Entre os diversos fatos estarrecedores dos últimos
dias, resolvi focar a entrevista concedida por DiasToffoli ao jornal OEstado e deixar a monumental camisa de onze varas em que se meteu o senador Flávio Bolsonaro para uma próxima oportunidade. Passando ao que interessa, é sempre bom lembrar que o atual presidente do STF, um verdadeiro obelisco do saber jurídico, foi guindado ao mais alto cargo da magistratura pelo ex-presidente petista ladrão, que nunca leu um livro na vida e, portanto, não se incomodou com o fato de seu então auxiliar ter levado bomba em dois
concursos para juiz de primeira instância.
Na entrevista ao Estado, entre outras asnices o ministro afirmouque a Lava-Jato destruiu empresas, que o MP é pouco transparente e que isso jamais aconteceria nos
Estados Unidos. Marcelo Odebrecht — que mais do que ninguém fala com absoluto conhecimento
de causa —, porém, vê a coisa de outra maneira. Segundo ele declarou em entrevista ao Globo, a Lava-Jato
foi o gatilho, mas a Odebrecht poderia ter saído dessa mais bem
preparada para um novo ciclo de crescimento sobre bases até mais sustentáveis. "Nós não soubemos conduzir o processo da
Lava-Jato; a Odebrecht quebrou por manipulações internas, não apenas pela
Lava-Jato”. A informação que me davam [na cadeia] era
que a empresa não estava pronta para um acordo [com a Justiça] (...) depois descobri
que a informação que levavam para a empresa era que quem não estava disposto a
colaborar era eu".
O comentário de Toffoli escancarou mais uma vez a cizânia que divide os togados supremos, com Marco Aurélio divergindo
de seu eminente presidente: “De forma
alguma [a Lava-Jato destrói empresas], ao contrário. Fortalece. E gera
confiança. Gera segurança. Não deixa de ser um marco civilizatório. O ruim é
quando se varre [a suspeita] para debaixo do tapete, aí é péssimo.” Como se
vê, até um relógio quebrado marca a hora certa duas vezes por dia (para não
dizer que até um burro velho e cego consegue eventualmente encontrar a cenoura).
Toffoli, instado comentar sobre a Lava-Jato, começou com os farisaicos elogios de praxe e, tão previsível quanto a
chegada da primavera, disse que a operação colocou o combate à corrupção num
patamar mais elevado, sobretudo por ter instalado na cadeia gente que parecia
condenada à perpétua impunidade. Em seguida, estacionou na vírgula, sacou do
coldre a adversativa e disparou a maluquice: “Mas a Lava-Jato destruiu
empresas. Isso nunca aconteceu nos Estados Unidos ou na Alemanha”.
A cada novo pronunciamento, o Maquiavel de Marília mostra que mereceu a reprovação com louvor nas duas
tentativas de ingresso na magistratura paulista. Pela sua ótica, o
problema não está na roubalheira institucionalizada, mas no fato de a ladroagem
ter sido descoberta. É como culpar pela internação de um paciente na UTI não a gravidade da doença, mas a
competência do médico que a diagnosticou.
O palavrório permite deduzir que o ministro acompanha os
escândalos protagonizados por corruptos no resto do mundo com a mesma atenção
que dispensa à língua portuguesa. Ele ignora, por exemplo, que a condenação de
executivos pilantras não livra da falência as empresas que controlam. Morreram
de safadeza, por exemplo, os gigantes americanos Enron em 2001, WorldCom
no ano seguinte e Lehman Brothers em
2008. Para escapar da bancarrota, a alemã Siemens
pagou multas de dimensões amazônicas e disseminou pelo mundo inteiro o termo
compliance — uma espécie de auditoria permanecente concentrada na prevenção de
irregularidades.
Pelo jeito, Toffoli
não sabe disso. Mas o que é mesmo que Toffoli sabe?
“TEMPOS ESTRANHOS SÃO ESSES EM QUE VIVEMOS, QUANDO VELHOS E JOVENS SÃO
ENSINADOS NA ESCOLA DA FALSIDADE. E O ÚNICO HOMEM QUE SE ATREVE A DIZER A
VERDADE É CHAMADO DE UMA SÓ VEZ UM LOUCO E INSENSATO.”
O epigrama acima, atribuído a Platão, tem servido de inspiração para o vice-decano do STF demonstrar sua insatisfação com
tudo e todos, mostrando-se, inclusive, irritado com uma advogada que, durante
sustentação oral, dirigiu-se aos supremos togados usando o "desrespeitoso"
pronome "vocês" — que na verdade é a forma sincopada de "vossas
mercês": "Presidente",
disse o primo de Fernando Collor e luminar do saber jurídico, "novamente um advogado se dirige aos
integrantes do tribunal como 'vocês'! Há de se observar a liturgia". Faltam
apenas 18 meses para a aposentadoria compulsória de sua excelência, que talvez
ainda aproveite o tempo que lhe resta para propor a adoção daquelas ridículas
perucas brancas, de crina de cavalo, que os juízes do Reino Unido usavam aboliram
há mais de 10 anos por achá-las antiquadas e inadequadas ao tempos atuais
(estranhos ou não).
Atribui-se a Aristóteles
a divisão do Estado em três poderes independentes, e a Montesquieu a tripartição e as devidas atribuições do modelo mais
aceito atualmente. A ideia era não deixar em uma única mão as tarefas de legislar, administrar e julgar, já que a concentração de poder
tende a gerar abusos, e um poder que se serve em vez de servir é um poder que
não serve. No Brasil contemporâneo, no entanto, nem o quarto poder escapa, já
que parte da imprensa foi aparelhada pelos petralhas esquerdopatas, que não
veem — ou fingem não ver — que o comunismo e o socialismo não produziram bons
resultados em nenhum país do mundo, como comprovam a desgraça que se abateu
sobre a Pérola do Caribe sob o jugo da Dinastia
Castro, a calamidade que tomou conta da Venezuela sob a égide do Maduro que não cai do galho, as
diferenças gritantes entre a Coreia do Sul e a do Norte.
Em Hong Kong, a ilha-problema onde os jovens tomaram as ruas e há meses exigem, em última instância, voz ativa sobre seu destino, a única eleição mais ou menos livre permitida à população resultou em fragorosa — e aparentemente inesperada — derrota de Pequim. No mesmo dia, um consórcio de jornais publicou um relatório devastador sobre os campos de detenção na província de Xinjiang, no noroeste do país, onde 1 milhão de chineses da minoria muçulmana uigur foram internados a pretexto de combater o extremismo religioso. E por aí segue a
procissão de exemplos.
Talvez por isso o PT
seja o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não
estudam e dos intelectuais que não pensam e do ex-presidente ladrão que se ufanava
(quiçá ainda se orgulhe) de ter chegado onde chegou sem jamais ter lido um
livro na vida.
Falando em ex-presidentes, dos que foram eleitos
pelo voto popular desde a democratização — ou que assumiram o cargo devido a
impedimento do titular da vez —, somente Fernando
Henrique não foi processado. Collor e Dilma não só foram penabundados do cargo (por
corrupção e incompetência, respectivamente) como são réus na Justiça Penal, e ainda
continuam soltos graças à morosidade e a leniência do Judiciário. Lula e Temer colecionam processos e já foram presos, mas aguardam em liberdade a tramitação das ações/julgamento dos recursos. É
surreal!
No caso de Lula,
a coisa é ainda pior. Embora tenha sido condenado em dois processos — por três
instâncias no caso do tríplex no Guarujá e por duas no do sítio em Atibaia —, o
picareta foi agraciado por uma decisão sob medida da banda podre do STF, que, por 6 votos a 5, restabeleceu
o império da impunidade ao proibir que criminosos condenados em segunda
instância aguardassem presos o julgamento de seus recursos nas Cortes superiores.
Assim, o troçulho de Garanhuns assomou do esgoto a céu aberto em que se
transformou o cenário político nacional e brinca de palanque ambulante, com
total complacência do TSE, que parece
achar natural candidatos a candidatos ao Palácio do Planalto fazerem comícios três
anos antes das próximas eleições. Com a bênção do Judiciário, o sacripanta
vermelho está liberado para mostrar ao mundo que, no País do Carnaval, um
corrupto juramentado pode ofender impunemente autoridades que não têm contas a
acertar com a Justiça. Mas não vai escapar da lei da Ficha Limpa. Para o dono
da alma viva mais honesta do Brasil, as chances de disputar uma eleição são
menores que as de ser canonizado pelo Vaticano.
