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sábado, 9 de novembro de 2019

HOMENAGEM À VERGONHA NACIONAL



A vergonhosa decisão tomada pela ala dita garantista do Supremo na noite da última quinta-feira já começou a produzir resultados. A estimativa de que 170 mil presos seriam beneficiados era exagerada, mas o número correto é significativo: são 4.895 condenados, dentre quais os criminosos Lula — que menos de 18 horas depois deixou a sala VIP onde esteve hospedado por 580 dias (ao custo de R$ 4,8 milhões).

Depois do sumo pontífice da seita do inferno, deixaram a cadeia o guerrilheiro de araque José Dirceu e o tucano Eduardo Azeredo (prova de que os togados supremos que votaram a favor dessa vergonha não se preocuparam em favorecer somente seus bandidos de estimação da patuleia).

Em entrevista por telefone ao programa do Datena, minutos antes de o molusco abjeto ser solto, o judas supremo repisou os mesmíssimos argumentos que fundamentaram seu voto de minerva, enxovalhando mais uma vez nossa inteligência. Mas expressão de incredulidade do apresentador diante dos argumentos do magistrado valeu a entrevista.

Se a patuleia em geral e a petralhada em particular comemoraram o desserviço supremo, parlamentares e lideranças partidárias repercutiram a soltura do criminoso de Garanhuns. João Amoedo, presidente do partido Novo e candidato derrotado ao Planalto em 2018, disse que a libertação do ex-presidente significa um retrocesso na luta contra a impunidade. Amoedo defende a prisão em segunda instância e pede mobilização por um Brasil “admirável, seguro e sem impunidade".

O deputado federal Eduardo Bolsonaro lamentou a decisão do Supremo. “Pedem prisão [para] assassinos de Marielle, mas querem soltar bandidos de seus partidos. Piada”, disse pelo Twitter. Eduardo ainda escreveu que “quem trabalha sente no dia de hoje um tapa na cara”.

É certo que o zero três fala muita abobrinha, mas, neste caso específico, ele está coberto de razão. Curiosamente, seu papai, habitualmente loquaz como uma maritaca, não abriu o bico (talvez por não querer se indispor com aquele de quem se tornou vassalo para blindar zero um das investigações em curso no MP-RJ). Sérgio Moro e os coordenados da Lava-Jato fizeram breves comentários, sem afrontar diretamente a decisão do tribunal, mas deixaram clara sua posição favorável à prisão em segunda instância.

Observação: Minutos após a Justiça ordenar a soltura do petralha, às 16h23, quando a notícia já havia sido publicada em portais de notícias, um assessor de imprensa se aproximou de Bolsonaro e lhe mostrou a tela de um celular. O capitão, que acompanhava um evento em Goiânia, evitou a imprensa em eventos dos quais participou na cidade e desistiu de uma entrevista marcada para acontecer logo em seguida.

Os principais movimentos políticos brasileiros estão se mobilizando nas redes sociais e prometem manifestações em centenas de cidades do país neste sábado. O que é bom, considerando ser fundamental mostrar aos congressistas que os anseios da sociedade nem passam perto dos que Toffoli disse terem norteado o legislador, quando se vinculou o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença condenatória, em homenagem à presunção de inocência — o que, com já discutimos dezenas de vezes, não passa de mera cantilena para dormitar bovinos. Mas não se pode esperar coisa diferente de ministros que se julgam semideuses e olham para este pobre país com o olho do rabo.

O grupo Vem pra Rua havia convidado, até às 16h desta sexta-feira (8), cerca de 300 mil pessoas em sua página oficial e demais perfis na internet. Em São Paulo, o movimento promete se concentrar na esquina da Avenida Paulista com a rua Pamplona, a partir das 16h — mesmo horário em que será iniciado um protesto em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. No Rio, a manifestação será realizada, a partir das 10h, na avenida Prefeito Mendes de Morais, na praia de São Conrado. O ato terá apoio do MBL, que deverá reunir integrantes para engrossar as manifestações em diversos municípios. "Estaremos nas ruas amanhã para exigir a CPI da Lava-Toga e a aprovação da PEC da prisão em segunda instância", afirmou o deputado federal Kim Kataguiri em vídeo postado nas redes sociais do MBL.

Diz um velho ditado que é de pequenino que se entorta o pepino. Outro, que é preciso cortar o mal pela raiz. Bolsonaro, num dos poucos pronunciamentos do qual eu não tive como discordar, disse que o erro da ditadura foi ter prendido de mais e matado de menos. Cão danando não se prende. Sacrifica-se. Figueiredo — o último general-presidente (ou seria presidente-general) da ditadura, notabilizado pela frase "eu prendo e arrebento" — pensava mais ou menos da mesma maneira: "A grande falha da revolução foi terem me escolhido presidente da República. Eu fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, e deu num troço que não sei bem o que é." Na verdade, Figueiredo prendeu e arrebentou, mas não necessariamente quem deveria ter sido arrebentado. E depois que vira metástase, meus caros, o câncer fica muito mais difícil de ser combatido.

Em homenagem à decisão suprema da última quinta e às consequências que já se fazem sentir, providencie os seguinte ingredientes (as quantidades sugeridas rendem massa para 4 discos):

- 2 colheres (sopa) de fermento biológico seco;
- 2 colheres (chá) de açúcar;
- 2 1
2 xícaras de água morna;
- 6 x
ícaras de farinha de trigo;
- 2 colheres (ch
á) de sal;
- 1/4 de x
ícara de azeite;
- Farinha de trigo para polvilhar a bancada;
- Azeite para untar a tigela.

Numa tigela, misture o fermento e o açúcar, junte a água morna e mexa até dissolver. Reserve e deixe descansar em temperatura ambiente por cerca de 5 minutos (quando a mistura deve começar a espumar). 

Enquanto espera, misture numa outra tigela a farinha e o sal, forme uma concavidade no centro da massa e despeje a mistura que você havia reservado. Adicione o azeite e misture com a ajuda de uma espátula (apenas o suficiente para incorporar os ingredientes).

Sove numa batedeira com gancho, em velocidade baixa, por cerca de 5 minutos. Ao final, aumente a velocidade aos poucos e deixe bater até que se forme uma massa macia e uniforme. Desligue a batedeira quando essa massa descolar da lateral da tigela e formar uma bola no gancho. Amasse-a com os dedos, coloque-a numa tigela grande e junte duas colheres de azeite. Cubra com plástico filme e deixe descansar por uma hora (ou até a massa dobrar de tamanho).

Polvilhe farinha de trigo numa superfície lisa e seca (pode ser a mesa da cozinha ou o tampo da pia), abra a massa com um rolo apropriado (na falta dele, use uma garrafa de vinho) e divida-a em quatro porções. Abra as porções necessária com um rolo apropriado (as demais, você pode usar em outra oportunidade) e acrescente a cobertura de sua preferência.
Sugestão de cobertura para pizza marguerita:

- 1 cebola grande picada;
- 2 dentes de alho graúdos picados;
- Azeite de oliva extravirgem a gosto;
- 1 lata de tomates pelados (os italianos são os melhores);
- Sal e pimenta do reino (moída na hora) a gosto;
- 250g de queijo tipo mozzarella (em fatias finas ou ralado);
- 2 tomates vermelhos cortados em rodelas;
- Folhas de manjericão e orégano a gosto.


Esprema os tomates pelados de maneira a um purê e refogue numa panela com o azeite, o alho e cebola. Acerte o ponto do sal e da pimenta do reino. Deixe amornar e besunte o disco de pizza uma camada generosa desse molho. Salpique o orégano, cubra com o queijo, decore com as rodelas de tomate e as folhas de manjericão. Preaqueça o forno por 15 minutos (a 200ºC), coloque a pizza, deixe assar por 20 minutos, regue com um fio de azeite e sirva em seguida.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

SUPREMO INAUGURA ERA DO ABSURDO



Retomado o julgamento das imprestáveis ADCs que questionavam a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, os votos de Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello levaram o placar a 5 votos a 5. Esse resultado era tão previsível quanto a noite suceder ao dia. O que não se sabia era para que lado o vento sopraria depois que Dias Toffoli proferisse o voto de minerva. Até porque o eminente magistrado não só acenara com a possibilidade de um meio termo (prisão após condenação em terceira instância) como também dissera que "voto nosso na Presidência não é o mesmo voto de bancada".

Não foi o que aconteceu. Chegou-se a imaginar que a sessão seria adiada mais uma vez, dado o avançado da hora. Tanto Gilmar quanto Toffoli prometeram ser concisos, mas a Maritaca de Diamantino cantou por longos 90 minutos, o decano levou uma eternidade para ler seu voto (mais de 100 páginas) e o general da banda se estendeu por intermináveis três horas — durante as quais muita lenha foi queimada e pouca fumaça do bom direito, produzida. 

Ao final do blablablá, pelo placar de 6 votos a 5, a jurisprudência vigente desde 2016 — que vinha capengando desde então — foi substituída pelo nefasto entendimento de que o cumprimento da pena deve ocorrer somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Se serve de consolo, o pupilo de Gilmar — que mesmo sem currículo, conhecimento ou luz própria foi alçado ao Supremo em 2009 pelos "bons serviços" prestados a Lula, a Dirceu e ao PT e hoje sonha em ter sua passagem pela presidência da corte lembrada como "conciliadora", mas age como um embaixador da injustiça — acenou ao congresso que não se oporá a uma mudança na legislação que restaure a possibilidade da prisão em segunda instância. 

Não sei com que autoridade ele fala por seus pares. Marco Aurélio dos Tempos Sombrios, por exemplo, recentemente repreendeu-o por exorbitar de suas funções de presidente: “É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia. Aonde vamos parar?”, criticou o primo de Collor

Na sessão de ontem, Lewandowski não escondeu seu descontentamento com o colega petista a propósito de uma determinação do presidente da República — depois relativizou, dizendo que obedeceria de bom grado uma ordem do "presidente do de poder", mas não se curvaria aos desmandos do chefe do Executivo. Agora sou eu quem pergunta: Aonde vamos parar?

