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sábado, 20 de julho de 2019

AINDA SOBRE O PRESIDENTE DO SUPREMO E SUA CONTROVERSA LIMINAR



Dias atrás eu comentei que os recessos do Judiciário têm ensejado surpresas quase sempre desagradáveis. Foi assim em julho do ano passado, quando o plantonista petista do TRF-4, Rogério Favreto, mandou soltar o criminoso Lula, e em dezembro, quando o ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma estapafúrdia liminar que, se não tivesse sido cassada pelo presidente-plantonista Dias Toffoli, resultaria a libertação de mais de 170 mil condenados em segunda instância que aguardam na cadeia o julgamento de seus recursos.

Agora é o próprio Toffoli que busca superar essas liminares asininas. Valendo-se do plantão e da hermenêutica e a pretexto de atender um pedido de Flávio Bolsonaro, o supremo togado suspendeu liminarmente todos os processos em que houve compartilhamento de informações fiscais e bancárias pelo Coaf sem prévia autorização judicial.

A exemplo dos desdobramentos da Vaza-Jato de Verdevaldo, discorrer sobre esse assunto exige doses cavalares de metoclopramida (princípio ativo do Plasil), mas vamos lá: A decisão monocrática de Toffoli não só compromete as investigações da Lava-Jato e os processos delas decorrentes, como também pode resultar sanções internacionais (o entendimento do ministro vai de encontro a diretrizes estabelecidas por organismos intergovernamentais, como o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo) e favorecer aqueles que rapinaram e rapinam o Erário.

Ao contrariar a decisão colegiada que o STF tomou em 2016, Toffoli não beneficia somente o zero um, mas também outros acusados de crime contra o sistema financeiro a partir de dados repassados diretamente pelo Coaf. Pelo princípio da isonomia, a liminar alcança um sem-número de criminosos, de traficantes a terroristas. É crucial, portanto, que o plenário do Supremo se manifeste o quanto antes sobre o compartilhamento de provas em investigação criminal, e não somente no final de novembro.

Observação: O ativismo de Toffoli no plantão de férias causou enorme desconforto entre seus pares. Alguns já falam em antecipar a deliberação do plenário sobre a esdrúxula liminar do plantonista, que, em seu despacho, anotou que o tema será analisado pelo colegiado somente em 21 de novembro. A ala incomodada deseja adiantar o relógio, antecipando o julgamento para o mês que vem, tão logo o tribunal retorne do recesso, já que a demora pode arruinar investigações e carbonizar a já combalida imagem da corte. A preocupação dos ministros aumentou depois que a PF, em cumprimento à ordem bizarra de Toffoli, suspendeu todas as investigações que se serviram de dados repassados pelo Coaf, pela Receita e pelo Bacen, para gáudio de toda sorte de bandidos — de sonegadores a traficantes. Disseminam-se entre os supremos togados críticas à forma como seu presidente agiu, desfazendo sozinho procedimentos validades em pelo menos três julgamentos colegiados — dois na 1ª Turma e um no plenário, com voto favorável do próprio Toffoli. Um ministro que sabe fazer contas estima que a liminar asnática que brecou investigação contra Flávio Bolsonaro e uma legião de suspeitos deve cair, e aposta no placar de 6 a 5.

No mínimo, seria preciso definir o que acontece com os processos que estão suspensos — a tese dos advogados dos investigados é que eles não poderão ser retomados, mesmo com a autorização judicial, pois os dados já revelados invalidam as provas. Por outro lado, diversos juristas entendem que, mesmo se o plenário aderir à tese de Toffoli, as ações podem ser retomadas, desde que adequadas às novas normas. Ministros do próprio STF, como Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello, consideram que nenhum dado, mesmo genérico, pode ser entregue pelo Coaf sem decisão judicial, mas, mesmo assim, Marco Aurélio vê indícios de inconstitucionalidade na decisão monocrática do presidente da Corte.

O Supremo já autorizou, em diversas oportunidades, investigações das operações atípicas detectadas pelo Coaf sem necessariamente passar pela autorização judicial. Desde que o plenário deliberou, por 9 votos a 2, que os órgãos de investigação podem receber dados de movimentações consideradas suspeitas, o Coaf tem enviado informações detalhadas dos gastos dos investigados sem autorização da Justiça, o que tecnicamente não significa quebra do sigilo bancário.

Toffoli, que em 2016 votou a favor dessas investigações, agora entende — ou pelo menos é isso que se infere de sua liminar — que as informações devem ser fornecidas em números globais, e o detalhamento, só com decisão judicial. Em prevalecendo essa tese, a agilidade das investigações restará prejudicada, pois adicionará mais uma etapa burocrática que pode retardar a ação da PF e/ou do MP no combate ao narcotráfico e crimes de lavagem de dinheiro. De novo: é fundamental que o plenário liquide essa fatura o quanto antes, sob pena de o país ser punido tanto pela inviabilização do combate aos crimes financeiros quando pela rejeição de órgãos internacionais como a OCDE, que exigem legislação dura contra a lavagem de dinheiro internacional.