Tempos estranhos, diz o ministro Marco Aurélio. Bota estranho nisso!
O óbvio ululou na tarde de ontem, quando a montanha suprema
pariu o rato da vez, incluindo a Unidade
de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, e a Receita Federal
na tese sobre o compartilhamento de dados fiscais sigilosos, para fins penais,
com o Ministério Público e a Polícia Federal, dispensando prévio
aval judicial. O único voto dissonante foi o do ministro Marco Aurélio — coberto com a suprema toga pelo então presidente Fernando Collor, seu primo, que foi
impichado do Planalto e teve os direitos políticos cassados, mas elegeu-se
senador graças ao esclarecidíssimo povo das Alagoas, terra de Renan Calheiros, de Arthur Lira e de muitas gentes boas (ficou estranho, mas rimou).
O apaniguado de Collor sempre
teve predileção especial por ser voto vencido e foi a encarnação do “espírito
de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear
desembargadora sua filha Letícia,
em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o
campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses
petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão
milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança
da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância.
Enfim, o Supremo precisou
de seis sessões para concluir que órgãos de investigação servem para
investigar, que a liminar absurda do presidente da Corte era absurda e que tudo
fica como antes no Quartel de Abrantes. Daí a morosidade da Justiça tupiniquim,
maior responsável pela sensação de impunidade (bom seria se fosse só sensação)
que fomenta a corrupção endêmica da classe política neste arremedo de república,
onde processos movidos contra acusados que têm cacife para contratar
criminalistas estrelados levam décadas para ser concluídos — isso quando a
prescrição não frustra a pretensão punitiva do Estado. Mas isso já é outra
conversa.
Enquanto isso, Senado e Câmara Federal se mobilizam para
agilizar o rito das Casas e aprovar o mais rapidamente possível a prisão após
segunda instância, corrigindo o supremo erro crasso que restituiu aos
condenados a possibilidade de aguardar soltos a decisão de seus recursos aos
tribunais superiores, como foi durante míseros (mas nefastos) sete anos das últimas
oito décadas. A Câmara instalou uma comissão que visa tratar do assunto por
meio de uma emenda à Constituição; no Senado, Simone Tebet, presidente da CCJ,
agendou para a próxima terça-feira a votação de um projeto de lei que modifica
o Código de Processo Penal, cuja
tramitação é mais simples e rápida de aprovar do que a emenda constitucional
que tramita na Câmara. Entretanto, ainda que os senadores o aprovem, é preciso pressão
da sociedade para que o projeto não seja engavetado quando chegar à Câmara.
Enquanto isso, na Assembleia Legislativa de São Paulo, cenas
de baixaria, com direito a pugilato explicito, chocam (ou divertem, dependendo
do ponto de vista) os paulistas e os demais brasileiros. Confira no vídeo:
Antes de encerrar, um texto do impagável J.R. Guzzo sobre as supremas barbaridades
que conspurcam este arremedo de banânia:
O planeta Terra seria
um lugar perfeitamente insuportável se todo o mundo, sem nenhuma exceção,
dissesse sempre a verdade, o tempo todo, para todas as outras pessoas que
conhecesse. Já imaginou? É melhor não imaginar. O fato é que esta vida precisa
ter os seus momentos de hipocrisia, para funcionar com um mínimo de paz — mas
também é fato que as autoridades da nossa vida pública não precisavam exagerar.
É a velha história: gente que manda não perde praticamente nenhuma oportunidade
de ficar cega para os seus próprios desastres, mas nunca é surda, nem por um
minuto, para qualquer erro que possa ser cometido pelos outros.
O hipócrita,
felizmente, é um bicho que só morde de verdade quando consegue esconder que
está sendo hipócrita — quando a sua hipocrisia fica na cara de todo mundo, como
vive acontecendo, o mal que faz não leva a lugar nenhum. É o caso, neste
preciso momento, do ministro Dias
Toffoli, que acaba de compartilhar com o resto da nação suas preocupações
com a má imagem que os investidores estrangeiros fariam do Brasil depois de uma
declaração do ministro Paulo Guedes
sobre o AI-5. Teria o ministro
sugerido a ressurreição do “Ato”, que está morto há 40 anos — quatro vezes
mais, aliás, que o tempo durante o qual esteve vivo? Não. Ele disse o seguinte:
“Não se assustem se alguém pedir o AI-5”,
no caso de haver baderna na rua, em vez de oposição na política.
É livre, obviamente, o
julgamento de cada um sobre o que disse Guedes.
O que não tem cabimento é imaginar que Toffoli
está sendo aquilo que ele finge que é — um cidadão aflito com o futuro do
investimento externo no Brasil. Se há alguém nesse País que assusta o
investidor, de qualquer nacionalidade, é ele mesmo, em pessoa — junto com os
seus parceiros de STF que proibiram a prisão de criminosos condenados em
segunda instância. Isso sim é construir a imagem de uma nação sem lei.
Para encerrar: nos tempos de antanho, quando não havia essa
absurda patrulha do "politicamente correto" e podia-se contar piadas
de papagaio sem o risco de ser processado pela ave, uma anedota dizia que, numa
entrevista de emprego, o entrevistador perguntou ao candidato se ele era
casado. "Sim", foi a resposta. "Com quem?", perguntou o
entrevistador. "Com uma mulher", respondeu o candidato. E o
entrevistador, já irritado: "O senhor conhece alguém que seja casado com
um homem?". "Sim", respondeu o sujeito. "Quem?",
insistiu o entrevistador. "A minha mulher", disse, candidamente, o
candidato.
Quem dá asas a cobra assume o risco de vê-la voar. E é
exatamente isso que a mídia vem fazendo com o picareta dos picaretas, ao conceder exagerada importância a seu retorno ao cenário político, por assim dizer — até porque, dele, o fiduma jamais se afastou, nem mesmo durante os 560 dias que amargou na sede da PF em Curitiba.
Melhor seria focar os holofotes em quem puxou a
descarga, permitindo que o cagalhão vermelho assomasse no esgoto a céu aberto em que se transformou o cenário político tupiniquim, e espalhasse seu fedor para a patuleia ignara, que parece se alimentar disso como urubus de carniça.
Falando no que não presta, torno a frisar que tenho o maior
respeito pelo Supremo Tribunal Federal
como instituição, mas não pela maioria de seus membros, que, noves fora
dois ou três togados, formam a pior composição de toda a
história da Corte. A começar pelos que vestiram a toga sem despir a
farda de militante petista — um dos quais, inclusive, preside atualmente o Tribunal.
Observação: Coberto pela suprema toga por Lula, em 2009, como retribuição pelos "bons serviços" prestados
ao PT, a despeito de ter bombado
duas vezes em concursos para juiz de primeira instância em São Paulo, ambas na fase
preliminar, que testa conhecimentos gerais e noções elementares de Direito dos
candidatos, Dias Toffoli é a prova provada da cabal
da falta de noção do sacripanta de Garanhuns sobre a dimensão do cargo de
ministro do STF, embora possa constituir (mais uma) prova cabal da conduta maquiavélica e velhaca do dito cujo, que visava aparelhar a mais alta Corte com a indicação
de esbirros e apaniguados e lhes cobrar mais adiante pelo obséquio.
Fato é que a suprema ala pró-crime
vem desconstruindo tijolo a tijolo a imagem de último bastião das nossas esperanças,
diante de um Legislativo eivado pela
corrupção endêmica — institucionalizada e tornada suprapartidária por Lula e seu Partido dos Trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não
estudam e dos intelectuais que não pensam — e de um Executivo comandado, durante 13 anos e fumaça, por esse mesmo picareta
(a gerentona de araque não passou de uma deplorável testa-de-ferro, ainda que
tenha se rebelado e ensaiado um voo solo que pôs a perder o projeto de poder de
seu abominável criador e mentor). E novas decepções nos trouxeram a versão
tupiniquim de Vlad Drakul, o (ex) vampiro do Jaburu, e, mais recentemente,
o Capitão Caverna, cujo lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" recebeu o oportuno (e oportunista) adendo: "e Jair Bolsonaro e seus filhos acima de tudo isso".
Voltando ao STF, Dora Kramer resumiu de maneira irreprochável o que eu exporia com bem menos elegância e bem mais adjetivos. Confira o que a jornalista escreveu em sua coluna (na revista Veja) desta semana:
O Brasil abandonou a cerimônia em
relação ao Supremo Tribunal Federal.