Observação: Lewandowski, nunca é demais lembrar, foi indicado por Lula à ao Supremo por influência da família Demarchi (de SBC) e recomendação da então primeira-dama (falo da oficial, não de Rosemary Noronha, que foi namorada do petralha durante 19 anos e viajava mundo afora no avião presidencial, sempre ao lado de Lula, que em 2006 a nomeou chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo em 2006). Dos oito ministros alçados à Corte durante as gestões petistas, ele e Toffoli são os que mais demonstram ter vestido a toga por cima da farda de militante petista.  

Sobre as consequências dessa guinada jurisprudencial, sobretudo no futuro da Lava-Jato, é melhor esperar a poeira baixar antes de arriscar alguma previsão. O que se ouviu dos analistas até agora foi um amontoado de especulações desencontradas. Ficou claro apenas que o julgamento de ontem, devido, sobretudo, à posição de Gilmar Mendes, virou um debate crítico sobre a Lava-Jato. Manifestações de repúdio à decisão vem sendo convocadas para amanhã, mas eu não sei se reunirão gente suficiente para impressionar quem deve ser impressionado. Afinal, o povo está cansado, muita gente já jogou a toalha ou pediu o boné. Quem pôde, já juntou os trapos e comprou uma passagem só de ida para bem longe daqui. Como dizia minha finada mãe, "quem pode, pode, quem não pode, se sacode".

Como o escorpião da fábula, Toffoli não é capaz de mudar sua natureza. Em seu voto, saiu em defesa da instituição, tentando convencer (talvez a si mesmo) de que a sensação de impunidade não é culpa STF, mas do sistema judiciário brasileiro, que precisa de uma ampla reforma desde a base. Afirmou que a execução após condenação em segunda instância não evita a impunidade (?!), que a Corte não atua de maneira política, e que enviou moção aos presidentes da Câmara e do Senado para que os prazos prescricionais sejam suspensos durante os recursos ao STJ e STF. Num determinado momento, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo tirou onda com a nossa cara dizendo que, ao criar a lei que vincula o trânsito em julgado ao início do cumprimento da pena, o legislador atendeu aos "anseios da sociedade" (faltou esclarecer qual sociedade, se a Máfia, se o PCC, o Comando Vermelho, a Família do Norte...). 

Enfim, a decisão colocou Lula a um passo do meio-fio, mas não lavou sua ficha-suja, pois a sentença do TRF-4 no caso do tríplex ainda está em pé. Mas a coisa muda se a 2ª Turma do STF acolher o pedido de suspeição (contra Sérgio Moro) que a defesa do petralha protocolou. Gilmar Mendes pediu vista do processo, mas deve devolvê-lo ainda este mês, e há chances reais de anulação da sentença. Nessa hipótese, o Supremo lavará, por assim dizer, a ficha enodoada de Lula, que está momentaneamente inelegível até 2035, quando completará 89 anos. Esse é o grande sonho do criminoso de Garanhuns, que já conquistou o direito de deixar o cárcere especial em Curitiba, e a própria Lava-Jato já requisitou à Justiça sua progressão de regime prisional. Confirmando-se o placar favorável na 2ª Turma, o molusco abjeto poderá percorrer o país ostentando sua pose de candidato a um terceiro mandato presidencial. O PT já organiza a caravana. Lula se equipa para fazer campanha no ano que vem para candidatos petistas às prefeitura das principais capitais do país.

Não concordo com muita coisa que o ministro dos tempos estranhos diz, mas é impossível discordar que são mesmo estranhos os tempos atuais, sobretudo agora que o Supremo resolveu inaugurar a era do absurdo. Durma-se com um barulho desses e viva o (otário) povo brasileiro.

E viva o povo brasileiro!

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

SOBRE O FINAL DO JULGAMENTO SOBRE A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA



Ao que tudo indica, o julgamento das famigeradas ADCs (do PEN, da OAB e do PCdoB) que questionam a constitucionalidade do cumprimento da pena por réus condenado em segunda instância será concluído hoje no plenário do STF. Há duas semanas, quando sessão foi adiada pela segunda vez, os votos de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski levaram o placar a 4 a 3 pela mantença da jurisprudência vigente desde 2016 (na prática, é disso que o julgamento trata). Faltam votar Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello — além do presidente da Corte, que, também ao que tudo indica, deverá desempatar o placar (para que lado ele fará a balança pender, porém, já é outra conversa).

Observação: Segundo o site O ANTAGONISTA, juízes e procuradores guardam na manga uma manobra para que a prisão em segunda instância volte em pouco mais de um ano, caso se confirme a mudança da jurisprudência. A ideia consiste em sugerir a ministros favoráveis à segunda instância que, após a proclamação do resultado, não liberem seus votos escritos e revisados para o relator compor o acórdão (documento que oficializa a decisão). Sem a publicação do acórdão, não é possível interpor embargos de declaração à própria Corte, e assim se vai empurrado a coisa até que a aposentadoria do decano permita a Bolsonaro escolher um novo ministro apto a formar uma nova maioria que vire, de novo, a jurisprudência. Um novo julgamento sobre a questão num recurso seria mais rápido do que em novas ações apresentadas à Corte, cuja tramitação poderia demorar, a depender do novo relator sorteado. O julgamento dos embargos dependeria de Luiz Fux, que assumirá a presidência do STF em setembro do ano que vem, e é francamente contrário ao trânsito em julgado.

Desde 2016, o Supremo rediscutiu essa questão nada menos que três vezes, e manteve, ainda que por exígua maioria, a jurisprudência atual. Cármen Lúcia se negou a pautar o tema durante sua passagem pela presidência da corte, afirmando que fazê-lo seria apequenar o Tribunal. Toffoli também empurrou a coisa com a barriga o quanto pode, mas acabou se rendendo às pressões, e agora terá de sair dessa sinuca de bico.

Dos anos 1940 a meados da década de 70, a prisão do condenado era conditio sine qua non para a interposição de recurso à instância superior. Durante a ditadura militar, Médici fez o Congresso alterar o CPP com a lei nº 5.941, visando favorecer o delegado do DOPS e notório torturador Sérgio Fernando Paranhos Fleury. A partir de então, condenados com bons antecedentes poderiam pagar fiança e aguardar em liberdade o julgamento de seus recursos na segunda instância. Em 1988, a Constituição Cidadã explicitou que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Como o reexame de matéria fática se encerra na segunda instância, o STJ editou a súmula 09, segundo a qual "a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência".

Quando a Lava-Jato começou a cafungar no cangote dos políticos do andar de cima, o Supremo mudou seu entendimento e passou a vincular a prisão ao trânsito em julgado decisão condenatória. Como isso significa executar a pena somente após se esgotarem todos os recursos possíveis e imagináveis nas quatro instâncias da Justiça, criminosos com cacife para contratar chicaneiras estrelados são beneficiados pela prescrição do poder punitivo do Estado e só veem o sol nascer quadrado "no dia de São Nunca"Essa aberração foi revista em 2016, mas aí começaram a chover processos contra Lula, e sua prisão levou a banda podre do STF a torpedear o entendimento que o plenário havia definido.

Caberia aos garantistas de araque explicar como um sujeito pode ser considerado "inocente" depois de ser declarado culpado por 20 magistrados (um juiz federal de primeira instância, 3 desembargadores de um Tribunal Regional e 8 ministros do STJ) e de lhe terem sido negados inúmeros pedidos de habeas corpus. Não o farão, é claro, pois acham-se os donos absolutos da verdade e entendem que suas decisões, por mais estapafúrdias que sejam, não são passíveis de questionamento. A não ser que o questionamento possa beneficiar seus bandidos de estimação.

Com 191 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal ainda exala o cheiro de bolor do tempo do Império. Basta observar seus paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de citações em latim e outras papagaiadas. Manter esse dinossauro vivo — são 1150 funcionários concursados, cerca de 1700 terceirizados; cada ministro pode ter até 40 assessores e recrutar 3 juízes auxiliares — custa mais de R$ 1 bilhão por ano. Some a isso os R$ 6 bilhões que custam o STJ e o TST, os salários e mordomias de senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores e os bilhões tragados pelo ralo da corrupção e veja porque você trabalha 153 dias por ano só para pagar impostos (que consomem 41,80% da sua renda) e o governo nunca tem dinheiro para investir em Saúde, Educação, Segurança, etc.

A celeridade jamais foi o ponto forte do STF, mas a coisa ficou ainda pior a partir de 2002, com a transmissão ao vivo das seções plenárias pela TV Justiça. Sob os holofotes, os vaidosos ministros passaram a ler votos cada vez mais longos e se desentender mais com seus pares. O volume de palavras que compõem os votos dos 11 membros da Corte (60.000, em média) a cada sessão dariam um livro de mais de 200 páginas (a média, num livro editado, é de 25 mil palavras a cada 100 páginas). É muita lenha queimada para pouca fumaça do bom direito produzida.

ObservaçãoSegundo o regimento interno do STF, devem ir a plenário casos em que haja divergências entre as turmas ou entre uma delas e o plenário em relação à matéria em votação. Também cabem ao plenário as votações em que a questão jurídica em pauta é de maior relevância, quando for necessário prevenir divergência entre as turmas, ou quando estão em pauta crimes cometidos pelo Presidente da República, pelo vice-presidente, pelos presidentes da Câmara e do Senado, pelo Procurador-Geral da República, ou por um dos membros da Corte.

Os ministros trazem os votos prontos e raríssimas vezes mudam de opinião por conta das sustentações orais dos advogados, amici curiae, membros da PGR e outros que sobem à tribuna para falar com as paredes. Para não caírem no sono enquanto esperam sua vez de falar, eles se entretêm com a montoeira de papéis sobre a bancada, navegam na Web, jogam Solitaire, enfim... Depois do relator, os demais magistrados se pronunciam na ordem inversa de sua antiguidade no cargo (ou seja, do novato ao decano). Em havendo empate, o presidente profere o voto de minerva.