Em sua participação no Jornal da Gazeta de ontem, José Nêumanne pondera que reportagem da Crusoé é lógica e verossímil. Não dá para duvidar que Toffoli atropelou seus pares do STF tomando a decisão maluca de destroçar o combate ao crime organizado e a corrupção no Brasil para blindar sua mulher e a de Gilmar Mendes (detalhes mais adiante), embora quem lhe deu pretexto foi defesa de Flávio Bolsonaro, ao pedir a providência para seu cliente. As reações completamente fora do esquadro do presidente Jair Bolsonaro em relação ao advogado-geral da União, André Mendonça, indicado por Toffoli, nomeado por Temer e mantido por ele, agora elogiado como “ministro terrivelmente evangélico”, provoca uma pulga atrás da orelha sobre alguma eventual recompensa no futuro para premiar a “boa vontade” do presidente do STF agora.


Toffoli, nunca é demais lembrar, deixou a militância petista, mas esta jamais o deixou (mais detalhes na sequência de postagens iniciada por esta aqui). Em fevereiro passado, quando vieram a lume informações sobre uma apuração interna da Receita envolvendo a advogada Guiomar Mendes, o presidente supremo sinalizou que haveria reação à iniciativa de esquadrinhar as movimentações financeiras da esposa do colega.

Como salienta a revista eletrônica Crusoé, não demorou para que surgisse a notícia de que, a exemplo de Guiomar, o escritório da também advogada Roberta Maria Rangel — mulher de Toffoli — estava no radar da Receita, e diante disso o bom amigo e diligente maridão pautou para março passado o julgamento de um recurso extraordinário que visa delimitar até que ponto órgãos como a própria Receita podem repassar informações fiscais para procuradores e outros investigadores. Mas depois voltou atrás e reagendou a discussão para novembro, e agora, aproveitando-se do recesso do Judiciário...

Embora essa enjoativa novela venha sendo exigida ad nauseam por todos os telejornais, não custa reforçar: numa só uma canetada, Toffoli atendeu ao pedido do primogênito do presidente Jair Bolsonaro e estancou na origem o incômodo causado desde que surgiram as notícias sobre o pente fino nas operações financeiras do escritório de sua mulher e nas contas da mulher de seu colega Gilmar. Ainda segundo Crusoé, três semanas antes de ele expedir a decisão, a Receita havia pedido explicações a algumas das empresas que contrataram os serviços do escritório de Roberta, e assim, ao proibir que os auditores repassem informações detalhadas aos órgãos de controle sem que haja uma ordem expressa de um juiz, Toffoli desarmou a bomba — pelo menos até o plenário do STF cassar sua liminar. 

Observação: Crusoé pediu à Receita informações sobre o avanço da apuração envolvendo a banca de advocacia de Renata Rangel — do qual o próprio Toffoli era sócio quando ainda trabalhava para o PT —, mas o órgão limitou-se a responder que não pode comentar o assunto. O escritório se escusou de responder, a exemplo da assessoria da presidência do STF, que informou “não ter conseguido contatar o ministro para falar sobre o assunto”.

Depois que Toffoli deixou a sociedade, Roberta levou a banca adiante e hoje cuida de centenas de processos em Brasília. Segundo os registros na OAB, um advogado que trabalhou com Toffoli figura como sócio de Renata (detalhes mais adiante). Em outra matéria, publicada tempos atrás, Crusoé noticiou que Toffoli recebia da mulher uma “mesada” de R$ 100 mil, metade dos quais era transferido para a conta de sua ex, Monica Ortega, e o restante, usado para pagar despesas correntes, como faturas de cartão.

Discreta, Roberta despacha em um prédio moderno, conhecido por abrigar os famosos lobistas que circulam pela capital federal. À diferença das grandes bancas, que gostam de ostentar suas marcas, o nome do escritório de Roberta aparece apenas no tapete. Os processos sob seus cuidados tramitam ou tramitaram principalmente no STJ e no TSE, e entre seus clientes há uma infinidade de políticos desconhecidos (muitos prefeitos de cidades pequenas e médias, por exemplo), um “banqueiro” de jogo de bicho e diversas empresas. No STJ, a causídica atuou recentemente numa ação envolvendo disputa de terras no Mato Grosso. Quando o processo subiu para Brasília, uma das partes contratou o escritório do advogado Sérgio Bermudes — que tem como sócia a mulher de Gilmar Mendes — e a outra parte contratou a mulher de Toffoli. O litígio foi encerrado no fim de 2017, mediante acordo celebrado entre as partes, e os honorários não foram discriminados no documento obtido por Crusoé, embora ficasse claro que ambos os escritórios se deram bem no acerto.

Roberta evita atuar no Supremo, mas um caso ajuda a entender como funciona a engrenagem dos tribunais superiores em Brasília. Em dezembro de 2014, ela deixou de advogar num processo sob a relatoria do marido, mas repassou a tarefa para o colega Daniane Mangia Furtado, que trabalhou com o próprio Toffoli quando este ainda estava na advocacia. O ministro se deu por impedido de julgar a ação, mas sua relação com Daniane segue firme e forte: hoje ele é sócio de Roberta Rangel, ou seja, o sócio da mulher do Toffoli é um ex-parceiro do próprio ministro.

Além de se dedicar à advocacia, Roberta é procuradora da Câmara Legislativa do DF, um cargo público que lhe rende salário com a flexibilidade de poder advogar, e dona do Instituto Brasiliense de Estudos Tributários — criado em março deste ano e que tem como sede o próprio escritório da advogada em Brasília. Procurado por Crusoé, Toffoli não quis falar. “O ministro não irá se manifestar”, respondeu sua chefe de gabinete. A Sra. Toffoli também não quis se pronunciar.

