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terça-feira, 12 de novembro de 2019

POR QUE NÃO TE CALAS?


A penúltima estultice de Zero Três (porque a última ainda está por vir) foi atear fogo num tanque de gasolina ao prever que o Brasil pode precisar de um novo AI-5. Mas será mesmo uma estultice, considerando o papelão que o STF fez na última quinta-feira, quando, por 6 votos a 5, resolveu tratar dos interesses de seus bandidos de estimação em detrimento dos anseios da sociedade? Talvez fosse o caso de estudar isso melhor, sem paixões nem hipocrisias. Fica aqui o convite.

O texto a seguir foi publicado por J.R. Guzzo no jornal Metrópoles e selecionado por mim para abrilhantar esta postagem. Ele perdeu relevância depois do julgamento da prisão em segunda instância, mas vou publicá-lo mesmo assim  primeiro, porque a matéria estava pronta; segundo, porque uma rizoartrose resolveu me infernizar a vida. Aliás, não estranhem se eu suspender as publicações até que digitar no teclado e operar o mouse deixem de ser tarefas tão dolorosas quanto assistir impassível a um bando de canalhas articular a restauração do império da criminalidade, revertendo o Brasil ao que ele foi nos últimos 500 anos e, ao que parece, está fadado a continuar sendo por outros tantos: uma republiqueta de bananas comandada por criminosos da pior espécie.

Se o rei da Espanha ainda fosse o o rei da Espanha, se encontrasse o deputado Eduardo Bolsonaro numa esquina de Brasília e se lembrasse da pergunta mais interessante que fez em sua vida – alguns anos atrás, para o ditador da Venezuela na época – bem que poderia dizer ao filho do presidente: “Por que não te calas?”
 

O deputado, mais uma vez, jogou fósforo num tanque de gasolina ao prever que o Brasil pode vir a precisar de um novo AI-5 para conter o extremismo de esquerda  um despropósito que só serviu para armar mais uma onda de indignação contra o “DNA ditatorial desse governo que está aí”, sincera em uns casos, hipócrita em outros, mas com certeza 100% desnecessária.

Eduardo Bolsonaro, como 512 outros deputados brasileiros, tem o direito de falar o que bem entende – e, mais ainda, não pode ser punido pelo que diz, pois tem a imunidade parlamentar que protege o direito de expressão no Congresso. É certo, também, que muitos dos seus inimigos à esquerda passam a vida dizendo barbaridades até piores.

Mas toda vez que ele fica quieto ajuda um colosso – ao sossego público, ao governo e ao próprio pai. Muita gente, em agradecimento às graças recebidas, faz promessas de ficar um ano inteiro sem comer doce, ou coisas assim. Eduardo bem que poderia prometer a si e a nós todos que vai passar os próximos 365 dias sem abrir a boca.

Em outro texto, Guzzo diz que "deve haver um sapo com a boca amarrada ou algum outro despacho feio enterrado num lugar qualquer da sala onde reinam os procuradores-gerais da República neste país". Até algum tempo atrás, ninguém sabia quem era a figura; hoje, o cargo de “PGR”, como se diz, é uma fábrica que parece trabalhar três turnos diários na produção de coisas desenhadas para prejudicar o Brasil, os brasileiros e a decência comum". Impossível negar razão ao colunista. Basta lembrar que um dos mais esquisitos deles todos confessou que, em pleno exercício do cargo, entrou armado no STF com o propósito de dar “um tiro na cara” de Gilmar Mendes e se suicidar em seguida. Mas não fez nem uma coisa, nem outra (se tivesse feito, duvido que alguém estivesse chorando de saudades de um ou do outro).

O PGR da vez, indicado por Bolsonaro por alguma razão incerta e não sabida — dada sua simpatia pelo PT e ressalvas feitas à lava Lava-Jato —, parece afetado pela mesma mandinga, mas, nesse caso, trata-se de uma compulsão para insultar quem lhe paga o salário. Para resumir a ópera, Augusto Aras classificou de crime hediondo a mera ideia de que os procuradores da República deixem de ter 60 dias de férias por ano e passem a ter 30, como os demais brasileiros. Segundo ele, o trabalho dos procuradores é “exaustivo” e, por isso, exige pelo menos o dobro das férias devidas aos seres humanos comuns. Como se não bastasse, ameaçou o Congresso de “represálias” se for levado adiante algum projeto de lei que acabe com essa aberração.

Mudando de um ponto a outro, o clã Bolsonaro ainda não perdeu uma única oportunidade de criar um clima propício a tentativas golpistas. Nos recentes episódios do leão e as hienas e da alusão infeliz de Zero Três ao AI-5, a Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu — segundo a qual pesos e contrapesos impedem que um deles tente avançar sobre os demais — tem funcionado. Até quando, porém, só Deus sabe. Como disse Merval Pereira, isso lembra a anedota do sujeito que cai do 15º andar de um edifício e, ao passar pelo 10º, diz a um morador que o observava da janela: "até aqui, tudo bem".

Ao escolher seu ministério, o capitão demonstrou apreço por colegas de farda que conhecia de longa data. Passados dez meses, devolveu para a caserna ou para o pijama pelo menos meia dúzia deles. O penúltimo foi o quatro estrelas Maynard Marques de Santa Rosa, que deixou a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Antes dele, foram defenestrados Franklimberg de Freitas (Funai), Juarez Cunha (Correios), João Carlos Jesus Corrêa (Incra) e Marco Aurélio Vieira (Secretaria Especial de Esporte). Segundo Josias de Souza, o general Santos Cruz, precursor de Santa Rosa, foi substituído pelo também estrelado Luiz Eduardo Ramos, que já recebeu da deputada Joyce Hasselmann um alerta: "Você será o próximo".

