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quinta-feira, 24 de outubro de 2019

BRASIL - UM PAÍS QUE VAI PRA ONDE?



Depois que Marco Aurélio concluiu a leitura de seu relatório sobre as ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB e, como esperado, votou contra os interesses dos cidadãos de bem deste país, Alexandre de Moraes abriu a dissidência, sendo seguido por Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Como já passava das 18h30 e Toffoli deveria comparecer ao lançamento de um livro em homenagem a seus 10 anos no STF, a sessão foi suspensa.

Os trabalhos serão reiniciados às 14h00 desta quinta-feira, quando votarão os demais ministros, começando por Rosa Weber. Se ela acompanhar  Moraes, Fachin e Barroso e não houver nenhum acidente de percurso, a jurisprudência atual será mantida, ainda que (mais uma vez) com a diferença de um voto. Já se Rosa acompanhar o relator, é possível que alguém peça vista ou que Toffoli ou outro ministro coloque em mesa uma sugestão alternativa, como a de estabelecer a condenação pelo STJ como marco delimitador do início do cumprimento da pena. Mas isso é tudo especulação.

Depois de Rosa, votam Fux, Cármen, Lewandowski, Gilmar, o decano e o presidente da Corte — que, devido a um compromisso qualquer, propôs que a sessão transcorra sem intervalos e seja adiada pouco antes das 18h00. Se assim se der e considerando que cada voto demora mais ou menos uma hora, Celso de Mello e Dias Toffoli só proferirão os seus no início do mês que vem, já que até lá não haverá sessão no STF. Mas, de novo, tudo depende da ministra Rosa. Se ela votar pela mantença da jurisprudência atual, o resultado estará delineado e Lewandowski e Gilmar poderão resumir seus votos, pois estender as argumentações a favor do trânsito em julgado será o mesmo que chutar cachorro morto. A ver.

Como o STF não é o único responsável pelas úlceras gástricas que acometem os cidadãos de bem desta Banânia, seguem algumas linhas sobre o encerramento da novela da Reforma da Previdência no Senado:

Por iniciativa do presidente da Casa, Davi Alcolumbre, coube ao senador petista Paulo Paim a honra e o privilégio de anunciar a conclusão do processo legislativo — coisa que o sempre espirituoso Josias de Souza comparou a dar ao Coringa o papel de protagonista numa festa promovida pelo Batman. Mas vale lembrar que nesta banânia, onde existe o risco de criminosos notórios serem soltos e os procuradores que os investigaram e os magistrados que os condenaram acabarem todos na cadeia, isso não chega mesmo a surpreender.

Enfim, depois de muita conversa, aprovou-se uma emenda de Paim que permite a concessão de aposentadorias especiais a trabalhadores que exercem atividades de risco. Foi a última proposta a ser votada. Alcolumbre chamou o colega petista à mesa, cedeu-lhe o assento de presidente da sessão e exortou-o a anunciar o resultado da votação: 78 votos a favor, nenhum contra.

Seguiu-se um longo discurso do petista, que não chegou a ecoar o líder do PT, Humberto Costa, que escalara a tribuna na véspera para atacar a reforma e chamar o ministro Paulo Guedes de "verdugo do povo pobre brasileiro, discípulo de Pinochet, que quer aqui no Brasil aquilo que foi feito lá [no Chile] e está fazendo aquele país viver um ambiente de incerteza e crise social". Mas teve a oportunidade de declarar coisas assim: "Estou muito triste com o que está acontecendo no Chile, onde o presidente da República pediu perdão ao seu povo".

O senador petista recordou que a proposta original do governo continha o modelo de capitalização à moda do Chile. "O Congresso disse não", realçou Paim. "O sistema não deu certo. E o Brasil não pode copiar o que não deu certo". Animado com o acordo firmado em torno de sua emenda, Paim animou-se a mandar um recado para o presidente desta Banânia: "Oxalá o exemplo que o Senado deu hoje sirva também para o outro lado da rua". Sem mencionar nominalmente Bolsonaro, o senador vermelho reforçou estereótipos associados à imagem do capitão: "É possível, sim, que a gente tenha um país onde se olhe de forma igual para negros, brancos, índios, independentemente da religião e orientação sexual de cada um."

Ao final do discurso, sua excelência petista recebeu uma salva de palamas e a sessão foi encerrada sem que Alcolumbre retomasse o assento de presidente. Paim, que chegou a questionar a existência de déficit na Previdência, deu a última palavra no epílogo da tramitação legislativa da mais abrangente mexida previdenciária feita no Brasil. Ao se levantar, Fernando Bezerra, o líder de Bolsonaro no Senado, assim saudou o arquirrival da reforma da Previdência: "Presidente Paim".

É mole?

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A APROVAÇÃO DA PEC PREVIDENCIÁRIA, MAIS SOBRE LULA EM CURITIBA, A VISÃO BITOLADA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


A votação em segundo turno da reforma da Previdência foi eclipsada pelo decisão da juíza federal Carolina Lebbos, que, na última quarta-feira, a pedido da PF, determinou a transferência de Lula para "um presídio em São Paulo" (detalhes na postagem anterior). Mas o fato é que no final da noite da mesma quarta-feira, após quase mais de nove horas de debates, a Câmara rejeitou os oito destaques apresentados pela oposição, que buscavam retirar alguns pontos do texto aprovado na madrugada anterior. O presidente da Casa, Rodrigo Bolinha Maia (ou Botafogo, como o deputado figurava nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht), agradeceu aos partidos aliados e disse que aprovação do texto foi consequência de um "trabalho coletivo" — e com toda razão: se dependesse de Bolsonaro... Enfim, o texto seguirá para o Senado, onde deve começar a tramitar na próxima semana e, se tudo correr bem, ser aprovado em dois turnos antes do final de outubro.

O mercado financeiro reagiu de forma positiva à aprovação do texto e à rejeição dos destaques. O índice Bovespa se recuperou da queda da última terça-feira e iniciou a quinta em alta (no momento em que estou concluindo este posts, o B3 está em alta de 1,25%, a mais de 104 mil pontos). Vale lembrar que a instabilidade do mercado se deveu em grande medida à guerra fiscal entre EUA e China, mas, durante a madrugada de ontem, o governo chinês anunciou dados surpreendentemente bons para sua balança comercial, com crescimento das exportações na casa dos 3% em julho em relação ao mesmo mês de 2018, ante previsões de uma queda de 2%. Os EUA também ofereceram algum alívio aos investidores, já que o presidente do Federal Reserve de Chicago sinalizou a possibilidade de um novo corte na taxa de juros norte-americana, após a redução anunciada na semana passada.

Na Europa, o Banco da França anunciou em sua pesquisa de julho que a segunda maior economia do continente pode ter acelerado seu crescimento. Segundo análise da revista Exame, são fagulhas de boas notícias, mas às quais os investidores devem se agarrar após a leva de decepções dos últimos dias. No Brasil, a aprovação sem alterações do texto base da reforma da Previdência na Câmara desanuvia em parte as incertezas para a Economia, mas atenções agora se voltam para o Senado, onde um grupo de parlamentares fala em trazer de volta a capitalização, em retirar as isenções e em incluir estados e municípios no projeto. A ver.

Ainda sobre a decisão do STF sobre a transferência de Lula, cabe um contraponto ao que eu disse no post anterior: na avaliação de Merval Pereira, fizeram bem os ministros em manter o condenado preso em Curitiba. Não tinha cabimento o pedido da defesa e do PT, para que Lula fosse libertado devido à decisão da juíza federal Carolina Lebbos, responsável pela execução penal do ex-presidente petralha pelo caso do tríplex.

É bom lembrar que Zanin e companhia já haviam pedido anteriormente a transferência do petista para São Bernardo do Campo, onde ele ficaria perto da quadrilha, digo, da família, e aproveitaram a autorização de sua transferência para tentar, mais uma vez, libertar o criminoso — e, mais uma vez, não obtiveram sucesso, como comprova o placar de 10 a 1, ainda que  o único voto discordante — do ministro Marco Aurélio, para quem o recurso deveria ter sido encaminhado ao TRF-4, que decretou a prisão em segunda instância — me pareça o mais adequado à situação.

Vale lembrar, também, que a legislação brasileira não contempla réus condenados, que estão cumprindo pena, com o direito à prisão especial: ex-governadores, ex-ministros, deputados, senadores e distintíssima companhia estão todos em prisão comum, inclusive os que ainda não foram condenados. Mas o caso de Lula é uma situação sem precedentes. Collor e Dilma foram penabundados do Planalto, mas mantiveram as regalias inerentes à condição de ex-presidentes, como assessores e carros à disposição — que Lula só perdeu quando foi condenado em segunda instância. 

Dada a possibilidade de esses dois ex-presidentes (além de Michel Temer) serem condenados e passarem a cumprir pena, talvez esteja na hora de discutir esse tipo de privilégio à luz do preceito constitucional de que todos são iguais perante a lei. É certo que nosso sistema prisional é ultrapassado, que os presídios estão superlotados e que a ressocialização dos presos é uma balela. Mas a prova provada de que a iniquidade campeia solta em nossa sociedade é fato de o maior líder populista surgido nos últimos tempos — e seus abilolados apoiadores — considerar que ir para uma prisão comum é uma tentativa de aniquilá-lo. Por outro lado, num país em quase 7% da população (cerca de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana, não se pode esperar que o exercício intelectual seja o esporte nacional.