Observação: Segundo VEJA publicou em 2016, Léo Pinheiro, num dos anexos de sua delação premiada, informou que Toffoli teria comentado com ele que sua casa estava com problemas de infiltração. O então presidente da OAS mandou prontamente uma equipe de engenheiros fazer uma verificação e indicou uma empresa para executar a obra. Depois que os trabalhos foram concluídos, uma nova vistoria realizada pela OAS atestou que tudo estava bem. Em nota a Veja, o ministro afirmou não ter recebido nenhum tipo de ajuda da OAS, mas a revista assevera que sua casa foi inteiramente reformada em 2011, quando ganhou novos quartos, adega, espaço gourmet, instalações de gás, energia solar e paisagismo, além de a área construída ter aumentado de 370 para 451 metros quadrados. Amigos de Toffoli dizem que a casa antiga virou “mansão de revista” — mansão essa que, ainda segundo Veja, está para a OAS assim como o sítio em Atibaia e o triplex no Guarujá estavam para certo ex-presidente presidiário e chefe da ORCRIM do PT. O vazamento do conteúdo da delação de Léo Pinheiro levou Rodrigo Janot, então no comando da PGR, a suspender o acordo de colaboração. E assim o dito ficou pelo não dito.

Em 2015, a área técnica do Banco Mercantil identificou transações consideradas atípicas que chegavam a R$ 4,5 milhões. Em casos assim, cabe ao banco notificar o Coaf — um dos órgãos agora alcançados pela decisão de Toffoli — mas não foi o que ocorreu: após uma ordem da diretoria do banco, os relatos com os indícios de irregularidades foram engavetados. Assim como agora, Toffoli não se manifestou sobre o caso — nem à altura da publicação, nem nos quase dois anos transcorridos desde então.

Na quarta-feira, 17, em resposta à saraivada de críticas que passou a receber após sua abilolada decisão, Toffoli repisou o argumento central de seu despacho — o de que órgãos como a Receita e o Coaf só podem passar informações adiante com a intermediação de um juiz. Suas declarações reverberam o discurso entoado por Gilmar Mendes quando veio à tona a informação sobre a apuração da Receita envolvendo sua mulher. A certa altura, Gilmar apontou um suposto interesse da Operação Lava-Jato por trás da iniciativa dos auditores fiscais, e chegou a dizer que um dos envolvido na apuração havia trabalhado em conjunto com procuradores da Lava-Jato no Rio — um indício, segundo Gilmar, de que o levantamento teria o objetivo de atingi-lo.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

SOBRE O IMBRÓGLIO ENVOLVENDO FLÁVIO BOLSONARO E FABRÍCIO QUEIROZ


A corrupção desembarcou em terras tupiniquins antes mesmo que nossa caricatura de país ganhasse o nome que tem hoje, como comprova a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel. Na missiva, o escriba oficial da esquadra de Cabral — falo de Pedro Álvares, o suposto descobridor destas paragens, e não do ex-governador do Rio, condenado a 100 anos prisão — acrescentou às boas novas um pedido de clemência para seu genro degredado.

A exemplo do nepotismo, o pedágio também é uma forma de corrupção, mas tem presença garantida em boa parte dos gabinetes de parlamentares tupiniquins. Só na Assembleia Legislativa fluminense, ao menos 28 servidores tiveram movimentações atípicas em suas contas bancárias com o mesmo padrão das supostamente realizadas por Fabrício Queiroz entre 2016 e 2017.

Observaçãopedágio é uma prática mediante a qual os políticos engordam os próprios salários garfando parte da remuneração dos assessores. Ainda que o catecismo político o tenha na conta dos pecados veniais, isso não faz dele menos lícito nem moralmente aceitável.

Não há relatos de pedágio na esquadra de Cabral, mas não faltam suspeitas dessa ilicitude no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O imbróglio veio à tona em dezembro, depois que o Estado revelou que um relatório do Coaf havia identificado diversas movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, na conta do ex-assessor, motorista e policial aposentado Fabrício Queiroz, que é amigo de velha data do clã Bolsonaro (e que foi exonerado no dia 15 de outubro do ano passado). Entre as “movimentações suspeitas”, havia também um depósito de R$ 24 mil em favor Michelle Bolsonaro.

Bolsonaro pai disse tratar-se do pagamento de parte de um empréstimo de R$ 40 mil que ele havia feito a Queiroz, e que, "se algo estiver errado, seja comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta desse erro". Bolsonaro filho afirmou que caberia ao ex-assessor prestar os esclarecimentos, e que já tinha ouvido dele “uma explicação plausível”, que poderia ter encerrado o assunto se tivesse sido apresentada logo de início. Mas não foi. E quando há justificativa, os fatos falam; quando não há, as versões sussurram e as suspeitas prosperam. 