A conversão de oficiais da reserva em funcionários civis despertou muita expectativa. Os pessimistas apostavam na militarização camuflada de um governo supostamente civil. Os otimistas contavam com o talento dos ex-companheiros de caserna para civilizar um presidente que se considera militar a despeito de ter sido excluído da tropa por indisciplina. Frustraram-se todas as apostas. Nem o governo se militarizou, nem o presidente foi civilizado. Abriu-se uma terceira via, que conduz os generais gradativamente à porta de saída sob dois pretextos, ambos humilhantes: hipotética incompetência ou manifesta incompatibilidade com o alto-comando ideológico do governo, chefiado por Olavo de Carvalho desde o estado americano da Virgínia. 

Este governo tornou-se um martírio para os generais, que, ou saem com a fama de incompetentes, ou com a pecha de melancia (verde por fora, vermelho por dentro). Para ficar, precisam se infiltrar no meio dos insensatos — sensível ao efeito Orloff produzido pela exoneração dos colegas de farda, o general Augusto Heleno se segura na chefia do Gabinete de Segurança Institucional contemporizando com ideias amalucadas como as de Eduardo Bolsonaro. Aliás, se o presidente fosse fã de banho de assento, Heleno já teria se afogado há muito tempo.

O problema é que quem assiste à essa tragicomédia da platéia já não consegue distinguir quem é quem no palco. Num governo assim, convertido em zona de guerra, bater em retirada tornou-se a melhor estratégia para os estrelados.  

Volto a este assunto numa próxima postagem — só não sei dizer se amanhã ou na semana que vem, já que dia sim, outro também, surge um novo escândalo com potencial para causar repercussões que devem ser discutidas de plano, sob pena de serem atropeladas pelo próximo escândalo de muitos outros que virão enquanto esta banânia existir e seu povo não aprender a votar.

domingo, 3 de novembro de 2019

IMBRÓGLIOS, SALSEIROS E ASNICES DA NOVA FAMÍLIA REAL



Além de ainda não ter formado uma base de apoio parlamentar e de ter declarado guerra ao partido pelo qual se elegeu, nosso indômito presidente vem terminando amizades de longa data (mais detalhes nas postagens de ontem e de amanhã) e fulminando aliados um após o outro. Não demora e lhe restará somente o apoio dos três filhos com mandato parlamentar — o que não serve de consolo, considerando que, para blindar Zero Um, o papai presidente se sujeitou a lamber as botas de Toffoli, Alcolumbre e Gilmar; Zero Dois insiste em botar fogo no circo (sua penúltima estultice foi o vídeo do leão e as hienas); e Zero Três, que já "defendeu o fechamento do STF" (clique aqui para assistir ao vídeo e conferir em que contexto ele disse isso), agora volta à carga com a reedição do AI-5 (mais detalhes nos posts anteriores e no de amanhã).

Com desgraça pouca é bobagem, depois que a Globo veiculou (de forma açodada, se não maliciosa) uma matéria sobre sua suposta ligação com o caso Marielle, o capitão insinuou que que a emissora terá problemas para renovar sua concessão: "Teremos uma conversa em 2022", disse, para logo depois tentar recolocar o gênio na garrafa. Mas aí a mídia já havia caído de pau. No dia seguinte, Bolsonaro voltou à carga e anunciou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de S.Paulo no âmbito do governo federal, além de fazer ameaças aos anunciantes do veículo. Quase que ao mesmo tempo, o terceiro filho concedeu a bizarra entrevista que "estarreceu o país" — continuo achando que houve muito oportunismo nessa indignação toda, mas enfim...

Apeado do sonho (por ora impossível) de assumir a embaixada do Brasil nos EUA (com as bençãos de Pato Donald Trump), Eduardo Bolsonaro assumiu a liderança do PSL na Câmara. Não foi uma boa ideia. Falta-lhe discernimento para diferenciar o que pode ser dito entre amigos, numa mesa de boteco, do que se pode falar em público. Embora não exista no governo cargo de "filho de presidente", esta administração o criou informalmente quando o monarca se cercou dos príncipes-herdeiros, e estes, deslumbrados com o poder, escudam-se na imunidade parlamentar para proferir asnices de todas as cores, cheiros e sabores.   

A declaração do Zero Três sobre o AI-5 foi repudiada por partidos de todo o espectro ideológico — inclusive do próprio PSL. Bolsonaro pai desautorizou o filho: "Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí. Cobrem vocês dele, ele é independente." E completou: "Qualquer palavra nossa vira um tsunami." Mas a flecha já havia sido lançada, a oportunidade de calar, perdida, e o estrago, feito.

Em entrevista ao Brasil urgente, o deputado emendou o soneto: "Eu talvez tenha sido infeliz em falar do AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno. Mas nesse cenário, o governo tem de tomar as rédeas da situação, não pode simplesmente ficar refém de grupos organizados para promover o terror." Não adiantou.

A mídia não perdoa qualquer deslize da primeira-família, e a declaração estapafúrdia do caçula foi alvo de uma série de representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, e pode, pelo menos em tese, levar à cassação de seu mandato. Mas as ações apresentadas contra ele no STF, sob acusação de "incitar publicamente ato criminoso", não devem prosperar (considerando a atual composição da Corte, que conta com ministros como o que mandou soltar Anthony Garotinho e senhora um dia depois de o ex-governador lalau ser preso pela quinta vez e a madame, pela terceira, pode-se esperar qualquer coisa).

