Fazer oposição sem oferecer contraproposta viável não é política,
é mero e irresponsável exercício do espírito de porco. Mas não há como aplaudir
um presidente que age como se ainda estivesse campanha, posta
vídeos escatológicos nas redes
sociais, deixa-se fotografar vestindo camiseta do
Palmeiras e calçando chinelos de dedo e faz oposição, a si próprio e a seu
governo, tecendo comentários ácidos, jocosos, impróprios, desnecessários e
improdutivos.
Um presidente que, a pretexto de não compactuar com o nefasto
"toma-lá-dá-cá", deixa de construir uma base aliada capaz de
neutralizar os previsíveis ataques de parlamentares do
PT e de seus satélites, que não sai em defesa de seu ministro e dos
procuradores da
Lava-Jato diante do
vazamento feito por um site proselitista a partir de material obtido através de
crime cibernético, com teor sujeito a distorções, manipulações e
descontextualizações.
Um presidente que obstaculiza a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção
do ex-juiz
Sérgio Moro — uma das
bandeiras de sua campanha — para não se indispor com a banda podre do Congresso
e não aumentar o risco de ver rejeitada a nomeação do filho
Eduardo para embaixada do Brasil nos EUA; que intervém na política de preços da
Petrobras e nos quadros da
Polícia Federal, da
Receita Federal e do
Coaf para proteger o filho
Zero Um e,
no limite, para proteger a si mesmo; que atribui a organizações não
governamentais a responsabilidade pelo desmatamento da Amazônia e... agora a cereja do bolo: Que, ao ser criticado por tudo isso e muito mais
, defende-se dizendo que “
se é para ser um banana, um poste dentro da
Presidência, estou fora”.
Ficar impassível diante dessas e outras estultices bolsonarianas
seria o mesmo que fazer como
Nero, que cantava
enquanto Roma ardia em chamas (há quem diga que ele tocava harpa, mas
isso não vem ao caso). Como na fábula d'
O Velho, o Menino e o Burro, o
Capitão Caverna é criticado toda vez
que diz, faz ou deixa de dizer ou fazer seja lá o que for, mas sua infindável
fieira de asnices vem minando lhe minando a popularidade, não entre os bolsomínions, naturalmente
— que, como devotos de
Lula com
sinal trocado, aplaudem tudo que vêm de seu amado líder —, mas entre os milhões
de brasileiros que o elegeram para evitar à volta do
PT ao poder.
Claro que todos têm direito a suas opiniões, e o
cidadão Jair Messias Bolsonaro não é exceção. Mas ao presidente
Jair Messias Bolsonaro cabe observar a liturgia do cargo. Não é admissível que ele faça na vida pública o que faz na privada (o duplo sentido foi intencional).
Ao dizer que não se aterá à listra tríplice do Ministério Público para escolher o novo
PGR, Bolsonaro armou mais uma arapuca para si mesmo, e agora não sabe o
que fazer com penca de candidatos e o lobby
em torno deles. Nada o obriga a escolher um nome da lista, naturalmente, mas
certamente haverá protestos do MPF
se, para ter um procurador-geral subserviente ao Executivo, indicar alguém que não conte com
o respeito da corporação.
Ao vestir a faixa presidencial — disse Josias de Souza —, o capitão
teve o vislumbre das dádivas que o mundo proporciona a alguém que passa do
baixo clero parlamentar para o Planalto, e agora age como quem enfiou o dedo
num favo de mel e, de repente, se visse ameaçado pela abelhas. A depender das
boas intenções contidas em suas falas, o país estaria no paraíso,
mas a realidade costuma estragar as coisas. Bolsonaro não foi eleito para reformar o Coaf nem intervir em órgãos de
controle. Melhor faria se provasse que há um presidente da República
por trás da faixa presidencial, e não será fazendo intervenções e órgãos administradores,
a pretexto de não fazer papel de banana, que ele alcançará esse objetivo.
O comportamento de
Bolsonaro mudou radicalmente quando as investigações apertaram
o cerco em torno de
Zero Um. Para
defender o filho, ele fez um acordo espúrio com o
STF, o
Congresso e
outros poderosos interessados em manter a impunidade como era antes da
Lava-Jato.