Se o chanceler Ernesto Araújo — que, a exemplo de Bolsonaro e respectiva prole, bebe da sabedoria do escritor, ideólogo e ex-astrólogo Olavo de Carvalho — tivesse escutado uma explanação do então presidente Lula, não teria dúvidas de que a Terra é redonda. Enquanto o guru de festim afirma que ainda não encontrou explicações cientificas convincentes de que a terra seja redonda, embora advirta que não se debruçou detalhadamente sobre o tema, Lula explicou: “Freud dizia que havia várias coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries. Essa questão do clima é delicada por quê? Porque o mundo é redondo. Se o mundo fosse quadrado, ou retangular, e a gente soubesse que nosso território está a 14 mil quilômetros de distância dos centros mais poluidores, ótimo, vai ficar por lá. Mas como o mundo gira, e a gente também passa lá embaixo nos lugares mais poluídos, a responsabilidade é de todos”. Nem Dilma teria feito melhor.

Para concluir: Dias atrás, o porta-voz da presidência afirmou que os filmes financiados pela Ancine devem ter o espírito cristão, que é o da sociedade brasileira. Mas é impensável achar que o Estado só pode financiar filmes que correspondam ao pensamento do presidente. O país não pode ser liderado por uma visão personalista e voluntarista como a de Bolsonaro, que não tem parâmetros, e sim interesses pessoais. Ele vive em torno da família e dos amigos, e quem não está nesse grupo é visto como fora do padrão, não confiável. Sobre o comportamento do presidente, um texto de Rodrigo Constantino fecha esta postagem com chave de ouro:

As redes sociais deram voz aos idiotas de todos os tipos, perfis e ideologias. Andando em bando ou no anonimato, eles se sentem confortáveis para disseminar seu ódio, extravasar seu recalque, transformar sua mediocridade pessoal em arma contra todos aqueles que se mostram superiores, independentes, com autoconfiança.

Anos de petismo produziram um sentimento, compreensível, de revolta profunda, alimentando um desejo de vingança. No encontro entre as redes sociais e esse sentimento difuso, criou-se o fenômeno do bolsolavismo, uma “direita” que se define basicamente por aquilo que odeia, a esquerda. Não há desejo de construção, mas sim de destruição. E como se parecem, nos métodos, com aquilo que pretendem destruir!

Ao perceber isso, muitos liberais e conservadores foram se afastando do governo Bolsonaro. Afinal, trata-se de um pacote: para levar Guedes é preciso levar também essa gente que baba de ódio e quer guerra permanente contra os inimigos — todos aqueles que não aderem totalmente ao bando. O governo Bolsonaro, porém, não é sua militância olavete nas redes sociais. Mas quem conhece essa turma tem calafrios só de imaginar sua crescente influência no governo.

O receio com o autoritarismo, portanto, é legítimo. Não é “fascismo imaginário”, como alguns alegam. É projeção desse grupo se alastrando e tomando conta do todo, inclusive jogando para escanteio aqueles mais moderados e pragmáticos que insistem em lutar pelo país em meio aos boçais. Eles se acham “machões”, mas não passam de brutamontes truculentos sem qualquer noção do que seja conservadorismo.

domingo, 14 de julho de 2019

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E AS MORDOMIAS PARLAMENTARES



Na última quarta-feira, a Câmara aprovou em primeiro turno o texto-base da reforma previdenciária. Na noite da sexta, os deputados votaram os destaques que ampliaram as concessões a algumas categorias, reduzindo em cerca de R$ 70 bi a economia prevista inicialmente. Como o expediente dos parlamentares em Brasília vai de terça a quinta (e eles ainda têm direito a férias duas vezes por ano) a apreciação da proposta em segundo turno ficou para agosto, depois do recesso de meio de ano. A pergunta é: se o recesso começa no dia 18 de junho, por que, então, não liquidar essa fatura na semana que vem, antes das “merecidas férias”? Aliás, considerando a importância do tema em pauta, por que não adiar ou suspender o recesso?

Sabe o leitor quanto ganha um deputado? Não? Pois então anote aí: o salário dos parlamentares é de R$ 33.763, mais uma verba mensal (CEAP) para bancar despesas com passagens aéreas, telefonia, serviços postais e manutenção de escritórios de apoio — pagamento de condomínio, IPTU, seguro contra incêndio, água, luz locação de móveis e equipamentos, material de expediente, suprimentos de informática, acesso à internet, TV a cabo, licença de uso de software, assinatura de publicações, etc. Essa cota varia conforme o estado do congressista; representantes do DF recebem o menor valor — R$ 30.788,66 — e os de Roraima, o maior — R$ 45.612,53.

Os deputados também recebem R$ 106.866,59 por mês para bancar a contratação de até 25 secretários parlamentares (no gabinete ou no estado do deputado), cujos salários variam de R$ 980,98 a R$ 15.022,32 por mês. E além de um auxílio-moradia de R$ 4.253 — concedido aos parlamentares que não moram em residências funcionais em Brasília —, todos têm direito a atendimento gratuito no Departamento Médico da Câmara — benefício extensivo a familiares e dependentes elencados na declaração de imposto de renda. Para quem preferir recorrer a serviços médicos e hospitalares fora da rede do Demed, é só apresentar os comprovantes que o reembolso será efetuado.

Os nobres deputados podem solicitar a confecção de material de papelaria oficial (cartões, pastas, papel timbrado e envelopes) e a impressão de documentos e publicações. No início e no fim do mandato, eles recebem uma ajuda de custo equivalente ao valor mensal da remuneração (destinada a compensar as despesas com mudança e transporte), e o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (Lei 9.506/97) assegura aposentadoria com proventos proporcionais ao tempo de mandato (calculados à razão de 1/35 por ano de mandato). É mole?

Como é melhor rir que chorar, segue um texto bem-humorado de Mentor Neto:

Depois das mensagens de Moro, Bolsonaro, filhos de Bolsonaro, togados supremos, deputados e senadores, o interesse por vazamentos caiu muito. O editor do Intracept estava desesperado.

­— De que adianta fazer esse fuzuê todo? Dinheiro que é bom, nada! — desabafou. Precisamos nos reinventar. Precisamos monetizar nosso negócio.

Os hackers se entreolharam, sem saber o que dizer. Foi um estagiário quem teve a sacada.

— Brasília saturou. Vamos expandir. O negócio é hackear gente comum.

A ideia se provou genial. Seu chefe é um panaca? Hackeie o WhatsApp dele (“R$ 2 mil por 15 dias ou consulte tabela”). Sua namorada está te traindo? Hackeie o Snapchat dela. (“Só R$ 500 por 7 dias. O oitavo é grátis!”). E por aí foi.

Patrícia e Geraldo tinham vida de núcleo rico de novela. Apartamento com varanda gourmet, viagem com personal shopper, SUV coreana blindada. Casamento inabalável, todo mundo dizia. Um belo dia, Patrícia acordou, pegou o iPad para ver as notícias e, mesmo sendo muito equilibrada, não conteve o calor que lhe subiu até as orelhas. Estava lá, escancarada, a foto do marido e o título: “Intracept vaza WhatsApp de Geraldo Freire”. Ele não era famoso nem nada. Mas de uns meses para cá era assim. Ninguém estava salvo. Patrícia não conseguia imaginar alguém capaz de uma maldade dessas com o marido — e com ela. Porque não há dignidade que sobreviva a um vazamento do Intracept. Ainda por cima quando vão liberando um pouco por dia. Qualquer desculpa esfarrapada de um dia não se sustenta no outro. Toda semana tem um anônimo novo com a vida devassada. Patrícia sempre acabava conhecendo alguém.

— Porque esse mundo é uma ervilha, né?

Só esse mês, no cabeleireiro, teve notícia de dois divórcios. Luciana, amiga íntima, teve as mensagens do Insta divulgadas. O marido a botou para fora de casa sem direito nem ao iPhone.

— Pede um novo para ele, safada! — gritou para o condomínio ouvir.

As conversas que vazaram eram comprometedoras demais: Luciana e um amigo do tempo de faculdade trocavam receitas de nhoque, ravióli, linguine, tudo com as respectivas fotos. Não tem casamento que resista. Mas não era hora de pensar nos outros. Patrícia olhou para o marido que dormia com seu ronronar de homem de bem. Ela não teve coragem de clicar no link. Contou para a mãe pelo Facebook.

— Coisa de amante, filha. Batata. Sempre disse para você ficar esperta. Deu nisso — respondeu.

Patrícia balançou o marido até acordá-lo. Geraldo despertou com o iPad esfregando a ponta do seu nariz. Leu o texto ainda com os olhos melados de sono. Geraldo também sabia que não existe vida após vazamento. Era só ver Brasília. Virou uma cidade fantasma. Ele se reagrupou.

— Amor, calma. Vamos superar isso juntos.