Observação: Para quem não sabe de qual togado estou falando, aqui vão algumas dicas: ele foi indicado para o STF por FHC, classificado por um colega de tribunal como "uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia", apelidado por Augusto Nunes de "Maritaca de Diamantino" e era presidente do TSE quando a chapa Dilma/Temer foi absolvida por "excesso de provas". Quer mais? Então vamos lá: ele tem ódio da Lava-Jato, do procurador Deltan Dallagnol e do atual ministro da Justiça e do juiz Marcelo Bretas, além de ostentar um formidável par de beiços (que pesam uns bons cinco quilos).

Questionado por jornalistas, Jair Bolsonaro negou ter feito ameaças à imprensa. Perguntado se não teme comparações com Hugo Chávez, o tiranete venezuelano que em 2007 não renovou a concessão da emissora de maior audiência no país por discordar da cobertura do canal sobre seu governo e acusá-la de ser "golpista". Disse o capitão: "Ô, ô, ô, aqui não tem ditadura, aqui não tem ditadura. Qualquer concessão tem de cumprir a lei, nada mais além disso. Nunca, em nenhum momento, partiu de mim nenhuma ameaça a qualquer órgão de imprensa no Brasil."

Observação: A decisão por uma não renovação ou aprovação de uma concessão passa inicialmente pelo Poder Executivo, mas precisa ser autorizada por dois quintos do Congresso Nacional.

Diante da possibilidade de o STF rever o entendimento sobre a prisão em segunda instância (novela cujo próximo capítulo deve ser transmitido na próxima quinta-feira), o perfil do presidente no Twitter publicou em 17 uma defesa do cumprimento da pena imediatamente após condenação em segunda instância. "Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância". A mensagem foi interpretada por autoridades como uma tentativa de pressão (?!) sobre o Judiciário e o Legislativo e apagada logo depois por Zero Dois, que atua como ghostwriter  do pai, que pediu desculpas pela publicação. "Eu escrevi o tuíte sobre segunda instância sem autorização do Presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!"

E é com coisas assim que se preocupam a imprensa, os políticos e outros desocupados. Como se o Brasil não tivesse nada mais importante para fazer.

Bom domingo a todos.

sábado, 2 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O IMBRÓGLIO EDUARDO BOLSONARO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


Diálogo de acova entre um casal de coelhos: O macho: "Vamos fazer amor?" A fêmea: "O quê?" O macho: "Vamos fazer de novo?". Mutatis mutandis, essa piadinha sem graça espelha a rapidez com que muda o cenário político, dificultando a já difícil tarefa de escrever sobre ele. Enfim, ninguém falou que seria fácil. Vamos adiante.

Dizem que FHC, quando era ministro do governo Itamar, sempre dava um jeitinho de enviar o chefe em viagens ao exterior, para evitar... bem, acho que deu para entender. Não sei é verdade ou folclore, mas sei que naquela época não havia smartphones, conexão móvel via 3G/4G, WhatsApp, Twitter e que tais. Essa estratégia dificilmente funcionaria com Bolsonaro, não só devido ao contexto atual, mas também porque mesmo longe do solo pátrio nosso indômito presidente dá azo a toda sorte de polêmicas que a imprensa não perde a chance de explorar à saciedade. A maioria é mais inconsequente que contundente, mas todas "atrapalham o bom andamento do serviço", como disse recentemente o vice-presidente Hamilton Mourão.

Vejam esse rebosteio criado por Eduardo Bolsonaro. Como se já não bastassem o vídeo do leão e as hienas, a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, e, claro, a menção ao presidente na investigação do caso Marielle Franco, o deputado joga mais combustível na fogueira "defendendo" a ditadura, o AI-5 e outras asnices. No entanto, mesmo que se esteja fazendo tempestade em copo d'água, a família real tupiniquim bem que poderia se esforçar um pouco para pensar antes de falar. Não é a primeira vez que suas opiniões inconsequentes produzem ruído; no caso específico de Zero Dois, relembro o carnaval que fizeram devido a um vídeo republicado durante a campanha, no qual ele diz que "para fechar o STF bastariam um soldado e um cabo ". A colocação foi infeliz, mas a "ameaça" que ela parecia conter ao ser replicada fora do contexto se esvanecia quando ouvíamos toda a resposta e a pergunta que resultou na fala filho do capitão. Mas vivemos na época da pós-verdade, onde os fatos valem menos do que as versões.

A entrevista inconsequente do filho obliterou o desmentido da versão tendenciosa que a mídia disseminou sobre o suposto envolvimento do pai no caso Marielle, do qual os noticiários alardearam a suspeita à exaustão, mas deram quase nenhum destaque à notícia de que o MP-RJ desmentiu a versão do porteiro. Também falou-se "um monte" quando o capitão disse ter "afinidade" com o príncipe da Arábia Saudita, mas pouco foi dito sobre os US$ 10 bilhões que aquele país deve investir no Brasil. Ou sobre a apologia que deputados e influenciadores de esquerda vêm fazendo aos atos terroristas que estão acontecendo no Chile. Mas bastou o destrambelho partir do clã presidencial para a mídia "cumpanhêra" ser implacável.

E não é só a mídia: Ciro Gomes, por exemplo, que é conhecido por seus comentários intempestivos, chegou mesmo a se referir a Eduardo como "merdinha" e "tolete de esterco". Não sou admirador desse demagogo, mas é impossível não reconhecer que de vez em quanto ele acerta na mosca, como fez numa recente entrevista ao Congresso em Foco. Perguntado sobre Jair Bolsonaro, o pedetista disse tratar-se de um "despreparado paranoico"; perguntado sobre Lula, Ciro classificou-o de enganador profissional. "Lula é o grande responsável por essa tragédia econômica, social e política que o Brasil está vivendo, não tem grandeza, só pensa em si". Pausa para os merecidos aplausos (às vezes, até um burro cego é capaz de encontrar a cenoura).