É um fato que está nas ruas, nas mentes, nas bocas, em toda parte. Não
aconteceu de graça ou de repente. A nossa Corte maior de Justiça vem abdicando
de sua majestade há tempos, desde que começou a se dar ao desfrute de
engajamentos e comportamentos outros para além dos restritos à interpretação
fria, coerente e consistente da Constituição.
A ausência de reverência tem duas
mãos. Se de um lado se derrubou na prática o lema de que decisão judicial não
se discute para se estabelecer país afora um ambiente de amplo debate em
relação a sentenças proferidas no âmbito do STF, de outro os ministros (salvo uma ou duas exceções) abriram
espaço para contestações ao optar por exercer protagonismo na vida nacional nem
sempre de modo educado e/ou apropriado.
Embora os magistrados se
considerem intocáveis, não são mais invioláveis no crivo da opinião pública.
Não falo aqui só dos questionamentos de especialistas publicados na imprensa.
Basta sintonizar estações de rádio no dia seguinte a um julgamento polêmico no Supremo para ouvir, mesmo nos programas
populares, críticas pesadas ou defesas apaixonadas da conduta dos magistrados.
Nunca se viu nada igual. Havia um
certo acanhamento em comentar os votos, hoje substituído por absoluto
desembaraço no julgamento dos julgadores. A questão não é a crítica, mas os
termos em que é feita. Verdade seja dita, suas excelências é que abriram a
temporada de contenciosos. Baixaram e continuam baixando a guarda.
Isso ocorreu, por exemplo, quando
um juiz se aliou ao presidente do Senado para fazer um gol de mão no processo
de impeachment de uma presidente da República. A dupla Ricardo Lewandowski-Renan Calheiros preservou os direitos políticos
de Dilma Rousseff e foi
desmoralizada pelo eleitorado de Minas Gerais, que lhe negou o mandato de
senadora.
Nessa saraivada de tiros no pé,
incluem-se as ironias e os insultos trocados entre os pares com transmissão ao
vivo, as diatribes provocativas de Gilmar
Mendes contra a Lava-Jato em
votos que nada têm a ver com a operação, as mudanças de entendimento da
Constituição sem justificativas a não ser uma circunstância política. Sem
esquecer a censura a publicações, a abertura de inquérito à margem da lei e,
para culminar, mais recentemente a atuação desastrosa de Dias Toffoli no caso do compartilhamento de dados dos órgãos de
inteligência financeira com instâncias de investigações criminais.
O conjunto dessa obra já desperta
no Congresso e no próprio STF uma
preocupação com a imagem negativa, refletida em protestos públicos e na pressão
para que andem os pedidos de impeachment (dezessete até agora) de ministros.
Tanto que há pontes de diálogo nos dois ambientes para que se reduzam a
temperatura e a intensidade das polêmicas produzidas no Supremo.
A ordem de baixar a poeira está
sinalizada no adiamento do exame do pedido de suspeição de Sergio Moro nos processos de Lula
para, se não às calendas gregas, ao menos até o Parlamento tomar uma decisão
sobre a volta ou não da prisão em segunda instância.
Depois de proferir em toffolês
um voto de proporções siderais e de ocupar boa parte da sessão seguinte
tentando explicar o que nem ele próprio entendeu, Dias Toffoli passou a palavra para o dono da calva mais luzidia do STF e, ao final do voto do colega, suspendeu
o julgamento do recurso que definirá se informações sigilosas de órgãos de
controle podem ser compartilhadas com o Ministério Público sem autorização
judicial.
Salvo chuva, salvo engano, o julgamento prosseguirá na sessão ordinária da próxima quarta-feira, quando votarão os demais ministros por ordem inversa de antiguidade. O problema é o ritmo imprimido aos trabalhos pelo atual presidente da Corte — o mesmo cidadão reprovado duas vezes seguidas no concurso público para juiz de Direito e que não pode, por consequência, ser juiz em nenhuma das quase 5.500 comarcas do Brasil, mas preside a mais alta corte de justiça do país, para onde foi promovido pelo Padim Lula em 2009, graças aos "bons serviços" prestados ao PT, a José Dirceu e ao próprio Lula. Enfim, restam 8 sessões até o início do recesso do Judiciário, e faltam os votos de 9 ministros. Façam as contas.
De acordo com Josias
de Souza, do célebre
voto que Toffoli demorou quase 5 horas para ler e cujo teor ninguém entendeu direito — dando a impressão de que o ministro procurava ideias desesperadamente, como um cachorro que
esqueceu onde escondeu o osso — e das explicações complementares que ocuparam boa parte da sessão de quinta-feira, vislumbra-se no horizonte uma reversão de expectativas que pode extinguir a blindagem concedida a Flávio Bolsonaro pelo Maquiavel de Marília e reforçada pela Maritaca de Diamantino.
Observação: Se Toffoli perorou por quase cinco horas
seguidas, e nem seus pares na Corte entenderam patavina do
que o homem estava dizendo, imagine-se, então, o público que paga a
subsistência dos onze supremos togados e em nome de quem eles dão expediente em
seu palácio brasiliense. Ao final, o ministro Luís Roberto Barroso fez a única sugestão prática para desvendar a
massa bruta de palavrório despejada sobre a sessão: “Vamos chamar um professor de javanês”.
Segundo J.R. Guzzo, Toffoli
e seus parceiros de facção no STF
são hoje a pior ameaça ao estado de direito, às instituições e à democracia no
Brasil. Não são os “bots” das redes
sociais, as “milícias”, a “extrema direita” e sabe lá Deus quem mais. São eles.
Em geral, suas excelências fazem isso ordenando que os criminosos sejam
protegidos e tenham direito à impunidade, sobretudo nos casos de corrupção. Mas
a destruição da lei e a proibição de se prestar justiça no Brasil inclui,
também, a incapacidade funcional de entender questões básicas de Direito.
Estamos tendo mais uma prova disso. Senão vejamos.
Depois de congelar o inquérito contra Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações, depois de enfiar o ex-Coaf num processo que tratava
exclusivamente da Receita Federal,
depois de requisitar os dados sigilosos de 600 mil pessoas e empresas, depois
de tudo isso, Toffoli finalmente reconheceu
ser "absolutamente constitucional" o compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público e a Polícia Federal sem autorização judicial. Ou
seja: a pretexto de socorrer o primogênito do presidente desta banânia, Toffoli paralisou desnecessariamente,
durante quatro longos meses, investigações que deveriam estar em franco
andamento.
Segundo a votar, Alexandre
de Moraes reforçou a constitucionalidade da atuação do ex-Coaf, agora chamado de UIF,
e sustentou que também a Receita Federal
tem o dever de compartilhar com o Ministério
Público o resultado da apuração de delitos tributários, algo que Toffoli ensaiara limitar, em
contradição com a jurisprudência do próprio Supremo. Antes que a sessão de quinta-feira terminasse, alguns togados
— entre os quais Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski
manifestaram seu desconforto em discutir a atuação do Coaf num julgamento sobre a Receita.
Ainda que seja impossível antecipar os veredictos de suas excelências, há no
plenário da Corte um jeitão de virada.
A certa altura, Fachin
como que constrangeu Toffoli a
reconhecer que, prevalecendo seu voto ou o voto de Alexandre de Moraes, a liminar que enviou ao freezer os casos de Zero Um e outros 925 investigados iria
para o beleléu. Confirmando-se a derrubada da liminar, Toffoli deveria se auto incluir, na condição de réu, no processo
secreto que abriu para investigar ataques contra o Supremo e seus membros, visto que, no momento, ninguém desmoraliza
mais o tribunal do que seu presidente (cujo mandato, salvo impeachment ou outro
imprevisto qualquer, termina somente em setembro do ano que vem).
O voto tamanho XGG de Dias Toffoli — cuja leitura, na sessão da última quarta-feira, levou quase cinco horas — me fez pensar se o presidente da nossa mais alta Corte não teria sido
"tomado" pelo espírito de Abelardo
Barbosa, mais conhecido como "Chacrinha",
que se notabilizou pela frase: "Eu
não vim para explicar, vim para confundir". Tanto é que a maioria do
togados supremos deixaram a sessão sem entender o que, de fato, seu presidente
quis dizer naquele interminável pregação (talvez a mais longa de toda a história
centenária do STF).