Noves fora o relator, os demais decisores poderiam simplesmente dizer se o acompanham ou não o voto e, em sendo o caso, expor em poucas palavras o motivo da divergência. Assim, em vez de se gastar uma sessão inteira na leitura de dois ou três votos, poder-se-ia julgar mais de um processo por sessão, o que melhoraria consideravelmente a "performance" da Corte —  que concluiu até hoje um único julgamento de parlamentar processado no âmbito da Lava-Jato, enquanto a força-tarefa contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos e recuperou R$ 2,5 bilhões (uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014). No total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.

Com raríssimas exceções, os ministros têm egos tamanho GGG e se encantam com o som da própria voz. As luzes da ribalta potencializam essa característica e a disputa pelo protagonismo a exacerba ainda mais. Seria ingenuidade acreditar que sejam 100% imparciais, pois têm opiniões próprias e sujeitas à influência de paixões político-partidárias e interesse pessoais que eu prefiro não comentar, embora relembre o que disse o ministro Barroso em entrevista à Folha: "No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto. Sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos." Tire o leitor suas próprias conclusões.

AOS AMIGOS, TUDO; AOS INIMIGOS, A LEIQuem não se lembra do habeas corpus concedido ex-officio por Toffoli a Maluf por "motivos humanitários"? Se o turco ladrão estava mesmo à beira do desencarne na Papuda, ir para casa operou um verdadeiro milagre. Morrendo? Maluf? Só se for de rir dos trouxas que acreditam na Justiça brasileira. Uma reportagem da revista eletrônica Crusoé salienta que o STF é impiedoso com cidadãos pobres, presos por crimes menores e assistidos por defensores públicos assoberbados de trabalho, mas complacente (para não dizer subserviente) com corruptos de alto coturno, representados por criminalistas especializados em procrastinar o fim do processo até que a prescrição puna o Estado por não ter punido o criminoso em tempo hábil. A matéria lembra que, visando minimizar o impacto de um possível regresso ao status quo ante no julgamento de hoje, Toffoli enviou ao Congresso uma proposta para suspender a prescrição nos casos que cheguem às cortes superiores (STJ e STF). E que esse mesmo magistrado negou a liberdade a um alcoólatra analfabeto, condenado a 1 ano e 7 meses de prisão por furtar uma bermuda de R$ 10 numa loja do centro de Viçosa (MG), uma semana depois de conceder a José Dirceu (de quem foi advogado, assessor e chefe de gabinete durante o governo de Lula) o direito de aguardar em liberdade o julgamento de um recurso — um benefício, ressalte-se, que os advogados do ex-ministro sequer haviam pedido (clique aqui para ler a íntegra da matéria)

Compete ao Supremo proteger a Constituição e servir aos interesses da sociedade, não protagonizar espetáculos midiáticos. Mas o que já era ruim ficou pior depois que Lula e Dilma indicaram 7 membros da Corte. E os que acenderam ao cargo em outras gestões — Celso de Mello, indicado por José Sarney, Marco Aurélio, pelo primo Fernando Collor, Gilmar Mendes, por Fernando Henrique, e Alexandre de Moraes, por Michel Temer —, bem, basta lembrar que o fruto não costuma cair muito longe do pé.

O deputado federal Capitão Augusto, Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, começou na última terça-feira a colher assinaturas de colegas em apoio a um manifesto pela manutenção da jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância. A ideia é reunir cerca de 150 assinaturas e entregar o manifesto pessoalmente a Dias Toffoli antes da retomada do julgamento. Assim, os deputados se juntam aos senadores na defesa da jurisprudência atualmente em vigor — como revelou O ANTAGONISTA, o senador Lasier Martins, do Podemos, colheu 41 assinaturas de seus pares (mais da metade dos senadores), que também também deve ser entregue ao presidente da Corte. "Exigir trânsito em julgado após terceiro ou quarto graus de jurisdição para então autorizar prisão do condenado contraria a Constituição e coloca em descrédito a Justiça brasileira perante a população e instituições nacionais e estrangeiras, a exemplo das preocupações manifestadas por entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lei deve valer para todos e, após a segunda instância, não mais se discute a materialidade do fato, nem existe mais produção de provas", diz um trecho do documento.

Luís Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, relativizou uma possível mudança na jurisprudência: "A eventual alteração do marco temporal para a execução provisória da pena não significa que, em lugar da execução provisória, quando for o caso, seja decretada a prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. A rigor, o que contribui para a percepção de impunidade é o tempo demasiado entre o início e o fim do processo. Observadas todas as garantias processuais e o direito ao contraditório, o transcurso do processo penal deve atender ao princípio constitucional da duração razoável do processo. Esse é o grande desafio que o Poder Judiciário brasileiro tem".  Ainda assim, o ministro defendeu que a Corte mantenha o entendimento atual: "Acho que o correto é aplicar-se o que nós temos aplicados hoje. O STJ e o Supremo não reveem provas, não discutem mais o fato. Não cabe recurso espacial para discutir matéria de fato. E o extraordinário só cabe se houver violação da Constituição".

Assim como Gilmar MendesDias Toffoli diz que não quer perder tempo no julgamento desta quinta-feira. De acordo com a FOLHA, “o presidente da corte e possível voto de minerva tem dito que fará exposição enxuta, de menos de 20 minutos”. Que Deus nos ajude e o bom senso prevaleça.

Em tempo: Conta-se que um senador americano, tido como incorruptível, resolveu apresentar sua demissão. Perguntado por que estava deixando o cargo, respondeu o parlamentar: "porque todo homem tem seu preço, e estão chegando no do meu".     

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A SEMANA PROMETE


Aproxima-se o final do julgamento das nefastas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, que questionam a constitucionalidade do cumprimento antecipado da pena após condenação por juízo colegiado. Se nada mudar, na próxima quinta-feira os togados que ainda não votaram devem se pronunciar e o mestre de cerimônias do circo supremo, desempatar o previsível placar de 5 a 5. Que Deus nos ajude.

O Vem Pra Rua convocou para o próximo sábado (9) uma manifestação popular visando pressionar o Congresso a fazer seu papel — só a mudança da lei pode evitar interpretações perversas do STF no futuro, e só o Legislativo pode resolver o problema de forma definitiva. A Coalizão Convergência protocolou junto à PGR uma petição de DENÚNCIA de ilegalidade em todo o processo em andamento no STF. No entendimento de seus signatários — entre os quais está o jurista Modesto Carvalhosa —, a denúncia indica que o julgamento não poderia estar ocorrendo porque o próprio STF já tinha pacificado a constitucionalidade da prisão em 2ª instância quando, em Repercussão Geral, julgou o Habeas Corpus nº 126.292, processo este que se tornou paradigma para o TEMA 925
  
Voltando à família real (não dá para não falar nessa usina de crises), a aversão de Jair Bolsonaro à imprensa que o imprensa revela que, embora seja beneficiário direto da democracia, o capitão caverna não assimilou após 28 anos de mandato parlamentar e dez meses de exercício da Presidência os rudimentos da noção de cidadania. Decorridas mais de três décadas do fim de uma ditadura que se dizia proclamada em nome de ideais democráticos, Bolsonaro ainda supõe que a sociedade brasileira está disposta a aceitar uma democracia de fachada. Outros tiveram a mesma ilusão. Deram-se mal.

Na semana em que o príncipe-herdeiro caçula contaminou a atmosfera com a ideia tóxica de um "novo AI-5", o pai imperador editou o primeiro ato institucional da nova era ao ordenar a todas as repartições públicas federais que cancelem assinaturas do jornal Folha de S.Paulo. Fez isso macaqueando seu amado Pato Donald Trump, que anunciara dias antes o corte das subscrições do New York Times e do Washington Post.

O mito tropical esboçou o seu AI-2. Ameaçou cassar a concessão que mantém no ar a TV Globo. Ironicamente, Folha e Grupo Globo sustentam em suas linhas editorias ideias congruentes com as que o Posto Ipiranga tenta colocar em prática. Coisas como responsabilidade fiscal, privatizações, eliminação de privilégios, enxugamento da estrutura do Estado, desburocratização, integração do Brasil à economia mundial… Mas o que preocupa Bolsonaro é a sua agenda paralela: controlar a caixa registradora do PSL, blindar o Zero Um, sedar o ex-factótum Fabrício Queiroz e seus vínculos milicianos, virar do avesso o depoimento do porteiro, livrar o Zero Dois na CPI das Fake News e servir filé mignon para o Zero Três.

A despeito da energia que desperdiça fabricando as crises internas que prejudicam o seu próprio governo, nosso indômito capitão ainda encontra tempo para desmantelar o aparato ambiental, caluniar ONGs, desmoralizar cientistas, fustigar instituições com a fábula do leão e das hienas, criticar artistas, sufocar organizações culturais e intimidar a imprensa — sobretudo o pedaço da imprensa que veicula em voz alta, com franqueza e lealdade à opinião pública, as coisas que os próprios ministros e aliados do governo comentam às suas costas.

Para Bolsonaro, a Folha desceu "às profundezas do esgoto" e a Rede Globo dedica-se à patifaria. O penúltimo presidente que expressou sentimentos semelhantes foi o demiurgo de Garanhuns, que tachava a Folha de "preconceituosa" — em 2010, o molusco se retirou bruscamente de uma mesa de almoço no jornal, alegando estar ofendido com um par de perguntas do então diretor de redação Otávio Frias Filho sobre sua política fisiológica de alianças e sobre o fato de ostentar desprezo pelo estudo, mesmo depois de se tornar um líder nacional. Quanto à emissora, Lula disse há nove dias, numa das inúmeras entrevistas que vem concedendo de suas acomodações VIP na Superintendência da PF em Curitiba: "Um dos desejos que eu tenho é fazer um ato público na frente da TV Globo. Passar um dia inteiro falando e mostrando as mentiras contadas a meu respeito".

Bolsonaro e Lula sustentam que a imprensa está desmoralizada e perde relevância. O morubixaba do Partido dos Trabalhadores que não trabalham diz isso desde a cadeia, enquanto aguarda por uma manobra do Supremo que anule suas sentenças. O capitão já foi informado por pesquisas de diferentes institutos de que não é incondicional nem inesgotável a boa vontade da plateia. Às voltas com uma popularidade declinante, o inquilino do Planalto torce para que o Supremo não desative os escudos que inibem investigações sobre os subterrâneos da família.