Cerca de uma semana depois da primeira reportagem sobre o caso, o MPRJ abriu 22 procedimentos de investigação criminal com base no relatório do Coaf, com Queiroz entre os investigados, e com isso, foram marcados os primeiros depoimentos. Em vez compartilhar com o MPRJ a tal explicação plausível, Queiroz, primeiro, afirmou nada saber sobre o assunto; depois, alegou motivos de saúde e falta de tempo para analisar as acusações, e faltou aos depoimentos marcados para 19 e 21 de dezembro. Entre uma coisa e outra, em entrevista ao SBT, explicou que estava tratando um câncer no intestino, que nunca foi laranja e que a movimentação em sua conta foi produto da compra e venda de carros. No final de dezembro, foi internado para a retirada do tumor. Três dias depois, um vídeo no qual ele aparece dançando no hospital viralizou nas redes sociais, e ele se mostrou revoltado com a circulação do vídeo. Foi operado e recebeu alta no último dia 8. No dia seguinte, disse que pagou a conta com recursos próprios, mas não revelou o valor. Disse também que esclareceria em breve as movimentações atípicas, mas não especificou quando isso ocorreria. E não compareceu ao depoimento marcado para o dia 10 de janeiro. 

Flávio Bolsonaro também faltou ao depoimento. Em nota, disse que não é investigado e que não teve acesso aos autos do procedimento aberto pelo MPRJ, mas prometeu marcar uma nova data para depor. Mais adiante, alegando que o MPRJ pediu informações ao Coaf que não têm relação com Queiroz — o que configuraria uma apuração sobre sua conduta —, o senador questionou a competência do MP e reivindicou foro privilegiado no STF. Em entrevista à Record, disse que não poderia ser investigado sem autorização do Supremo em razão da prerrogativa de foro a que tem direito como senador diplomado, que é o maior interessado em esclarecer tudo e que não quer privilégio nenhum, apenas ser “tratado dentro da lei e da Constituição”.

Na visão de diversos analistas — e até de alguns ministros do Supremo —, a Reclamação de Flávio foi “um tiro no pé”, pois poderá resultar na ampliação do escopo da investigação e envolver o próprio Presidente, o que não aconteceria se o imbróglio ficasse restrito à primeira instância. Na avaliação da ala militar do governo, o caso ganhou uma dimensão maior e mais preocupante depois que o Jornal Nacional revelou o relatório sobre os depósitos em dinheiro realizados na conta bancária do filho do Presidente. Antes, quem devia explicações era Queiroz; agora, seu ex-chefe também está em palpos de aranha. No Planalto, a estratégia é afastar Bolsonaro pai do caso e fritar Bolsonaro filho, lembrando que o pai não é investigado e que explicou satisfatoriamente os depósitos feitos na conta da primeira-dama.

Observação: Segundo o CoafFlávio Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 48 depósitos em dinheiro considerados suspeitos. No total, foram R$ 96 mil, depositados em cinco dias. Em 9 de junho de 2017 foram 10 depósitos no intervalo de 5 minutos, entre 11h02 e 11h07. No dia 15 de junho, mais 5 depósitos, feitos em 2 minutos, das 16h58 às 17h. Em 27 de junho outros 10 depósitos, em 3 minutos, das 12h21 às 12h24. No seguinte mais 8 depósitos, em 4 minutos, entre 10h52 e 10h56. E no dia 13 de julho 15 depósitos, em 6 minutos.

O ministro Luiz Fux, responsável pelo plantão durante o recesso do Supremo, determinou em caráter liminar a suspensão do procedimento investigatório criminal até que o ministro Marco Aurélio, relator da Reclamação, decida em qual instância ela deverá tramitar. Mello já sinalizou que seguirá aplicando o entendimento de que o foro privilegiado para senadores e deputados vale apenas para fatos ocorridos durante o mandato e em decorrência dele: “Já na sexta-feira, pela manhã, assinarei a decisão — sexta, dia primeiro de fevereiro […]. O Supremo não pode variar, dando um no cravo outro na ferradura. Processo não tem capa, tem conteúdo. Tenho negado seguimento a reclamações assim, remetendo ao lixo.”

MPRJ nega ter havido quebra do sigilo, afirma que as investigações decorrentes de movimentações financeiras atípicas de agentes políticos e servidores podem se desdobrar em procedimentos cíveis pra apurar a prática de atos de improbidade administrativa e procedimentos criminais e reitera que Flávio Bolsonaro não é investigado. Mas acatou a decisão de Fux e suspendeu o procedimento, provocando uma avalanche de críticas nas redes sociais, tanto de detratores de Bolsonaro, como o PT, quanto de apoiadores, como o MBL.

Gleisi Hoffmann, presidente nacional da ORCRIM, afirmou que a suspensão é grave e que mostra “pesos e medidas” diferentes: “Para Lula, basta convicção, para os Bolsonaros, nem documento público é considerado”, postou a lunática no Twitter. Fernando Holiday, vereador em São Paulo pelo DEM e coordenador do MBL, afirmou que “quem não deve, não teme, ainda mais uma simples investigação”. O coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, também criticou a decisão de Fux:  "Com todo o respeito ao ministro, não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o Supremo. É de se esperar que o ministro Marco Aurélio reverta a liminar", postou Deltan em seu perfil no Twitter.

Resumo da ópera:

Esse imbróglio deveria ter sido esclarecido assim que o relatório do Coaf veio a público, mas para isso seria preciso que Queiroz tivesse realmente uma explicação plausível — ou que seu chefe assumisse o pedágio, desse a cara a tapa e arcasse com as consequências. Há entendimento generalizado — que poderia ou não ser confirmado nessa investigação — de que parlamentares, seja em que nível for, com raras e honrosas exceções, financiam suas campanhas e suas vidas pessoais garfando uma parte do salário de seus funcionários ou nomeando funcionários-fantasmas. Dizer que fez o que todo mundo faz não é desculpa, mas tratar fratura exposta com band-aid é ainda pior. O Presidente Jair Bolsonaro se elegeu com o bordão do combate à corrupção, e essa merdeira é tudo que a oposição precisava para cair de pau.

