quarta-feira, 14 de agosto de 2019

ACREDITE EM NADA DO QUE OUVE E EM METADE DO QUE LÊ. MESMO ASSIM...



Como costuma dizer o ministro Marco Aurélio, vivemos tempos estranhos (na verdade, essa frase é de Platão, mas isso não vem ao caso). Temos um presidente da república eleito porque era a única alternativa à volta do PT ao poder, mas que vem se mostrando tão despreparado para exercer o cargo quanto seu pimpolho para assumir a Embaixada do Brasil nos EUA. Havia alternativas menos extremistas no primeiro turno, mas agora não adianta chorar; o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim achou por bem defenestrá-las e despachar justamente as duas piores para o embate final.

É certo que situações desesperadoras exigem medidas desesperadas, mas é igualmente certo que as consequências vêm depois. Colhemos o que plantamos, e quem semeia ventos colhe tempestades. E elas vêm em forma de disputa ideológica na política, produzindo paradoxos a torto e a direito.

Jair Bolsonaro era defensor incondicional da Lava-Jato, mas isso mudou quando as investigações chegaram ao gabinete de seu primogênito na Alerj, e entrou em choque branco com o ministro Sérgio Moro — um dos sustentáculos do seu governo — devido a críticas do presidente do Coaf à proibição de investigação sem autorização judicial (pedido da defesa de Flavio que foi acolhido pelo presidente do STF). Demais disso, quando Deltan Dallagnol tuitou um elogio às investigações sobre o ex-factótum do clã presidencial, Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do esquema, o capitão compartilhou em seu perfil oficial no Facebook um post chamando o procurador de "esquerdista estilo PSOL", como se fosse possível Deltan ser esquerdista e, ao mesmo tempo, o algoz de Lula.

Bolsonaro é apoiador incondicional de Mauricio Macri e contrário a Cristina Kirchner, a quem considera a versão portenha da ex-presidanta Dilma. À luz das primárias no país vizinho, porém, o capitão trombeteou que "não quer 'irmãos argentinos' fugindo para o Brasil se o resultado se confirmar em outubro", sem ter a sensibilidade de perceber que isso não ajuda Macri, que, diga-se de passagem, não é um radical de direita como nosso capitão-presidente.

Além de ser fã de metáforas envolvendo namoro, noivado e casamente, o presidente mostra que também tem um viés, digamos, escatológico: dias atrás, diante de uma pergunta que o incomodou, sobre como conciliar meio ambiente com desenvolvimento, respondeu: "É só você deixar de comer menos um pouquinho […] Você fala para mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também". Na última segunda-feira, voltou ao tema: "Há anos um terminal de contêiner no Paraná, se não me engano, não sai do papel porque precisa agora também de um laudo ambiental da Funai. O cara vai lá, e se encontrar — já que está na moda — um cocozinho petrificado de um índio, já era. Não pode fazer mais nada ali. Tem que acabar com isso no Brasil." Mas adiante, comentando sua primeira colocação, disse que apenas respondeu uma “pergunta idiota de um jornalista”. Litteris: "Respondi que é só você cagar menos que com certeza a questão ambiental vai ser resolvida."

Perguntado sobre o próximo procurador-geral da República, a ser indicado por ele a próxima sexta-feira, disse o capitão que o futuro PGR "não pode atrapalhar a agenda de desenvolvimento do país" e deve saber "tratar as minorias como minorias". Ao ser questionado sobre o nome de Deltan Dallagnol para o cargo, respondeu que ainda não foi procurado. “Mande-o me procurar, por que não me procurou até hoje? É muito simples. Todos querem ser procurados. Eu não procurei ninguém. A caneta BIC é minha".

Falando na PGR, a procuradora Raquel Dodge anunciou nesta segunda-feira que prorrogou por mais um ano os trabalhos da força-tarefa de procuradores que atuam na Operação Lava-Jato no Paraná. Será mantido o orçamento de aproximadamente R$ 800 mil para gastos com pagamentos de diárias e passagens para procuradores e servidores que estiverem no trabalho de investigação, bem como a estrutura do grupo, composto por 15 procuradores, entre eles os quais Deltan Dallagnol. Esta é a quinta prorrogação dos trabalhos desde 2014, quando as investigações começaram. Passados cinco anos e desencadeadas 61 fases, as investigações da força-tarefa no Paraná resultaram em 244 condenações de 159 pessoas em 50 processos, por acusações de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação e organização criminosa, entre outros crimes.

Dallagnol é alvo de nove ações no CNMP. Na reunião marcada para a manhã desta terça-feira, estavam pautadas a análise de uma reclamação disciplinar apresentada pelo senador Renan Calheiros e de um processo administrativo disciplinar (PAD) instaurado a pedido do togado supremo Dias Toffoli, bem como a possibilidade de apreciação de um terceiro expediente, aberto pela corregedoria do órgão para investigar se ele lucrou de forma irregular com palestras ministradas sobre a Lava-Jato. Nos bastidores, havia uma movimento orquestrado para não puni-lo pela forma como atuou nos processos contra boa parte da elite política e empresarial do país, revelada por Verdevaldo das Couves e seus compinchas — FOLHA/UOL, BandNews e Veja — com base no vazamento de mensagens supostamente trocadas pelos integrantes da força-tarefa, material esse que, nunca é demais lembrar, foi obtido criminosamente por hackers a partir de invasões das contas que os envolvidos mantinham no aplicativo Telegram.