A imprensa tem muitos defeitos, mas arrosta a antipatia de gente como Bolsonaro e Lula por conta de uma virtude: cumpre a missão jornalística de adequar as aparências à realidade e não o contrário, como prefeririam os imperadores da política. O papel da imprensa não é o de apoiar ou de se opor a governos. Sua tarefa é a de levar à plateia tudo o que tenha interesse público. Só não entende isso quem não dispõe de discernimento intelectual para conviver com o livre curso de informações e ideias.

Jair Bolsonaro, por exemplo, não aceita senão o apoio irrestrito e a capitulação. Por isso sonha com uma democracia de fachada, sem imprensa independente. Há pessoas cuja obra só será devidamente entendida daqui a um século. Bolsonaro só poderia ser perfeitamente entendido no século passado.

Com Josias de Souza.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA



A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, encerrar-se-á na próxima semana o julgamento sobre a constitucionalidade (ou não) do cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância. Quando a sessão foi suspensa, no último dia 24, havia 4 votos a favor da jurisprudência atual e 3 pela mudança, ou seja, pela prisão somente depois do trânsito em julgado — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Até agora, somente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o voto de Marco Aurélio — relator das famigeradas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, mas tudo indica que Cármen Lúcia deve acompanhar os dissidentes e Gilmar Mendes e Celso de Mello, o relator. Se esse prognóstico se confirmar, caberá a Dias Toffoli proferir o voto de Minerva.

O jurista Modesto Carvalhosa defende a suspensão do julgamento até que o Congresso faça seu papel, e convoca a população a sair as ruas para protestar no próximo dia 9. Independentemente da pressão popular, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo já acenou com a possibilidade de mudar seu posicionamento, embora não o tenha dito com todas as letras (detalhes na postagem de anteontem).

Toffoli vinha defendendo uma solução conciliadora — uma "terceira via" nem tanto ao mar, nem tanto à terra, que deságua na prisão após o julgamento dos recursos na terceira instância (STJ). Na última segunda-feira, no entanto, enviou ao Congresso uma proposta para alterar o Código Penal e impedir a prescrição dos processos que chegam ao STJ/STF. Assim, o prazo prescricional seria suspenso (ou seja, pararia de contar) na segunda instância, mesmo que réus investigados, que já foram condenados, entrassem com recursos em instâncias superiores. Já há precedentes na 1ª Turma no sentido de que a decisão na segunda instância interrompe a contagem da prescrição, mas a 2ª Turma, que conta com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, costuma se posicionar no sentido contrário.

A corrupção sempre campeou solta sob as barbas do Gigante Adormecido, mas só foi institucionalizada no governo Lula, a partir de quando os bandidos de gravata, estimulados pela sensação de impunidade, passaram a roubar com uma voracidade nunca vista na história deste país. O cenário começou a mudar em 2012 com o julgamento da Ação Penal 470 — mais conhecida como processo do Mensalão —, da qual Lula, inacreditavelmente, escapou incólume.

Para se ter uma ideia de como a Justiça é "célere" no país da impunidade (entre aspas para ressaltar a ironia), basta lembrar que o Mensalão foi delatado em 2005 pelo ex-deputado Roberto Jefferson, um dos condenados. O Supremo só começou a julgar o caso em agosto de 2012 e terminou, após um ano e meio e 69 sessões, com a apreciação dos embargos infringentes. Dos 38 réus no processo, 24 restaram condenados.

A Lava-Jato teve início em 2009 — com a investigação de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene e aos doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater —, mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em março de 2014. Cumpriram-se então 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva, em 17 cidades de 6 estados e no DF. Como mais de 80 mil documentos foram apreendidos pela PF — além de diversos equipamentos de informática e celulares — Rodrigo Janot, então no comando da PGR, designou um grupo de procuradores para analisar todo esse material e propor as acusações, e do trabalho dessa equipe resultaram as primeiras denúncias.

As apurações indicavam a existência de um grande esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras, o que levou à segunda fase do caso. Atendendo a um pedido da defesa dos envolvidos, o STF suspendeu as investigações, e o ministro Teori Zavascki determinou que somente a parte que tocava aos investigados com direito a foro privilegiado permanecesse no STF. Meses mais tarde, Paulo Roberto Costa assinou um acordo de colaboração com o MPF, comprometendo-se a devolver a propina recebida (incluindo os milhões bloqueados no exterior), detalhar todos os crimes cometidos e a apontar os demais participantes. Depois dele foi a vez de Alberto Youssef, e vários acordos de colaboração importantes foram negociados pela força-tarefa — os que não envolviam políticos com prerrogativa de foro foram enviados para a 13ª Vara Federal do Paraná, comandada pelo então juiz Sérgio Moro.

Ao completar 5 anos, a maior operação contra a corrupção da história deste país contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, crime contra a ordem econômica, embaraço à investigação de organização criminosa e falsidade ideológica. Nesse período, R$ 2,5 bilhões retornaram à Petrobras, a principal estatal lesada pelo esquema — uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014. No total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.

Como toda ação implica uma reação, as articulações capitaneadas por caciques políticos, líderes partidários, congressistas e até membros do alto escalão do poder Judiciário cresceram em progressão geométrica. Fossemos relembrar aqui principais ataques sofridos pela Lava-Jato, esta matéria se desdobraria em pelo menos uma dúzia de capítulos, mas pode-se resumir a ópera dizendo simplesmente que, a despeito do que alardearam os alarmista de plantão, a força-tarefa, qual Fênix mitológica, renasceu das cinzas uma vez depois da outra. Pelo menos até agora.

A ação do espúrio site The Intercept foi fundamental para a formação da tempestade perfeita, sobretudo quando Moro, Dallagnol e companhia se tornaram alvo dos vazamentos verdevaldianos, que tanta alegria proporcionaram aos políticos corruptos e os criminalistas estrelados que cobram honorários milionários para postergar sua prisão.

Num país minimamente sério, diálogos não periciados e obtidos criminosamente pelo hackeamento de 1000 celulares de autoridades governamentais, membros do judiciário, procuradores e políticos iriam para a lata do lixo juntamente com Verdevaldo das Couves, o coveiro de reputações. Mas não numa republiqueta de bananas, onde Verdevaldo é tratado pela mídia "cumpanhêra" como herói nacional. Acho até que ele só não foi sondado por algum partido para disputar as próximas eleições presidenciais porque nossa Constituição (que não é lá grande coisa) determina que somente brasileiros natos podem concorrer ao cargo de presidente desta banânia.

Ainda que os diálogos atribuídos a Moro, Dallagnol e companhia fossem periciados e tidos como verdadeiros, sua origem continuaria sendo criminosa, torando-os imprestáveis como prova em juízo. E mesmo que as transcrições não tivessem sido editadas ou manipuladas de alguma maneira — o que se admite apenas para efeitos de argumentação — elas nada comprovam senão o empenho do ex-juiz da Lava-Jato e dos procuradores da força-tarefa na defesa dos interesses da sociedade e sua determinação na luta contra a grande corrupção, mesmo tendo de enfrentar os mais poderosos corruptos da República.

Curiosamente, baixada a poeira que se levantou com a prisão do bando responsável pelo hackeamento, a imprensa quase nada mais publicou de relevante sobre o assunto, sobretudo depois que as investigações apontaram o possível envolvimento da pecedebista Manuela D'Ávila, que compôs com o bonifrate de Lula a chapa derrotada pelo capitão caverna nas eleições presidenciais de 2018. Poder-se-ia atribuir essa "perda de interesse" às estultices de Bolsonaro, à tramitação conturbada da PEC Previdenciária e, mais recentemente, à disputa por poder e dinheiro entre o capitão caverna e integrantes da alta cúpula do PSL. Mas não se pode perder de vista o fato de que veículos supostamente isentos e respeitáveis — como Folha, UOL, BandNews e Veja, entre outros — seguiram Verdevaldo como os ratos na fábula do Flautista de Hamelin. 

E incontestável que a opinião pública, como que tomada de uma “cólera santa” contra a podridão que a Lava-Jato trouxe a lume, contribuiu em grande medida para o impeachment da gerentona de araque e, mais adiante, para o encarceramento de seu criador e mentor — a autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil", em cuja alegada lisura no trato com a coisa pública muita gente ainda acredita —, mas não é esse o ponto, e sim o fato de termos subestimado a resiliência do crime organizado. Mas é igualmente incontestável que políticos corruptos, como as baratas, são capazes de sobreviver aos piores cataclismos, até mesmo nucleares.

Mesmo com vários chefes da corrupção presos (inclusive o capo di tutti i capi), os interesses dos corruptos vem sendo garantido por uma engenhosa articulação suprapartidária, cujas ramificações vão de dentro de uma cadeia no Brasil até o exterior e que se alimenta da vaza-jato do Intercept et caterva, cujo primeiro alvo, como dito linhas atrás, foi o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, tido e havido como algoz dos corruptos devido a sua seriedade, coragem, tenacidade e eficiência no combate à corrupção e a impunidade no Brasil.

É nesse pé que a coisa está. Resta saber como ficará, pois a política é como as nuvens no céu: a gente olha, elas estão de um jeito; olha de novo, e tudo mudou. Tomara que mude para melhor.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

CENÁRIO POLÍTICO - UM POUCO DE TUDO E MUITO DE NADA



Inicio as postagens da semana com uma boa notícia, para variar: a versão White House do Pato Donald anunciou ontem a morte do líder do grupo terrorista Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi. Não me entendam mal. Não se trata de celebrar a morte de alguém, mas de festejar a extirpação de um câncer. Afinal, o que é o terrorismo senão um câncer?

Também dedico algumas linhas à disputa entre a versão planaltense do Pateta & Filhos e os líderes do PSL pelo controle da legenda e respectivo fundo partidário, que no final do ano pode chegar a R$ 110 milhões. 

Depois da troca de afagos — Peppa Pig pra lá, Bambi pra cá — entre certo ex-candidato a embaixador e certa ex-líder do governo no Congresso, o tempo fechou de vez, e são grandes as possibilidades de esse bate-boca de cortiço ir parar no STF — que além de corte constitucional e última instância do Judiciário também atua como curva de rio (local onde o lixo arrastado pela correnteza tende a se acumular).

