O Senado retoma
nesta quarta-feira a votação de
dois destaques que, caso sejam
aprovados, reduzem a economia projetada pela PEC Previdenciária economia em pelo menos R$ 76,5 bilhões em 10 anos, além de suscitar dúvidas quanto
à necessidade (ou não) de a reforma retornar à Câmara. O risco
de derrota na apreciação do destaque do PT levou o presidente da Casa a suspender a votação que estava em
andamento e encerrar a sessão na noite de ontem. Dito isso, passemos à postagem do dia:
Fezinha no sentido de
aposta, é bom deixar claro. No entanto, se você tem fé, não custa rezar. Ou acender uma vela para seu santo de devoção, jogar flores ao mar para Yemanjá, botar despacho na encruza, enfim... Ouvi alguém dizer certa vez que se macumba ganhasse jogo o campeonato baiano terminava empatado. Em, particularmente, estou com os espanhóis:
"No creo en brujas, pero que las hay, las hay". Mas reze, caro leitor. A fé move montanhas. E se não ajudar, atrapalhar é que não vai.
O
Supremo, cuja função precípua é a de guardião da
Constituição, torna-se verdadeira "curva de rio" (onde se acumula todo o lixo trazido pela correnteza) quando atua como última instância da Justiça criminal.
E se a Constituição Cidadã já não é grande coisa (pelos motivos que expus em diversas oportunidades), a atual composição da Suprema Corte é ainda pior (pelo motivos que eu também expus em diversas
oportunidades), a começar pelo atual presidente, que levou bomba em dois concursos para Juiz de
primeira instância (em 1994 e 1995, ambas as vezes na etapa preliminar, que
avalia conhecimentos gerais e noções elementares de Direito do candidato), foi
advogado do
Sindicato dos Metalúrgicos
de SBC, atuou nas campanhas de
Lula
à presidência (em 1998, 2002 e 2006), ocupou o cargo de subchefe para
assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República, foi promovido a
advogado-geral da União e finalmente a ministro do
STF (em 2009, na vaga aberta com a morte de
Carlos Alberto Menezes
Direito).
A vida pregressa de
José Antonio Dias Toffoli dificilmente justificaria sua nomeação para
a mais alta corte do país, mas no Brasil o
Q.I.
(de “Quem Indica”) fala mais alto, e estar nas boas graças do grão-petralha fez
toda a diferença na época. E assim o nome de
Toffoli foi aprovado no Senado, em votação secreta, por 58 votos a
favor, 9 contra e 3 abstenções. Nas sabatina de praxe, o então candidato a ministro
classificou como “
coisa do passado”
sua atuação como advogado de
Lula e
do
PT, e afirmou que não tinha
mestrado, doutorado, nem escrevera qualquer livro simplesmente porque “
optou pela advocacia,
que é uma
atividade nobre, honrosa, que na Constituição federal como função essencial
justiça, defensora das liberdades, da aplicação dos direitos". Vale
lembrar que, segundo nossa formidável Carta Magna, não é preciso ser bacharel
em Direito para concorrer a uma vaga no
Supremo;
exige-se do candidato, somente, “
notável
saber jurídico” e “
reputação ilibada”
— vale mencionar que
a OAB exclui da
lista de indicações para o quinto constitucional advogados reprovados em
concursos para a magistratura.
Observação:
Mesmo sendo considerado incapaz de assinar
uma simples sentença de despejo e a despeito de ter sido condenado a devolver
aos cofres públicos cerca de R$ 700 mil
recebidos indevidamente, o apadrinhado de Lula
se tornou ministro supremo. Mais adiante, ele foi citado na delação Léo Pinheiro
por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão e acusado de receber
mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel.
Em 2012, durante o julgamento do mensalão,
Toffoli não se deu por impedido e
tampouco encontrou provas suficientes contra seu ex-chefe
José Dirceu — que acabou sendo condenado pela maioria da Corte. Por
outro lado, pesa a seu favor o fato de ele ter considerado culpados
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do
PT, e
José Genoíno, ex-presidente do partido. Há quem diga que o ministro
deixou a militância petista. Em fevereiro de 2016, quando o
Supremo deu aval à prisão em segunda
instância, ele foi favorável à tese, mas mudou de posição nos julgamentos seguintes,
passando a defender o cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da
decisão condenatória.