Menos brilhante em seus pitacos — mas não menos esdrúxulo que seu ex-adversário no primeiro turno das eleições passadas —, Fernando Haddad, o bonifrate do encantador de burros, que está desempregado desde outubro do ano passado e deveria pedir desculpas por ser tão servil a um corrupto e lavador de dinheiro, por ter desgovernado São Paulo durante quatro anos e por afirmar que a Venezuela é uma democracia — regurgitou a seguinte pérola“Eduardo Bolsonaro pediu desculpas por defender um novo AI-5. Poderia pedir desculpas por ter ofendido o filho do presidente eleito da Argentina. Por ter tentado usurpar o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. Por homenagear miliciano e torturador. E pelo pai”. É o roto criticando o esfarrapado!
    
Haveria muito mais a dizer, mas prolongar esta postagem repisando o que já se sabe seria chover no molhado. Melhor acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será mesmo protocolado um pedido de cassação do deputado boquirroto, lembrando que as "comissões de ética", tanto da Câmara quanto do Senado, são tão úteis quanto um ministério da Marinha na Bolívia.

Antes de encerrar, achei por bem mencionar que os ex-governadores do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que haviam sido presos na última quarta-feira (ele pela quinta vez e ela, pela terceira), deixaram a prisão no dia seguinte, graças à pronta intervenção do ministro Gilmar Ferreira Mendes. A propósito, relembro que sua excelência encabeça a lista de ministros supremos com mais pedidos de impeachment — pelas últimas contas, são 10 contra ele e 9 contra Toffoli; a única que escapa até agora é a ministra Cármen Lúcia.

Só neste ano foram 16 pedidos de abertura de processos de impeachment contra os supremos togados, a maioria motivada por decisões contrárias ao que a população brasileira espera do Judiciário, como a do próprio Gilmar, que autorizou a suspensão da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Não obstante, se depender de Davi Alcolumbre, que claramente não tem interesse algum em lhes dar seguimento, os processos continuarão dormitando eternamente em berço esplêndido nas gavetas do Senado, o que nos leva a pensar se os pontos de vista de Eduardo Bolsonaro... bem, é melhor deixar pra lá.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

AS BOLSONARICES SEGUNDO O EVANGELHO DE S. MOURÃO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES



Fazer oposição sem oferecer contraproposta viável não é política, é mero e irresponsável exercício do espírito de porco. Mas não há como aplaudir um presidente que age como se ainda estivesse campanha, posta vídeos escatológicos nas redes sociais, deixa-se fotografar vestindo camiseta do Palmeiras e calçando chinelos de dedo e faz oposição, a si próprio e a seu governo, tecendo comentários ácidos, jocosos, impróprios, desnecessários e improdutivos.

Um presidente que, a pretexto de não compactuar com o nefasto "toma-lá-dá-cá", deixa de construir uma base aliada capaz de neutralizar os previsíveis ataques de parlamentares do PT e de seus satélites, que não sai em defesa de seu ministro e dos procuradores da Lava-Jato diante do vazamento feito por um site proselitista a partir de material obtido através de crime cibernético, com teor sujeito a distorções, manipulações e descontextualizações.

Um presidente que obstaculiza a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção do ex-juiz Sérgio Moro — uma das bandeiras de sua campanha — para não se indispor com a banda podre do Congresso e não aumentar o risco de ver rejeitada a nomeação do filho Eduardo para embaixada do Brasil nos EUA; que intervém na política de preços da Petrobras e nos quadros da Polícia Federal, da Receita Federal e do Coaf para proteger o filho Zero Um e, no limite, para proteger a si mesmo; que atribui a organizações não governamentais a responsabilidade pelo desmatamento da Amazônia e... agora a cereja do bolo: Que, ao ser criticado por tudo isso e muito mais, defende-se dizendo que “se é para ser um banana, um poste dentro da Presidência, estou fora”.

Ficar impassível diante dessas e outras estultices bolsonarianas seria o mesmo que fazer como Nero, que cantava enquanto Roma ardia em chamas (há quem diga que ele tocava harpa, mas isso não vem ao caso). Como na fábula d'O Velho, o Menino e o Burro, o Capitão Caverna é criticado toda vez que diz, faz ou deixa de dizer ou fazer seja lá o que for, mas sua infindável fieira de asnices vem minando lhe minando a popularidade, não entre os bolsomínions, naturalmente — que, como devotos de Lula com sinal trocado, aplaudem tudo que vêm de seu amado líder —, mas entre os milhões de brasileiros que o elegeram para evitar à volta do PT ao poder.

Claro que todos têm direito a suas opiniões, e o cidadão Jair Messias Bolsonaro não é exceção. Mas ao presidente Jair Messias Bolsonaro cabe observar a liturgia do cargo. Não é admissível que ele faça na vida pública o que faz na privada (o duplo sentido foi intencional).

Ao dizer que não se aterá à listra tríplice do Ministério Público para escolher o novo PGR, Bolsonaro armou mais uma arapuca para si mesmo, e agora não sabe o que fazer com penca de candidatos e o lobby em torno deles. Nada o obriga a escolher um nome da lista, naturalmente, mas certamente haverá protestos do MPF se, para ter um procurador-geral subserviente ao Executivo, indicar alguém que não conte com o respeito da corporação.  

Ao vestir a faixa presidencial — disse Josias de Souza —, o capitão teve o vislumbre das dádivas que o mundo proporciona a alguém que passa do baixo clero parlamentar para o Planalto, e agora age como quem enfiou o dedo num favo de mel e, de repente, se visse ameaçado pela abelhas. A depender das boas intenções contidas em suas falas, o país estaria no paraíso, mas a realidade costuma estragar as coisas. Bolsonaro não foi eleito para reformar o Coaf nem intervir em órgãos de controle. Melhor faria se provasse que há um presidente da República por trás da faixa presidencial, e não será fazendo intervenções e órgãos administradores, a pretexto de não fazer papel de banana, que ele alcançará esse objetivo.