É louvável que até os bolsomínions critiquem a postura de Bolsonaro filho e a decisão do ministro Fux. Isso demonstra que apoiam as apurações porque querem saber a verdade. Fosse o PT, o discurso de vitimização já estaria a todo vapor. Aliás, os militontos já estão postando nas redes que, se o investigado fosse um político de esquerda, ele e seus assessores já teriam sido presos preventivamente o levados coercitivamente para depor. Particularmente, acho ridículo essa caterva usar Queiroz como “prova de corrupção” do atual governo e "não enxergar" provas contra Lula e os demais petralhas presos, classificar de golpe o impeachment que depôs Dilma, e por aí afora. O que me causa espécie, no entanto, é Flávio Bolsonaro insistir que é apenas testemunha no caso e mesmo assim pedir a suspensão da investigação contra si.

Além de afrontar a coerência, o pedido de Flávio desmente a alegação de que seria ele o maior interessado em esclarecer o episódio, desenha um alvo em sua própria testa e abre um flanco na atuação do clã — tanto é que nem o pai presidente, nem os irmãos políticos saíram em sua defesa. E tem mais: ao levar o caso para o STF, sua defesa propicia a inclusão do Planalto na investigação, ainda que a soma depositada na conta da primeira-dama tenha uma explicação plausível. E mesmo que assim não fosse, os fatos aconteceram antes de Jair Bolsonaro ser eleito e, portanto, não pode resultar em processo enquanto ele for Presidente. Mas investigações podem ser feitas.

Para encerrar, a cereja do bolo: De repente, toda a imprensa achou de tratar o pedágio no gabinete de um parlamentar como se fosse o maior escândalo desde Cabral (com o petrolão, sempre relativizado pela mídia, fresquinho na memória). E viva o povo brasileiro!

ATUALIZAÇÃO: 

Ontem à noite, em entrevista à TV Record, Flávio atribuiu o pagamento no valor de pouco mais de R$ 1 milhão à quitação, feita pela Caixa, de um apartamento que ele havia comprado na planta. A posterior venda do imóvel explicaria outras movimentações consideradas “suspeitas” pelo Coaf, mas os depósitos fracionados continuam sendo questionados pela mídia. Disse ainda que tinha a documentação comprobatória e que a entregaria à instância da Justiça que fosse determinada pelo STF. Logo depois, em entrevista à Rede TV, afirmou que ele e o pai estão sendo vítimas de perseguição, que estão tentando criminalizar o dinheiro que ganhava como empresário (segundo ele, mais que seu salário de deputado), que não lhe deram oportunidade de se explicar e que quebraram seu sigilo de forma ilegal. Sobre o pedágio (que ele chamou de “rachadinha”) em seu gabinete na Alerj, afirmou que, se tivesse conhecimento dessa prática, teria sido o primeiro a denunciar. 

domingo, 23 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE O STF E A ESTAPAFÚRDIA LIMINAR DE MARCO AURÉLIO


Marco Aurélio Mello foi indicado para o STF pelo primo e então presidente Fernando Collor de Mello. Há 28 anos na Corte e a 3 da aposentadoria compulsória, sua excelência — que José Nêumanne definiu como uma mistura de Hidra de Lerna (corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar) com o deus romano Jano (retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás) — parece ter uma estranha predileção por ser voto vencido. E sendo o antepenúltimo a se pronunciar nas sessões plenárias, não tem como errar, pois profere seu voto quando o entendimento majoritário já é conhecido. Na última quarta-feira, porém, o ministro se superou ao conceder monocraticamente uma liminar suspendendo as execuções provisórias de pena de 169 mil presos, dentre os quais a autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil”.

No melhor estilo “aprendiz de Maquiavel”, o magistrado soltarrão programou cada movimento com a precisão suíça do vistoso Rolex que ostenta no pulso: depois de deixar seu despacho pronto para a publicação, compareceu à última sessão plenária antes do recesso de final de ano e almoçou com Dias Toffoli e outros seis colegas de toga no salão nobre do STF. Tudo sem dar um pio sobre o rebosteio que ocorreria dali a poucos minutos, quando já não houvesse tempo de o colegiado reverter sua decisão. Perguntado por que não informou aos colegas do que tencionava fazer, o animador de velório respostou: "E eu lá tenho de avisar alguém? O que é isso? Vamos respeitar as instituições pátrias, as decisões são autoexplicativas". Vale salientar que, dias antes desse lamentável episódio, Toffoli anunciou que a ADC do PCdoB será analisada em abril do próximo ano.

O Supremo tem sido palco (ou picadeiro?) de decisões semelhantes de vários outros ministros, o que só apequena o Judiciário e contribui para que a população aplauda quem arreganha os dentes contra a Suprema Corte. Agindo como agiu, talvez por pirraça, já que nem Cármen Lúcia nem Dias Toffoli pautou as Ações Diretas de Constitucionalidade sob sua relatoria, a despeito de ele as ter liberado para julgamento em abril passado, Hidra-Jano achincalha os cidadão de bem, que pagam escorchantes impostos para sustentar as formidáveis mordomias do funcionalismo categorizado tupiniquim.

