“Articulação política”,
no Brasil, vai desde o diálogo entre o Executivo e o Legislativo sobre
propostas em tramitação no Parlamento até o pagamento de vantagens ilícitas aos
congressistas em troca de votos — como no caso do Mensalão —, passando pela oferta de cargos e uma série de outras
benesses. Os parlamentares cobram “articulação política” do governo para a
aprovação da PEC da Previdência porque
são devotos de São Francisco de Assis
(aquele do “é dando que se recebe”), e só sabem fazer política na base do toma-lá-dá-cá. Basta lembrar que Michel Temer só conseguiu neutralizar as denúncias do
então procurador-geral Rodrigo Janot
(postergá-las, na verdade, pois os esqueletos já começam a sair do armário
para assombrá-lo) mediante a compra do apoio das marafonas do Congresso.
Bolsonaro
prometeu combater o toma-lá-dá-cá,
mas está vendo agora que é mais fácil falar do que fazer, sobretudo num país
onde: 1) uma aberração que atende por Justiça
Eleitoral (e que, por decisão de outras aberrações, passará a julgar
processos da Lava-Jato conectados a
crimes de caixa 2) não vê problema em
registrar mais de 30 partidos políticos; 2) o Planalto não tem uma base aliada
que lhe assegure maioria nas votações, nem um projeto de governo em torno do
qual os parlamentares orbitem sem que seja preciso atraí-los a poder de
conchavos espúrios.
Depois de dias a fio trocando farpas com Bolsonaro, Rodrigo Maia requentou uma PEC de 2015 e a
aprovou em dois turnos, numa votação relâmpago. O projeto precisa ser aprovado
no Senado — e se o for, só surtirá efeito no próximo ano (e não no
próximo governo, como Rodrigo Maia afirmou
erroneamente). Mas não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, como
alguns têm dito, e sim de tornar impositivas as emendas das bancadas, a exemplo de
como acontece com as individuais. Mas foi uma derrota retumbante para o Planalto. Seja como for, Bolsonaro demorou para
entender o recado: “Tem político que não quer largar a velha política”,
disparou, além de endossar zero dois
ao afirmar que Maia “está um pouco
abalado com questões pessoais”. O deputado rebateu dizendo que o Presidente
está “brincando de governar”; Bolsonaro
retrucou que “não existe brincadeira da minha parte”, e assim foi até que o
presidente da Câmara declarou: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de
criticar”.
Observação: Em qualquer democracia que se preze, o Executivo e o Legislativo trabalham juntos pela aprovação do Orçamento. Aqui, o que se tem é uma
peça de ficção na qual o Planalto escolhe o que quer ou não pagar.
Tecnicamente, quem define o Orçamento
é o Executivo; se os parlamentares
quiserem implementar mudanças, devem negociar com ele ou formar maioria para
derrotá-lo no plenário. Na prática, porém, antes de cada votação importante uma
chusma de políticos faz fila no Planalto para oferecer apoio em troca da
liberação de verbas e outras benesses. Com isso, partidos de todas as ideologias
(ou sem qualquer ideologia) recebem ministérios e cargos sem sequer saberem
qual programa irão conduzir.
Trocas de farpas como as que presenciamos nos últimos dias seria
admissíveis em bordéis de quinta classe — ou no STF, onde ministros se acusam mutuamente de vender habeas corpus,
de envergonhar o Tribunal, etc. Não que o Legislativo
e o Executivo sejam farinha de outro saco, mas daí a fomentar picuinhas enquanto
a economia patina e a nau dos insensatos depende das bendita reforma
previdenciária para evitar de ir a pique... tenha santa paciência! O propósito
de Maia ao articular a aprovação do
engessamento do Orçamento era demarcar território — como um cachorro mijando pelos
cantos ou um galo que estufa o peito, bate as asas e canta para mostrar quem
manda naquele terreiro. Como 9 entre 10 políticos brasileiros, o deputado tem
receio de ser denunciado por corrupção, e é por isso que ele e tantos outros
são contra a Lava-Jato e o projeto
anticrime de Moro. E é também por
isso que falam em “articulação política” quando na verdade estão fazendo
chantagem para obter a impunidade.