Lamentavelmente, nossas leis penais foram criadas para impedir a prisão de poderosos e outros criminosos com recursos
financeiros para pagar honorários milionários criminalistas especializados em
encontrar brechas legais para anular provas e investigações. Sempre foi assim,
e é por isso que querem acabar com a
força-tarefa
— que, em 5 anos,
instaurou cerca de
2.500 procedimentos que produzira (até agora) 244 condenações contra 159 réus,
contabilizando 2.249 anos, 4 meses e 25 dias de pena e ressarciu os cofres
públicos em mais de R$ 40 bilhões. Em contrapartida, o
STF levou 3 anos, dois meses e 26 dias para condenar o deputado
Nelson
Meurer (PP-PR), integrante da
lista de Janot.
A condenação imposta é de 13 anos e nove meses de prisão em regime fechado,
além de pagamento de multa de R$ 322 mil, mas a Corte concedeu ao condenado o
direito e aguardar em liberdade o resultado do derradeiro recurso — que até
hoje o plenário não se dignou de julgar.
Durante a campanha, Bolsonaro
ganhou o apoio de um eleitorado liberal que buscava ao centro a solução para
livrar-se do PT ao anunciar que seu ministro
da Economia seria Paulo Guedes.
Eleito, fez mais um lance magistral ao convidar Sérgio Moro, símbolo do combate à corrupção, para chefiar o ministério
da Justiça e Segurança Pública. Os dois superministros continuam sustentando o
governo — a despeito de as relações entre Moro
e Bolsonaro andarem estremecidas, dizem as más-línguas que por ciúmes, já que o subordinado com bem mais apoio da população do que seu
chefe.
Dizem ainda as más-línguas que o castelo de cartas
tupiniquim esteve prestes a ruir em maio, mas o
pacto institucional celebrado pelos
presidentes dos Três Poderes conseguiu debelar uma suposta
movimentação do núcleo militar do governo, empresários insatisfeitos com a
economia e políticos oportunistas para
apear Bolsonaro da Presidência. Curiosamente,
essa ação coincidiu com as investigações da
Receita e do
Coaf sobre
ministros do
STF,
Flavio Bolsonaro e respectivas
famílias.
Assim, aproveitando-se do pedido da
defesa de
Zero Um para que o
Coaf não repassasse seus dados fiscais
sem autorização judicial, o presidente dos togados supremos livrou a cara do
clã
Bolsonaro e das famílias de
membros do
STF, como ele próprio e o
ministro
Gilmar Mendes.
Como toda
escolha tem consequências, Bolsonaro
se tornou refém da nova agenda política, cujo objetivo é travar a Lava-Jato e seus desdobramentos — prova
disso é a Câmara ter aprovado dias atrás, a toque de caixa e em votação simbólica
e secreta, a lei de abuso de autoridade
egressa do Senado (leia-se Renan Calheiros),
que coloca barreiras legais, ou reforça as já existentes, às investigações da Lava-Jato.
A exemplo do que vem ocorrendo com o presidente não-banana e seu ministro da Justiça, também devem
azedar as relações palacianas com outras corporações — como a Receita Federal, que está em pé de
guerra pela tentativa do Executivo
de nomear um novo responsável pelo Porto
de Itaguaí, base eleitoral dos Bolsonaro
e conhecido ponto de atuação de milicianos e contrabandistas. Já o
vice, acusado de tentar ofuscar o titular ao palpitar sobre os mais
diversos assuntos da República, passou repentinamente de loquaz a silente.
Em
recente entrevista ao Estado, o
general Hamilton Mourão quebrou o silêncio para dizer
que Bolsonaro decidiu “assumir o protagonismo e tratar
pessoalmente da comunicação". Sobre o boquirrotismo do chefe, disse
que "reclamavam que ele não falava,
que fugia da imprensa, e reclama também agora que ele está falando". Perguntado
sobre o alto grau de toxicidade dos pronunciamentos do presidente, relativizou: "Ele é um cara simples
e direto. Não adianta esperar que ele vá tecer comparações pensando em grandes
mestres da filosofia. Não. Ele não vai fazer isso. Ele vai se expressar com a
linguagem dele, usando sujeito, verbo e predicado. Podem não ser as melhores
palavras, mas é o jeito dele".
Enfim, a deputada federal Bia Kicis anunciou que será apresentada outra lei sobre o abuso de autoridade “sem os absurdos” da que aguarda sanção
presidencial. Paralelamente, associações de policiais, juízes, integrantes do Ministério Público e da Receita Federal foram convocadas pelo
líder do governo, Major Vitor Hugo,
para discutir como pressionar Bolsonaro
a vetar a tal aberração. A ver que bicho dá.