Sem citar a liminar que concedeu monocraticamente a Flávio Bolsonaro, Toffoli acatou o recurso extraordinário do MP no processo sub-judice, anulando a decisão dodesembargador José Marcos Lunardelli (que havia tornado ilegal o
compartilhamento de dados da Receita
com o MP, sem autorização judicial,
na condenação do casal Hilario e Toyoka
Hashimoto pelo crime de sonegação fiscal), e reafirmou que o UIF (ex-Coaf) pode compartilhar relatórios de inteligência financeira, mas
desde que incluam somente informações de movimentações globais das pessoas
físicas ou jurídicas e que não haja “encomenda” contra determinada pessoa. Disse
ainda o nobre ministro que, em relação ao compartilhamento de representações fiscais
da Receita com o MP, este deve instaurar uma investigação
ao receber as informações e encaminhar o caso para a Justiça, que, a partir da
instauração da investigação, possa acompanhar todo o desdobramento do caso.
O voto quilométrico surpreendeu a todos, tanto pelo tamanho e
pela linguagem tortuosa quanto por abrir caminho para a retomada do
compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação.
Mas a cereja do bolo foi tentar convencer a todos de que em momento algum ele, Toffoli, teria impedido que os
inquéritos prosseguissem, atribuindo essa "fake news" a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de
imprensa que divulgaram essas informações de forma "terrorista". A
pergunta que fica é: se foi mesmo assim, por que o ministro levou tanto tempo
para se explicar? Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente
para lhe atribuir a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e
corrupção, por que, então, não expediu prontamente uma nota oficial ou convocou
uma coletiva para dar conta do "equívoco" e acabar com o “terrorismo”
da imprensa?
No que diz respeito ao hoje senador Flavio
Bolsonaro, sujeito não tão oculto nesse julgamento, a defesa do filho do
presidente alega que o repasse dos dados ao MP sem autorização da Justiça caracterizaria quebra de sigilo, mas
o fato é que a quebra do sigilo fora autorizada pela Justiça, e uma proibição
do uso desses dados significaria impedir ad aeternum a investigação de zero um. Como bem observou um desembargador
do TRF-2 a propósito de
outro assunto, “se tem rabo de jacaré;
couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”.
Josias de Souza,
com o humor cáustico que caracteriza seus comentários no Jornal da Gazeta, explicou que o Toffoli se expressou num idioma
muito parecido com o português, só que muito mais confuso: o toffolês. Quem conseguiu ouvir toda a
explanação sem cochilar ficou com a impressão de que ele votou a favor da
imposição de condições para o compartilhamento de dados sigilosos sem
autorização judicial. O ex-Coaf não
poderia entregar aos investigadores senão dados genéricos. Detalhamentos, só
com autorização judicial. A continuidade dos inquéritos congelados desde julho
— o de Flávio Bolsonaro e outras 935
investigações — ficaria condicionada a uma análise caso a caso. As restrições
seriam ainda maiores para a Receita
Federal. Após apalpar os dados enviados pelo Fisco, o MP seria
obrigado a comunicar imediatamente a abertura de uma investigação ao juiz, que
supervisionaria o inquérito.
As explicações soaram claras como a gema. Munidos de todas
as informações transmitidas por Toffoli,
os repórteres tiraram suas próprias confusões e, um tanto constrangidos, cercaram
o orador no início da noite para lhe pedir que trocasse em miúdos o voto que
começara a ler no expediente da manhã. "Em relação ao Coaf, pode sim compartilhar informações",
declarou Toffoli. "Mas ele é uma unidade de inteligência. O
que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de
prova." Então, não haveria nada de novo sob o Sol, pois a coisa já
funciona exatamente assim. Mais tarde, em novo esforço de tradução do toffolês
para o português, o gabinete de Toffoli
informou que, no caso do Coaf, não
há novas limitações. Como assim? Considerando-se que os relatórios produzidos
pelo órgão não incluem documentos detalhados, poderiam continuar circulando no
formato atual. Se é assim, por que diabos o descongelamento do inquérito contra
Flávio Bolsonaro e os outros 935
dependeriam de análises posteriores? Nada foi dito sobre esse paradoxo.
Em seu voto-latifúndio, Toffoli
disse que o MP não poderia, em hipótese nenhuma, "encomendar relatórios" ao UIF
(novo nome do Coaf). Na tradução do
gabinete, procuradores e promotores podem requisitar complementos de
informações recebidas da unidade de inteligência. Toffoli repetiu várias vezes a expressão "lenda urbana". Fez isso, por exemplo, ao assegurar que o
julgamento iniciado nesta quarta não tem nada a ver com Flávio Bolsonaro, reiterando a doutrina Saci-Pererê ao sustentar que a liminar que concedera em julho, a
pedido da defesa do primogênito do presidente, havia paralisado "poucos
processos".
Faltou explicar por que considera o congelamento de 935 inquéritos pouca coisa. Alguns
ministros esforçaram-se para reprimir uma risadinha enquanto ouviam Toffoli. Com a ironia em riste, um dos
colegas de presidente do Supremo referiu-se ao voto dele como "uma grande homenagem ao Dia da Consciência
Negra." Num flerte com o politicamente incorreto, o ministro declarou:
"O voto do relator foi um autêntico
samba do crioulo doido". Vivo,
Sérgio Porto, o magistral criador do samba, discordaria. Seu crioulo
entoou: "Joaquim José / Que também
é / Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro II".
Não dizia coisa com coisa, mas era taxativo. DiasToffoli, por
gelatinoso, terá de explicar-se novamente diante dos seus pares, pois vários
deles foram dormir ruminando dúvidas sobre o voto de dimensões amazônicas.
O fato é que Toffoli
começou com dois pés esquerdos a leitura do seu voto. Logo de início, o
presidente do STF produziu duas
pérolas. A primeira: "Aqui não está
em julgamento o senador Flávio Bolsonaro". A segunda: "poucos processos foram paralisados por sua
decisão; seus críticos é que tentaram criar um "clima de terrorismo".
Foi graças a um habeas
corpus da defesa de Flávio Bolsonaro
que Toffoli enfiou o Coaf dentro de
um processo que envolvia apenas a Receita
Federal. Foi por conta do mesmo recurso que Toffoli congelou o inquérito que corre contra o filho do presidente
e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. Toffoli jura que o vínculo do filho do presidente com o processo,
assim como o Saci-Pererê, jamais existiu.
Mas o advogado do zero um estava
presente na sessão da Suprema Corte.
Assim como as autoridades que cuidam dos outros 935 processos travados por Toffoli, o defensor de Flávio Bolsonaro
esfregava as mãos, na perspectiva de que o caso contra seu cliente seria anulado.
Quer dizer: Ao contrário do Saci, o
interesse dos encrencados é real e tem múltiplas pernas. Dependendo da decisão
a ser tomada pelo Supremo, o UIF é
que pode sair do julgamento como uma "lenda urbana", um órgão de
controle mudo e sem pernas.
Atualização: A sessão suprema de ontem foi dedicada integralmente à complementação (ou tentativa de explicação) do voto de Toffoli e ao voto do ministro Alexandre de Moraes. Para os que não sabem, depois do relator, que é o primeiro a votar, os ministros se pronunciam por ordem de antiguidade, do mais recente para o mais antigo. Pelo que se pôde entender do voto de Toffoli — que fica mais difícil de interpretar a cada vez que seu autor tenta explicá-lo —, Moraes, que votou pela validade do compartilhamento de dados financeiros do UIF (antigo Coaf) e da Receita Federal com o Ministério Público sem autorização judicial, teria aberto a divergência, ainda que parcial, levado o placar a 1 a 1. Na sequência, o julgamento foi suspenso, devendo ter prosseguimento na sessão da próxima quarta-feira (27). Considerando que ainda faltam os votos de 9 ministros e que o Judiciário entre em recesso no dia 20 de dezembro, não está afastada a possibilidade de o resultado final ser conhecido somente em fevereiro do ano que vem.
Depois de ser reprovado em dois concursos para magistratura, ambos na fase inicial, que testa conhecimentos gerais e noções
básicas de Direito dos candidatos, o Maquiavel de
Marília foi guindado por Lula ao
STF, em retribuição aos valorosos
serviços prestados ao PT, às
campanhas de Lula, ao "cumpanhêro"
José Dirceu, e por aí afora.
