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quarta-feira, 3 de abril de 2019

E LA NAVE VA - PARTE IV


Articulação política”, no Brasil, vai desde o diálogo entre o Executivo e o Legislativo sobre propostas em tramitação no Parlamento até o pagamento de vantagens ilícitas aos congressistas em troca de votos — como no caso do Mensalão —, passando pela oferta de cargos e uma série de outras benesses. Os parlamentares cobram “articulação política” do governo para a aprovação da PEC da Previdência porque são devotos de São Francisco de Assis (aquele do “é dando que se recebe”), e só sabem fazer política na base do toma-lá-dá-cá. Basta lembrar que Michel Temer conseguiu neutralizar as denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot (postergá-las, na verdade,  pois os esqueletos já começam a sair do armário para assombrá-lo) mediante a compra do apoio das marafonas do Congresso.   

Bolsonaro prometeu combater o toma-lá-dá-cá, mas está vendo agora que é mais fácil falar do que fazer, sobretudo num país onde: 1) uma aberração que atende por Justiça Eleitoral (e que, por decisão de outras aberrações, passará a julgar processos da Lava-Jato conectados a crimes de caixa 2) não vê problema em registrar mais de 30 partidos políticos; 2) o Planalto não tem uma base aliada que lhe assegure maioria nas votações, nem um projeto de governo em torno do qual os parlamentares orbitem sem que seja preciso atraí-los a poder de conchavos espúrios.

Depois de dias a fio trocando farpas com Bolsonaro, Rodrigo Maia requentou uma PEC de 2015 e a aprovou em dois turnos, numa votação relâmpago. O projeto precisa ser aprovado no Senado — e se o for, só surtirá efeito no próximo ano (e não no próximo governo, como Rodrigo Maia afirmou erroneamente). Mas não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, como alguns têm dito, e sim de tornar impositivas as emendas das bancadas, a exemplo de como acontece com as individuais. Mas foi uma derrota retumbante para o Planalto. Seja como for, Bolsonaro demorou para entender o recado: “Tem político que não quer largar a velha política”, disparou, além de endossar zero dois ao afirmar que Maia “está um pouco abalado com questões pessoais”. O deputado rebateu dizendo que o Presidente está “brincando de governar”; Bolsonaro retrucou que “não existe brincadeira da minha parte”, e assim foi até que o presidente da Câmara declarou: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de criticar”.

Observação: Em qualquer democracia que se preze, o Executivo e o Legislativo trabalham juntos pela aprovação do Orçamento. Aqui, o que se tem é uma peça de ficção na qual o Planalto escolhe o que quer ou não pagar. Tecnicamente, quem define o Orçamento é o Executivo; se os parlamentares quiserem implementar mudanças, devem negociar com ele ou formar maioria para derrotá-lo no plenário. Na prática, porém, antes de cada votação importante uma chusma de políticos faz fila no Planalto para oferecer apoio em troca da liberação de verbas e outras benesses. Com isso, partidos de todas as ideologias (ou sem qualquer ideologia) recebem ministérios e cargos sem sequer saberem qual programa irão conduzir.

Trocas de farpas como as que presenciamos nos últimos dias seria admissíveis em bordéis de quinta classe — ou no STF, onde ministros se acusam mutuamente de vender habeas corpus, de envergonhar o Tribunal, etc. Não que o Legislativo e o Executivo sejam farinha de outro saco, mas daí a fomentar picuinhas enquanto a economia patina e a nau dos insensatos depende das bendita reforma previdenciária para evitar de ir a pique... tenha santa paciência! O propósito de Maia ao articular a aprovação do engessamento do Orçamento era demarcar território — como um cachorro mijando pelos cantos ou um galo que estufa o peito, bate as asas e canta para mostrar quem manda naquele terreiro. Como 9 entre 10 políticos brasileiros, o deputado tem receio de ser denunciado por corrupção, e é por isso que ele e tantos outros são contra a Lava-Jato e o projeto anticrime de Moro. E é também por isso que falam em “articulação política” quando na verdade estão fazendo chantagem para obter a impunidade.

Rodrigo Maia, filho de César Maia, é investigado em dois inquéritos oriundos da Lava-Jato, identificado como “Botafogo” nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht e marido da enteada do ex-ministro Moreira Franco — preso juntamente com o ex-presidente Temer na semana passada, mas solto dias depois por um desembargador especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato). Talvez ele tenha ficado ainda mais puto ao saber que Bolsonaro foi ao cinema (!?) e estava mais preocupado com a comemoração, ou rememoração, do golpe militar de 1964 (aquele que jamais aconteceu) do que com sua demonstração de poder. Seria cômico se não fosse trágico, mas é trágico porque Bolsonaro não tem um projeto de governo, nem base aliada, nem muito menos maioria no Congresso. O que ele tem é a PEC da Previdência do ministro da Fazenda e o Pacote Anticrime e Anticorrupção do ministro da Justiça, além, é claro, de uma vocação inata para fazer merda: toda vez que abre a boca, uma crise se avizinha.

A PEC da Previdência e o pacote anticrime e anticorrupção são projetos do Executivo, mas só terão força de lei quando e se forem aprovados pelo Congresso. Bater de frente com o Legislativo, portanto, é uma péssima ideia, sobretudo neste “presidencialismo de cooptação”. Foram o temperamento beligerante e a falta de jogo de cintura no trato com o parlamento que garantiu a Collor e Dilma, cada qual a seu tempo, um providencial pé na bunda. Aliás, a eleição de políticos como esses é a prova provada de que Pelé estava certíssimo quando afirmou que “o brasileiro não sabe votar” — embora tenha dito a coisa certa pelos motivos errados, já que, na ocasião, ele opinava sobre a decisão da ditadura militar (aquela que nunca existiu) de suspender eleições diretas para cargos do Executivo, mas isso é outra conversa.

"O Brasil não é para amadores", dizia o saudoso Tom Jobim. E governar o país também não é. Bolsonaro teve uma longa carreira parlamentar em Brasília, mas ela se resumiu basicamente e a representar o corporativismo militar. Na Presidência, ele parece mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que governar com sobriedade, com seriedade e com eficácia. Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos políticos e aos membros dos Três Poderes, que parece ainda não terem se dado conta disso.
Na Carta ao Leitor da edição desta semana, Veja resume a coisa da seguinte maneira:

Com apenas três meses de governo, há ainda um longo caminho pela frente. Bolsonaro tem, portanto, condições de corrigir seus erros, acertar o rumo e amadurecer seu entendimento da política. Uma segunda hipótese, muito mais preocupante, é que aquilo que aqui se aponta como erro do bolsonarismo não seja exatamente um erro, mas a sua essência. Algo que, se eliminado, elimina também o próprio bolsonarismo. Para o bem do Brasil, ­fiquemos todos com a primeira hipótese.

Não vejo como discordar.

Atualização — A informação a seguir foge ao assunto em pauta, mas nem por isso deixa de ser importante: O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, aceitou nesta terça-feira, 2, as duas denúncias apresentadas pelo MPF contra Michel Temer, pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. As investigações que levaram o ex-presidente a ser preso, denunciado e, agora, tornar-se réu, apuraram supostos esquemas de corrupção nas obras da usina de Angra-3 e contratos da Eletronuclear, estatal que recebia influência política de Temer e seu grupo.