Rodrigo Maia,
filho de César Maia, é investigado
em dois inquéritos oriundos da Lava-Jato,
identificado como “Botafogo” nas
planilhas do departamento de propina da Odebrecht
e marido da enteada do ex-ministro Moreira
Franco — preso juntamente com o ex-presidente Temer na semana passada, mas solto dias depois por um desembargador
especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da
magistratura por acusações de praticar estelionato). Talvez ele tenha ficado
ainda mais puto ao saber que Bolsonaro
foi ao cinema (!?) e estava mais preocupado com a comemoração, ou rememoração, do golpe militar de 1964 (aquele que jamais aconteceu) do que com sua
demonstração de poder. Seria cômico se não fosse trágico, mas é trágico porque
Bolsonaro não tem um projeto de governo, nem base aliada, nem muito menos
maioria no Congresso. O que ele tem é a PEC
da Previdência do ministro da Fazenda e o Pacote Anticrime e Anticorrupção do ministro da Justiça, além, é
claro, de uma vocação inata para fazer merda: toda vez que abre a boca, uma
crise se avizinha.
A PEC da
Previdência e o pacote anticrime e anticorrupção são projetos do Executivo, mas só terão força de lei
quando e se forem aprovados pelo Congresso. Bater de frente com o Legislativo, portanto, é uma péssima
ideia, sobretudo neste “presidencialismo de cooptação”. Foram o temperamento
beligerante e a falta de jogo de cintura no trato com o parlamento que garantiu
a Collor e Dilma, cada qual a seu tempo, um providencial pé na bunda. Aliás, a
eleição de políticos como esses é a prova provada de que Pelé estava certíssimo quando afirmou que “o brasileiro não sabe votar”
— embora tenha dito a coisa certa pelos motivos errados, já que, na ocasião,
ele opinava sobre a decisão da ditadura militar (aquela que nunca existiu) de
suspender eleições diretas para cargos do Executivo, mas isso é outra conversa.
"O Brasil não é para amadores", dizia o saudoso Tom Jobim. E governar o país também não é. Bolsonaro teve uma longa carreira parlamentar em Brasília, mas ela se resumiu basicamente e a representar o corporativismo militar. Na Presidência, ele parece mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que governar com sobriedade, com seriedade e com eficácia. Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos políticos e aos membros dos Três Poderes, que parece ainda não terem se dado conta disso.
"O Brasil não é para amadores", dizia o saudoso Tom Jobim. E governar o país também não é. Bolsonaro teve uma longa carreira parlamentar em Brasília, mas ela se resumiu basicamente e a representar o corporativismo militar. Na Presidência, ele parece mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que governar com sobriedade, com seriedade e com eficácia. Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos políticos e aos membros dos Três Poderes, que parece ainda não terem se dado conta disso.
Na Carta ao Leitor
da edição desta semana, Veja resume
a coisa da seguinte maneira:
Com apenas três meses
de governo, há ainda um longo caminho pela frente. Bolsonaro tem, portanto, condições de corrigir seus erros, acertar
o rumo e amadurecer seu entendimento da política. Uma segunda hipótese, muito
mais preocupante, é que aquilo que aqui se aponta como erro do bolsonarismo não
seja exatamente um erro, mas a sua essência. Algo que, se eliminado, elimina
também o próprio bolsonarismo. Para o bem do Brasil, fiquemos todos com a
primeira hipótese.
Atualização — A informação a seguir foge ao assunto em pauta, mas nem por isso deixa de ser importante: O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, aceitou nesta terça-feira, 2, as duas denúncias apresentadas pelo MPF contra Michel Temer, pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. As investigações que levaram o ex-presidente a ser preso, denunciado e, agora, tornar-se réu, apuraram supostos esquemas de corrupção nas obras da usina de Angra-3 e contratos da Eletronuclear, estatal que recebia influência política de Temer e seu grupo.