Na sessão plenária do último dia 7, o eminente magistrado
levou horas para concluir a leitura do voto com o qual desempatou o placar de 5 a 5
sobre a prisão em segunda instância (alinhando-se, naturalmente, com a fação pró-crime
do Supremo). E como não há nada tão
ruim que não possa piorar, frisou, na abertura da sessão de ontem, que o processo sub-judice "nada tem a ver com Flávio
Bolsonaro", embora não tenha feito qualquer referência ao fato de a liminar que decretou em meados deste ano ter suspendido quase 1000 investigações baseadas em dados fornecidos pelo Coaf, inclusive as que miram sua mulher e a mulher do colega e mentor Gilmar Mendes.
Depois das manifestações da PGR e da defesa do réu, Toffoli monopolizou o microfone
por mais de 4 horas, que foi o tempo necessário para a leitora do voto que talvez tenha sido o mais longo de toda a história do tribunal. Além de se mostrar mais prolixo que o decano e o vice decano da
Corte — casos clássicos de irremediável paixão pelo som da própria voz —, o ministro conseguiu superar até mesmo a
enigmática Rosa Weber, que
se notabilizou por perorar numa espécie de Dilmês
Castiço que nem ela própria compreende.
Dado o grau de impenetrabilidade de
suas considerações, Toffoli não foi capaz de dirimir as dúvidas de seus pares, mas o que mais me chamou a atenção em sua verborrágica diarreia foi ele dizer que seu voto alinhavava todos os elementos necessários à formação da tese (a decisão terá efeito vinculante e norteará as instâncias inferiores), e ainda que precedesse essa pérola com "a
devida vênia dos que eventualmente divirjam", parecia não ter dúvidas de que poucos ousariam discordar de seu entendimento. Mas não foi bem essa a impressão que ficou no final da sessão, quando vários ministros buscaram
esclarecimentos, e o mestre de cerimônias do supremo circo de horrores achou por bem suspender os trabalhos até a tarde desta quinta-feira. Vamos acompanhar e ver que bicho dá.
Então fica combinado assim: Dias Toffoli, presidente do STF, pediu e obteve cópias de todos os relatórios de
inteligência financeira produzidos pelo antigo Coaf (hoje UIF)
nos últimos três anos. Mas não os leu. Pediu para quê, então? Isso não ficou claro até agora. Talvez tenha pedido à
falta do que fazer. Ou pedido para testar se sua autoridade seria
desafiada – e ela não foi. Quem se arriscaria a cair em desgraça junto
ao ministro mais supremo do Supremo?
Bem, com certeza estão em algum arquivo do gabinete de Toffoli
informações sigilosas que envolvem cerca de 600 mil pessoas (412,5 mil
físicas e 186,2 mil jurídicas), muitas delas expostas politicamente e
com prerrogativa de função. E ele não as consultou!
Toffoli havia alegado que precisava entender o procedimento de
elaboração e tramitação dos relatórios. Se fosse apenas isso, bastaria
que um técnico lhe passasse um e-mail contando o que ele queria saber
por curiosidade ou extrema necessidade.
Ao decretar o fim da investigação da Receita Federal sobre sua mulher, Roberta Rangel, e a mulher de seu parceiro Gilmar Mendes, Guiomar, o Maquiavel de Marília requereu, sem
nenhuma justificativa racional, dados financeiros sigilosos de 19 mil 441 casos envolvendo
600 mil pessoas físicas e jurídicas. E passou a ser proprietário exclusivo dos segredos
garantidos por lei de uma miríade de cidadãos indefesos perante seu poder absoluto e
ilegítimo. Não foi eleito para isso e sequer passou num concurso público para juiz na primeira
instância. Este é um óbvio motivo para seu impeachment, mas sua excelência está salvaguardado porque
proibiu o MP-RJ de investigar o primogênito de Bolsonaro por
práticas contábeis suspeitas na Alerj, da qual saiu para garantir foro privilegiado por 8 anos
no Senado.
Imagine que não fosse o presidente do Supremo que tivesse pedido o
que Toffoli pediu, recebeu, mas não acessou. Resistiu à tentação,
digamos assim. Imagine que fosse o presidente da República, ou da Câmara
dos Deputados, ou do Senado… A gritaria estaria grande. Já se falaria em impeachment. Que direito
teria qualquer um deles de conhecer a vida contábil de tanta gente? E
assim sem mais nem menos? Por muito pouco, quem hackeou conversas entre
procuradores está preso.
Qualquer cidadão no gozo dos seus direitos pode protocolar no Senado
um pedido de impeachment de Toffoli. Dará em nada. Como deram em nada
até hoje dezenas de pedidos contra outros ministros. Todos foram
arquivados. Mas… Nunca se sabe.
Onde fica o direito ao sigilo das pessoas? Nem o ministro mais
supremo do Supremo pode violá-lo a qualquer pretexto ou sem nenhum.
A suprema tragédia deve julgar na sessão de hoje a liminar que paralisou as investigações com dados compartilhados pelo COAF sem autorização judicial. A princípio, o plenário ficaria dividido, mas é preciso levar em conta que se estará julgando uma decisão do próprio presidente.
Não há nenhuma explicação para Tofolli ter suspendido todas as investigações no Brasil. E agora descobriu-se que ele pediu e recebeu da Receita Federal processos de mais de 600 mil pessoas. A única explicação para isso é que informação é poder. Ele fez exatamente o que contestou ao suspender os processos.
O STF está ganhando poderes que não são dele, e ganha porque há um vácuo de poder no pais; há um executivo disfuncional e a partir daí, o Tribunal passou a fazer um papel político de defesa do presidente e de contenção de danos dos próprios ministros que estariam sendo investigados. E um STF superpoderoso assim não funciona numa democracia. Mas votar contra isso é ir contra o presidente, contra a própria corporação.
Se houver uma visão crítica das atitudes do presidente do STF, será uma reunião plenária muito confusa, conflituosa. Não sei o que irá funcionar: o corporativismo ou o sentido crítico dos ministros. A OCDE disse que em nenhum lugar do mundo se exige autorização judicial para investigações de lavagem de dinheiro e corrupção.
Com Ricardo Noblat, José Nêumanne e Merval Pereira.
Cerca de 15 horas depois de uma das mais abjetas decisões plenárias
do STF — cuja composição é hoje a
pior de toda a história do tribunal —, Lula
já destilava seu ópio para uma penca de militantes. Não foi encontrar os filhos — que tampouco se deram ao trabalho de esperá-lo na saída da prisão —, nem levar flores
ao túmulo da ex-primeira dama ou visitar as sepulturas do irmão e do neto (falecimentos que ele explorou com maestria de dentro
de sua sala VIP na superintendência da PF em Curitiba). Em vez disso, como o bom mau caráter que é, preferiu escarrar vitupérios contra Bolsonaro e os ministros Moro e Guedes e exortar sua récua de jumentos amestrados a reproduzir
no Brasil o que a esquerda chilena vem fazendo no país vizinho.
Observação: Lula não visitou os túmulos dos parentes mortos durante a temporada na cadeia porque “eles foram cremados”. A família do irmão Vavá informa: o corpo de Genival Inácio da Silva foi sepultado no Cemitério Pauliceia, em S. Bernardo do Campo. Alguém se surpreende com mais essa mentira vinda da que nasceu para mentir?
O placar de 6 votos a 5 pelo restabelecimento da jurisprudência
nefasta que autoriza a prisão somente após o processo transitar em julgado — o que equivale a dizer "no dia de São Nunca" — foi alcançado
no último dia 7 com o voto de minerva do Maquiavel de Marília, mas o cenário havia
sido delineado na sessão do dia 27 de outubro, quando a ministra Rosa Weber, talvez por pura incompetência, talvez por gratidão a quem forneceu a toga que hoje lhe recobre os ombros — embora Rosa tenha sido indicada por Dilma, em 2011 a calamidade travestida de gente não dava um peido sem a devida aprovação de seu criador e mentor —, mudou o entendimento que mantinha até então e se
aliou à fação pró-crime da nossa mais alta corte de injustiça.
Chegou-se a imaginar que o supremo mestre de picadeiro oferecesse uma terceira via, ou que votasse com a ala
punitivista, mas, como o escorpião da fábula, o artrópode de toga
não foi capaz de agir contra sua natureza e ficou do lado de Lula — responsável por sua nomeação
para a Suprema Corte.
