareceu. “A ONU” mandou
soltar Lula, anunciou-se através do
mundo. Ninguém ligou — possivelmente nem a ONU.
A última tentativa de
virar o jogo, com a campanha eleitoral, teve o seu desfecho neste domingo, com
o resultado que se sabe. Como em quase tudo o que tem acontecido com Lula e o PT no passado recente, foi uma sucessão de erros, cegueira e
ilusões. Começou com a alucinação de que Lula,
preso e condenado em duas instâncias a doze anos de xadrez, seria o candidato
do partido. Daí em diante só piorou. Em nenhum momento o ex-presidente tentou
entender por que, afinal de contas, tanta gente estava querendo votar em Jair Bolsonaro. Nem ele nem o seu
sistema de apoio se interessaram em pensar um pouco nas propostas do adversário
— e muito menos em propor alguma alternativa a elas. Ficaram repetindo, do
começo ao fim, a mesma lista de acusações a Bolsonaro, apesar do evidente pouco-caso da maioria do eleitorado
em relação a todas elas — homofobia, racismo, fascismo, elogio à tortura,
desprezo à mulher, defesa do porte de armas, intenção de criar uma ditadura no
Brasil. Deram a impressão de não ter percebido que nada disso tirou um voto sequer
do concorrente. Nem mesmo notaram a realidade básica de que não podiam tratar
como “inimigo”, ou “ameaça”, um candidato que não era nem inimigo nem ameaça
para os 50 milhões de brasileiros que votaram nele no primeiro turno. Onde está
o “gênio político” que não prestou atenção a nenhuma dessas coisas?
Lula e o PT tiveram uma ilusão fatal, também,
com a sua celebradíssima capacidade de “transferir votos” e de transformar
“postes” em governantes vitoriosos. Há transferência a favor, claro, mas hoje
em dia o problema é que Lula, ao mesmo tempo, transfere voto contra para os
seus candidatos; ganha um, perde dois. Já transferiu com sucesso votos para Dilma e para o próprio Fernando Haddad, presenteado com a
prefeitura de São Paulo. Mas aí era outro Lula.
Já há dois anos, na última vez que se pôde medir seu condão de transferir
votos, não transferiu nada — não funcionou, aliás, com o mesmo Haddad, que perdeu a prefeitura no
primeiro turno para um adversário que nunca tinha disputado uma eleição na
vida. O PT, nas eleições municipais
de 2016, foi moído nas urnas. Lula,
a essa altura, era um Lula a caminho
da cadeia; já não conseguia eleger postes, como não elegeu agora. A ficha
demorou a cair. A votação do primeiro turno avisou: “Fora, Lula”. E qual a primeira coisa que Haddad fez logo depois de ter ouvido esse recado? Foi visitar Lula na cadeia.
Houve uma tentativa
aparentemente desesperada, aí, para virar a casaca — mas já era tarde demais.
Os cérebros estratégicos do partido acharam melhor, no segundo turno, que Haddad se transformasse num personagem
de ficção, inexistente até a véspera. Queriam que ele aparecesse, de repente,
como um sujeito que não tinha nada a ver com Lula. Tiraram o nome do ex-presidente da campanha, e sumiram as
máscaras com o rosto de Lula
sobrepondo-se ao de Haddad. O
vermelho foi suprimido da paleta de cores do PT — tudo ficou subitamente verde-amarelo. O programa do candidato
foi mudado: apagaram alguns dos pontos mais claramente suicidas e instruíram o
até então Lula-Haddad-Lula-Haddad-Lula-Haddad
a fazer uma cara de Fernando Henrique.
Perda de tempo. Galinha que anda com pato, como ensina o dito popular, acaba
morrendo afogada. Haddad andou tanto
com Lula que acabou entrando na água
com ele. Entrou vestido de verde-amarelo, mas a roupa a essa altura não
adiantava mais nada. Também não adiantou fingir que era Haddad.
Em seu desabamento
progressivo, Lula, com a ajuda
empolgada do PT, quis representar o
papel de mártir. Péssima ideia. Brasileiro, no fundo, não gosta de gente que
está na cadeia. Não acha que as penitenciárias estejam cheias de injustiçados. Pelo
contrário: acha que há muita gente culpada do lado de fora. Para a maioria do
eleitorado, Lula não é vítima nem
preso político. É só um político ladrão que foi condenado — como deveriam ser
nove entre dez dos que continuam soltos. Não é um julgamento sereno, mas é
assim que a massa pensa e continuará pensando, e vai apenas perder seu tempo
quem quiser convencê-la do contrário. Revela muito da decomposição política de Lula e do PT o fato de terem achado que uma cela de cadeia é um lugar capaz
de despertar admiração no povo ou de servir como centro de comando de uma
campanha eleitoral.
A vida é cheia de
surpresas, como acaba de mostrar a eleição de Bolsonaro, e coisas que nunca aconteceram antes sempre podem
acontecer um dia. Lula e seu
complexo de forças, mais a quase totalidade dos que se dedicam a explicar o que
ocorre na política brasileira, precisariam recomeçar do zero para ter alguma
chance de entender, algum dia, o que está havendo com o Brasil de 2018 — e o
que pode vir pela frente. Há várias maneiras de fazer isso, mas uma delas,
certamente, é admitir que existe neste país uma imensa quantidade de gente
inconformada com quase tudo o que o poder público lhe serviu nos últimos trinta
anos, de José Sarney a Michel Temer. Os políticos perderam o
controle das ruas — e para a esquerda, que sempre imaginou que a rua estaria do
seu lado, a perda é uma calamidade ainda maior. O fato real é que Lula e seu partido não têm mais nada a
ver com a massa, como não tinham nas manifestações de 2015 e 2016. Quem leva
gente à praça pública, hoje, é o presidente eleito Jair Bolsonaro. Enquanto essa realidade não for encarada com
firmeza, ele continuará sem competição verdadeira.