O comportamento de Bolsonaro mudou radicalmente quando as investigações apertaram o cerco em torno de Zero Um. Para defender o filho, ele fez um acordo espúrio com o STF, o Congresso e outros poderosos interessados em manter a impunidade como era antes da Lava-Jato.

Lamentavelmente, nossas leis penais foram criadas para impedir a prisão de poderosos e outros criminosos com recursos financeiros para pagar honorários milionários criminalistas especializados em encontrar brechas legais para anular provas e investigações. Sempre foi assim, e é por isso que querem acabar com a força-tarefa — que, em 5 anos, instaurou cerca de 2.500 procedimentos que produzira (até agora) 244 condenações contra 159 réus, contabilizando 2.249 anos, 4 meses e 25 dias de pena e ressarciu os cofres públicos em mais de R$ 40 bilhões. Em contrapartida, o STF levou 3 anos, dois meses e 26 dias para condenar o deputado Nelson Meurer (PP-PR), integrante da lista de Janot. A condenação imposta é de 13 anos e nove meses de prisão em regime fechado, além de pagamento de multa de R$ 322 mil, mas a Corte concedeu ao condenado o direito e aguardar em liberdade o resultado do derradeiro recurso — que até hoje o plenário não se dignou de julgar.

Durante a campanha, Bolsonaro ganhou o apoio de um eleitorado liberal que buscava ao centro a solução para livrar-se do PT ao anunciar que seu ministro da Economia seria Paulo Guedes. Eleito, fez mais um lance magistral ao convidar Sérgio Moro, símbolo do combate à corrupção, para chefiar o ministério da Justiça e Segurança Pública. Os dois superministros continuam sustentando o governo — a despeito de as relações entre Moro e Bolsonaro andarem estremecidas, dizem as más-línguas que por ciúmes, já que o subordinado com bem mais apoio da população do que seu chefe.

Dizem ainda as más-línguas que o castelo de cartas tupiniquim esteve prestes a ruir em maio, mas o pacto institucional celebrado pelos presidentes dos Três Poderes conseguiu debelar uma suposta movimentação do núcleo militar do governo, empresários insatisfeitos com a economia e políticos oportunistas para apear Bolsonaro da Presidência. Curiosamente, essa ação coincidiu com as investigações da Receita e do Coaf sobre ministros do STF, Flavio Bolsonaro e respectivas famílias. Assim, aproveitando-se do pedido da defesa de Zero Um para que o Coaf não repassasse seus dados fiscais sem autorização judicial, o presidente dos togados supremos livrou a cara do clã Bolsonaro e das famílias de membros do STF, como ele próprio e o ministro Gilmar Mendes

Como toda escolha tem consequências, Bolsonaro se tornou refém da nova agenda política, cujo objetivo é travar a Lava-Jato e seus desdobramentos — prova disso é a Câmara ter aprovado dias atrás, a toque de caixa e em votação simbólica e secreta, a lei de abuso de autoridade egressa do Senado (leia-se Renan Calheiros), que coloca barreiras legais, ou reforça as já existentes, às investigações da Lava-Jato.

A exemplo do que vem ocorrendo com o presidente não-banana e seu ministro da Justiça, também devem azedar as relações palacianas com outras corporações — como a Receita Federal, que está em pé de guerra pela tentativa do Executivo de nomear um novo responsável pelo Porto de Itaguaí, base eleitoral dos Bolsonaro e conhecido ponto de atuação de milicianos e contrabandistas. Já o vice, acusado de tentar ofuscar o titular ao palpitar sobre os mais diversos assuntos da República, passou repentinamente de loquaz a silente. 

Em recente entrevista ao Estado, o general Hamilton Mourão quebrou o silêncio para dizer que Bolsonaro decidiu “assumir o protagonismo e tratar pessoalmente da comunicação". Sobre o boquirrotismo do chefe, disse que "reclamavam que ele não falava, que fugia da imprensa, e reclama também agora que ele está falando". Perguntado sobre o alto grau de toxicidade dos pronunciamentos do presidente, relativizou: "Ele é um cara simples e direto. Não adianta esperar que ele vá tecer comparações pensando em grandes mestres da filosofia. Não. Ele não vai fazer isso. Ele vai se expressar com a linguagem dele, usando sujeito, verbo e predicado. Podem não ser as melhores palavras, mas é o jeito dele".

Enfim, a deputada federal Bia Kicis anunciou que será apresentada outra lei sobre o abuso de autoridadesem os absurdos” da que aguarda sanção presidencial. Paralelamente, associações de policiais, juízes, integrantes do Ministério Público e da Receita Federal foram convocadas pelo líder do governo, Major Vitor Hugo, para discutir como pressionar Bolsonaro a vetar a tal aberração. A ver que bicho dá.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

BOLSONARO É BOLSONARO. E PONTO FINAL.


Foi lamentável a maneira como o presidente Jair Bolsonaro tratou a questão do desaparecimento do pai de Felipe Santa Cruz, que agora pretende recorrer ao STF para “obter esclarecimentos” — como se nossa mais alta corte não tivesse nada mais importante para fazer do que se debruçar sobre as picuinhas do chefe do Executivo e as polêmicas geradas por seus pronunciamentos intempestivos. A declaração foi dada quando o capitão reclamava da OAB  — órgão do qual Felipe é presidente nacional — na investigação do caso de Adélio Bispo, o lunático inimputável: "Por que a OAB impediu que a PF entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", perguntou o presidente.