Patrícia concordou, chorando. Aquela semana seria definitiva para o casamento, para o futuro dos dois. Combinaram de ler as mensagens juntos, para que Geraldo pudesse explicar qualquer mal-entendido. E assim foi. A semana passou tensa, arrastada, discutindo a relação, é verdade, mas surpreendentemente, nenhuma mensagem comprometedora foi revelada. Patrícia mal podia conter o orgulho. Geraldo era o assunto de todas as conversas no cabeleireiro, entre as amigas e até da sogra. Vazou até a mensagem com o agente de turismo sobre hotéis em Positano, estragando a viagem surpresa para o aniversário dela. Quando acabou a semana, o casamento estava mais forte do que nunca. Ela nunca desconfiou de nada. Na segunda-feira seguinte, Geraldo pagou a outra metade do pacote Vazamento do Bem do Intracept.

— O negócio é esse mesmo! — vibrava o editor com a nova ideia do ex-estagiário, agora editor assistente — Tem que diversificar para sobreviver.

Diante dos vazamentos, poucos casamentos resistem. O de Patrícia até saiu fortalecido. Mas as mensagens sobre a viagem para a Itália estariam no contexto?

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O INFERNO EXISTE, É AQUI E NÃO FUNCIONA.



Inicio esta postagem reproduzindo uma anedota antiga, mas filosófica. Ao final, o leitor certamente entenderá por quê.

Um brasileiro morreu e foi para o inferno. O capeta-recepcionista disse que ele poderia ficar na ala administrada pelo seu país de origem ou escolher outra, a seu critério, mas que os castigos eram basicamente os mesmos; o que variava era apenas a severidade com que eles eram aplicados. Na sucursal brasileira, o penitente teria de comer 20 kg de merda por dia, divididos em três porções, além de levar 100 chibatadas de hora em hora. Na dos EUA, por exemplo, eram apenas 5 kg de merda e 10 chibatadas duas vezes ao dia. Dito isso, o funcionário infernal o autorizou a fazer um “tour” pelas embaixadas e escolher aquela onde passaria o resto da eternidade. Chamou a atenção do brasileiro o tamanho das filas. Na maioria das “embaixadas”, havia somente uns poucos gatos pingados, mas na do Brasil a fila se estendia por vários quarteirões. Curioso, ele foi até lá e perguntou o motivo de tamanha discrepância. "Entra aí e cala o bico", respondeu-lhe o último da fila. "Aqui o carrasco bate o ponto e vai para casa, e um dia falta lata, no outro falta merda..."    

Dias atrás, Bolsonaro insinuou que "está na hora de termos um evangélico no STF". Não faltou quem interpretasse suas palavras como a pavimentação do caminho que pode levar o juiz federal Marcelo Bretas, evangélico e responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, à nossa suprema corte. Até aí, nenhum problema. A questão é que o Brasil é um país laico, e balizar a indicação dos ministros supremos na religião que os candidatos professam ou dizem professar não faz sentido  como também não faz descartar um candidato potencial simplesmente porque ele é budista, testemunha de Jeová ou adepto do Candomblé. Na minha desvaliosa opinião, o capitão e quem vier a suceder-lhe na presidência desta banânia deveriam preencher as vagas supremas levando em conta os pressupostos constitucionais. E convenhamos que “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são artigos que há tempos andam em falta nas prateleiras da nossa mais alta corte de Justiça, devido, sobretudo, aos critérios eminentemente políticos que norteiam a nomeação de seus membros.

Deixando de lado o STF e focando na conturbada relação do chefe do Executivo (cuja inépcia para o exercício do cargo é de uma clareza meridiana) com o Congresso (onde o percentual de parlamentares fisiologistas e enrolados com a Justiça chega a ser assustador), como se já não bastasse a novela da PEC previdenciária, surge agora mais uma questão conturbada, que tem a ver com a folclórica “regra de ouro” — criada para evitar que governos se endividem para pagar despesas que não sejam investimentos ou com a rolagem da dívida pública —, que pode pôr em risco a governabilidade deste arremedo de país.

Quando Bolsonaro ainda estava em campanha, seu Posto Ipiranga prometia zerar o déficit público no primeiro ano da nova administração. Ainda estamos no primeiro semestre, mas o presidente já se vê obrigado a elevar preces ao Altíssimo para que o Congresso o autorize a emitir quase R$ 250 bilhões em dívidas. Caso suas orações não sejam atendidas, faltarão recursos para despesas correntes, do Bolsa Família aos benefícios dos aposentados e pensionistas do INSS (o que nos remete à urgência da aprovação da reforma da Previdência, coisa que a oposição insiste em fingir que não vê e o PSL e demais apoiadores eventuais do Planalto parecem não conseguir lhes mostrar), do salário do funcionalismo ao Plano Safra, e até para a conta de luz. 

Ou os parlamentares atendem os apelos do Executivo, ou o presidente se verá em palpos de aranha: não honrar os compromissos é agravar ainda mais a crise econômica, e honrá-los sem o aval do Congresso é trilhar o mesmo caminho que levou a calamidade em forma de gente (cujo nome eu prefiro não pronunciar) a ser penabundada do cargo. Parafraseando Josias de Sousa, “misturando-se a penúria financeira à roubalheira e à incompetência que infelicitam o Estado brasileiro, conclui-se que o inferno não só existe, mas é aqui... e não funciona”.

Bolsonaro, que passou as três últimas décadas como deputado federal e se elegeu com um discurso de repúdio ao establishment parlamentar, continua claudicante, dando uma no cravo e outra na ferradura. Estatista convicto, só posou de liberal para obter o apoio do economista Paulo Guedes, mas agora parece relutante em abastecer no seu Posto Ipiranga, haja vista a regularidade com que toma decisões relacionadas com a Economia sem consultar seu ministro, preferindo enveredar pelo viés do autoritarismo, ao negociar com o Congresso, a pretexto de manter sua promessa de campanha de abolir a prática nefasta do toma-lá-dá-cá. 

Como bem lembra Merval Pereira, o presidente, que hoje defende a redução do número de deputados federais de 513 para 400 e uma reforma política onde está implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, saltitou alegremente por nada menos que nove legendas: PDC (1989-1993); PP (1993–1993); PPR (1993–1995); PPB (1995–2003); PTB (2003–2005); PFL (2005–2005); PP (2005–2016); PSC (2016–2018) e novamente PSL (2018–presente). E só não embarcou no PEN porque que achou que não conseguiria ser escolhido pela sigla para concorrer à Presidência. Sem mencionar que já confidenciou a aliados seu descontentamento com o partido e a ideia de trocar de galho mais uma vez.

Em entrevista à revista VEJA, o capitão disse textualmente que “o PSL é um partido que foi criado, na verdade, em março do ano passado e buscava pessoas, num trabalho hercúleo no Brasil. Então nós fomos pegando qualquer um: ‘Quebra o galho, vem você, cara, vamos embora’. E tem muita gente que entrou e acabou se elegendo com a estratégia que eu adotei na internet. Só para ter uma ideia, o Major Olímpio, que estava em quarto em São Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador. Eu falava: ‘Clica aqui. Vote em um desses colegas nossos’ .

Mesmo incomodado com os problemas que o PSL lhe traz, especialmente a questão dos “laranja”, Bolsonaro reluta em demitir seu ministro do Turismo, que comandava o partido em Minas e é acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha. Dias atrás, o capitão cobriu de elogios o presidente da Câmara, a quem chamou  de “nosso presidente” — o mesmo que que, nas manifestações bolsonaristas, apareceu com os bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes eleitorais. Numa sessão nostálgica na Câmara, onde foi levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia os limites para multas e perda de pontos na carteira, o hoje chefe do Executivo afirmou “ter saudades” de seu tempo de deputado federal, e emendou: “Agradeço a recepção e aproveito para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês”.

Afora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que dão rumo a esse governo, Bolsonaro gasta seu tempo defendendo questões laterais, como a flexibilização das leis de proteção ao meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, que agradam a seus nichos eleitorais. Nas entrelinhas, lê-se claramente que Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Essa relação está provocando ciúmes no capitão, e fazendo com que ele se aproxime de Rodrigo Maia. É cobra comendo cobra!

domingo, 5 de maio de 2019

DEU NÓ NO BRASIL (ou: O RAIO DO PAPEL)



Deu um nó. Está sempre dando, na política brasileira, porque é mesmo da natureza da política produzir complicação, aqui e no resto do mundo. Mas desta vez parece que se formou entre governo, Congresso, partidos e o resto da nebulosa que compõe a vida pública brasileira um nó de escota duplo, ou um lais de guia holandês, ou algum outro dos muitos enigmas criados pela ciência dos marinheiros — desses que você olha, mexe, olha de novo, e não tem a menor ideia de como desfazer. É fácil para os marinheiros — mas só para eles. Como, no presente momento, não há ninguém com experiência prévia a respeito da desmontagem dos nós que apareceram desde que Jair Bolsonaro formou o seu governo, o mundo político está com um problema sério. 