Em seu voto, cuja leitura demorou cerca de 3 horas, Antonio Maquiavel Dias Toffoli perorou absurdos com “lenda da impunidade” antes de concluir
alegremente que a prisão após o trânsito
em julgado não é o desejo de um juiz, mas a vontade do povo brasileiro (não
foram exatamente essas suas palavras, mas o sentido foi exatamente esse). Ao
final, como quem jogava migalhas aos cães, disse que a Corte não se oporia no
caso de o Congresso alterar o CPP e "legalizar" a prisão após a
condenação em segunda instância.
Acaba anão quem cuida
de coisas pequenas, se deixa envolver por questões menores em detrimento da
grandiosidade das decisões e confunde grandeza de espírito de espírito com
espírito de grandeza, dizia Ulysses Guimarães.
Toffoli preferiu entrar para a
história como o presidente do STF
que, para favorecer o PT e seu eterno
presidente de honra, martelou o derradeiro prego no esquife da maior operação
anticorrupção da história deste país, sobretudo porque defecou sobre a
Constituição e usou como papel higiênico as páginas que restaram pautando esse
julgamento num momento em que Lava-Jato
está particularmente fragilizada devido à Vaza-Jato
de Verdevaldo das Couves (esse, sim,
deveria passar uns bons anos atrás das grades, de preferência num presídio comum,
em cela apinhada de estupradores e assassinos contumazes) e ao clima nada alvissareiro
para Deltan Dallagnol na suprema usina
de injustiças.
Falando em crimes, criminosos e em quem deveria inibi-los e combatê-los (mas faz exatamente o contrário,como bem salientou o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelo braço da Lava-Jato que atua no Rio de Janeiro), parlamentares do grupo Muda, Senado prometem intensificar a pressão sobre Davi Alcolumbre pela instalação da CPI da Lava-Toga e pela abertura de processos de impeachment contra ministros do STF.
A pressão aumentou depois que Dias Toffoli, que usurpou o poder de D. Bozo I, instituiu a ditadura da toga e sagrou-se tiranete (a coroação se deu quando ele ordenou que o Coaf lhe desse acesso a relatórios com dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas), passando a presidir "de fato" esta republiqueta de bananas enquanto o "mito-late-mas-não-morde" cuida de interesse próprios, de seus filhos e da 33ª agremiação política que resolveu criar para si.
A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Da feita que os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger, como nos sentirmos representados por essa caterva? No Executivo, perdemos a fé (se é que ainda nos restava alguma) antes mesmo de a renúncia de Jânio Vassoura Quadros abrir espaço para o golpe de Estado que resultaria em duas décadas de ditadura militar (aquela de que dizem sentir saudades saudades os que nasceram depois de 1985). E a morte de Tancredo Neves — eleito indiretamente, mas que representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — foi a gargalhada do diabo, pois promoveu de vice a titular o eterno donatário da capitania do Maranhão, um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista tupiniquim.
As esperanças se renovaram em 1989, quando o autodeclarado Caçador de Marajás frustrou (ou retardou) a ascensão do eterno "presidente de honra" do partido dos trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam. Mas logo se viu que o santo de colhões roxos era de pau oco, tinha pés de barro e não passava de um populista tão desprezível quanto seu adversário, só que ocupava o outro extremo do espectro político-ideológico-partidário (e qualquer semelhança com o atual inquilino do Palácio do Planalto não é mera coincidência).
Daí veio Itamar, que, além de recriar o Fusca e posar para fotos ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos, promulgou o Plano Real, cujo sucesso levou Fernando Henrique Cardoso a se eleger presidente, recriar a reeleição e se reeleger presidente desta republiqueta de Bananas, embora o número de coelhos que seria capaz de tirar da cartola tivesse se esgotado já em sua primeira gestão.
Depois vieram Lula e o mensalão do PT (edição revista, atualizada e aprimorada do mensalão tucano), que transformaram Judiciário, aos olhos dos desalentados cidadãos de bem deste desalentador país de merda, no último bastião das esperanças. Mas aí Lula, o podre, e Dilma, a quintessência da incompetência, nomearam os oito togados supremos que, somados aos ministros que ainda não haviam pedido o boné e pegado a bengala — Celso de Mello, que seus pares têm na condição de sapientíssimo e o ex-ministro Saulo Ramos, de um juiz de merda; Marco Aurélio, indicado por ninguém menos que seu primo Fernando Collor; e Gilmar Mendes, cuja indicação foi a obra prima ao contrário do grão duque tucano —, resultaram na pior composição de toda a história do tribunal (ainda pior depois que o dono da careca mais luzidia do planeta foi indicado pelo vampiro do jaburu para ocupara a vaga aberta com a morte de Teori Zavascki num mal explicado acidente aéreo).
O impeachment de Dilmanta, a inolvidável, e os avanços da Lava-Jato refrearam (em alguma medida e por um custo espaço de tempo) o apetite pantagruélico dos petralhas e companhia pelo dinheiro do Erário, mas as recentes investidas da fação pró-crime do STF em prol de seus bandidos favoritos ameaçam pôr a perder quase tudo que foi conquistado no último lustro.
Para Josias de Souza, a quem muito admiro e com cujas opiniões quase sempre concordo, foi constrangedora e triste a passagem por Brasília do grupo de trabalho da comissão antissuborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A missão da OCDE constrange porque os representantes da entidade percorreram gabinetes dos três Poderes para manifestar preocupação com os retrocessos que observam no Brasil em relação ao combate à corrupção. A visita entristece porque representa, na prática, uma espécie de atestado de óbito da Operação Lava-Jato e suas congêneres.
A morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes da abertura da cova. Percorre um lento processo. No caso da Lava-Jato, a operação morreu e não sabe. Ninguém disse ainda, talvez por pena, mas aquela operação em que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço do Estado investigou, enjaulou e puniu poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil, essa operação não existe mais. Foi boa enquanto durou.
A missão da OCDE acabou se transformando num cortejo fúnebre. Os visitantes foram de autoridade em autoridade para lamentar iniciativas recentes patrocinadas pela turma do abafa. Coisas como a lei de abuso de autoridades, o fim da prisão na segunda instância e o congelamento das investigações municiadas com dados do antigo Coaf. A atmosfera é de velório.
O velório reúne gente importante. Seguram a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão, o PT… O Supremo envia uma sequência de coroas de flores enquanto prepara a última pá de cal. Ela virá na forma da anulação de sentenças.
A morte às vezes funciona como um grande despertar. Mas a sociedade brasileira emite sinais de cansaço. Um cansaço que se parece com saudade de quem não teve a oportunidade de dizer adeus.
Retomado o julgamento das imprestáveis
ADCs que questionavam a
constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, os votos de
Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello
levaram o placar a 5 votos a 5. Esse resultado era tão previsível quanto
a noite suceder ao dia. O que não se sabia era para que lado o vento sopraria
depois que Dias Toffoli proferisse o
voto de minerva. Até porque o eminente magistrado não só acenara com a
possibilidade de um meio termo (prisão após condenação em terceira instância)
como também dissera que "voto nosso
na Presidência não é o mesmo voto de bancada".
Não foi o que aconteceu. Chegou-se a imaginar que a
sessão seria adiada mais uma vez, dado o avançado da hora. Tanto Gilmar quanto Toffoli prometeram ser concisos, mas a Maritaca de Diamantino cantou por longos 90 minutos, o decano levou uma eternidade para ler seu voto (mais de 100 páginas) e o general
da banda se estendeu por intermináveis três horas — durante as quais muita lenha
foi queimada e pouca fumaça do bom direito, produzida.
Ao final do blablablá,
pelo placar de 6 votos a 5, a jurisprudência vigente desde 2016 — que vinha capengando desde
então — foi substituída pelo nefasto entendimento de que o cumprimento da pena deve
ocorrer somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Se serve de consolo, o pupilo de Gilmar — que mesmo sem currículo, conhecimento ou luz própria foi
alçado ao Supremo em 2009 pelos
"bons serviços" prestados a Lula,
a Dirceu e ao PT e hoje sonha em ter sua passagem pela presidência da corte
lembrada como "conciliadora", mas age como um embaixador da injustiça
— acenou ao congresso que não se oporá a uma mudança na legislação que restaure
a possibilidade da prisão em segunda instância.
Não sei com que autoridade ele
fala por seus pares. Marco Aurélio dos
Tempos Sombrios, por exemplo, recentemente repreendeu-o por exorbitar de suas
funções de presidente: “É inconcebível visão totalitária e
autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado.