A coisa ficou pior depois que Bolsonaro, numa livre gravada na tarde de segunda-feira enquanto cortava o cabelo, apresentou uma versão dos fatos que colide frontalmente com a da Comissão da Verdade. Na manhã de ontem, após um café da manhã no Alvorada com Rodrigo Maia, o presidente se dirigiu aos jornalistas nos seguintes termos: “Vocês acreditam em Comissão da Verdade? Qual foi a composição da comissão da verdade, foram 7 pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”. Questionado sobre a ação no STF iniciada por Santa Cruz, o presidente disse que é “direito dele”. E Falou ainda que não tem documentos que embasem o que comentou na última segunda feira: “O que eu sei é o que eu falei pra vocês. Não tem nada escrito, que foi isso ou foi aquilo… Meu sentimento era esse. Agora, você pode ver, a OAB não quer que se chegue aos mandantes da tentativa de homicídio minha”.

Dias antes, ao se manifestar sobre a portaria nº 666 do Ministério da Justiça e Segurança Pública — segundo a qual indivíduos envolvidos em atos de terrorismo, associação criminosa armada que tenha armas à disposição, tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo, pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil e até torcidas de futebol com histórico de violência em estádios podem ser sumariamente deportadas —, o presidente negou que fosse algum tipo de retaliação, até porque a medida não atinge o criador do site panfletário proselitista The Intercept Brasil, mas, ainda segundo o presidente, Greenwald poderia “pegar uma cana aqui mesmo”. A conclusão é uma só: diga Bolsonaro o que disser, sempre haverá polêmica.

Sobre a Vaza-Jato, a atuação espúria do site panfletário e seus associados, que vêm divulgando a conta-gotas supostos diálogos mantidos entre Moro e Dallagnol, e entre este e outros procuradores da Lava-Jato, salta aos olhos tratar-se de uma edição claramente tendenciosa, repleta de ilações feitas a partir de trechos retirados do contexto com o nítido propósito de anular processos e ajudar a libertar o picareta dos picaretas. Lamentavelmente, alguns juristas se respaldam na hermenêutica para agregar à previsão constitucional que garante aos jornalistas o direito de preservar suas fontes o condão de acobertar criminosos. Mas num país em que 7% da população (cerca de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana, não se poderia mesmo esperar que o exercício intelectual fosse o esporte nacional.

Igualmente fantasiosa me parece a hipótese de Walter Delgatti Neto, tido como o chefe da quadrilha que invadiu quase 1000 telefones, a maioria dos quais pertencente a membros da mais alta cúpula deste projeto de banânia, ter agido de moto próprio e cedido graciosamente o produto do crime ao manipulador do conta-gotas mais temido do Brasil. Nem mesmo a finada Velhinha de Taubaté acreditaria em tamanha falácia (refiro-me à personagem criada por Luiz Fernando Veríssimo durante o governo os anos de chumbo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares).

Resta saber se, uma vez comprovada a suspeita de que o hacker foi pago pelo trabalho (segundo um integrante do grupo, a ideia era vender o material ao PT), Verdevaldo foi cúmplice ou apenas cometeu um “antiético”. Seja como for, a motivação política ficou evidente quando veio à tona que Manuela D’Ávila, ex-candidata a vice pelo PCdoB na chapa do bonifrate de Lula em 2018, serviu de intermediária entre Delgatti e o site The Intercept. E tudo indica que o gringo trastejão já estava de posse do material quando entrevistou Lula na prisão. Na entrevista que deu a Monica Bergamo, da Folha, e Florestan Fernandes Jr, do El Pais, o petista disse que Moro, Dallagnol e sua turma seriam “desmascarados”, e semanas depois o Intercept pingou a primeira gota do seu veneno. Teria o molusco eneadáctilo se tornado clarividente devido à abstinência alcoólica ou será que um passarinho lhe revelou com antecedência o caminhão de merda que Verdevaldo tencionava despejar?  

Entre o dia em que se deu o primeiro contato entre Verdevaldo e Vermelho passaram-se quatro semanas. Ao publicar os diálogos, o dono do site declarou: “ficamos muitas semanas planejando como proteger a nós e nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação.”

Em sua coluna n’O Globo, Merval Pereira especula se nas conversas de Dallagnol com outros procuradores, ou mesmo com Sérgio Moro, não havia um espaço para troca de informações sobre outros casos da Lava-Jato que não os relacionados a LulaDelgatti disse também que entrou nas conversas sobre a Operação Greenfield em Brasília, que apura desvios em fundos de pensão. Pelo seu relato, não encontrou nada de ilegal nas conversas, por isso não se interessou. Que estelionatário mais preparado, esse, que sabe onde há supostas irregularidades processuais e onde não há!

Voltando ao presidente, o que se vê é Bolsonaro sendo Bolsonaro. E isso dificilmente irá mudar. Depois de seis meses no cargo, o capitão ainda age como se estivesse em campanha, dando declarações “de palanque” endereçadas a sua base de apoiadores (os “bolsomínions”), conquanto devesse atuar em prol do restabelecimento da paz e se empenhar na aprovação de medidas que revertam a dura recessão que o país amarga desde a reeleição da nefelibata da mandioca. Aceitemos, se não de bom grado, ao menos com esforço de tolerância, que ele fale aos seus nichos eleitorais de forma a compensar a perda de apoio registrada pelas pesquisas entre o pessoal que votou nele por exclusão, motivado pela oportunidade de afastar o PT do poder. É um método. Conflituoso e muito semelhante ao artifício do “nós contra eles” de Lula, mas exitoso: seu eleitor de raiz está firme.