 Assim, ao embasar sua decisão na presunção de que o plenário altere o placar quando revir a questão da prisão em segunda instância, Marco Aurélio fez como quem aposta na Mega Sena e sai gastando por conta antes do sorteio. A liminar vigeu por pouco mais de 5 horas, tempo bastante para estarrecer os cidadãos de bem e alegrar os adeptos do Lula-Livre. A presidente nacional do PT, que dias atrás assegurou que faria o possível para Lula passar o Natal em casa, determinou que o pedido de soltura fosse protocolado imediatamente — o que foi feito 48 minutos depois de a liminar ser publicada. Aliás, a defesa do petralha ingressou com mais um recurso tão logo a decisão foi cassada, sustentando que Toffoli não a poderia ter derrubado, e que Lula deve ser solto ainda assim (as chances desse apelo produzir algum efeito prático são mínimas, pois a decisão caberá ao próprio Toffoli).

Observação: Não se deve considerar a decisão de Toffoli como um gesto favorável à Lava-Jato, até porque ele integra o grupo liderado por Gilmar Mendes, que vem tentando impor limites à operação a partir da revisão de alguns dos instrumentos que a sustentam.

A impressão que se tem é que, de uns tempos a esta parte, a função precípua do STF passou a ser apreciar chicanas pró-soltura do ex-presidente corrupto. Talvez por isso, no Paraná, a Lava-Jato tenha firmado 176 acordos de delação premiada, prendido 264 suspeitos, condenado 140 criminosos e recuperado 12 bilhões de reais, ao passo que no Supremo, apesar de as investigações envolverem quase duas centenas de deputados, senadores, ministros e até o atual presidente da Banânia, há apenas um condenado — o deputado Nelson Meurer —, e que nem preso está. 

A ignomínia de Marco Aurélio evidencia como a dicotomia fomentada pelo “nos contra eles” — criada por Lula e seguida cegamente por petistas de todo calibre — contaminou os ministros supremos, que desrespeitam decisões colegiadas e agem como se cada qual fosse um tribunal distinto. Se houvesse mais entrosamento entre eles (e um mínimo de decência), a Corte seria poupada das cada vez mais recorrentes execrações públicas. Mas não. Atuam como ilhas incomunicáveis que, por vaidade e para fazer valer suas opiniões pessoais, não raro desconsideram os precedentes da corte, fomentam um ambiente de insegurança jurídica e desgastam a imagem do Judiciário perante a população.

Alguns supremos não se dão ao respeito, conquanto o exijam: Lewandowski, que atuou mais como advogado dos réus do que como magistrado no julgamento do Mensalão e fatiou a votação do impeachment de Dilma para evitar a cassação de seus direitos políticos, mandou a PF deter um cidadão que ousou lhe dizer o STF era uma vergonha. Gilmar Mendes, que se dedica a atividades particulares incompatíveis com o cargo de ministro e é alvo de uma dezena de pedidos de impeachment, foi brilhantemente definido pelo colega Luís Roberto Barroso como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Sem citar Mendes nominalmente, mas fazendo uma clara referência a ele, Barroso disse ainda que “há gabinetes na Corte distribuindo senha para soltar corruptos”. Toffoli, atual presidente da Corte, foi citado na delação Léo Pinheiro por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão, além de ser suspeito de receber mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel. E por aí vai.  

A presepada de Marco Aurélio não só fechou com chave de ouro o ano judiciário, como demonstrou de forma cabal — como se ainda fosse preciso — que o Supremo, a despeito de ser um colegiado, é um órgão cada vez mais suscetível aos humores individuais de seus integrantes. São onze ministros, onze ilhas, onze vaidades. Para além disso, o episódio mostrou que, apesar de o país ter saído há pouco de uma eleição que varreu do mapa dezenas de políticos envolvidos com corrupção, a Lava-Jato continua sob permanente ataque. Principalmente vindo de  quem deveria defendê-la.

Em abril, o julgamento da famigerada ADC forçará o plenário a reavaliar a jurisprudência capenga que autoriza o cumprimento provisório da pena. Aos votos de Toffoli, Lewandowski e do vira-casa Gilmar somam-se os de Marco Aurélio e Celso de Mello — o decano tem posição histórica contrária à prisão antecipada. Fachin, Fux, Cármen, Barroso e Alexandre são mais alinhados às demandas da Lava-Jato, de modo que o fiel da balança, mais uma vez, será Rosa Weber.

A alternativa — que vem sendo defendida pelo próprio Toffoli — é que o STJ seja a última instância antes do cumprimento da pena. Gilmar simpatiza com a ideia, mas nada se sabe quanto aos demais. Em prevalecendo tal entendimento, as chances de Lula deixar a prisão diminuem: o ministro Felix Fischer, relator da Lava-Jato no STJ, já rejeitou um recurso do petralha, que agora aguarda a análise definitiva da 5ª Turma. Se, como se espera, o apelo for rejeitado, a defesa certamente ingressará com mais um recurso ao STF. Até lá, porém, o abejto criminoso de Garanhuns seguirá preso.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

MARCO AURÉLIO, O LIBERTADOR



A notícia de que o ministro Marco Aurélio, o libertador, decidiu monocraticamente, na última quarta-feira, determinar a soltura imediata dos quase 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de recursos às instâncias superiores caiu como uma bomba (e, dizem as más línguas, quase matou de inveja o ministro Gilmar Mendes).