O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena,
simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a
ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno,
enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira.
Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia. Aonde vamos parar?”,
criticou o primo de Collor.
Na
sessão de ontem, Lewandowski não escondeu
seu descontentamento com o colega petista a propósito de uma determinação do
presidente da República — depois relativizou, dizendo que obedeceria de bom
grado uma ordem do "presidente do de poder", mas não se curvaria aos
desmandos do chefe do Executivo. Agora sou eu quem pergunta: Aonde vamos parar?
Observação: Lewandowski, nunca é demais lembrar, foi indicado por Lula à ao Supremo por
influência da família Demarchi (de SBC)
e recomendação da então primeira-dama (falo da oficial, não de Rosemary Noronha, que foi namorada
do petralha durante 19 anos e viajava mundo afora no avião presidencial,
sempre ao lado de Lula, que em 2006
a nomeou chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo em 2006).
Dos oito ministros alçados à Corte durante as gestões petistas, ele e Toffoli
são os que mais demonstram ter vestido a toga por cima da farda de militante
petista.
Sobre as consequências dessa guinada jurisprudencial, sobretudo
no futuro da Lava-Jato, é melhor
esperar a poeira baixar antes de arriscar alguma previsão. O que se ouviu dos analistas até agora foi um amontoado
de especulações desencontradas. Ficou claro apenas que o julgamento de ontem,
devido, sobretudo, à posição de Gilmar
Mendes, virou um debate crítico sobre a Lava-Jato. Manifestações de repúdio à decisão vem sendo convocadas para amanhã, mas eu não sei se reunirão gente suficiente para impressionar quem deve ser impressionado. Afinal, o povo está cansado, muita gente já jogou a toalha ou pediu o boné. Quem pôde, já juntou os trapos e comprou uma passagem só de ida para bem longe daqui. Como dizia minha finada mãe, "quem pode, pode, quem não pode, se sacode".
Como o escorpião da fábula, Toffoli não é capaz de mudar sua natureza. Em seu voto, saiu em defesa da instituição, tentando convencer (talvez a si mesmo) de que a sensação de impunidade não é
culpa STF, mas do sistema judiciário
brasileiro, que precisa de uma ampla reforma desde a base. Afirmou que a execução após condenação em segunda instância não evita a impunidade (?!), que a
Corte não atua de maneira política, e que enviou moção aos presidentes da
Câmara e do Senado para que os prazos prescricionais sejam suspensos durante os
recursos ao STJ e STF. Num determinado momento, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo tirou onda com a nossa cara dizendo que, ao criar a lei que vincula o trânsito em julgado ao início do cumprimento da pena, o legislador atendeu aos "anseios da sociedade" (faltou esclarecer qual sociedade, se a Máfia, se o PCC, o Comando Vermelho, a Família do Norte...).
Enfim, a decisão colocou Lula a um passo do meio-fio, mas não lavou sua ficha-suja, pois a sentença do TRF-4 no caso do tríplex ainda está em pé. Mas a coisa muda se a
2ª Turma do STF acolher o pedido de
suspeição (contra Sérgio Moro) que a
defesa do petralha protocolou. Gilmar
Mendes pediu vista do processo, mas deve devolvê-lo ainda este mês, e há
chances reais de anulação da sentença. Nessa hipótese, o Supremo lavará, por assim dizer, a ficha enodoada de Lula, que está momentaneamente
inelegível até 2035, quando completará 89 anos. Esse é o grande sonho do
criminoso de Garanhuns, que já conquistou o direito de deixar o cárcere
especial em Curitiba, e a própria Lava-Jato já requisitou à Justiça sua
progressão de regime prisional. Confirmando-se o placar favorável na 2ª Turma, o molusco abjeto poderá percorrer o país ostentando
sua pose de candidato a um terceiro mandato presidencial. O PT já organiza a caravana. Lula se equipa para fazer campanha no
ano que vem para candidatos petistas às prefeitura das principais capitais do
país.
Não concordo com muita coisa que o ministro dos tempos estranhos diz, mas é impossível discordar que são mesmo estranhos os tempos atuais, sobretudo agora que o Supremo resolveu inaugurar a era do absurdo. Durma-se com um barulho desses e viva o (otário) povo brasileiro.
Dizem que Deus é brasileiro, mas que se autoexilou e queimou o passaporte quando Bolsonaro foi eleito. Outros afirmam que Ele jogou a toalha semanas antes, quando viu que os eleitores haviam
escalado dois cavaleiros do apocalipse para o embate final. Até Nossa Senhora
Aparecida, padroeira do Brasil há 90 anos, está tão assustada com a
situação do país que deu entrada num pedido de adicional por insalubridade. De
acordo com o site Sensacionalista, a Santa, constantemente atacada pela bancada evangélica do Congresso — que a acusa
de ter conseguido o emprego por ser mãe do chefe — chegou a cogitar de
largar o posto e passar a ser padroeira da Síria. O que ela queria mesmo era se aposentar,
mas tem apenas 300 anos e, portanto, ainda não tem direito ao
benefício.
Brincadeiras à parte, a figura que ilustra esta postagem dá uma boa ideia do tamanho da encrenca. O desalento é geral. Menos entre os bolsomínions,
é claro — a exemplo de como se comportam os devotos da seita do inferno diante
de seu sumo pontífice ora presidiário, as toupeiras bolsonaristas, cegas pelo fanatismo
desbragado, se deliciam com qualquer flatulência do "mito", pouco lhes importando o fato de o capitão vira-casaca ter quebrado suas promessas de campanha, como acabar com a reeleição,
combater o crime, a corrupção e o PT.
Depois de preterir Deltan
Dallagnol para o cargo de PGR e
nomear AugustoAras — que ameaça destituir
Dallagnol do comando da Lava-Jato
em Curitiba devido aos factoides criados pela Vaza-Jato de Verdevaldo das
Couves —, o capitão promete indicar para o STF ninguém menos que o atual AGU,
André Luiz de Mendonça, que é
protegido de Toffoli e apoia de
forma ampla, geral e irrestrita o inquérito aberto na Suprema Corte para
perseguir qualquer cidadão que fale mal dos togados. Mas pior seria se pior
fosse: se o bonifrate do sevandija de Garanhuns tivesse vencido o pleito, aí,
sim, olharíamos para o brejo e veríamos da vaca somente as pontas dos chifres.
Seja como for, não há motivos para comemorações. Ao celebrar um
acordão com os chefes dos demais podres Poderes — para escapar de uma deposição
que estaria sendo articulada por parlamentares e parte da sociedade civil, além
de blindar seu primogênito contra as investigações do escândalo Queiroz —, Bolsonaro
se tornou refém do Congresso e do Judiciário. E falando no Judiciário, tão logo
retornou do Vaticano, onde se fez de
romeiro devoto de Santa Dulce dos Pobres,
o mestre de cerimônias do circo supremo mandou abrir as bilheterias e apregoar
que amanhã haverá função, e que o ponto alto do espetáculo será a prisão após condenação em segunda
instância exibindo-se no trapézio sem rede de segurança.
Analogias à parte, eventual reversão na jurisprudência que
vem se sustentando a duras penas fará com que cerca de 170 mil condenados,
entre os quais o picareta dos picaretas, deixem a cadeia e aguardam em
liberdade o julgamento de seus recursos. Por conta do vasto cardápio de
chicanas protelatórias que as quatro instâncias do Judiciário colocam à disposição
de criminalistas estrelados, esses criminosos só voltarão para a cadeia no dia de São Nunca, já que a pretensão punitiva do Estado não tem como
vencer a corrida contra o trânsito em julgado das condenações.
O encarceramento de condenados em duas instâncias
representou uma reviravolta. Além de levar à cadeia gente que se imaginava
invulnerável, inverteu a lógica dos recursos. Preso, o condenado mantém intacto o direito de recorrer, mas perde o interesse pela postergação dos julgamentos. A abertura das celas restabelece a lógica da
procrastinação. Com a restauração do velho ambiente propício à impunidade, a
restrição do foro privilegiado, que parecia o fim de um privilégio, pode virar
um superprivilégio: quem é julgado no STF
não tem a quem recorrer, mas um corrupto empurrado para a primeira instância
passa a dispor de todo o manancial de recursos judiciais. Com sorte e dinheiro
para contratar bons advogados, provavelmente baterá as botas e passará a comer capim pela raiz na Chácara do Vigário muito antes de ver o sol nascer quadrado.