Segundo Dora Kramer, dadas as qualificações intelectuais de ambos, não se pode condenar o presidente por copiar o adversário de quem absorve os conceitos trocando-lhes os sinais antes de apresentá-­los à população, a fim de tentar obter o mesmo grau de sucesso conseguido pelo discurso da “quase lógica”, assim muito bem denominado pela cientista política Luciana Veiga. Ainda em 2005, quando era geral o encantamento com Lula — a ponto de serem celebradas suas exorbitâncias verbais, vistas como fruto de genialidade política —, a cientista pontuava: “O presidente usa argumentos que parecem lógicos segundo noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam se cotejados com a precisão da realidade. Ele tem gosto especial por temas de menor relevância”.

À época, Luciana foi ignorada pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica que hoje a ouvem a respeito do jeito Bolsonaro de ser. Não se toca no assunto nem se relembra o conteúdo da análise sobre Lula. A tal da quase lógica é a arte de dizer bobagens e/ou obviedades com jeito de coisa séria. No caso do atual mandatário, ainda há que acrescentar o gosto por decisões pautadas em irrelevâncias. Alguns temas até são importantes, mas perdem relevo e caem no esquecimento pela forma e pelo momento que Bolsonaro escolhe para a abordagem.

Um exemplo é a indicação de zero três para a embaixada em Washington, vaga desde abril, quando o diplomata Sergio Amaral decidiu retirar-se de cena por respeito a si e à carreira. Tantas são as resistências ao nome do deputado que muitos especulam se a ideia vai prosperar — eu acho que vai, porque Trump não se oporá à escolha, e o mesmo deverá acontecer (por motivos diversos, naturalmente) com os senadores que submeterão "o garoto" à sabatina de praxe, mesmo que o maior destaque em seu currículo seja ter fritado hambúrgueres numa lanchonete da rede Popeyes, que serve frango frito. A pergunta que não quer calar é: por que semear conflito justamente quando o governo deveria curtir o bom momento da aprovação da reforma da Previdência na Câmara? Para atrair as atenções voltadas para o deputado Rodrigo Maia é uma hipótese. Irrelevante, pois.

Vamos aprendendo que nada é tão insignificante que não mereça a atenção de Jair Bolsonaro. Discutir horário de verão em pleno mês de março enquadra-se perfeitamente no modelo. Assim como proposições inexequíveis por força da realidade. Nesse campo temos a transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, o pacto entre Poderes cuja finalidade seria levar Legislativo e Judiciário a obedecer ao Executivo e a criação de uma moeda conjunta (peso-real) com a Argentina.

Nada disso vai adiante, como não irão as ideias de transformar Angra dos Reis (RJ) numa nova Cancún ou de liberar Fernando de Noronha ao turismo predatório. Presidentes normalmente interferem quando há necessidade de um “freio de arrumação” no governo. Com Bolsonaro é diferente: ele está permanentemente com o freio de mão puxado no modo desarrumação.

terça-feira, 16 de julho de 2019

O NEPOTISMO E O EMBAIXADOR EDUARDO BOLSONARO



O termo nepotismo (do latim nepos, que significa sobrinho, neto ou descendentes) designava originalmente às relações do papa com seus parentes, mas logo passou a ser usado no âmbito corporativo e na esfera da política — onde abundam “cargos de confiança” — para referenciar a nomeação parentes, amigos e outros protegidos em detrimento de pessoas mais qualificadas para o exercício das funções. Essa prática, digamos, imoral aportou no Brasil com a esquadra de Cabral: em sua famosa carta a D. Manuel, “O Venturoso”, o escriba Pero Vaz de Caminha pediu ao rei português um emprego para o genro.

Jair Bolsonaro não vê como nepotismo a indicação do filho Eduardo para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O fato de o diplomata Sergio Amaral ter sido ejetado da poltrona há três meses e o assento ter ficado vago desde então, aguardando o pimpolho presidencial completar 35 anos (idade mínima estabelecida por lei para que alguém assuma a chefia de uma missão diplomática permanente) não quer dizer nada. Sem mencionar suas credenciais, nas palavras do próprio presidente:  “O garoto fala inglês, fala espanhol, tem uma vivência no mundo todo, é amigo da família do presidente Donald Trump”. Ou nas do próprio Eduardo, que saiu em defesa de sua indicação: “Não sou um filho de deputado que está do nada vindo a ser alçado a essa condição, tem muito trabalho sendo feito, sou presidente da Comissão de Relações Exteriores, tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos, no frio do Maine, estado que faz divisa com o Canadá, no frio do Colorado, em uma montanha lá, aprimorei o meu inglês, vi como é o trato receptivo do norte-americano com os brasileiros”.

É possível que o presidente não conheça o significado de nepotismo. Como não conhece a dimensão da obra de João Gilberto. Só por insistência de repórteres que acabou dizendo algo a respeito da morte do pai da Bossa Nova, embora tenha lamentado no Twitter a morte de um certo MC Reaça, portador de “um grande talento”, e afirmado que seria sempre lembrado “por seu amor pelo Brasil”. Sobre João Gilberto, diante dos pedidos, limitou-se a um sumário: “Era uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá o.k.?”.

Bolsonaro foi contemplado com atributos de bom tamanho, como a sorte que o levou de improvável candidato a vencedor da eleição, mas a alma é pequena. O nome “João Gilberto” pode lhe ter disparado repetidos sinais de alarme: “arte”, “cultura”, talvez até mesmo “esquerda”, e ainda por cima, dado o alcance internacional do falecido, “cosmopolitismo” e “globalismo” — um coquetel de explodir-lhe a cabeça. Ou talvez Bolsonaro nem conhecesse o cantor. A Garota de Ipanema, no cânone presidencial, não vale os versos de MC Reaça: “As mina de direita são as top mais bela / Enquanto as de esquerda tem mais pelo que cadela”.