Marco Aurélio — a quem José Nêumanne definiu certa vez como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano" — é primo do ex-presidente impichado Fernando Collor de Mello, que foi o responsável por sua indicação ao Supremo. Relator das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância, o ministro reclamou ao longo de todo este ano de as ter liberado em abril, mas nem Cármen Lúcia nem Dias Toffoli as terem incluído na pauta do plenário. Semanas atrás, o presidente da Corte finalmente pautou o julgamento, mas nem assim o magistrado sossegou: ao final do almoço de confraternização do STF (após o qual a Corte entrou em recesso), ele acolheu um pedido do PC do B — partido da quase candidata à presidência da República, Manoela D’Ávila, que acabou concorrendo como “vice do vice” e com ele foi derrotada por Jair Bolsonaro — e produziu uma versão revista e atualizada do “caso Favreto”.

Observação: Em julho passado o desembargador-plantonista-cumpanhêro do TRF-4 Rogério Favreto acatou um pedido de habeas corpus impetrado por três deputados petistas e determinou a imediata soltura do criminoso Lula, provocando uma guerra de liminares que acabou não soltando o petralha, mas deu muito pano pra manga.

Face à liminar concedida pelo laxante supremo, os advogados de Lula levaram míseros 48 minutos para pedir a expedição do alvará de soltura, dispensando, inclusive, o exame de corpo de delito. A juíza Carolina Lebbos, responsável pela Execução Penal do petralha, ponderou que sequer havia sido intimada, mas entendia que a liminar não tornava "imediata" a necessidade de soltar o preso, e resolveu ouvir o MPF antes de decidir. Nesse entretempo, a procuradora-geral Raquel Dodge recorreu, argumentando, dentre outras coisas, que as prisões após condenação em segunda instância são constitucionais e configuram medida que "contribui para o fim da impunidade"; que Lula confunde o "direito à ampla defesa" com "direito à defesa ilimitada", e que o ministro desrespeitou sucessivas decisões colegiadas da própria Corte, já que as prisões após segunda instância foram autorizadas por maioria no julgamento realizado no final de 2016 (o assunto foi rediscutido em abril deste ano, e mais uma vez o cumprimento antecipado da pena foi considerado legal). 

Pouco antes das oito da noite de quarta-feira o ministro Dias Toffoli — a quem, na condição de presidente do Supremo, compete tomar decisões em caráter de urgência durante o recesso do Judiciário — cassou a decisão de Marco Aurélio e pôs água no chope da petralhada. Como era de se esperar, a defesa de Lula recorreu, mas as chances de êxito são mínimas, até porque, em razão do recesso, o pedido deverá ser julgado pelo próprio Toffoli. Caso não advenha nenhuma outra surpresa — não percamos de vista o fato de estarmos no Brasil —, a liminar do purgante togado ficará suspensa até o plenário do STF julgar as tais ADCs, em abril de 2019.

Jair Bolsonaro elogiou a pronta ação de Toffoli: "Parabéns ao presidente do Supremo Tribunal Federal por derrubar a liminar que poderia beneficiar dezenas de milhares de presos em segunda instância no Brasil e colocar em risco o bem estar de nossa sociedade, que já sofre diariamente com o caos da violência generalizada!", disse o presidente eleito por meio de sua conta no Twitter

Parlamentares da base aliada do futuro governo estudam apresentar um pedido de impeachment contra Mello — a ação é liderada pelos deputados eleitos Filipe Barros e Bia Kicis, que viram no episódio uma articulação espúria entre o magistrado supremo e o PT em prol da soltura de Lula

O futuro ministro da Justiça e ex-juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, preferiu não se manifestar: "Sem comentários, não vou falar sobre isso", disse ele à Folha, na última quarta-feira, após deixar a primeira reunião ministerial da equipe de Bolsonaro.

Resumo da ópera: se todos os magistrados que não honram a toga fossem transformados em ar condicionado, a sensação térmica na cidade paranaense de Antonina, que atingiu 81ºC na última quarta-feira, seria a mesma do pico do Monte Everest.


quinta-feira, 28 de junho de 2018

AINDA SOBRE LULA E A LIMINAR QUE LIVROU DIRCEU DA CADEIA



A decisão de soltar o guerrilheiro de festim, tomada na última terça-feira pela 2ª Turma do STF, não é definitiva. Trata-se de uma liminar em habeas corpus, concedida por 3 votos a 1, a pretexto de “o paciente não ser prejudicado com a suspensão do julgamento” (resultante do pedido de vista do ministro Fachin). O decano da Corte, ministro Celso de Mello, não participou da sessão, mas a maioria “pro reo” teria sido estabelecida mesmo que ele estivesse presente. Aliás, Fachin vem sendo sistematicamente derrotado pelo “trio garantista do Supreminho”, embora isso tenda a mudar a partir de setembro, quando Toffoli assumir a presidência da Corte e a ministra Cármen Lúcia, atual presidente, substituí-lo na 2ª Turma — como se vê, há males que vêm para o bem.