Quando assumiu a presidência do Supremo, Toffoli sinalizou que submeteria ao plenário uma proposta
"conciliatória", que definiria como marco inicial do cumprimento da
pena a condenação em terceira instância.
Quando o recurso de Lula foi rejeitado
por unanimidade no STJ, o interesse
da banda podre da Corte por essa alternativa foi pro brejo junto com a vaca. Agora,
ao pautar a rediscussão do tema (será a quarta vez em menos de
quatro anos), o eminente ex-advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, do PT e das campanha de Lula pode realizar o sonho de todos os
bandidos de colarinho-branco e do crime organizado do Brasil, que é cometer
crimes e, se pilhados com a boca na botija, recorrer em liberdade até o
trânsito em julgado de suas sentenças.
Nunca é demais lembrar que quem está por trás desse rebosteio
é ninguém menos que o ministro Gilmar
Mendes, apelidado de Maritaca de Diamantino
por Augusto Nunes e brilhantemente
definido pelo também togado supremo Luís
Roberto Barroso como "uma pessoa
horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia, uma desonra
para o tribunal, uma vergonha, um constrangimento".A anunciada mudança de posição desse
magistrado — que foi indicado para o STF
em 2002 pelo então presidente FHC, e
que votou a favor da prisão em segunda instância e se mostrava disposto a
aceitar a proposta de Toffoli —, somada aos votos de Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, pode desencadear um formidável retrocesso se sensibilizar os ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
Moraes, indicado
por Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki, é o novato
da Corte e unha e carne com seu atual presidente. Este, que deve
o cargo a Lula e ostenta em seu
invejável currículo, além de uma longa lista de bons serviços prestados ao PT, duas reprovações em exames para juiz
de primeira instância, pode ser levado a apoiar o trânsito em julgado se sua
proposta não for aceita. Já
a ministra Rosa, cujos votos costumam
ser tão ininteligíveis quanto os pronunciamentos que a ex-presidanta Dilma fazia de improviso, já se
declarou a favor do trânsito em julgado, mas vinha acompanhando a maioria a
favor da prisão em segunda instância por entender que o tribunal deve manter
coerência em suas decisões. Para evitar o pior, é preciso que os cinco
ministros que votaram a favor da prisão em segunda instância — Moraes, Barroso, Fux, Fachin e Carmem — apoiem a proposta de Toffoli,
que assim derrotaria seus próprios aliados.
Por último, mas não menos importante: o julgamento das nefastas ADCs (que dificilmente será concluído na sessão de
amanhã) pode ter consequências também no âmbito político-eleitoral. Mesmo que o
plenário decida pelo trânsito em julgado, Lula estaria impedido de se candidatar, pois a lei da Ficha-Limpa explicita
que um condenado em segunda instância fica inelegível por oito anos contados
a partir do cumprimento da pena. A menos que a 2ª Turma doSTF anule no
caso do triplex, só restará ao petralha tentar deslegitimar a própria
lei, argumentando que, se a condenação em segunda instância deixou de ser o
final de um processo penal, ela não pode ser considerada como fator impeditivo
de uma candidatura eleitoral. Isso daria azo a outra disputa jurídica que fatalmente
desaguaria no STF.
Merval Pereira
lembra que a exigência de não ter condenação em segunda instância para um
candidato é igual à exigência da idade mínima ou ao domicílio eleitoral, ou
seja, nada tem a ver com a legislação penal. Mesmo porque ela foi aprovada em
1990, quando ainda vigia a exigência do STF
do trânsito em julgado para a prisão de um condenado. Por outro lado, não se
pode perder de vista que o ministro Gilmar
Mendes (sempre ele) faz críticas severas à lei em questão, chegando mesmo a
afirmar que ela parece ter sido escrita por um bêbado.
Como o futuro a Deus pertence, vamos aguardar o desenrolar
dos acontecimentos. E torcer. Se isso não ajudar, atrapalhar é que não vai.
Asgard é o
correspondente nórdico do Monte Olimpo
da mitologia grega; Valhala, um majestoso e enorme salão com 540 portas, dominado pelo deus Odin; Loki, o deus da trapaça e da travessura. Isso me veio à mente
— junto com um versinho infantil "Caguri cagou, caiu na merda e se afogou— quando li um texto de Josias de Souza, Vamos aos porquês.
O supremo togado que preside todos os togados supremos foi
buscar lã e saiu tosquiado. A pretexto de resguardar a imagem do STF e proteger os seus membros, abriu em março uma investigação para apurar fake news e ameaças contra as togas. Decorridos
sete meses, o processo revela-se uma gambiarra jurídica com potencial para
eletrocutar a supremacia da Corte.
Escolhido pelo Odinde toga para atuar como relator do caso, Loki
de Moraes decidiu fatiar o inquérito. Procuradores e juízes que operam na primeira instância trataram o
processo de Valhala contra fake news como uma espécie de fake
inquérito, e pelo menos três dessas fatias foram
arquivadas.
Dois arquivamentos ocorreram em São Paulo. Em nota, o
Ministério Público disse ter identificado "vício de origem e de
forma" na iniciativa do monarca de Asgard.
A investigação não poderia ter nascido no Judiciário, sem requisição da polícia
e sem a participação da Procuradoria. De resto, as pessoas investigadas não
dispunham do foro privilegiado, e que o Supremo não só acumulou os
papéis de vítima, investigador e julgador, como contrariou o devido
processo legal ao instaurar a investigação ex
officio e descrever o objeto da apuração de forma ampla e genérica.
O terceiro arquivamento se deu na cidade mineira de Pouso
Alegre, onde a Justiça Federal acatou pedido do Ministério Público que apontava
aberrações jurídicas em séria: violação do princípio do juiz natural, violação
do sistema acusatório, alijamento da Procuradoria da investigação e a escolha sem
sorteio do deus da trapaça como relator do caso.
As anomalias já haviam sido apontadas pela ex-procuradora-geral
Raquel Dodge, mas Odin ignorou se pedido de arquivamento do inquérito secreto. Na época, Loki
reagiu às críticas como se alguma coisa lhe tivesse subido à calva pelo
elevador de serviço: "Pode espernear à vontade, pode criticar à
vontade", disse. "Quem interpreta o regimento do Supremo é o
Supremo. O presidente abriu, o regimento autoriza, o regimento foi recepcionado
com força de lei, e nós vamos prosseguir". Deu no que está dando.
A divindade poderia ter requisitado na origem, à PGR, a abertura de inquéritos. Preferiu
agir por conta própria. Escorou-se no artigo 43 do
regimento interno do STF, que atribui poderes para defender a Corte contra
"infrações à lei penal ocorridas na sede ou dependência do tribunal",
tratando todo o mapa do Brasil como uma versão hipertrofiada da sede da Suprema
Corte. Aos pouquinhos, a investigação secreta foi ganhando características de
um inquérito multiuso. Serviu para censurar uma notícia da revista eletrônica Crusoé (pressionado, o calvo teve de
recuar, liberando a veiculação. Incluíram-se também no rol de investigados
auditores do Fisco e procuradores da
Lava-Jato.
O ministro Marco
Aurélio estrilou: "O que ocorre quando nos vem um contexto que
sinaliza prática criminosa? Nós oficiamos o procurador-geral da República, nós
oficiamos o estado-acusador. Somos estado-julgador. E devemos manter a
necessária equidistância quanto a alguma coisa que surja em termos de
persecução criminal".
Relator de ações protocoladas no Supremo
contra o inquérito secreto, o ministro Edson
Fachin pede desde maio a inclusão do tema na pauta de julgamentos do
plenário. Dono da pauta, o presidente togado dos togados presididos se abstém
de marcar a data. Embevecido por um sentimento de supremacia que exclui o
componente da dúvida, parece cultivar o mito da excepcionalidade. Mas mesmo na suprema Valhala,
apinhada de semideuses, é inédita essa pretensão de ser uma potência moral que
só deve contas a sua própria noção de superioridade.
Igualmente inédita é a fidelidade com que Loki se dispõe a ceder sua mão de obra e seu gênio jurídico à
onipotência do chefe. Mais um pouco e ele terá de converter a si próprio e ao
grande Odin em alvos do inquérito
sigiloso. No momento, nenhum outro brasileiro ofende mais o Supremo do que os
responsáveis pelo inquérito que apura ataques ao Tribunal.