A bronca do clã presidencial com Joice Hasselmann é tamanha que o próprio Jair Bolsonaro se deu ao trabalho de espalhar para seus contatos do zap a montagem da deputada na famosa nota de 3 reais. E depois que o Delegado Waldir foi substituído por Zero Três na liderança da sigla na Câmara (o ex-candidato a embaixador abriu mão "patrioticamente" dessa pretensão para prestar localmente seus inestimáveis serviços ao país), o troco não se fez esperar: processos de expulsão foram abertos contra 19 deputados alinhados ao presidente Bolsonaro.

Observação: O líder tem como principal atribuição representar a sigla na Câmara. Cabe a ele, por exemplo, discursar na tribuna para falar em nome do partido e fazer a orientação sobre como a bancada deve votar em cada projeto em discussão. É ele quem negocia diretamente com o presidente da Câmara e de suas comissões as pautas, orientações e acordos, cabendo-lhe, ainda, levar o pleito da bancada em reuniões com representantes de outros Poderes, em especial com o Executivo. O deputado que ocupa a liderança de um partido tem ainda uma estrutura maior de apoio, com direito a gabinete adicional com assessores e cargos.

Sobre o julgamento das deploráveis ADCs (assunto que venho abordando desde o último dia 17, quando a novela começou), a sessão da última quinta-feira foi adiada depois que Rosa Weber concluiu sua confusa exposição de motivos e, num voto imenso, mal lido e com citações que nada tinham a ver com o objeto da discussão, seguiu a posição adotada pelo relator. Mas vale lembrar que a ministra não mudou de opinião, pois sempre foi contrária à prisão após condenação em segunda instância — embora viesse seguindo o entendimento da maioria "em respeito ao princípio da colegialidade".

Seja como for, Rosa era tida como o "fiel da balança", e seu voto foi mais um prego no caixão da Lava-Jato. Se a tendência não mudar (e pode mudar, como veremos mais adiante), voltará a valer a regra que vigeu entre 2009 e 2016, segundo a qual o cumprimento da pena só tem início depois de todos os recursos possíveis, imagináveis e admissíveis nas quatro instâncias do Judiciário tupiniquim serem apreciados — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Na quanta-feira, quando Toffoli já se preparava para suspender a sessão, o "apressadinho" Ricardo Lewandowski fez questão de ler seu voto (não vai levar mais que dez minutinhos, presidente) e mudou o placar de 4 a 2 para 4 a 3. Quando o julgamento for retomado na próxima semana, a menos que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimento o voto de Cármen Lúcia (que deve acompanhar a maioria dissidente) e os de Gilmar Mendes e Celso de Mello (que tendem a seguir o relator) devem formar o placar de 5 a 5, ficando o desempate por conta do voto de Minerva do presidente da Corte.

Para náufrago, diz um velho ditado, qualquer jacaré é tronco, e a despeito de seu "invejável" currículo, Toffoli é tudo que nos resta. E a boa notícia é que ele deu a entender que pode mudar seu posicionamento. Nas quatro ocasiões em que a prisão em segunda instância foi discutida, sua excelência só votou a favor em 2016 (a exemplo de Gilmar Mendes, que então defendia esse entendimento com unhas e dentes). No último dia 17, porém, após suspender a sessão, disse que “muitas vezes o voto nosso na presidência não é o mesmo voto, pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira, não é um voto de bancada. É um voto que tem o cargo da representação do tribunal como um todo”.

Também me dá esperança o fato de Toffoli almejar ser lembrado como o "presidente conciliador", tendo, inclusive, sugerido uma terceira via. Se sua proposta for realmente levada em mesa (e aprovada pela maioria), o cumprimento provisório da pena passará a ser iniciado após a decisão do STJ, o que não é grande coisa, mas ajuda a evitar que a prescrição da pretensão punitiva do Estado mantenha longe da cadeia políticos corruptos e demais condenados com cacife para contratar criminalistas chicaneiros estrelados, especializados em procrastinar ad æternum o julgamento final dos processos.

Talvez essa proposta seja mais uma jabuticaba jurídica, mas o que é mais uma chaga para um lazarento? O que é exorbitar a hermenêutica para alguns julgadores togados que, em vez de atuar como guardiões da Constituição, reescrevem as leis para favorecer seus bandidos de estimação? Quer um exemplo? Então vamos lá: semanas atrás o STF não só anulou a condenação de Márcio de Almeida Ferreira (essa foi a segunda anulação de sentença no âmbito da Lava-Jato) como se posicionou a favor (por 7 votos a 4) do desenvolvimento de uma tese que norteie as instâncias inferiores sobre a ordem de apresentação dos memoriais em processos que envolvem réus delatores e delatados. O julgamento foi adiado sine die, mas deverá ser retomando agora em novembro.

Observação: Inexiste previsão legal de que os delatados falem por último. Nem na Constituição, nem no Código Penal, nem no Código de Processo Penal, que foi revisto e reformado muitas vezes, inclusive depois do surgimento da delação premiada. O que há é a vontade política de alguns ministros que, a pretexto de uma cruzada contra as "arbitrariedades" da Lava-Jato, valem-se da "jurisprudência criativa" para anular todo o esforço feito até aqui para enfrentar a corrupção, que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, mas de mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiro público. Demais disso, “jurisprudência criativa" que prevê algo que não estava na lei equivale a lei processual nova e portanto não invalida atos processuais levados a efeito anteriormente.

Resumo da ópera: Se a jurisprudência sobre a prisão em segunda instância for mudada e o status quo que vigeu entre 2009 e 2016 restabelecido, consagrar-se-á uma situação que não existe em lugar nenhum do mundo — nem mesmo em democracias sólidas, garantidoras do direito à plena defesa e ao devido processo legal, mas onde bandidos condenados começam a cumprir suas penas após a decisão da segunda instância, senão logo depois da primeira condenação. É bom lembrar que na segunda instância encerra-se a análise do processo à luz da matéria fática (provas, etc.). Quando um recurso chega ao STJ ou ao STF, a culpabilidade do réu já está plenamente estabelecida, não cabendo aos ministros, portanto, declarar inocente alguém que os desembargadores do Tribunal Regional Federal (ou do Tribunal de Justiça, conforme o caso) tenham considerado culpado, ainda que possam anular um julgamento baseado em erros processuais, como uso de provas ilícitas ou cerceamento de defesa, por exemplo. Nestes casos, o julgamento é refeito, podendo, inclusive, resultar em nova condenação.

Ao contrário do que almejam os corruptos e seus defensores, as Cortes superiores existem para atuar no caso de direitos fundamentais dos réus serem violados durante o processo, e não para protelar ao máximo o momento em que os criminosos terá de acertar suas contas com a Justiça — ou, com alguma sorte, empurrar a coisa com a barriga até que a prescrição fulmine inexoravelmente a eficácia da pretensão punitiva/executiva do Estado.

sábado, 26 de outubro de 2019

DATA VÊNIA, DANE-SE O BRASIL


O voto da ministra Rosa Weber, contrário à regra que permite o início do cumprimento da pena após a condenação por um juízo colegiado, consolidou a tendência do STF de exumar a velha jurisprudência. Caso esse prognóstico se confirme, a corte prestará mais um desserviço à sociedade e, em última instância (peço desculpas pelo trocadilho), aos contribuintes, já que o dinheiro arrecadado com os impostos escorchantes a que o trabalhador brasileiro é submetido, além de ser tragado pelos ralos da corrupção, banca o salário do funcionalismo, aí incluída a nababesca remuneração da alta cúpula do Poder Judiciário — que nas horas vagas se empanturra, a expensas do Erário, com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca, arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tornedores de filé”, tudo regado a uísques e vinhos importados e premiados.

Observação: Nunca é demais lembrar que o brasileiro trabalha 153 dias por ano, em média, só para pagar impostos, e a somatória de tributos municipais, estaduais e federais consome 41,80% de sua renda.

Conhecida por seus votos tortuosos e confusos, a ministra Rosa Maria Pires Weber — além da qual somente o ministro Luiz Fux é egresso da magistratura —, é gaúcha de Porto Alegre. Ela iniciou sua carreira como juíza do trabalho e, depois de presidir o TRT-4, foi indicada por Lula para o TST e, mais adiante, por Dilma para o STF. Como a ministra completou 71 anos no último dia 2, teremos de aturar sua confusa abilolância por mais longos quatro anos — a menos, é claro, que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimentos.

Antes de dar início à leitura do seu voto, Rosa elogiou os votos dos colegas Fachin e Barroso, acenderam-se diante de mim todas as luzes amarelas. Mas a inusitada vocação dessa senhora para se perder em circunlóquios absconsos, quase tão indecifráveis quanto os pronunciamentos daquela que a indicou para o STF, permitiu-me acalentar um resquício de esperança. Leda pretensão.

A sessão foi suspensa quando se contabilizavam 4 votos favoráveis ao início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância e 3 contrários. Dos que ainda não votaram, Cármen Lúcia deve acompanhar a divergência e Gilmar e Lewandowski, seguir o relator. Se isso se confirmar, o placar ficará em 5 a 5, e o voto de Minerva do presidente da Corte decidirá se os condenados voltarão a recorrer em liberdade aos tribunais superiores de Brasília.

Josias de Souza relembra que a mudança que se vislumbra, se sacramentada, não abrirá apenas as celas de personagens como Lula e Dirceu, mas manterá longe da cadeia atores como Aécio e Temer, que ardem no momento no mármore quente da primeira instância e reintroduzirá no processo penal brasileiro dois vocábulos nefastos: prescrição e impunidade. Escaldado, o brasileiro vai se tornando especialista em enxergar o lado bom das coisas, mesmo que seja necessário procurar um pouco. No caso do recuo na regra sobre a prisão, o bom é que a providência, se confirmada, ajudará a explicar por que o Brasil virou o mais antigo país do futuro do mundo.