No papel de guardião da Constituição, o
Supremo tem o poder de definir o alcance do texto da Carta sobre
temas que, direta ou indiretamente, afetam a vida de todos os brasileiros. Dada
a inoperância do Poder Legislativo (a não ser quando o assunto interessa
diretamente ao congressistas), o
STF
decidiu em 2009 pela impossibilidade se prender alguém antes que os tribunais superiores
(leia-se o
STJ e o próprio
Supremo) analisassem os recursos das
defesas. O entendimento vigeu (e fomentou a impunidade) por sete longos anos.
Em fevereiro de 2016, já com a
Lava-Jato no encalço de figurões da elite política e econômica do
país, um novo entendimento consagrado pelo plenário da Corte tornou possível a
prisão do réu logo após sua condenação por um órgão colegiado. A medida teve
impacto direto nas investigações. Poderosos de todos os tipos se viram —
como nunca antes na história deste país,
parafraseando um ex-presidente que conheceu a cadeia justamente após a decisão
dos ministros) sob risco de ver o sol nascer quadrado, e muitos passaram a fechar
acordos de colaboração premiada como forma de evitar as agruras do cárcere. Pouco
mais de três anos após a mudança e já com a Lava-Jato batendo na porta do
próprio Judiciário, os nobres magistrados acharam por bem revisitar o tema. Sob
a presidência de
Dias Toffoli, que
em 2016, a exemplo de seu mentor (
Gilmar
Mendes), era favorável à prisão, mudou de ideia, e agora a corte tende a
voltar à posição de 2009.
Feita essa (não tão) breve introdução, passemos ao que
interessa, pelo menos a quem quer apostar no resultado do julgamento das
ADCs que questionam a constitucionalidade
da prisão em segunda instância. Na sessão da semana passada, pouco se ouviu
além da mais pura cantilena para dormitar bovinos. Agora, porém, espera-se um
debate ferrenho entre as alas garantista e punitivista do tribunal.
Sempre que faz uma fezinha na
Loteria Esportiva, o apostador ortodoxo analisa desempenho dos
times cujo resultado das partidas definirá o ganhador (ou os ganhadores) da
bolada. Claro que o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos,
e não raro a zebrinha morre de rir de quem seguiu a lógica. No caso em tela,
porém, prever qual "time" sairá vitoriosos e qual será o placar da
partida é um exercício de futurologia, embora possamos nos balizar pela posição
que vem sendo adotada pelos togados supremos.
Edson Fachin votou
pela prisão após condenação em segunda instância em todos os julgamentos de que
participou. “
Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um
Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente
confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na
avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual não se opõem limites à
devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição
erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das
instâncias ordinárias", disse ele em 2016.
Luiz Roberto Barroso também
votou todas as vezes pela possibilidade de prisão a partir da condenação em
segundo grau, sendo, atualmente, o ministro mais combativo da Corte em defesa
da manutenção do
status quo. “
Não
há dúvida de que a interpretação que interdita a prisão anterior ao trânsito em
julgado tem representado uma proteção insatisfatória de direitos fundamentais,
como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas.
Afinal, um direito penal sério e eficaz constitui instrumento para a garantia
desses bens jurídicos tão caros à ordem constitucional de 1988. (…) No momento
em que se dá a condenação do réu em segundo grau de jurisdição, estabelecem-se
algumas certezas jurídicas: a materialidade do delito, sua autoria e a
impossibilidade de rediscussão de fatos e provas (o grifo é meu).
Neste
cenário, retardar infundadamente a prisão do réu condenado estaria em inerente
contraste com a preservação da ordem pública, aqui entendida como a eficácia do
direito penal exigida para a proteção da vida, da segurança e da integridade
das pessoas e de todos os demais fins que justificam o próprio sistema criminal.
Estão em jogo aqui a credibilidade do Judiciário — inevitavelmente abalada com
a demora da repreensão eficaz do delito —, sem mencionar os deveres de proteção
por parte do Estado e o papel preventivo do direito penal. A afronta à ordem
pública torna-se ainda mais patente ao se considerar o já mencionado baixíssimo
índice de provimento de recursos extraordinários, inferior a 1,5% (em verdade, inferior
a 0,1% se considerarmos apenas as decisões absolutórias), sacrificando os
diversos valores aqui invocados em nome de um formalismo estéril. (…) A mudança
de entendimento também auxiliará na quebra do paradigma da impunidade. Como já
se afirmou, no sistema penal brasileiro, a possibilidade de aguardar o trânsito
em julgado do recurso especial e do recurso extraordinário em liberdade para
apenas então iniciar a execução da pena tem enfraquecido demasiadamente a
tutela dos bens jurídicos resguardados pelo direito penal e a própria confiança
da sociedade na Justiça criminal. Ao evitar que a punição penal possa ser retardada
por anos e mesmo décadas, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei
penal. Ainda, iniciando-se a execução da pena desde a decisão condenatória em
segundo grau de jurisdição, evita-se que a morosidade processual possa conduzir
à prescrição dos delitos. Desse modo, em linha com as legítimas demandas da
sociedade por um direito penal sério (ainda que moderado), deve-se buscar
privilegiar a interpretação que confira maior — e não menor — efetividade ao
sistema processual penal”, argumentou o ministro, também em 2016.
A exemplo do xará e colega retrocidado,
Luiz Fux, atual vice-presidente do
STF, é favorável à prisão após condenação
em segunda instância. “
Nos países onde a Justiça é muito célere,
até pode-se cogitar do trânsito em julgado (esgotamento de todos os recursos)
neste país, mas no Brasil as decisões demoram muito para se solidificar e se
tornarem imutáveis. De sorte que eu considero realmente um retrocesso se essa
jurisprudência for modificada”, disse ele a jornalistas, antes da
sessão plenária da semana passada. “
Por outro lado, em todos os países do mundo,
a mudança da jurisprudência se dá depois de longos anos, porque a
jurisprudência tem de se manter íntegra, estável e coerente — e nós não somos
diferentes de ninguém. Estamos adotando um precedente e temos de seguir essa
regra. E estamos seguindo países como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha,
Portugal, Espanha e demais países do mundo”, completou o magistrado.
Rosa Weber é
contra a prisão após condenação em segunda instância, mas, no julgamento de um
habeas corpus de
Lula, em abril de
2018, decidiu a favor por entender que, naquele momento, era preciso seguir o entendimento
do plenário do
STF sobre o tema. “
Tenho alguma dificuldade na revisão da
jurisprudência pela só alteração dos integrantes da corte. Para a sociedade,
existe o Poder Judiciário, a instituição, no caso o Supremo Tribunal Federal.
Por isso é que, embora louvando, como já disse, e até compartilhando dessas
preocupações todas — é emblemático o caso que o eminente Ministro Luís Roberto
refere, sob a minha relatoria, revelador do uso abusivo e indevido de recursos,
e estamos todos os dias enfrentando essa realidade —, eu, talvez por falta de
reflexão maior , não me sinto hoje à vontade para referendar a revisão da
jurisprudência proposta (…) Há questões pragmáticas envolvidas, não tenho a
menor dúvida, mas penso que o melhor caminho para solucioná-las não passa pela
alteração, por esta Corte, de sua compreensão sobre o texto constitucional no
aspecto", disse a ministra, também em 2016. E em 2018, no julgamento do
habeas corpus de Lula: “Compreendido o tribunal como instituição, a simples
mudança de composição não constitui fator suficiente para legitimar a alteração
da jurisprudência, como tampouco o são, acresço, razões de natureza pragmática
ou conjuntural (…) Colocadas tais premissas teóricas, e forte no que nelas
explicitei, destaco que, tendo integrado a corrente minoritária neste plenário
quanto ao tema de fundo, passei a adotar, nesta Suprema Corte e no exercício da
jurisdição eleitoral, no TSE, a orientação hoje prevalecente, de modo a atender
não só o dever de equidade que há de nortear, na minha visão, a prestação
jurisdicional — tratar casos semelhantes de modo semelhante —, mas também, como
sempre enfatizo, o princípio da colegialidade que, enquanto expressão da exigência
de integridade da jurisprudência, é meio de atribuir autoridade e
institucionalidade às decisões desta casa."
Cármen Lúcia se
recusou terminantemente a pautar o julgamento das
ADCs durante os dois anos em que presidiu o
Supremo, afirmando que rediscutir novamente o assunto, após um
intervalo de tempo tão curto, seria apequenar o tribunal (se é que é possível
apequená-lo ainda mais). Fato é que a ministra sempre foi favorável à prisão após
decisão em segunda instância:
“(...) As consequências eventuais com o
trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória haverão de ser tidas e
havidas após o trânsito em julgado, mas a condenação que leva ao início de
cumprimento de pena não afeta este princípio estabelecido inclusive em documentos
internacionais (…) Portanto, naqueles julgamentos anteriores, afirmava que a
mim não parecia ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal o
início do cumprimento de pena determinado quando já exaurida a fase de provas,
que se extingue exatamente após o duplo grau de jurisdição, porque então se
discute o direito (…) Portanto, o quadro fático já está posto. Outras questões,
claro, haverão de ser asseguradas para os réus. Por isso, Presidente,
considerei e concluí, votando vencida naqueles julgados, no sentido de que o
que a Constituição determina é a não culpa definitiva antes do trânsito, e não a
não condenação, como disse agora o ministro Fux, se em duas instâncias já foi
assim considerado, nos termos inclusive das normas internacionais de Direitos
Humanos", ponderou a magistrada em 2016 (note que, à época,
Ricardo Lewandowski ainda presidia o
STF).
Henrique Ricardo Lewandowski foi mais um togado supremo
alçado ao cargo pela falta de noção — ou pelo amor as próprios interesses e
conveniências — de certo ex-presidente presidiário das dimensões do cargo de
ministro da nossa mais alta Corte de Justiça. Atuou como advogado militante de
1974 a 1990. Era amigo da
Famiglia
Demarchi e ingressou na vida pública com o apoio de
Walter Demarchi, que o nomeou para a
Secretaria de Assuntos Jurídicos de São
Bernardo do Campo (os
Demarchi se orgulham de terem
sugerido seu nome quando surgiu a vaga no
STF, em 2006, com a aposentadoria do ministro
Carlos Velloso, e de
Lula ter aceitado prontamente a
sugestão). Durante o julgamento do mensalão,
retribuiu a gentileza do padrinho, atuando mais como defensor dos
mensaleiros do que como julgador, e repetiu a dose quando, como presidente do
STF, comandou a votação do impeachment
de
Dilma e, mancomunado com
cangaceiro das Alagoas, que à época era presidente do Congresso, fatiou o
objeto da votação em dois quesitos, evitando a cassação dos direitos políticos
da
mulher
sapiens inutilis. Também é defensor ferrenho da prisão do dia de S.
Nunca, digo, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, e votou nesse
sentido em todos os julgamentos de que participou. “
Eu vou pedir vênia ao eminente
Relator e manter a minha posição, que vem de longa data, no sentido de
prestigiar o princípio da presunção de inocência, estampado, com todas as
letras, no art. 5º, inciso LVII, da nossa Constituição Federal. (…) Assim como
fiz, ao proferir um longo voto no HC 84.078, relatado pelo eminente Ministro
Eros Grau, eu quero reafirmar que não consigo, assim como expressou o Ministro
Marco Aurélio, ultrapassar a taxatividade desse dispositivo constitucional, que
diz que a presunção de inocência se mantém até o trânsito em julgado. Isso é
absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar esse
dispositivo. (…) Em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a
pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e
anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a
possibilidade que se aproxima de ¼ de absolvição, não terá nenhuma
possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia
do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo”
(2016).
Sobre
Gilmar Mendes...
ah, o
Gilmar... Bastaria reler as
postagens anteriores (além
desta,
que oferece informações mais detalhadas), mas vou dedicar algumas linhas àquele
que
Augusto Nunes tão bem definiu
como
Maritaca de Diamantino e o
ministro
Barroso, como "
uma pessoa horrível, uma mistura do mal com
atraso e pitadas de psicopatia". Em 2009, o ministro votou contra a prisão
após condenação em segunda instância; em 2016, não só votou a favor como foi o
maior defensor da tese no
STF. Em
abril de 2018, mudou novamente de opinião — ou não tem opinião, simplesmente age
conforme seus interesse no momento —, e agora defende a ferro e fogo o retorno
à jurisprudência anterior. Dado o cinismo dos argumentos desse decisor, prefiro
nem transcrever o que ele disse nas últimas sessões.
Se nada mais se pode dizer a favor de
Marco Aurélio Mello (detalhes nas postagens anteriores), há que
reconhecer sua coerência. Ele sempre foi contrário à prisão em segunda
instância e sempre votou nesse sentido em todos os julgamentos dos quais
participou. Em dezembro passado, chegou mesmo a assinar uma liminar que determinava
a libertação de todos os condenados que aguardavam presos o julgamento de seus
recursos às cortes superiores. “
Em passado recente, o tribunal assentou a impossibilidade,
levando inclusive o STJ a rever jurisprudência pacificada, de ter-se a execução
provisória da pena? Porque, no rol principal das garantias constitucionais da
Constituição de 1988, tem-se, em bom vernáculo, que ‘ninguém será considerado
culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória’. (…) O preceito,
a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em termos de noção de interpretação,
de hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e preciso, cessa a
interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o
preceito constitucional. Há de vingar o princípio da autocontenção. Já disse
nesta bancada que, quando avançamos, extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como
que se lança um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa”
(2016).
Celso de Mello
também é coerente no erro, digo, em sua opinião sobre o tema: em todos os
julgamentos de que participou, o decano da Corte sempre votou contra a prisão
em segunda instância. “
Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser
tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal
transitada em julgado, tal como tem advertido o magistério jurisprudencial
desta Suprema Corte. (…) Disso resulta, segundo entendo, que a consagração
constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer
pessoa — independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido
imputado — há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica
essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja
prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer
efeitos, deve prevalecer, até o superveniente trânsito em julgado da condenação
criminal, como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de
quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em
geral. (…) Lamento, senhores ministros, registrar-se, em tema tão caro e
sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos da República, essa preocupante
inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista revelada
em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição
jamais poderá subordinar-se à potestade do estado” (2016).
Alexandre de Moraes
é o novato da Corte. Foi secretário estadual de Justiça e de Segurança Pública
durante a gestão do governador paulista
Geraldo
Alckmin. Em maio de 2016, foi nomeado ministro da Justiça pelo
Vampiro do Jaburu. Sua trajetória
política é recheada de controvérsias — durante a crise penitenciária, por
exemplo, declarações atrapalhada e feitas com demora, combinadas com a inabilidade
para pôr um ponto final às rebeliões, levaram
Temer pensar em demiti-lo do ministério da Justiça, mas, em vez
disso, resolveu indicá-lo para a vaga aberta com a morte trágica do ministro
Teori Zavascki num acidente aéreo em Parati. Muito
se comentou sobre sua suposta ligação com o
PCC, de quem
Moraes
teria sido advogado. Na verdade, ele advogou para a cooperativa de vans
Transcooper, acusada de integrar um
esquema de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro em ao menos 123
processos na área civil. Em sua defesa, o dono da careca mais luzidia do
STF alegou
que renunciou a todos os processos nos quais advogava quando assumiu a
SSP e que ele e seus sócios jamais
prestaram serviços à pessoas acusadas de fazerem parte do crime organizado,
apenas à pessoa jurídica da cooperativa. Em 2018,
Moraes votou a favor da prisão após condenação em segunda
instância: “
Ignorar a possibilidade de execução provisória de decisão condenatória de
segundo grau, escrita e fundamentada, mediante a observância do devido processo
legal, ampla defesa e contraditório e com absoluto respeito as exigências
básicas decorrentes do princípio da presunção de inocência perante o juízo
natural de mérito do Poder Judiciário — que, repita-se, não é o STJ nem o STF —
seria atribuir eficácia zero ao princípio da efetiva tutela jurisdicional, em
virtude de uma aplicação desproporcional e absoluta do princípio da presunção
de inocência. (…) Exigir o trânsito em julgado ou decisão final para iniciar a
execução da pena aplicada após a análise de mérito da dupla instância judicial
constitucionalmente escolhida como juízo natural criminal seria subverter a
lógica de harmonização dos diversos princípios constitucionais penais e
processuais penais e negar eficácia aos diversos dispositivos já citados em
benefício da aplicação absoluta e desproporcional de um único inciso do artigo
5º, com patente prejuízo ao princípio da tutela judicial efetiva.”
Como se vê, embora nada impeça qualquer dos ministros de rever sua posição, tudo indica que o resultado do julgamento de amanhã está nas mãos de
Rosa Weber e
Alexandre de Moraes. A sessão extraordinária começa às 9h30, mas o julgamento pode não ser concluído hoje, sem mencionar a possibilidade de algum ministro pedir vista do processo.O
Vem Pra Rua mobilizou seguidores nas redes sociais para convencer
Barroso,
Fux,
Fachin e
Cármen Lúcia a pedirem vista e interromper o julgamento.
O STF tem sofrido
pressões de todos os lados. A intimidação mais agressiva vem de caminhoneiros bolsonaristas, que
gravaram vídeos ameaçando novas paralisações caso Lula seja solto. “Se vocês soltarem tudo que é ladrão,
principalmente o maior de todos eles, que é o Lula, vocês vão ver a maior
paralisação que este País já teve. E quando os caminhoneiros param, o Brasil
para. Fica esperto, Toffoli”, diz um caminhoneiro identificado como “Marcão”. “Já viram caminhão subindo rampa? Vocês querem soltar bandido para
benefício próprio de vocês. Chega! Ou vocês trabalham direito ou vão ver o que
vai acontecer. Isso não é um recado, não. É uma promessa”, diz outro
caminhoneiro.
A ofensiva também chegou aos gabinetes dos ministros, que
não param de receber mensagens e ligações para impedir a revisão da atual
jurisprudência. Só no gabinete do ministro Luís
Roberto Barroso, foram mais de 2 mil telefonemas e 4,5 mil e-mails na
semana passada. Na semana
passada, o general Eduardo Villas Bôas
defendeu no Twitter o “grande
esforço para combater a corrupção” e alertou para os riscos de “convulsão
social”. No ano passado, um tuíte dele na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula foi interpretado como intimidação. Agora, a nova postagem é
vista na Corte como um “gesto isolado”.
A deputada federal Margarete
Coelho, coordenadora do grupo de trabalho que analisa os projetos anticrime
e anticorrupção na Câmara dos Deputados, rebateu nesta segunda-feira críticas
de que os deputados se manifestaram sobre a prisão em 2ª instância ao retirar a
prisão após julgamento em segunda instância do pacote enviado à Casa pelo
governo federal. Para o grupo, o dispositivo deve ser tratado por meio de PEC. "Nós não decidimos a favor ou não de prisão de segunda instância. O que
nós dissemos foi que a prisão de segunda instância tem que ser decidida pela
Constituição e nesse momento essa medida já tramita na Câmara Federal".
Segundo a deputada, o que precisa agora é a CCJ votar o parecer.
Enfim, alea jacta est. Façam suas apostas.