Dirceu foi condenado a 30 anos e 9 meses de prisão, e as chances de a sentença ser revertida nas instâncias superiores são pífias. Mas a Constituição reza que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, a despeito de a jurisprudência vigente no Supremo ser de que, uma vez condenado por um juízo colegiado, o réu pode começar a cumprir a pena, sem prejuízo de poder recorrer às instâncias superiores. Como se sabe, esse entendimento não é pacífico e vem suscitando frequentes rusgas entre alguns ministros, notadamente entre Gilmar Mendes, o laxante togado, e seu colega Luis Roberto Barroso, que classificou recentemente o “ministro-deus” de “mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia.

O ministro Edson Fachin pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso, mas não sem que Toffoli, relator da ação, propusesse a concessão de uma liminar para que Dirceu permanecesse fora da cadeia até, pelo menos, o mérito da reclamação ser julgado — no que foi prontamente acompanhado por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Daí o placar de 3 votos a 1, sendo de Fachin o único voto contra a liminar. 

Quando Fachin liberar a ação para julgamento de mérito, é possível que Dirceu continue livre, leve e solto até sabe Deus quando. Como dito linhas atrás, além do princípio constitucional da presunção de inocência, há que se levar em conta que a jurisprudência vigente no Supremo permite ao colegiado que condenou o réu determinar ou não a prisão sua prisão. Foi essa “possibilidade” que colocou Lula na cadeia em abril, já que o TRF-4 determinou ao juiz Sérgio Moro que expedisse o competente mandado de prisão contra o petralha.

O fato de Dirceu ter sido beneficiado pela tal liminar não significa necessariamente que Lula também o será (aliás, Lula já foi beneficiado por uma medida semelhante, por ocasião do julgamento de um pedido de habeas corpus preventivo, às vésperas da Semana Santa). Mas onde há fumaça, há fogo, diz um velho ditado.  

Na reclamação que resultou na concessão da liminar a Dirceu, seus advogados alegam que a possibilidade de detenção após condenações em segunda instância é apenas uma possibilidade — e não uma obrigatoriedade —, e que, nestes casos, a prisão deve ser fundamentada. Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli pensam exatamente desse modo sobre as prisões após sentença de segundo grau, e Celso de Mello parece rezar pela mesma cartilha, embora dê uma no cravo e duas na ferradura.

O plenário do Supremo já decidiu que não é preciso fundamentação às ordens de prisão de condenados em segunda instância, mas os “garantistas” de plantão têm manifestado publicamente que, para eles, a questão está em aberto e será analisada novamente em breve. Assim, aplicam seu entendimento em casos concretos envolvendo prisões após sentença de segundo grau.

Como se não bastasse, a defesa de Dirceu sustenta que, ao autorizar a prisão do ex-chefe de Toffoli após sua condenação em segunda instância, o TRF-4 desrespeitou uma decisão tomada em abril de 2017 pela própria 2ª Turma do STF, que lhe concedeu um habeas corpus e converteu sua prisão em medidas alternativas — Mendes, Lewandowski e Toffoli votaram pela soltura do guerrilheiro do povo brasileiro” naquela ocasião.

Observação: A Justiça do DF deu prazo de cinco dias para Dirceu se apresentar ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba. A determinação é da juíza Leila Cury, da Vara de Execuções Penais, segundo a qual cabe à Justiça paranaense determinar quais medidas cautelares devem ser aplicadas durante a soltura — "inclusive para instalação de nova tornozeleira eletrônica, se for o caso”. Com isso, as regras de cumprimento da liberdade devem ficar a cargo da 13ª Vara Federal do Paraná, onde o processo teve início. Caberá ao juiz Moro, inclusive, determinar onde o ex-ministro ficará morando enquanto aguarda o fim do julgamento.

É preocupante é o fato de essa decisão da segunda turma afetar todo o conceito de prisão em segunda instância no Brasil, em especial nos casos da Lava-Jato e, sobretudo, no do demiurgo de Garanhuns, que não só pleiteia aguardar em liberdade o julgamento de seus infindáveis recursos, mas também quer disputar as próximas eleições. Como a questão ainda não foi revista pelo plenário do Supremo — o que teria efeito vinculante, ou seja, valeria para todos os casos análogos —, a liminar concedida a Dirceu afronta a súmula do TRF-4 que determina especificamente a prisão de condenados após esgotados os recursos na segunda instância do Judiciário. Por outro lado, a maioria dos ministros parece inclinada a entender que a prisão não pode ser automática, pois há necessidade de fundamentação. Por essas e outras, a insegurança jurídica campeia solta.

Observação: A decisão reabriu o debate sobre prisões após condenação em segundo grau. “Enquanto essas ADCs não forem julgadas, esse tema ficará em aberto e as turmas e os magistrados não estão adstritos a um julgamento específico tomado em plenário. Urge, e faço eco às palavras do ministro Marco Aurélio, já tarda o julgamento das ADCs”, disse Ricardo Lewandowski.

Voltando ao caso específico de Lula, a concessão da liminar a Dirceu sugere que, se o julgamento do recurso do molusco não tivesse sido retirado da pauta, o sacripanta provavelmente teria sido solto. Daí porque Fachin resolveu enviar o caso ao plenário; se o submetesse à 2ª Turma (como queria a defesa do criminoso), ele certamente seria voto vencido. E como o ministro deu prazo de 15 dias para o Ministério Público se manifestar, o recesso do Judiciário, que começa no final desta semana, nunca veio em momento tão oportuno.


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