Costuma-se dizer que otimistas vêm um copo pela metade como "meio cheio" e pessimistas, como "meio vazio". Conforme eu comentei no post anterior, o voto da ministra Rosa cravou mais um prego no caixão onde jaz a esperança dos cidadãos de bem deste país. Todavia, ao final da sessão da última quinta-feira, Toffoli — que já votou a favor da prisão em segunda instância uma vez, em 2016 — disse que ainda não se decidiu: "Estou, como o ministro Marco Aurélio sempre costuma dizer, aberto a ouvir todos os debates. Muitas vezes o voto nosso na presidência não é o mesmo voto, pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira, não é um voto de bancada. É um voto que tem o cargo da representação do tribunal como um todo".

Torçamos, pois.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

PARABÉNS, MINISTRA! QUE DEUS A LEVE, GUARDE E ESQUEÇA ONDE!



Por volta das 16h00 de ontem, a ministra Rosa Weber concluiu sua sempre confusa exposição de motivos e, num voto imenso, mal lido e com citações que nada tinham a ver com o objeto da discussão, incluindo um belo poema de Kaváfis, posicionou-se contrária ao comprimento antecipado da pena. Assim, com o placar em 3 a 2 a favor da mantença da jurisprudência atual, claudicante mas ainda vigente, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo suspendeu a sessão por 15 minutos.

O intervalo foi mais longo que o previsto, mas sobrou tempo para o ministro Luiz Fux alinhar seu voto aos de Moraes, Fachin e Barroso, e para Lewandowski acompanhar o do relator, a exemplo do que fizera pouco antes a ministra Rosa — que sequer ficou vermelha ao cravar mais um prego no esquife em que jaz a esperança do povo brasileiro no combate efetivo à corrupção e aos corruptos.

Tenho comigo que os motivos que levaram Rosa a decidir como decidiu não são espúrios como os que movem outros togados supremos nessa mesma mesma direção. A magistrada, que a exemplo de Luiz Fux é juíza de carreira (diferentemente de todos os demais supremos togados que atualmente compõem nossa mais alta corte de injustiça), parece ter votado com base em suas convicções, e se estas são retrógradas e totalmente divorciadas da realidade atual e dos anseios da sociedade civil, paciência.

Nunca é demais lembrar que boas intenções pavimentam o caminho que leva ao Inferno — ou ao paraíso, dependendo do lado do balcão em que se está. A decisão da ministra foi como il culo e il cazzo para empresários e políticos corruptos — e para os criminalistas chicaneiros que ganham rios de dinheiro procrastinando o trânsito em julgado das condenações impostas a criminosos abonados.

Resumo da ópera: O placar ainda está a nosso favor, mas, a menos que ocorra uma guinada de 180º, sinais claros de derrota já se delineiam no horizonte. Como o termino do julgamento deve se dar somente na primeira semana de novembro, restam pouco mais de 10 dias para se tentar reverter esse quadro. A bola está com o povo; se ele sabe o que fazer com ela, porém, já é outra conversa.

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Há muita revolta de gente boa, decente e bem intencionada em relação aos grupos de caminhoneiros que rogam pragas contra o STF. Cidadãos que defendem sinceramente a paz na vida pública estão alarmados com a escalada da violência verbal, nas redes sociais e fora delas, contra políticos, partidos e magistrados supremos. Aumenta o medo de muitos diante das “milícias virtuais” — como são chamados hoje os que atacam com agressividade as autoridades constituídas. Tudo isso é muito ruim. Mas também é inútil o esforço das mentes equilibradas para ignorar a realidade que todos estão vendo.

Uma parte cada vez maior da população não acredita mais que o Congresso e o Supremo operem com um mínimo de honestidade — está convencida, ao contrário, que são organizações de proteção ao crime. Nesses momentos, fica formada uma coisa que a ciência política chamada de “ilegitimidade institucional” — ou seja, as instituições passam a ser vistas como algo que faz mal ao bem comum. Não são mais a proteção das pessoas. São as suas inimigas.

A verdade que ninguém fala em voz alta é a seguinte: são as Forças Armadas, e só elas, que mantém abertos hoje em dia o Congresso e o Supremo. Se dependesse da vontade da maioria dos brasileiros, ambos já teriam ido para o espaço, pois muito pouca gente está disposta a defender instituições que se transformaram em lixo, devido à conduta diária de seus membros. Ou alguém acha que deputados, senadores e ministros do STF são um modelo de virtude?

(Texto de J.R. Guzzo)

Sobrando tempo, assista ao vídeo abaixo (são pouco mais de 2 minutos).

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

BRASIL - UM PAÍS QUE VAI PRA ONDE?



Depois que Marco Aurélio concluiu a leitura de seu relatório sobre as ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB e, como esperado, votou contra os interesses dos cidadãos de bem deste país, Alexandre de Moraes abriu a dissidência, sendo seguido por Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Como já passava das 18h30 e Toffoli deveria comparecer ao lançamento de um livro em homenagem a seus 10 anos no STF, a sessão foi suspensa.

Os trabalhos serão reiniciados às 14h00 desta quinta-feira, quando votarão os demais ministros, começando por Rosa Weber. Se ela acompanhar  Moraes, Fachin e Barroso e não houver nenhum acidente de percurso, a jurisprudência atual será mantida, ainda que (mais uma vez) com a diferença de um voto. Já se Rosa acompanhar o relator, é possível que alguém peça vista ou que Toffoli ou outro ministro coloque em mesa uma sugestão alternativa, como a de estabelecer a condenação pelo STJ como marco delimitador do início do cumprimento da pena. Mas isso é tudo especulação.

Depois de Rosa, votam Fux, Cármen, Lewandowski, Gilmar, o decano e o presidente da Corte — que, devido a um compromisso qualquer, propôs que a sessão transcorra sem intervalos e seja adiada pouco antes das 18h00. Se assim se der e considerando que cada voto demora mais ou menos uma hora, Celso de Mello e Dias Toffoli só proferirão os seus no início do mês que vem, já que até lá não haverá sessão no STF. Mas, de novo, tudo depende da ministra Rosa. Se ela votar pela mantença da jurisprudência atual, o resultado estará delineado e Lewandowski e Gilmar poderão resumir seus votos, pois estender as argumentações a favor do trânsito em julgado será o mesmo que chutar cachorro morto. A ver.

Como o STF não é o único responsável pelas úlceras gástricas que acometem os cidadãos de bem desta Banânia, seguem algumas linhas sobre o encerramento da novela da Reforma da Previdência no Senado:

Por iniciativa do presidente da Casa, Davi Alcolumbre, coube ao senador petista Paulo Paim a honra e o privilégio de anunciar a conclusão do processo legislativo — coisa que o sempre espirituoso Josias de Souza comparou a dar ao Coringa o papel de protagonista numa festa promovida pelo Batman. Mas vale lembrar que nesta banânia, onde existe o risco de criminosos notórios serem soltos e os procuradores que os investigaram e os magistrados que os condenaram acabarem todos na cadeia, isso não chega mesmo a surpreender.

Enfim, depois de muita conversa, aprovou-se uma emenda de Paim que permite a concessão de aposentadorias especiais a trabalhadores que exercem atividades de risco. Foi a última proposta a ser votada. Alcolumbre chamou o colega petista à mesa, cedeu-lhe o assento de presidente da sessão e exortou-o a anunciar o resultado da votação: 78 votos a favor, nenhum contra.

Seguiu-se um longo discurso do petista, que não chegou a ecoar o líder do PT, Humberto Costa, que escalara a tribuna na véspera para atacar a reforma e chamar o ministro Paulo Guedes de "verdugo do povo pobre brasileiro, discípulo de Pinochet, que quer aqui no Brasil aquilo que foi feito lá [no Chile] e está fazendo aquele país viver um ambiente de incerteza e crise social". Mas teve a oportunidade de declarar coisas assim: "Estou muito triste com o que está acontecendo no Chile, onde o presidente da República pediu perdão ao seu povo".

O senador petista recordou que a proposta original do governo continha o modelo de capitalização à moda do Chile. "O Congresso disse não", realçou Paim. "O sistema não deu certo. E o Brasil não pode copiar o que não deu certo". Animado com o acordo firmado em torno de sua emenda, Paim animou-se a mandar um recado para o presidente desta Banânia: "Oxalá o exemplo que o Senado deu hoje sirva também para o outro lado da rua". Sem mencionar nominalmente Bolsonaro, o senador vermelho reforçou estereótipos associados à imagem do capitão: "É possível, sim, que a gente tenha um país onde se olhe de forma igual para negros, brancos, índios, independentemente da religião e orientação sexual de cada um."

Ao final do discurso, sua excelência petista recebeu uma salva de palamas e a sessão foi encerrada sem que Alcolumbre retomasse o assento de presidente. Paim, que chegou a questionar a existência de déficit na Previdência, deu a última palavra no epílogo da tramitação legislativa da mais abrangente mexida previdenciária feita no Brasil. Ao se levantar, Fernando Bezerra, o líder de Bolsonaro no Senado, assim saudou o arquirrival da reforma da Previdência: "Presidente Paim".

É mole?

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O STF E A PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA — AINDA DÁ TEMPO FAZER UMA FEZINHA...


Senado retoma nesta quarta-feira a votação de dois destaques que, caso sejam aprovados, reduzem a economia projetada pela PEC Previdenciária economia em pelo menos R$ 76,5 bilhões em 10 anos, além de suscitar dúvidas quanto à necessidade (ou não) de a reforma retornar à Câmara. O risco de derrota na apreciação do destaque do PT levou o presidente da Casa a suspender a votação que estava em andamento e encerrar a sessão na noite de ontem. Dito isso, passemos à postagem do dia

Fezinha no sentido de aposta, é bom deixar claro. No entanto, se você tem fé, não custa rezar. Ou acender uma vela para seu santo de devoção, jogar flores ao mar para Yemanjá, botar despacho na encruza, enfim... Ouvi alguém dizer certa vez que se macumba ganhasse jogo o campeonato baiano terminava empatado. Em, particularmente, estou com os espanhóis: "No creo en brujas, pero que las hay, las hay". Mas reze, caro leitor. A fé move montanhas. E se não ajudar, atrapalhar é que não vai.