Voltando a zero três e a embaixada nos EUA, a coisa pegou tão mal que o general Luiz Eduardo Ramos, que ainda nem esquentou a cadeira de ministro da Secretaria de Governo, censurou o presidente durante café da manhã com jornalistas. Ele disse que Bolsonaro “se apressou” ao anunciar a indicação e que a divulgação da notícia em meio à votação da reforma da Previdência reforçou as críticas da oposição. Palavras do general: “Deu polêmica, reconheço, saiu na imprensa. Agora vamos aguardar. Poderia ter anunciado na semana que vem? Talvez, durante o recesso parlamentar. Vários deputados citaram essa nomeação, podia ter evitado”. 

O general relativizou o anúncio, como se Bolsonaro estivesse sob pressão para recuar da ideia, e citou outros recuos do presidente após uma enxurrada de críticas. Lembrou que a ideia de transferir de Telavive para Jerusalém a embaixada do Brasil em Israel perdeu força depois que os países árabes ameaçaram suspender a compra de produtos brasileiros se isso acontecesse. “Meu amigo Bolsonaro tem esses momentos”, concedeu o general que mais se empenhou dentro do Alto Comando do Exército para que seus colegas de farda apoiassem a candidatura do capitão. Seja como for, Ramos achou por bem elogiar zero dois, chamando-o de “um jovem preparado” — só não disse no quê — e afirmando que sua eventual nomeação para embaixador “não contraria a lei”. Há controvérsias, como veremos a seguir.

Dado o ineditismo do caso — nenhum outro presidente brasileiro indicou o próprio filho para ser embaixador em outro país — as opiniões divergem. Até porque não existe lei que explicite o que é nepotismo. No STF, a Súmula 13 estabelece que: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

Segundo José Nêumanne, não é preciso consultar as leis, ir ao STF ou recorrer ao Senado. À falta de um dicionário, que, ao que parece, o presidente nunca se deu ao trabalho de consultar, Carlos Bolsonaro, o zero dois, pode lhe prestar uma informação lendo o significado da palavra, que significa “favoritismo de parente principalmente em cargo público”. Como o candidato relacionou em sua experiência ter feito intercâmbio e fritado hambúrgueres no Maine, é o caso de perguntar se é uma piada ou um achincalhe.

Para que zero três assuma o cargo, sua indicação deve ser aprovada pela Comissão de Assuntos Internacionais do Senado e, depois, pelo plenário da Casa. Em tese, isso afasta a pecha de nepotismo, já que ao presidente cabe apenas indicar; a aprovação fica a cargo do Legislativo, que é um poder independente. Mas isso não muda o fato de que o Chefe da Missão diplomática é a principal autoridade do Brasil no Estado onde reside e representa diretamente o Presidente da República em uma competência que lhe é privativa, qual seja a de manter relações com Estados estrangeiros. Assim, indicar uma pessoa que não tem especialização na área tende a ser vista como violação ao princípio Constitucional da eficiência. 

Em vídeo divulgado no último sábado, Eduardo voltou a defender a indicação: "Eu tenho um certo gabarito, e é isso que me dá respaldo para essa possibilidade de nomeação", declarou, esforçando-se para adensar as credenciais que exibira na entrevista concedida na véspera. Comparado ao processo de seleção do Instituto Rio Branco, que forma os diplomatas, o concurso para escrivão da Polícia Federal (que zero três prestou e no qual foi aprovado) é um asterisco. A embaixada em Washington costuma ser chefiada por diplomatas que têm de carreira mais tempo do que o caçula do presidente tem de vida. Sérgio Amaral, que foi afastado em abril, atuou como diplomata em Paris, Bonn, Genebra e na própria capital americana antes de comandar a embaixada do Brasil nos EUA.

A despeito de todas as circunstâncias que o rodeiam, o deputado não se dá por achado: "Se parar para reparar, se somar isso tudo [Direito na UFRJ, concurso para escrivão, pós em economia, o inglês, o espanhol], viagens internacionais que fiz com o presidente Bolsonaro, como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, eu tenho um certo gabarito, e é isso que me dá respaldo para essa possibilidade de nomeação". Ele afirma ainda que, depois da eleição do seu pai, fez o que chamou de "rodada" de encontros com investidores americanos — mas não cita nenhum. Lembra no vídeo episódio ocorrido na visita do seu pai à Casa Branca, quando seu "trabalho internacional" foi elogiado por Donald Trump, e diz ter “certo gabarito” para ser embaixador, mas, perguntado, não foi capaz de citar nominalmente um único embaixadores que atuou em Washington desde 2003.

Zero três foi enviado à Câmara pelos votos de mais de 1,8 milhão de eleitores de São Paulo. "O que pensam os quase dois milhões de eleitores do deputado?", indagou Janaína Paschoal no Twitter. E acrescentou: "Quem fez Eduardo Bolsonaro deputado federal foi o povo. Isso precisa ser respeitado. Crescer, muitas vezes, implica dizer não ao pai". Na opinião de Olavo de Carvalho, a ida para Washington levaria à "destruição da carreira" do filho do presidente.

Segundo Josias de Souza, essa é imprópria porque a acomodação de um filho em posto público de tal relevância é coisa de autocrata nepotista, insultuosa porque o presidente preterirá inúmeros embaixadores à disposição nos quadros do Itamaraty, e desrespeitosa porque o deputado jogará no lixo os votos de 1,8 milhão de eleitores paulistas, renunciando ao mandato.

Mudando de pato pra ganso: