sexta-feira, 23 de agosto de 2019

AS BOLSONARICES SEGUNDO O EVANGELHO DE S. MOURÃO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES



Fazer oposição sem oferecer contraproposta viável não é política, é mero e irresponsável exercício do espírito de porco. Mas não há como aplaudir um presidente que age como se ainda estivesse campanha, posta vídeos escatológicos nas redes sociais, deixa-se fotografar vestindo camiseta do Palmeiras e calçando chinelos de dedo e faz oposição, a si próprio e a seu governo, tecendo comentários ácidos, jocosos, impróprios, desnecessários e improdutivos.

Um presidente que, a pretexto de não compactuar com o nefasto "toma-lá-dá-cá", deixa de construir uma base aliada capaz de neutralizar os previsíveis ataques de parlamentares do PT e de seus satélites, que não sai em defesa de seu ministro e dos procuradores da Lava-Jato diante do vazamento feito por um site proselitista a partir de material obtido através de crime cibernético, com teor sujeito a distorções, manipulações e descontextualizações.

Um presidente que obstaculiza a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção do ex-juiz Sérgio Moro — uma das bandeiras de sua campanha — para não se indispor com a banda podre do Congresso e não aumentar o risco de ver rejeitada a nomeação do filho Eduardo para embaixada do Brasil nos EUA; que intervém na política de preços da Petrobras e nos quadros da Polícia Federal, da Receita Federal e do Coaf para proteger o filho Zero Um e, no limite, para proteger a si mesmo; que atribui a organizações não governamentais a responsabilidade pelo desmatamento da Amazônia e... agora a cereja do bolo: Que, ao ser criticado por tudo isso e muito mais, defende-se dizendo que “se é para ser um banana, um poste dentro da Presidência, estou fora”.

Ficar impassível diante dessas e outras estultices bolsonarianas seria o mesmo que fazer como Nero, que cantava enquanto Roma ardia em chamas (há quem diga que ele tocava harpa, mas isso não vem ao caso). Como na fábula d'O Velho, o Menino e o Burro, o Capitão Caverna é criticado toda vez que diz, faz ou deixa de dizer ou fazer seja lá o que for, mas sua infindável fieira de asnices vem minando lhe minando a popularidade, não entre os bolsomínions, naturalmente — que, como devotos de Lula com sinal trocado, aplaudem tudo que vêm de seu amado líder —, mas entre os milhões de brasileiros que o elegeram para evitar à volta do PT ao poder.

Claro que todos têm direito a suas opiniões, e o cidadão Jair Messias Bolsonaro não é exceção. Mas ao presidente Jair Messias Bolsonaro cabe observar a liturgia do cargo. Não é admissível que ele faça na vida pública o que faz na privada (o duplo sentido foi intencional).

Ao dizer que não se aterá à listra tríplice do Ministério Público para escolher o novo PGR, Bolsonaro armou mais uma arapuca para si mesmo, e agora não sabe o que fazer com penca de candidatos e o lobby em torno deles. Nada o obriga a escolher um nome da lista, naturalmente, mas certamente haverá protestos do MPF se, para ter um procurador-geral subserviente ao Executivo, indicar alguém que não conte com o respeito da corporação.  

Ao vestir a faixa presidencial — disse Josias de Souza —, o capitão teve o vislumbre das dádivas que o mundo proporciona a alguém que passa do baixo clero parlamentar para o Planalto, e agora age como quem enfiou o dedo num favo de mel e, de repente, se visse ameaçado pela abelhas. A depender das boas intenções contidas em suas falas, o país estaria no paraíso, mas a realidade costuma estragar as coisas. Bolsonaro não foi eleito para reformar o Coaf nem intervir em órgãos de controle. Melhor faria se provasse que há um presidente da República por trás da faixa presidencial, e não será fazendo intervenções e órgãos administradores, a pretexto de não fazer papel de banana, que ele alcançará esse objetivo.

O comportamento de Bolsonaro mudou radicalmente quando as investigações apertaram o cerco em torno de Zero Um. Para defender o filho, ele fez um acordo espúrio com o STF, o Congresso e outros poderosos interessados em manter a impunidade como era antes da Lava-Jato.

Lamentavelmente, nossas leis penais foram criadas para impedir a prisão de poderosos e outros criminosos com recursos financeiros para pagar honorários milionários criminalistas especializados em encontrar brechas legais para anular provas e investigações. Sempre foi assim, e é por isso que querem acabar com a força-tarefa — que, em 5 anos, instaurou cerca de 2.500 procedimentos que produzira (até agora) 244 condenações contra 159 réus, contabilizando 2.249 anos, 4 meses e 25 dias de pena e ressarciu os cofres públicos em mais de R$ 40 bilhões. Em contrapartida, o STF levou 3 anos, dois meses e 26 dias para condenar o deputado Nelson Meurer (PP-PR), integrante da lista de Janot. A condenação imposta é de 13 anos e nove meses de prisão em regime fechado, além de pagamento de multa de R$ 322 mil, mas a Corte concedeu ao condenado o direito e aguardar em liberdade o resultado do derradeiro recurso — que até hoje o plenário não se dignou de julgar.

Durante a campanha, Bolsonaro ganhou o apoio de um eleitorado liberal que buscava ao centro a solução para livrar-se do PT ao anunciar que seu ministro da Economia seria Paulo Guedes. Eleito, fez mais um lance magistral ao convidar Sérgio Moro, símbolo do combate à corrupção, para chefiar o ministério da Justiça e Segurança Pública. Os dois superministros continuam sustentando o governo — a despeito de as relações entre Moro e Bolsonaro andarem estremecidas, dizem as más-línguas que por ciúmes, já que o subordinado com bem mais apoio da população do que seu chefe.

Dizem ainda as más-línguas que o castelo de cartas tupiniquim esteve prestes a ruir em maio, mas o pacto institucional celebrado pelos presidentes dos Três Poderes conseguiu debelar uma suposta movimentação do núcleo militar do governo, empresários insatisfeitos com a economia e políticos oportunistas para apear Bolsonaro da Presidência. Curiosamente, essa ação coincidiu com as investigações da Receita e do Coaf sobre ministros do STF, Flavio Bolsonaro e respectivas famílias. Assim, aproveitando-se do pedido da defesa de Zero Um para que o Coaf não repassasse seus dados fiscais sem autorização judicial, o presidente dos togados supremos livrou a cara do clã Bolsonaro e das famílias de membros do STF, como ele próprio e o ministro Gilmar Mendes

Como toda escolha tem consequências, Bolsonaro se tornou refém da nova agenda política, cujo objetivo é travar a Lava-Jato e seus desdobramentos — prova disso é a Câmara ter aprovado dias atrás, a toque de caixa e em votação simbólica e secreta, a lei de abuso de autoridade egressa do Senado (leia-se Renan Calheiros), que coloca barreiras legais, ou reforça as já existentes, às investigações da Lava-Jato.

A exemplo do que vem ocorrendo com o presidente não-banana e seu ministro da Justiça, também devem azedar as relações palacianas com outras corporações — como a Receita Federal, que está em pé de guerra pela tentativa do Executivo de nomear um novo responsável pelo Porto de Itaguaí, base eleitoral dos Bolsonaro e conhecido ponto de atuação de milicianos e contrabandistas. Já o vice, acusado de tentar ofuscar o titular ao palpitar sobre os mais diversos assuntos da República, passou repentinamente de loquaz a silente. 

Em recente entrevista ao Estado, o general Hamilton Mourão quebrou o silêncio para dizer que Bolsonaro decidiu “assumir o protagonismo e tratar pessoalmente da comunicação". Sobre o boquirrotismo do chefe, disse que "reclamavam que ele não falava, que fugia da imprensa, e reclama também agora que ele está falando". Perguntado sobre o alto grau de toxicidade dos pronunciamentos do presidente, relativizou: "Ele é um cara simples e direto. Não adianta esperar que ele vá tecer comparações pensando em grandes mestres da filosofia. Não. Ele não vai fazer isso. Ele vai se expressar com a linguagem dele, usando sujeito, verbo e predicado. Podem não ser as melhores palavras, mas é o jeito dele".

Enfim, a deputada federal Bia Kicis anunciou que será apresentada outra lei sobre o abuso de autoridadesem os absurdos” da que aguarda sanção presidencial. Paralelamente, associações de policiais, juízes, integrantes do Ministério Público e da Receita Federal foram convocadas pelo líder do governo, Major Vitor Hugo, para discutir como pressionar Bolsonaro a vetar a tal aberração. A ver que bicho dá.