Como se sabe, é a primeira vez na história recente do Brasil que o time inteiro de cima foi montado sem ninguém pedir licença aos políticos, ou sequer perguntar a sua opinião — e menos ainda comprar seu apoio com a entrega de cargos na administração. Há muito técnico, muito general etc. Mas não há, como a ciência política considera indispensável, nada de “engenharia política”. Isso quer dizer, na prática, que ficou difícil fazer a turma da situação votar a favor do governo — pois a maior parte dela passa mal se tiver de votar alguma coisa por princípio, ou seja, de graça. É esse o nó que não desata. Por causa dele, dizem que o governo está “paralisado há 100 dias”.

Vejam, para citar o exemplo mais indecente do momento, a reforma da Previdência. Nada mais natural que o PT, seus auxiliares e o resto da esquerda fiquem contra. Têm mesmo de ficar: a única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha a mínima chance de melhorar o Brasil em alguma coisa. Isso seria, em seu raciocínio, ajudar o governo Bolsonaro a ser bem-sucedido — e um governo Bolsonaro medianamente bem-­sucedido é um desastre mortal para o consórcio Lula-PT. Que futuro vai ter essa gente na vida, a não ser que o governo acabe em naufrágio? Nenhum. É compreensível, assim, que a oposição não aprove nada que possa dar certo. Mas PT, PSOL e PCdoB, somados, não chegam a 15% da Câmara dos Deputados. E o resto: por que eles demoram tanto para votar a reforma? Mesmo descontando outras facções antigoverno, daria para aprovar. Resposta: demoram porque querem cargos na máquina e não estão levando.

É isso: o sujeito quer uma diretoria, uma superintendência, uma vice-­presidência — uma boquinha gorda qualquer, Santo Deus — e não tem a quem pedir. Falam em “agilização” das nomeações. Mas nomeação, que é bom, não sai. Chegou-se a falar num “Banco de Talentos”, para onde a politicalha mandaria os nomes que quer empregar — e onde as escolhas seriam feitas segundo “critérios técnicos”. Também não rolou. Um deputado especialmente desesperado com a demora, Felipe Francischini, chutou o balde e pediu um emprego na estatal Itaipu para a própria madrasta. Outro, um Elmar Nascimento, do liberalíssimo DEM, disse que não quer saber de “talentos”; quer emprego mesmo, e dos bons. “Não vamos nos contentar só com marmita”, ameaçou ele. Histórias como essa encheriam a revista inteira; não vale a pena ficar repetindo a mesma ladainha. O certo é que a manada quer os empregos, não está conseguindo e, pior que tudo, não sabe com quem falar para descolar a nomeação. Não adianta falar “no governo”, ou “no palácio”. Tem de ser com o sujeito de carne e osso que manda assinar o raio do papel que vai para o Diário Oficial. E quem é que chega até ele?

A Caixa Econômica Federal, para dar um exemplo só, trocou todos os vice-presidentes, 38 dos quarenta diretores e 75% dos 84 diretores regionais — tudo propriedade privada dos políticos. Mais: quer cortar em dois anos 3,5 bilhões de reais em despesas como aluguéis ou “prestação de serviços”. Só na Avenida Paulista, a CEF ocupa hoje sete prédios — nenhum outro banco do mundo chegou perto disso, mesmo na época em que bancos tinham milhares de agências. Em Brasília é pior: são quinze prédios, um deles só para tratar da admissão de funcionários, como se a Caixa tivesse de admitir funcionários todos os dias. Até uma criança de 10 anos sabe que mexer nisso é mexer diretamente no interesse material dos políticos. Eles perderam esses cargos; querem todos de volta, desesperadamente. Na CEF, no serviço contra as secas, nos portos, nos aeroportos, nos armazéns de atacado, no Oiapoque e no Chuí.

Uma coisa é pedir um negócio desses ao ministro Onyx Lorenzoni, outra é pedir ao general Santos Cruz. Dá para entender o nó, não é mesmo?

Texto de J.R. Guzzo.

terça-feira, 30 de abril de 2019

O BRASIL NÃO É PARA PRINCIPIANTES



A frase que intitula esta postagem é atribuída ao saudoso maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim — brasileiro até no nome —, mas eu vou mais além: governar este país é para poucos, e governá-lo bem, então, para muito poucos. Se Bolsonaro se enquadra nesta seleta confraria, bem, prefiro deixar o leitor tirar suas próprias conclusões. Vamos aos fatos.

Dentre outras coisa, o 38.º presidente do Brasil já nos deu a saber que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, embora tenha passado menos anos no Exército do que na política, para a qual entrou como vereador e se elegeu deputado federal sete vezes consecutivas. Ao longo de quase 30 anos de vida parlamentar, ele apresentou 172 projetos, relatou 73 e aprovou apenas dois, mas isso não vem ao caso. Na eleição de 2014, ao ver a calamidade em forma de gente derrotar o tucano corrupto, Bolsonaro resolveu disputar a Presidência — antes disso ele havia colocado seu nome à disposição do PP para concorrer com “a cara da direita”, mas foi ignorado pela própria legenda, que apoiou a campanha de Dilma. Durante a convenção partidária, lançou seu ultimato: “Ou o PP sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, o PP afundou de vez; graças a sua pregação antipetista, o hoje presidente se reelegeu como deputado mais votado do Rio de Janeiro, saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014.

No final de 2014, o hoje presidente rodou o país em carreatas, estampou camisetas e adesivos, posou para “selfies” com eleitores e ganhou um público jovem e ligado nas redes sociais — os “bolsomínions”, que são uma espécie de militantes petistas com o sinal político trocado. E o resto é história recente: com a população dividida em petistas-lulistas e antipetistas-antilulistas, o candidato de extrema direita obteve 55% dos votos válidos, derrotando a marionete de Lula por uma vantagem de quase 11 milhões de votos — que não vieram somente de bolsomínions, simpatizantes e admiradores, mas também de eleitores que não queriam (e continuam não querendo) ver o Brasil governado por um fantoche controlado remotamente por um presidiário. E isso com uma campanha espartana (que não usou o dinheiro do fundo partidário), feita por uma coligação raquítica e que dispunha de míseros 8 segundos de exposição diária no horário político obrigatório.

De estatista, o deputado-capitão passou a defensor da liberdade de mercado, selou pareceria com o economista liberal Paulo Guedes (seu Posto Ipiranga). Para compor a chapa como vice, convidou o senador Magno Malta, que errou feio ao declinar, pois não conseguiu se reeleger — mesmo com a maior verba partidária da sigla em seu estado, Malta obteve menos da metade dos 1.500 mil votos que esperava. A lista seguiu pelo general Augusto Heleno (que aceitou, mas não obteve sinal verde do PRP), pela advogada Janaína Paschoal (que recusou e acabou se elegendo a deputada estadual mais votada de São Paulo), pelo príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança (que foi desconvidado quando se divulgou que teria sido filmado agredindo um morador de rua), chegando afinal ao general da reserva Hamilton Mourão — aquele que defendeu numa loja maçônica em Brasília, em 2017, a intervenção militar no caso de o Judiciário não conseguir expurgar os corruptos da política nacional (voltaremos ao general mais adiante).

Bolsonaro começou a campanha liderando as pesquisas — atrás somente do ex-presidente presidiário, cuja candidatura nunca passou de uma quimera. Houve um consenso de que o capitão teria atingido o ápice da popularidade e que a tendência natural seria de desidratação, mas o cenário mudou com o atentado em Juiz de Fora, que quase lhe custou a vida. No segundo turno, debilitado por duas cirurgias, permaneceu recluso no condomínio na Barra da Tijuca (onde morava antes de se mudar para Brasília), mas continuou subindo nas pesquisas. Mesmo liberado pelos médicos, preferiu (sabiamente) não participar de debates — algo inédito no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil —, e mesmo entrincheirado em casa, com uma bolsa de colostomia presa ao abdome, defendendo-se e atacando através das redes sociais, alcançou a vitória mais improvável da história da democracia tupiniquim.

Para gáudio dos bolsomínions e apreensão dos que ajudaram a eleger o capitão por absoluta falta de opção, Bolsonaro vestiu a faixa e subiu a rampa do Palácio do Planalto sem tirar os pés do palanque. Seus primeiros 100 dias no cargo foram decepcionantes, sobretudo no que tange à reforma previdenciária (indispensável para o país e para a sustentabilidade do atual governo). Com o PT debilitado pela derrota, o presidente, três de seus filhos e alguns ministros de Estado pinçados lá do fundo baú da incompetência vem tomando para si a função da oposição, transformando o Planalto e se entorno numa usina de crises sem capacidade ociosa. O combustível da autossabotagem do governo é o caldeirão ideológico em que ele está mergulhado, no qual múltiplas correntes de direita se engalfinham por hegemonia e pelo controle da administração federal, ou setores dela. Seu lema: "se está ficando bom para todos, alguém precisa estragar algo".

O “caso Queiroz” é um bom exemplo — que ainda não produziu efeitos ainda mais deletérios porque novos fatos vêm se sobrepondo dia sim, outro também. Outro é a demissão de Gustavo Bebianno — o grande articulador da campanha do capitão — da secretaria-geral da Presidência, cuja permanência no governo se tornou insustentável depois de ter sido chamado publicamente de mentiroso pelo filho zero dois. Outro, ainda, remete ao “laranjal do PSL”, e haveria muitos mais, sem mencionar as estultices de um presidente que parece escolher os momentos mais impróprios para dizer o que não deve (haja vista a estúpida, despropositada e escandalosa queda de braço com o presidente da Câmara, que dificultou ainda mais a tramitação da PEC da Previdência).

Abril se despede e maio começa com um feriado prolongado no Congresso Nacional e um céu carrancudo, toldado pelas nuvens da indefinição. E as ingerências palacianas, como a que suspendeu o reajuste do preço do diesel a pretexto de evitar uma nova greve de caminhoneiros, e, mais recentemente, uma campanha publicitária do Banco do Brasil, não tem ajudado em nada, antes pelo contrário: há quem especule se não estaríamos numa situação melhor se o vice assumisse o comando desta nau de insensatos — o que não seria novidade, haja vista os governos de José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, mas seria a ironia das ironias, na medida em que muita gente se preocupava com a possibilidade de a vitória do capitão ressuscitar a ditadura militar (aquela que hoje sabemos nunca ter existido no Brasil). Igualmente curioso é o fato de o presidente ter recheado seu ministério de generais, e estes serem os ministros que menos têm dado motivos para preocupação. Coisas do Brasil.

Para muitos analistas, a incompatibilidade entre Bolsonaro e o cargo de presidente, com combinada com a atuação deletéria de sua prole, responde pelo fiasco do governo em seus primeiros 100 dias. Sobre a crise da vez — que envolve o general Mourão e Carlos Bolsonaro (sempre ele, embora não somente ele) —, há que ter em conta que ministros podem ser exonerados, bastando para isso uma simples publicação no diário oficial, mas nem filhos nem vice-presidentes são passíveis de demissão

Talvez por isso o capitão e o general tentam passar a impressão de que vivem um casamento sólido, visitado apenas por desavenças ocasionais e amenas, próprias das uniões estáveis e felizes. “Esse casamento é até 2022, no mínimo”, disse Bolsonaro em café da manhã com a imprensa na quinta-feira 25, no Palácio do Planalto. “Continuamos dormindo na mesma cama. Só tem briga para saber quem vai arrumar a cozinha”, divertiu-se Bolsonaro. “Ou cortar a grama”, emendou Mourão. Por trás das alegres metáforas matrimoniais, porém, a realidade que se esconde nos bastidores mostra que, das crises políticas que o governo enfrentou até aqui, a mais grave é esta, com hostilidades entre o presidente e o vice, ainda que amenizadas em público, se mostram em franca ebulição no âmbito privado.

Para além de zero dois, o pivô de mais essa controvérsia é o autodeclarado “intelectual” Olavo de Carvalho, ex-astrólogo, esotérico e ultraconservador famoso não só pelas teorias delirantes que oferece em um curso virtual de filosofia, mas por ser uma espécie de guru do clã Bolsonaro e de eminência parda neste governo. Dentre outros prodígios, o "professor" foi responsável pela indicação dos ministros Eduardo Araújo, das Relações Exteriores (que “balança mas não cai”) e Ricardo Vélez, da Educação (que felizmente já caiu). É certo que, pela essência da pregação e pelo histrionismo do pregador, o guru de botequim e seus apóstolos (olavetes) mas cedo ou mais tarde voltarão para o ostracismo com certas curiosidades folclóricas de onde vieram. Mas as rusgas entre o presidente e o vice podem ensejar situações delicadas e produzir efeitos nefastos, sobretudo num governo instável, incerto, que claudica com sérias dificuldades.

As divergências entre zero dois e o vice vieram à tona quando Carluxo postou um vídeo na conta do pai no YouTube — pois é, a versão bolsonariana do “menino de ouro” de Lula é fiel depositário das senhas do papai e de outros integrantes do clã —, onde o guru araque desfia críticas impiedosas aos militares, mas que tem como alvo o general Mourão, a quem o proselitista já chamou de “adolescente desqualificado”. Bolsonaro pediu que o vídeo fosse retirado do ar, mas aí o estrago já estava feito: tinha sido aberta a temporada de ataques ao vice-presidente. 

Na saraivada de tuítes que se seguiu ao episódio, Mourão foi acusado de se opor às propostas do presidente, de se aliar a adversários, de se aproximar de empresários importantes, de bajular a mídia, de se apresentar como sensato e transigente — tudo isso, segundo zero dois, planejado para se viabilizar como alternativa de poder. Para piorar, a exemplo do que se deu no episódio Bebianno, o presidente endossa as críticas públicas que o filho tem feito ao general. Ele não concorda com tudo, mas acha que seu rebento está mirando no alvo certo.

Desde a postagem do vídeo, Mourão começou a desconfiar de que os ataques tinham o aval do presidente. Contrariado, disse que, se aquilo continuasse, não descartava a saída extrema de renunciar. No governo, afirmou o general, tudo o que tem feito é tentar ajudar o presidente, e não o contrário. Mas Bolsonaro parece estar convencido do oposto. 

Na terça-feira 23, durante a reunião do Conselho de Governo, alguém elogiou o presidente e declarou que ele vencera sozinho uma eleição difícil, sem a ajuda dos políticos. “Não, teve o Mourão comigo”, ironizou Bolsonaro. Semanas atrás, irritado com algo que não deixou muito claro aos interlocutores, o presidente voltou a censurar o vice: “O negócio é o seguinte: o Mourão é general lá no Exército. Aqui quem manda sou eu. Eu sou o presidente”. E tampouco freou os filhos. Ao contrário, Carluxo, depois do vídeo de Olavo de Carvalho, intensificou os ataques. Eduardo também entrou na roda, declarando que o Mourão enseja a desconfiança de que poderia almejar um cargo mais alto da República. “No começo eu ouvia esse papo e achava besteira. Agora, já não sei mais”, afirmou o pimpolho de número 3.

Em um governo tão sectário na política e na ideologia, o amplo leque de ações do vice-presidente soa como provocação — ou, o que é pior, como conspiração. E os petardos que mantêm o fogo alto costumam ser disparados por assessores que, às vezes mais realistas que o rei, apostam no confronto. Tanto que foi zero dois quem publicou o vídeo na conta do pai, e foi o coronel Itamar, que cuida da rede social do vice, quem curtiu um comentário da jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, que enfureceu Carluxo.

Observação: Na postagem do último dia 22, eu comentei que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guru de meia pataca, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.

Se Carlos Bolsonaro fosse mulher, teríamos um caso clássico de Complexo de Édipo. No afã de proteger o papai, o filhote-pitbull extrapola, exorbita e ultrapassa todos os limites, começando pelo do bom senso. Sua cisma com Mourão começou no ano passado, depois do atentado contra Bolsonaro, quando insinuou que a morte do pai interessaria ao general. De lá para cá, vire e mexe ele volta à carga.

No domingo de Páscoa, zero dois postou um vídeo em que o guru do clã ataca os militares; no dia seguinte, Mourão ironizou as críticas e disse que Olavo deveria focar o que entende — astrologia. Na sequência, o pimpolho mostrou que o general curtiu um post da jornalista que classificou o presidente de “vinagre” e o vice de “vinho”. Depois postou o convite de uma palestra nos Estados Unidos para a qual o Mourão foi convidado e insinuou que o general foi chamado com a missão de falar mal do governo; em outro post, escarneceu de uma fala de Mourão sobre a crise na Venezuela (o general disse que a população do país tinha de estar desarmada para evitar uma guerra civil — “uma pérola!”, ironizou zero dois). Na sequência, compartilhou um vídeo que fala de uma suposta articulação política do PRTB, partido de Mourão, para ter independência do governo, e, poucas horas depois, uma entrevista em que Mourão diz que não iria comentar a decisão da Justiça de reduzir a pena de Lula, e um comentário do vice criticando o processo de “despetização” promovido no governo pelo ministro Onyx Lorenzoni. No mesmo dia, criticado pela ofensiva, zero dois escreveu candidamente que não se trata de atacar o general, mas apenas de estabelecer os fatos. E por aí segue a procissão.

No café da manhã da última quinta-feira, presidente e vice sentaram-se lado a lado, em cena de harmonia. Fizeram questão de dizer que Carlos tem o direito de expressar sua opinião. Mourão chegou a comentar que o fato de Carlos ser filho do presidente não o obriga a ficar “de bico calado”. Mas é uma ingenuidade achar que a crítica de zero dois seja comparável à de qualquer político, ainda mais quando o dito-cujo teve papel fundamental na campanha e exerce influência indiscutível sobre o papai presidente.

Conflitos entre titular e vice permeiam a história desta república desde as mais priscas eras. O primeiro presidente do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca, desconfiava de Floriano Peixoto, que assumiria seu lugar nove meses depois da posse. Café Filho conspirava contra Getúlio Vargas. João Goulart não dava trégua a Jânio Quadros. Na redemocratização, Itamar Franco voltou-se contra Collor e Dilma, vejam só, acreditava que Michel Temer era o vice mais discreto e servil com que um presidente poderia contar — e deu no que deu. 

Para evitar novas crises, há que lavar a roupa suja em casa. A nação agradece.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

PEC DA PREVIDÊNCIA NA CCJ — A HORA DO TOMA-LÁ-DÁ-CÁ


Bolsonaro foi eleito com 57 milhões de votos graças ao discurso antipetismo, anticorrupção e anti velha política. Uma vez empossado, desperdiçou os 100 primeiros dias de mandato com estultices que minaram sua popularidade e emperraram a tramitação do seu principal projeto e sustentáculo de governo.

Se tudo tivesse seguido o script, a reforma da Previdência estaria concluída no final deste semestre. Pelo andar da carruagem, devemos nos dar por felizes se até lá ela tiver sido aprovada na CCJ e na Comissão Especial da Câmara. (Na CCJ, a PEC pode ser aprovada amanhã — desde que o PT e seus satélites não atrapalhem e o governo renegocie a idade mínima, o benefício de prestação continuada e outras questões que nada têm a ver com a admissibilidade da proposta e só deveriam ser debatidas na próxima fase).

Quase quatro meses depois de ter subido a rampa, o capitão continua com os dois pés no palanque, fiel ao discurso que lhe rendeu bons resultados na campanha. Mas treino é treino e jogo é jogo; a partida começou pra valer em janeiro e o centroavante não se deu conta de que, neste nosso presidencialismo de cooptação, é impossível governar sem uma sólida base de apoio político-partidária. E Bolsonaro deveria saber disso melhor que ninguém, pois passou os últimos trinta anos no baixo-clero da Câmara, convivendo com deputados em sua maioria fisiologistas, useiros e vezeiros em colocar interesses pessoais ou corporativistas à frente das instâncias nacionais.

Com mais de 30 partidos dispostos ao casamento — a depender do dote, naturalmente —, o presidente se nega a fatiar o governo que montou a partir dos núcleos que comandaram sua exitosa campanha (militares, ruralistas, liberais, olavistas, evangélicos e familiares) e recheou com ministros heterodoxos e, salvo honrosas exceções, de uma parvoíce asinina. Alguém precisa lembrá-lo de que, sem uma base sólida de apoio, governar esta banânia é tão impraticável quanto calçar sapato em minhoca.

Observação: Todos os ex-presidentes da “nova república” se renderam ao sofisticado sistema de escambo em que cargos, verbas, emendas e ministérios são trocados por apoio parlamentar à pauta do governo. O famoso toma-lá-dá-cá sempre existiu, e quem se rebelou acabou defenestrado — caso dos abantesmas Fernando Collor e Dilma RousseffPode-se não gostar de Michel Temer, mas não se pode deixar de reconhecer sua invejável habilidade em negociar com o Congresso. Basta lembrar quão rapidamente foram aprovadas as reformas que ele chegou a propor antes de ser abatido em seu voo de galinha pelo moedor de carne bilionário Joesley Batista. Ou como ele conseguiu sobreviver aos petardos de Janot, ainda que para isso tenha se tornado refém dos congressistas terminado seu mandato-tampão melancolicamente, com os piores índices de popularidade já registrados na história desta República.  

Com uma sutileza digna de rinoceronte em loja de cristais, Bolsonaro travou uma queda de braço tão pueril quanto despropositada com o presidente da Câmara — o que lhe rendeu a aprovação em tempo recorde do orçamento impositivo das emendas coletivas e “inflacionou o mercado futuro”, como se nota dos obstáculos que os parlamentares vêm espalhando ao longo do tortuoso caminho da reforma previdenciária. Outro sinal claro do Congresso ao presidente foi o massacre infligido pela oposição a Paulo Guedes durante uma sessão na CCJ, sem que absolutamente ninguém da base aliada acorresse em seu socorro. Por que os deputados supostamente aliados não se manifestaram? Para sinalizar ao governo que não abrem mão do toma-lá-dá-cá, e que, se não receberem o que desejam (exigem?), o tão sonhado R$ 1 trilhão de economia nos próximos dez anos cairá para uns R$ 800 milhões, e olhe lá. Nesse patamar, a reforma da Previdência certamente voltaria à baila no próximo governo ou no seguinte, e novos e emocionantes capítulos dessa novela continuariam se sucedendo sem cessar.

Bolsonaro está usando algo vital para o país como balão de ensaio, o que pode colocar em xeque seu futuro político. Muitos acreditam que o chefe do Executivo se curvará ao sistema de trocas, até porque é possível fazê-lo sem enveredar pelo caminho da corrupção, mas isso é conversa para outra hora. Se continuar peitando os parlamentares, o capitão estará como que os estimulando a buscar ainda mais independência, e o resultado será inevitavelmente a instabilidade, embora tenha como consequência positiva a possível adoção do parlamentarismo no Brasil, claro que não amanhã ou na próxima eleição, mas daqui a alguns anos. Aliás, nosso esclarecidíssimo eleitorado já perdeu esse bonde uma vez, no plebiscito de 1993. Se aprendeu alguma coisa desde então, isso é o tempo que irá dizer.

Para encerrar: No post da última sexta-feira eu comentei en passant que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guro de meia pataca Olavo de Carvalho, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Jair Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA, A PEC DA PREVIDÊNCIA E A TCHUTCHUCA DE DIRCEU JÚNIOR



Ontem pela manhã o presidente do STF despautou o julgamento das ADCs que tratam da prisão após condenação em segunda instância. Oficialmente, Toffoli atendeu a um pedido da OAB — que é autora de uma das ações — que disse precisar de mais tempo para analisar o assunto. Nos bastidores, porém, fala-se que o adiamento se deveu, primeiro, ao fato de que Toffoli, quando pautou o julgamento, imaginava que até abril o STJ já teria apreciado o recurso de Lula; segundo, ao receio da ala garantista de que sus colegas punitivistas formassem maioria e mantivessem o entendimento atual (clique aqui para mais detalhes sobre as mudanças na jurisprudência e aqui para ouvir a opinião de Merval Pereira). Vamos ver se agora o STJ se mexe, porque esse indefinição já está enchendo o saco.

O ministro Paulo Guedes foi enxovalhado por um grupelho de esquerdopatas na audiência de quarta-feira na CCJ da Câmara dos Deputados — que, aliás, deveria focar a análise da  constitucionalidade da proposta de reforma previdenciária, já que o mérito será avaliado mais adiante, na Comissão Especial. Mas isso não impediu que os deputados de esquerda — alguns munidos de cartazes com os dizeres PEC da Morte, Pé na Cova e outras bobagens — tumultuassem a sessão de forma grotesca, aproveitando-se do absenteísmo dos parlamentares supostamente alinhados com o governo e que reconhecem a importância — ou a inevitabilidade — da reforma.

Guedes foi literalmente atirado às feras — não vou dizer leões para não ofender o rei dos animais — sem que ninguém o defendesse. Ele engoliu diversos sapos, mas paciência tem limite. Quando o deputado Zeca Dirceu — filho de certo dublê de guerrilheiro de araque, rapinador do Erário e condenado a quase 30 anos de cadeia — o acusou de ser “tigrão” para cortar aposentadorias de trabalhadores e “tchutchuca” para cortar privilégios de ricos e banqueiros do país, Guedes perdeu as estribeiras: "Tchutchuca é a mãe, é a avó, respeita as pessoas. […] Isso é ofensa. Eu respeito quem me respeita. Se você não me respeita, não merece meu respeito."  Ato contínuo, o ministro deixou o recinto, e o presidente da comissão encerrou a sessão (confira no vídeo que encabeça este post).

Dezessete dos 24 deputados que dirigiram perguntas ao ministro ao longo das intermináveis 7 horas de sessão eram da oposição. O centrão e seus satélites não deram um pio, porque ainda não ouviram de Bolsonaro o que o governo tem a lhes oferecer em troca de apoio à reforma. Guedes esfregou na fuça dos adversários os erros e as omissões dos governos de Lula e Dilma. Em outras circunstâncias, bate-bocas como esses serviriam para quebrar a monotonia; no cenário atual, todavia, dada a relevância da reforma em questão, eles são inadmissíveis.

Como bem resumiu Josias de Souza, ficou sobejamente demonstrado que do mato do PT já não sai coelho, saem cobras, lagartos e Zeca Dirceu. Quando falam, os petistas dão a impressão de que procuram ideias desesperadamente, como cachorros que esconderam ossos e esqueceram a localização do esconderijo. O PT não aprendeu a lição das urnas de 2018. Empenhada em desqualificar o ministro e a proposta de reforma previdenciária, a patuleia esqueceu de qualificar o partido como uma força política habilitada a retornar ao Planalto. Sobre o tema, o brilhante professor e candidato derrotado à presidência, Fernando Haddad, eterno boneco de ventríloquo do presidiário de Curitiba e sem emprego conhecido desde outubro, produziu a seguinte pérola em entrevista ao canal no YouTube inaugurado por Lindbergh Farias e Vanessa Grazziotin:

“O Brasil é muito maior que esse projeto que está no poder. O Bolsonaro representa um retrocesso muito grande no imaginário do brasileiro em relação ao seu próprio país. Eles não estão no poder há três meses: o que o Bolsonaro representa está há três anos no poder. O Paulo Guedes é um Michel Temer radical, um Henrique Meirelles radical. A gente cobra resultado porque faz três meses que eles prometeram que a PEC do Teto e a reforma trabalhista iam resolver os problemas. Eles vivem mentindo para as pessoas”. O ex-prefeito de um só mandato parece ter esquecido que Michel Temer foi duas vezes vice de Dilma, e que Henrique Meirelles presidiu o Banco Central nos 8 anos do governo Lula.  

Em algum momento de sua trajetória política, Bolsonaro disse que “o único erro [do governo militar] foi torturar e não matar” — referindo-se aos comunistas em geral e a FHC em particular. Diante de situações como a que presenciamos ontem, eu me pergunto se ele não tem razão.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

E LA NAVE VA - PARTE IV


Articulação política”, no Brasil, vai desde o diálogo entre o Executivo e o Legislativo sobre propostas em tramitação no Parlamento até o pagamento de vantagens ilícitas aos congressistas em troca de votos — como no caso do Mensalão —, passando pela oferta de cargos e uma série de outras benesses. Os parlamentares cobram “articulação política” do governo para a aprovação da PEC da Previdência porque são devotos de São Francisco de Assis (aquele do “é dando que se recebe”), e só sabem fazer política na base do toma-lá-dá-cá. Basta lembrar que Michel Temer conseguiu neutralizar as denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot (postergá-las, na verdade,  pois os esqueletos já começam a sair do armário para assombrá-lo) mediante a compra do apoio das marafonas do Congresso.   

Bolsonaro prometeu combater o toma-lá-dá-cá, mas está vendo agora que é mais fácil falar do que fazer, sobretudo num país onde: 1) uma aberração que atende por Justiça Eleitoral (e que, por decisão de outras aberrações, passará a julgar processos da Lava-Jato conectados a crimes de caixa 2) não vê problema em registrar mais de 30 partidos políticos; 2) o Planalto não tem uma base aliada que lhe assegure maioria nas votações, nem um projeto de governo em torno do qual os parlamentares orbitem sem que seja preciso atraí-los a poder de conchavos espúrios.

Depois de dias a fio trocando farpas com Bolsonaro, Rodrigo Maia requentou uma PEC de 2015 e a aprovou em dois turnos, numa votação relâmpago. O projeto precisa ser aprovado no Senado — e se o for, só surtirá efeito no próximo ano (e não no próximo governo, como Rodrigo Maia afirmou erroneamente). Mas não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, como alguns têm dito, e sim de tornar impositivas as emendas das bancadas, a exemplo de como acontece com as individuais. Mas foi uma derrota retumbante para o Planalto. Seja como for, Bolsonaro demorou para entender o recado: “Tem político que não quer largar a velha política”, disparou, além de endossar zero dois ao afirmar que Maia “está um pouco abalado com questões pessoais”. O deputado rebateu dizendo que o Presidente está “brincando de governar”; Bolsonaro retrucou que “não existe brincadeira da minha parte”, e assim foi até que o presidente da Câmara declarou: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de criticar”.

Observação: Em qualquer democracia que se preze, o Executivo e o Legislativo trabalham juntos pela aprovação do Orçamento. Aqui, o que se tem é uma peça de ficção na qual o Planalto escolhe o que quer ou não pagar. Tecnicamente, quem define o Orçamento é o Executivo; se os parlamentares quiserem implementar mudanças, devem negociar com ele ou formar maioria para derrotá-lo no plenário. Na prática, porém, antes de cada votação importante uma chusma de políticos faz fila no Planalto para oferecer apoio em troca da liberação de verbas e outras benesses. Com isso, partidos de todas as ideologias (ou sem qualquer ideologia) recebem ministérios e cargos sem sequer saberem qual programa irão conduzir.

Trocas de farpas como as que presenciamos nos últimos dias seria admissíveis em bordéis de quinta classe — ou no STF, onde ministros se acusam mutuamente de vender habeas corpus, de envergonhar o Tribunal, etc. Não que o Legislativo e o Executivo sejam farinha de outro saco, mas daí a fomentar picuinhas enquanto a economia patina e a nau dos insensatos depende das bendita reforma previdenciária para evitar de ir a pique... tenha santa paciência! O propósito de Maia ao articular a aprovação do engessamento do Orçamento era demarcar território — como um cachorro mijando pelos cantos ou um galo que estufa o peito, bate as asas e canta para mostrar quem manda naquele terreiro. Como 9 entre 10 políticos brasileiros, o deputado tem receio de ser denunciado por corrupção, e é por isso que ele e tantos outros são contra a Lava-Jato e o projeto anticrime de Moro. E é também por isso que falam em “articulação política” quando na verdade estão fazendo chantagem para obter a impunidade.

Rodrigo Maia, filho de César Maia, é investigado em dois inquéritos oriundos da Lava-Jato, identificado como “Botafogo” nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht e marido da enteada do ex-ministro Moreira Franco — preso juntamente com o ex-presidente Temer na semana passada, mas solto dias depois por um desembargador especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato). Talvez ele tenha ficado ainda mais puto ao saber que Bolsonaro foi ao cinema (!?) e estava mais preocupado com a comemoração, ou rememoração, do golpe militar de 1964 (aquele que jamais aconteceu) do que com sua demonstração de poder. Seria cômico se não fosse trágico, mas é trágico porque Bolsonaro não tem um projeto de governo, nem base aliada, nem muito menos maioria no Congresso. O que ele tem é a PEC da Previdência do ministro da Fazenda e o Pacote Anticrime e Anticorrupção do ministro da Justiça, além, é claro, de uma vocação inata para fazer merda: toda vez que abre a boca, uma crise se avizinha.

A PEC da Previdência e o pacote anticrime e anticorrupção são projetos do Executivo, mas só terão força de lei quando e se forem aprovados pelo Congresso. Bater de frente com o Legislativo, portanto, é uma péssima ideia, sobretudo neste “presidencialismo de cooptação”. Foram o temperamento beligerante e a falta de jogo de cintura no trato com o parlamento que garantiu a Collor e Dilma, cada qual a seu tempo, um providencial pé na bunda. Aliás, a eleição de políticos como esses é a prova provada de que Pelé estava certíssimo quando afirmou que “o brasileiro não sabe votar” — embora tenha dito a coisa certa pelos motivos errados, já que, na ocasião, ele opinava sobre a decisão da ditadura militar (aquela que nunca existiu) de suspender eleições diretas para cargos do Executivo, mas isso é outra conversa.

"O Brasil não é para amadores", dizia o saudoso Tom Jobim. E governar o país também não é. Bolsonaro teve uma longa carreira parlamentar em Brasília, mas ela se resumiu basicamente e a representar o corporativismo militar. Na Presidência, ele parece mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que governar com sobriedade, com seriedade e com eficácia. Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos políticos e aos membros dos Três Poderes, que parece ainda não terem se dado conta disso.
Na Carta ao Leitor da edição desta semana, Veja resume a coisa da seguinte maneira:

Com apenas três meses de governo, há ainda um longo caminho pela frente. Bolsonaro tem, portanto, condições de corrigir seus erros, acertar o rumo e amadurecer seu entendimento da política. Uma segunda hipótese, muito mais preocupante, é que aquilo que aqui se aponta como erro do bolsonarismo não seja exatamente um erro, mas a sua essência. Algo que, se eliminado, elimina também o próprio bolsonarismo. Para o bem do Brasil, ­fiquemos todos com a primeira hipótese.

Não vejo como discordar.

Atualização — A informação a seguir foge ao assunto em pauta, mas nem por isso deixa de ser importante: O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, aceitou nesta terça-feira, 2, as duas denúncias apresentadas pelo MPF contra Michel Temer, pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. As investigações que levaram o ex-presidente a ser preso, denunciado e, agora, tornar-se réu, apuraram supostos esquemas de corrupção nas obras da usina de Angra-3 e contratos da Eletronuclear, estatal que recebia influência política de Temer e seu grupo.

terça-feira, 26 de março de 2019

E LA NAVE VA — TOMARA QUE NÃO SEJA A PIQUE


Deitado eternamente em berço esplêndido, o Gigante Adormecido não tem motivos para despertar — não quando realidade parece pior que o pior dos pesadelos.

A boa notícia, ou o que parece ser uma boa notícia, é que lideranças do Centrão decidiram tentar "baixar a temperatura" da crise. A conversa ocorreu em um jantar realizado no domingo na residência oficial de Rodrigo Maia, que quer acalmar os ânimos e seguir com os trabalhos para a aprovação da reforma da Previdência. O presidente da Câmara se diz defensor do projeto independentemente do governo, mas avalia que arregimentar votos para a aprovação não é de sua competência, mas dos líderes do governo.

Em entrevista ao Estado, Maia havia dito que o governo não tem projeto para o País além da reforma da Previdência, fez várias críticas e advertiu que o presidente Bolsonaro precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o bem”, e se empenhar para melhorar a vida da população. Até aí, não há como discordar.

Embora eu tenha aditado a postagem anterior com a informação da soltura do ex-presidente Michel Temer, vale transcrever a nota também neste post:

Contrariando as expectativas, o desembargador Ivan Athié determinou nesta segunda-feira a soltura de Michel Temer, que havia sido preso na última quinta-feira (clique aqui para ler a íntegra da decisão). O magistrado havia pedido que o caso fosse incluído na pauta de julgamento do tribunal na próxima quarta-feira, para que a decisão sobre o habeas corpus fosse colegiada, mas resolveu se antecipar: “Mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal, eis que nem ação penal há, sendo absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”.

O MPF vai recorrer da liminar de Athié, que tirou da pauta da 1ª turma especializada em direito penal, previdenciário e da propriedade industrial do TRF-2 e determinou a soltura Temer e seus asseclas pode ser revertida mais adiante, ainda que não amanhã. Outro detalhe: Embora boa parte dos jornais tenha publicado a notícia sob o título "JUSTIÇA MANDA SOLTAR TEMER", é bom não confundir as coisas: Primeiro, porque a justiça é cega; segundo, porque quem mandou soltar o emedebista foi o presidente a 1ª Turma do TRF-2, que ficou afastado do cargo durante sete anos devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha (em 2004)Um inquérito contra ele, com as mesmas acusações, foi arquivado em 2008 pelo STJ a pedido do MPF, que alegou não ter encontrado provas de que o desembargador tivesse proferido sentenças em conluio com advogados. O magistrado retornou às atividades em 2011, depois que o STF trancou a ação contra ele.

Devido à síndrome do macaco, encerro por aqui. Fiquem com mais um texto brilhante do igualmente brilhante J.R. Guzzo:

Está na hora, mais uma vez, de falar algumas coisas sobre as guerras sem pausa, sem cavalheiros e sem regras a que o público pode assistir nestes tempos de cólera descontrolada entre os meios de comunicação e o governo do presidente Jair Bolsonaro. É o caso de indagar: será que o leitor já não está enjoado de continuar ouvindo a mesma ladainha? A única opção disponível, enquanto não se consegue uma resposta decente para a pergunta, é ir adiante — não vale fazer de conta que está tudo bem, pois nada está bem. Na verdade, nunca esteve tão mal, e quem paga o preço é o cidadão que sustenta as duas partes, governo e imprensa. Ele teria o direito de ser informado sobre como o seu país está sendo governado. Não é o que acontece. O que lê, ouve ou vê na mídia só está servindo para lhe mostrar que os dois lados não estão aí para explicar, mas para se detestar — e parecem perfeitamente satisfeitos em continuar assim.

É cansativo, e principalmente inútil, ficar queimando válvula na tentativa de explicar quem está com a razão. Para quê? Bolsonaristas e comunicadores acreditam que estão certíssimos, e a última coisa que querem ouvir nesta vida é alguma modalidade de argumento racional. Além disso, tanto faz — as realidades, como sempre, se encarregarão de mostrar quem acertou e quem errou. Nas próximas eleições, daqui a dois e a quatro anos, os eleitores vão tomar a única decisão que realmente importa — vão reeleger as forças do governo, caso achem que Bolsonaro está fazendo um bom trabalho, ou mandar todos para o olho da rua, caso achem que o seu trabalho foi ruim. Essas decisões serão tomadas em cima de resultados concretos, que a população possa perceber; o resto é conversa fiada, neurastenia e pesquisa de opinião. A mídia, do seu lado, estará com a razão se tiver, neste mesmo período, aumentado o seu público pagante; estará errada se continuar perdendo leitores, ouvintes e espectadores.

O pior dos mundos, de qualquer forma, é a briga de rua na qual se vive hoje. É uma dessas situações que não têm nada de bom, de um lado, e têm tudo de ruim, de outro — e coisas assim, como mostra a experiência, têm as melhores perspectivas de continuar exatamente como estão. O que se pode dizer, neste momento, é que o governo faria um grande favor a si próprio, e provavelmente aos governados, se pusesse na cabeça de uma vez por todas que os meios de comunicação deste país odeiam o presidente da República, seus ministros, seus generais, seus programas, seus valores, suas crenças, seus defeitos e suas virtudes; odeiam, sobretudo, que cerca de 60 milhões de eleitores tenham colocado Bolsonaro na Presidência por estarem a favor das posturas que ele defende. Quando a coisa fica assim, não tem mais conserto. Game over. Se Bolsonaro descobrir a cura do câncer, amanhã ou depois, a mídia vai ficar contra; ainda não sabe direito como faria um negócio desses, mas com certeza acabará encontrando um jeito de fazer.

Esse espírito de guerra religiosa que se desenvolveu dentro da mídia é formicida puro. Está na cara, entre outros efeitos tóxicos, que, agindo como têm agido em relação ao governo, os meios de comunicação abrem uma avenida inteirinha para serem acusados de uma coleção completa de pecados mortais. A mãe de todos eles, no fundo, talvez seja a hipocrisia — a tentativa de mostrar que está apenas cumprindo o seu dever de informar e opinar, quando muitas vezes falsifica ambas, informação e opinião, com o propósito de fazer oposição política. Não dá para negar, com base na observação dos fatos, que a imprensa brasileira de hoje está decidida a não mudar de ideia e não mudar de assunto; acha que o governo está sempre errado, em tudo, e que o único interesse do público é ficar ouvindo isso todos os dias. Há, comprovadamente, a divulgação de notícias coladas a suposições sem fundamento, conclusões fantasiosas e interpretações sem pé nem cabeça. Utiliza-se todos os dias o expediente de chamar “especialistas” para dizer, a respeito de qualquer coisa, unicamente aquilo que os jornalistas querem que seja dito.  Há as mentiras, enfim — publicadas de propósito ou, então, por negligência, imperícia ou imprudência. Uma criança de 10 anos de idade sabe mentir. Por que raios uma pessoa crescida não mentiria —  só porque trabalha na imprensa? Ah, vai. Em todo caso, por um caminho ou por outro, fica evidente a existência de um generalizado, banal e agressivo descaso pela verdade.

O fato, comprovado pela memória digital onde tudo se grava, é que a mídia nacional resolveu participar da campanha eleitoral de 2018 tomando partido contra a candidatura de Bolsonaro – e contra a maioria do público, também. Perdeu as eleições, já que o eleitorado decidiu fazer precisamente o oposto do que os comunicadores queriam que fizesse. A essa altura, em vez de parar um pouco para perguntar se não havia nada a corrigir no roteiro seguido até ali, a imprensa dobrou a aposta. Ficou ainda mais brava do que já estava durante a campanha; desde a eleição, trata o governo Bolsonaro como ilegítimo. Não há sinais de que nada disso vá mudar nos próximos quatro anos.

Um exemplo que talvez ajude a entender melhor as coisas é a convicção, manifestada por Bolsonaro e muitos dos seus seguidores, de que a mídia deveria estar cobrando quem é o mandante da tentativa de assassinato que quase o matou no final da campanha eleitoral. Acham que o seu caso merece tanta atenção, pelo menos, quanto o da vereadora Marielle. O presidente pode esperar sentado; não vai rolar. Na opinião da imprensa, não há mais nada a perguntar sobre o assunto. A polícia já não disse que o criminoso é um débil mental que agiu sozinho? Pois então: qual é a dúvida? Se a polícia falou, está falado. Além disso, há os “laudos técnicos”, que garantem que o homem não deve nem ser julgado, pois não tem culpa nenhuma pelo que fez, coitado. Laudo de peritos, na tradição da Justiça brasileira, é algo que se compra como um pastel de feira, mas tudo bem. O nosso jornalismo investigativo também não é de ferro; não vai sair por aí procurando coisas que não gostaria de encontrar.

É por histórias como essa que o governo se acha na obrigação de dar o troco. Em sua maneira de ver as coisas, Bolsonaro e parte do seu sistema de apoio acham que é indispensável reagir. Não se ganha uma guerra com retiradas, não é mesmo? Além do mais, estão convencidos de que brigar com a imprensa dá cartaz junto ao eleitorado; deu certo na campanha e, portanto, vai dar certo de novo. “O Trump” não faz assim? Etc. etc. etc. Só que nada disso vai resolver a vida de ninguém. A obrigação do governo é governar, e não demonstrar que a imprensa está errada; seu dever é ser aprovado pela população, e não pelos jornalistas. A imprensa é ruim? Problema dela. A questão toda, na verdade, é bem simples. Basta levar em consideração que a imprensa não tem nenhuma obrigação legal de ser boa, ou equilibrada, ou de dizer a verdade; o que está dito na lei, apenas, é que tem de ser livre. Ou se convive com esse princípio, ou não há jogo. Quem tem de julgar a qualidade da mídia, e decidir se vale a pena pagar pelo seu conteúdo, é o público — e o governo pode ter certeza que ele está fazendo exatamente isso. Trata-se de um juiz muito mais cruel do que os bolsonaristas imaginam; quando pune um veículo, vai embora e não volta nunca mais. Não há salvação para quem é condenado.

Bem que o presidente poderia se contentar com isso.