O Supremo, cuja função precípua é a de guardião da Constituição, torna-se verdadeira "curva de rio" (onde se acumula todo o lixo trazido pela correnteza) quando atua como última instância da Justiça criminal. E se a Constituição Cidadã já não é grande coisa (pelos motivos que expus em diversas oportunidades), a atual composição da Suprema Corte é ainda pior (pelo motivos que eu também expus em diversas oportunidades), a começar pelo atual presidente, que levou bomba em dois concursos para Juiz de primeira instância (em 1994 e 1995, ambas as vezes na etapa preliminar, que avalia conhecimentos gerais e noções elementares de Direito do candidato), foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, atuou nas campanhas de Lula à presidência (em 1998, 2002 e 2006), ocupou o cargo de subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República, foi promovido a advogado-geral da União e finalmente a ministro do STF (em 2009, na vaga aberta com a morte de Carlos Alberto Menezes Direito).

A vida pregressa de José Antonio Dias Toffoli dificilmente justificaria sua nomeação para a mais alta corte do país, mas no Brasil o Q.I. (de “Quem Indica”) fala mais alto, e estar nas boas graças do grão-petralha fez toda a diferença na época. E assim o nome de Toffoli foi aprovado no Senado, em votação secreta, por 58 votos a favor, 9 contra e 3 abstenções. Nas sabatina de praxe, o então candidato a ministro classificou como “coisa do passado” sua atuação como advogado de Lula e do PT, e afirmou que não tinha mestrado, doutorado, nem escrevera qualquer livro simplesmente porque “optou pela advocacia, que é uma atividade nobre, honrosa, que na Constituição federal como função essencial justiça, defensora das liberdades, da aplicação dos direitos". Vale lembrar que, segundo nossa formidável Carta Magna, não é preciso ser bacharel em Direito para concorrer a uma vaga no Supremo; exige-se do candidato, somente, “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” — vale mencionar que a OAB exclui da lista de indicações para o quinto constitucional advogados reprovados em concursos para a magistratura.

Observação: Mesmo sendo considerado incapaz de assinar uma simples sentença de despejo e a despeito de ter sido condenado a devolver aos cofres públicos cerca de R$ 700 mil recebidos indevidamente, o apadrinhado de Lula se tornou ministro supremo. Mais adiante, ele foi citado na delação Léo Pinheiro por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão e acusado de receber mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel.

Em 2012, durante o julgamento do mensalão, Toffoli não se deu por impedido e tampouco encontrou provas suficientes contra seu ex-chefe José Dirceu — que acabou sendo condenado pela maioria da Corte. Por outro lado, pesa a seu favor o fato de ele ter considerado culpados Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e José Genoíno, ex-presidente do partido. Há quem diga que o ministro deixou a militância petista. Em fevereiro de 2016, quando o Supremo deu aval à prisão em segunda instância, ele foi favorável à tese, mas mudou de posição nos julgamentos seguintes, passando a defender o cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

No papel de guardião da Constituição, o Supremo tem o poder de definir o alcance do texto da Carta sobre temas que, direta ou indiretamente, afetam a vida de todos os brasileiros. Dada a inoperância do Poder Legislativo (a não ser quando o assunto interessa diretamente ao congressistas), o STF decidiu em 2009 pela impossibilidade se prender alguém antes que os tribunais superiores (leia-se o STJ e o próprio Supremo) analisassem os recursos das defesas. O entendimento vigeu (e fomentou a impunidade) por sete longos anos.

Em fevereiro de 2016, já com a Lava-Jato no encalço de figurões da elite política e econômica do país, um novo entendimento consagrado pelo plenário da Corte tornou possível a prisão do réu logo após sua condenação por um órgão colegiado. A medida teve impacto direto nas investigações. Poderosos de todos os tipos se viram — como nunca antes na história deste país, parafraseando um ex-presidente que conheceu a cadeia justamente após a decisão dos ministros) sob risco de ver o sol nascer quadrado, e muitos passaram a fechar acordos de colaboração premiada como forma de evitar as agruras do cárcere. Pouco mais de três anos após a mudança e já com a Lava-Jato batendo na porta do próprio Judiciário, os nobres magistrados acharam por bem revisitar o tema. Sob a presidência de Dias Toffoli, que em 2016, a exemplo de seu mentor (Gilmar Mendes), era favorável à prisão, mudou de ideia, e agora a corte tende a voltar à posição de 2009.

Feita essa (não tão) breve introdução, passemos ao que interessa, pelo menos a quem quer apostar no resultado do julgamento das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância. Na sessão da semana passada, pouco se ouviu além da mais pura cantilena para dormitar bovinos. Agora, porém, espera-se um debate ferrenho entre as alas garantista e punitivista do tribunal.

Sempre que faz uma fezinha na Loteria Esportiva, o apostador ortodoxo analisa desempenho dos times cujo resultado das partidas definirá o ganhador (ou os ganhadores) da bolada. Claro que o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e não raro a zebrinha morre de rir de quem seguiu a lógica. No caso em tela, porém, prever qual "time" sairá vitoriosos e qual será o placar da partida é um exercício de futurologia, embora possamos nos balizar pela posição que vem sendo adotada pelos togados supremos.

Edson Fachin votou pela prisão após condenação em segunda instância em todos os julgamentos de que participou. “Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual não se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das instâncias ordinárias", disse ele em 2016.

Luiz Roberto Barroso também votou todas as vezes pela possibilidade de prisão a partir da condenação em segundo grau, sendo, atualmente, o ministro mais combativo da Corte em defesa da manutenção do status quo. “Não há dúvida de que a interpretação que interdita a prisão anterior ao trânsito em julgado tem representado uma proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas. Afinal, um direito penal sério e eficaz constitui instrumento para a garantia desses bens jurídicos tão caros à ordem constitucional de 1988. (…) No momento em que se dá a condenação do réu em segundo grau de jurisdição, estabelecem-se algumas certezas jurídicas: a materialidade do delito, sua autoria e a impossibilidade de rediscussão de fatos e provas (o grifo é meu). Neste cenário, retardar infundadamente a prisão do réu condenado estaria em inerente contraste com a preservação da ordem pública, aqui entendida como a eficácia do direito penal exigida para a proteção da vida, da segurança e da integridade das pessoas e de todos os demais fins que justificam o próprio sistema criminal. Estão em jogo aqui a credibilidade do Judiciário — inevitavelmente abalada com a demora da repreensão eficaz do delito —, sem mencionar os deveres de proteção por parte do Estado e o papel preventivo do direito penal. A afronta à ordem pública torna-se ainda mais patente ao se considerar o já mencionado baixíssimo índice de provimento de recursos extraordinários, inferior a 1,5% (em verdade, inferior a 0,1% se considerarmos apenas as decisões absolutórias), sacrificando os diversos valores aqui invocados em nome de um formalismo estéril. (…) A mudança de entendimento também auxiliará na quebra do paradigma da impunidade. Como já se afirmou, no sistema penal brasileiro, a possibilidade de aguardar o trânsito em julgado do recurso especial e do recurso extraordinário em liberdade para apenas então iniciar a execução da pena tem enfraquecido demasiadamente a tutela dos bens jurídicos resguardados pelo direito penal e a própria confiança da sociedade na Justiça criminal. Ao evitar que a punição penal possa ser retardada por anos e mesmo décadas, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal. Ainda, iniciando-se a execução da pena desde a decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, evita-se que a morosidade processual possa conduzir à prescrição dos delitos. Desse modo, em linha com as legítimas demandas da sociedade por um direito penal sério (ainda que moderado), deve-se buscar privilegiar a interpretação que confira maior — e não menor — efetividade ao sistema processual penal”, argumentou o ministro, também em 2016.

A exemplo do xará e colega retrocidado, Luiz Fux, atual vice-presidente do STF, é favorável à prisão após condenação em segunda instância. “Nos países onde a Justiça é muito célere, até pode-se cogitar do trânsito em julgado (esgotamento de todos os recursos) neste país, mas no Brasil as decisões demoram muito para se solidificar e se tornarem imutáveis. De sorte que eu considero realmente um retrocesso se essa jurisprudência for modificada”, disse ele a jornalistas, antes da sessão plenária da semana passada. “Por outro lado, em todos os países do mundo, a mudança da jurisprudência se dá depois de longos anos, porque a jurisprudência tem de se manter íntegra, estável e coerente — e nós não somos diferentes de ninguém. Estamos adotando um precedente e temos de seguir essa regra. E estamos seguindo países como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Portugal, Espanha e demais países do mundo”, completou o magistrado.

Rosa Weber é contra a prisão após condenação em segunda instância, mas, no julgamento de um habeas corpus de Lula, em abril de 2018, decidiu a favor por entender que, naquele momento, era preciso seguir o entendimento do plenário do STF sobre o tema. “Tenho alguma dificuldade na revisão da jurisprudência pela só alteração dos integrantes da corte. Para a sociedade, existe o Poder Judiciário, a instituição, no caso o Supremo Tribunal Federal. Por isso é que, embora louvando, como já disse, e até compartilhando dessas preocupações todas — é emblemático o caso que o eminente Ministro Luís Roberto refere, sob a minha relatoria, revelador do uso abusivo e indevido de recursos, e estamos todos os dias enfrentando essa realidade —, eu, talvez por falta de reflexão maior , não me sinto hoje à vontade para referendar a revisão da jurisprudência proposta (…) Há questões pragmáticas envolvidas, não tenho a menor dúvida, mas penso que o melhor caminho para solucioná-las não passa pela alteração, por esta Corte, de sua compreensão sobre o texto constitucional no aspecto", disse a ministra, também em 2016. E em 2018, no julgamento do habeas corpus de Lula: “Compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência, como tampouco o são, acresço, razões de natureza pragmática ou conjuntural (…) Colocadas tais premissas teóricas, e forte no que nelas explicitei, destaco que, tendo integrado a corrente minoritária neste plenário quanto ao tema de fundo, passei a adotar, nesta Suprema Corte e no exercício da jurisdição eleitoral, no TSE, a orientação hoje prevalecente, de modo a atender não só o dever de equidade que há de nortear, na minha visão, a prestação jurisdicional — tratar casos semelhantes de modo semelhante —, mas também, como sempre enfatizo, o princípio da colegialidade que, enquanto expressão da exigência de integridade da jurisprudência, é meio de atribuir autoridade e institucionalidade às decisões desta casa."

Cármen Lúcia se recusou terminantemente a pautar o julgamento das ADCs durante os dois anos em que presidiu o Supremo, afirmando que rediscutir novamente o assunto, após um intervalo de tempo tão curto, seria apequenar o tribunal (se é que é possível apequená-lo ainda mais). Fato é que a ministra sempre foi favorável à prisão após decisão em segunda instância: “(...) As consequências eventuais com o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória haverão de ser tidas e havidas após o trânsito em julgado, mas a condenação que leva ao início de cumprimento de pena não afeta este princípio estabelecido inclusive em documentos internacionais (…) Portanto, naqueles julgamentos anteriores, afirmava que a mim não parecia ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal o início do cumprimento de pena determinado quando já exaurida a fase de provas, que se extingue exatamente após o duplo grau de jurisdição, porque então se discute o direito (…) Portanto, o quadro fático já está posto. Outras questões, claro, haverão de ser asseguradas para os réus. Por isso, Presidente, considerei e concluí, votando vencida naqueles julgados, no sentido de que o que a Constituição determina é a não culpa definitiva antes do trânsito, e não a não condenação, como disse agora o ministro Fux, se em duas instâncias já foi assim considerado, nos termos inclusive das normas internacionais de Direitos Humanos", ponderou a magistrada em 2016 (note que, à época, Ricardo Lewandowski ainda presidia o STF).

Henrique Ricardo Lewandowski foi mais um togado supremo alçado ao cargo pela falta de noção — ou pelo amor as próprios interesses e conveniências — de certo ex-presidente presidiário das dimensões do cargo de ministro da nossa mais alta Corte de Justiça. Atuou como advogado militante de 1974 a 1990. Era amigo da Famiglia Demarchi e ingressou na vida pública com o apoio de Walter Demarchi, que o nomeou para a Secretaria de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo (os Demarchi se orgulham de terem sugerido seu nome quando surgiu a vaga no STF, em 2006, com a aposentadoria do ministro Carlos Velloso, e de Lula ter aceitado prontamente a sugestão). Durante o julgamento do mensalão, retribuiu a gentileza do padrinho, atuando mais como defensor dos mensaleiros do que como julgador, e repetiu a dose quando, como presidente do STF, comandou a votação do impeachment de Dilma e, mancomunado com cangaceiro das Alagoas, que à época era presidente do Congresso, fatiou o objeto da votação em dois quesitos, evitando a cassação dos direitos políticos da mulher sapiens inutilis. Também é defensor ferrenho da prisão do dia de S. Nunca, digo, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, e votou nesse sentido em todos os julgamentos de que participou. “Eu vou pedir vênia ao eminente Relator e manter a minha posição, que vem de longa data, no sentido de prestigiar o princípio da presunção de inocência, estampado, com todas as letras, no art. 5º, inciso LVII, da nossa Constituição Federal. (…) Assim como fiz, ao proferir um longo voto no HC 84.078, relatado pelo eminente Ministro Eros Grau, eu quero reafirmar que não consigo, assim como expressou o Ministro Marco Aurélio, ultrapassar a taxatividade desse dispositivo constitucional, que diz que a presunção de inocência se mantém até o trânsito em julgado. Isso é absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar esse dispositivo. (…) Em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de ¼ de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo” (2016).

Sobre Gilmar Mendes... ah, o Gilmar... Bastaria reler as postagens anteriores (além desta, que oferece informações mais detalhadas), mas vou dedicar algumas linhas àquele que Augusto Nunes tão bem definiu como Maritaca de Diamantino e o ministro Barroso, como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia". Em 2009, o ministro votou contra a prisão após condenação em segunda instância; em 2016, não só votou a favor como foi o maior defensor da tese no STF. Em abril de 2018, mudou novamente de opinião — ou não tem opinião, simplesmente age conforme seus interesse no momento —, e agora defende a ferro e fogo o retorno à jurisprudência anterior. Dado o cinismo dos argumentos desse decisor, prefiro nem transcrever o que ele disse nas últimas sessões.

Se nada mais se pode dizer a favor de Marco Aurélio Mello (detalhes nas postagens anteriores), há que reconhecer sua coerência. Ele sempre foi contrário à prisão em segunda instância e sempre votou nesse sentido em todos os julgamentos dos quais participou. Em dezembro passado, chegou mesmo a assinar uma liminar que determinava a libertação de todos os condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos às cortes superiores. “Em passado recente, o tribunal assentou a impossibilidade, levando inclusive o STJ a rever jurisprudência pacificada, de ter-se a execução provisória da pena? Porque, no rol principal das garantias constitucionais da Constituição de 1988, tem-se, em bom vernáculo, que ‘ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória’. (…) O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio da autocontenção. Já disse nesta bancada que, quando avançamos, extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como que se lança um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa” (2016).

Celso de Mello também é coerente no erro, digo, em sua opinião sobre o tema: em todos os julgamentos de que participou, o decano da Corte sempre votou contra a prisão em segunda instância. “Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado, tal como tem advertido o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte. (…) Disso resulta, segundo entendo, que a consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa — independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado — há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer, até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal, como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral. (…) Lamento, senhores ministros, registrar-se, em tema tão caro e sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos da República, essa preocupante inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do estado” (2016).

Alexandre de Moraes é o novato da Corte. Foi secretário estadual de Justiça e de Segurança Pública durante a gestão do governador paulista Geraldo Alckmin. Em maio de 2016, foi nomeado ministro da Justiça pelo Vampiro do Jaburu. Sua trajetória política é recheada de controvérsias — durante a crise penitenciária, por exemplo, declarações atrapalhada e feitas com demora, combinadas com a inabilidade para pôr um ponto final às rebeliões, levaram Temer pensar em demiti-lo do ministério da Justiça, mas, em vez disso, resolveu indicá-lo para a vaga aberta com a morte trágica do ministro Teori Zavascki num acidente aéreo em Parati. Muito se comentou sobre sua suposta ligação com o PCC, de quem Moraes teria sido advogado. Na verdade, ele advogou para a cooperativa de vans Transcooper, acusada de integrar um esquema de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro em ao menos 123 processos na área civil. Em sua defesa, o dono da careca mais luzidia do STF alegou que renunciou a todos os processos nos quais advogava quando assumiu a SSP e que ele e seus sócios jamais prestaram serviços à pessoas acusadas de fazerem parte do crime organizado, apenas à pessoa jurídica da cooperativa. Em 2018, Moraes votou a favor da prisão após condenação em segunda instância: “Ignorar a possibilidade de execução provisória de decisão condenatória de segundo grau, escrita e fundamentada, mediante a observância do devido processo legal, ampla defesa e contraditório e com absoluto respeito as exigências básicas decorrentes do princípio da presunção de inocência perante o juízo natural de mérito do Poder Judiciário — que, repita-se, não é o STJ nem o STF — seria atribuir eficácia zero ao princípio da efetiva tutela jurisdicional, em virtude de uma aplicação desproporcional e absoluta do princípio da presunção de inocência. (…) Exigir o trânsito em julgado ou decisão final para iniciar a execução da pena aplicada após a análise de mérito da dupla instância judicial constitucionalmente escolhida como juízo natural criminal seria subverter a lógica de harmonização dos diversos princípios constitucionais penais e processuais penais e negar eficácia aos diversos dispositivos já citados em benefício da aplicação absoluta e desproporcional de um único inciso do artigo 5º, com patente prejuízo ao princípio da tutela judicial efetiva.”

Como se vê, embora nada impeça qualquer dos ministros de rever sua posição, tudo indica que o resultado do julgamento de amanhã está nas mãos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes. A sessão extraordinária começa às 9h30, mas o julgamento pode não ser concluído hoje, sem mencionar a possibilidade de algum ministro pedir vista do processo.O Vem Pra Rua mobilizou seguidores nas redes sociais para convencer BarrosoFuxFachin e Cármen Lúcia a pedirem vista e interromper o julgamento.

O STF tem sofrido pressões de todos os lados. A intimidação mais agressiva vem de caminhoneiros bolsonaristas, que gravaram vídeos ameaçando novas paralisações caso Lula seja solto. “Se vocês soltarem tudo que é ladrão, principalmente o maior de todos eles, que é o Lula, vocês vão ver a maior paralisação que este País já teve. E quando os caminhoneiros param, o Brasil para. Fica esperto, Toffoli”, diz um caminhoneiro identificado como “Marcão”. “Já viram caminhão subindo rampa? Vocês querem soltar bandido para benefício próprio de vocês. Chega! Ou vocês trabalham direito ou vão ver o que vai acontecer. Isso não é um recado, não. É uma promessa”, diz outro caminhoneiro.

A ofensiva também chegou aos gabinetes dos ministros, que não param de receber mensagens e ligações para impedir a revisão da atual jurisprudência. Só no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, foram mais de 2 mil telefonemas e 4,5 mil e-mails na semana passada. Na semana passada, o general Eduardo Villas Bôas defendeu no Twitter o “grande esforço para combater a corrupção” e alertou para os riscos de “convulsão social”. No ano passado, um tuíte dele na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula foi interpretado como intimidação. Agora, a nova postagem é vista na Corte como um “gesto isolado”.

A deputada federal Margarete Coelho, coordenadora do grupo de trabalho que analisa os projetos anticrime e anticorrupção na Câmara dos Deputados, rebateu nesta segunda-feira críticas de que os deputados se manifestaram sobre a prisão em 2ª instância ao retirar a prisão após julgamento em segunda instância do pacote enviado à Casa pelo governo federal. Para o grupo, o dispositivo deve ser tratado por meio de PEC. "Nós não decidimos a favor ou não de prisão de segunda instância. O que nós dissemos foi que a prisão de segunda instância tem que ser decidida pela Constituição e nesse momento essa medida já tramita na Câmara Federal". Segundo a deputada, o que precisa agora é a CCJ votar o parecer.

Enfim, alea jacta est. Façam suas apostas.