Observação: Por unanimidade, o Conselho negou o recurso negou o recurso mediante o qual Dallagnol buscava reverter a abertura do PAD (as sanções que podem resultar de um processo administrativo disciplinar vão desde uma pena de censura até a aposentadoria compulsória). Numa outra votação foi decidido, também por unanimidade, aprovar um pedido de dois conselheiros para que seja revisto o arquivamento de uma reclamação disciplinar contra o coordenador da Lava-Jato.

Falando em Dias ToffoliVeja publicou uma entrevista com o dito-cujo. À guisa de introdução, a reportagem traz um texto pra lá de preocupante. É certo que a prudência recomenda acreditar em nada do que se ouve e em metade do que se lê, mas mesmo assim eu achei por bem compartilhar com meus leitores um excerto dessa matéria:

Em entrevista a VEJA, o ministro confirmou que o Brasil esteve à beira de uma crise institucional entre os meses de abril e maio — e disse que sua atuação foi fundamental para pôr panos quentes numa insatisfação que se avolumava. Toffoli não deu muitos detalhes, mas a combinação explosiva envolvia uma rejeição dos setores político e empresarial e até de militares ao presidente Jair Bolsonaro. O cenário, de fato, era preocupante naquele momento. No Congresso, a reforma da Previdência, a principal e mais importante bandeira econômica da atual administração, não avançava. O governo, por sua vez, acusava os deputados de querer trocar votos por cargos e verbas públicas. O impasse aumentou quando um grupo de parlamentares resolveu tirar da gaveta um projeto que previa a implantação do parlamentarismo. Se aprovado, Bolsonaro seria transformado numa figura meramente decorativa, um presidente sem poder.

Em paralelo, vazamentos atribuídos ao MPF mostravam que a investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, tinha potencial para gerar mais constrangimentos e desgastes do que se supunha no início. A família presidencial teria se beneficiado da chamada “rachadinha”, um artifício ilegal empregado por políticos para embolsar parte dos salários de seus funcionários. Simultaneamente, uma ala do Exército começou a discutir a incapacidade do presidente de governar, enquanto outra, mais radical e formada por militares de baixa patente, falava em uma sublevação contra as “instituições corruptas”. Um dos generais próximos ao presidente chegou a consultar um ministro do Supremo para saber se estaria correta a sua interpretação da Constituição segundo a qual o Exército, em caso de necessidade, poderia lançar mão das tropas para garantir “a lei e a ordem”. Em outras palavras, o general queria saber se, na hipótese de uma convulsão, teria autonomia para usar os soldados independentemente de autorização presidencial.

Longe de Brasília, a insatisfação também era grande. Empresários do setor industrial incomodados com a paralisia da pauta econômica discutiam a possibilidade de um impeachment de Bolsonaro. O ideal, diziam, era que houvesse uma brecha jurídica que permitisse a convocação de novas eleições. Foram informados de que não havia brecha. Em caso de impedimento, assumiria o vice-presidente, o general Hamilton Mourão. “Se é para trocar, melhor que seja logo”, pregavam. Na época, Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois, afirmou que estaria em andamento uma conspiração golpista, apontando o dedo em direção aos militares que despacham no Palácio do Planalto, mas sem citar nomes.

Nas redes sociais, a pregação radical contra o STF também se intensificou. Grupos defendiam desde ações violentas até o afastamento de magistrados que supostamente estariam impedindo o governo de implementar projetos. Os ministros tinham a convicção de que os ataques eram insuflados pelo governo. No Senado, com o aval de lideranças partidárias, foram colhidas assinaturas para a criação da chamada “CPI da Lava-Toga”, cujo objetivo seria averiguar suspeitas de corrupção no Judiciário. O clima entre os poderes era de conflagração. O ponto de ebulição da crise tinha até data para acontecer: 10 de abril, dia em que o STF julgaria a legalidade das prisões em segunda instância, o que poderia resultar na libertação do ex-presidente Lula.

Quando o caldo ameaçou transbordar, o presidente Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e o senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado, além de autoridades militares, se reuniram separadamente mais de três dezenas de vezes para resolver o problema. Convencidos de que a situação caminhava em uma direção muito perigosa, costuraram um pacto que foi negociado em vários encontros. Resultado: no Congresso, o projeto do parlamentarismo voltou à gaveta, a CPI da Lava-­Toga foi arquivada e a reforma da Previdência se destravou. No Planalto, o vice-­presidente Hamilton Mourão reduziu suas barulhentas aparições públicas, e o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo, um dos alvos das suspeitas de Carlos Bolsonaro, foi demitido. No Supremo, Dias Toffoli pôs a polícia nos calcanhares de grupos que pregavam ações violentas contra os ministros, adiou o julgamento que poderia soltar Lula e concedeu uma liminar que paralisava as investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro. A Praça dos Três Poderes ficou, ao menos momentaneamente, pacificada.

Por tudo o que se viu nos primeiros seis meses de governo Bolsonaro, não é exagero dizer que os cerca de 300 metros que separam o Planalto, o Congresso e o Supremo ainda são um campo minado. Neste segundo semestre, o STF será protagonista de uma agenda capaz de elevar a temperatura política a níveis de alta octanagem. De acordo com o que decidirem os ministros, o ex-presidente Lula poderá ser solto, o ex-juiz Sergio Moro ser considerado suspeito e processos que envolvem corruptos de vários matizes acabar anulados. Isso para falar apenas de três casos relacionados à Operação Lava-­Jato. O STF também vai definir, entre outros assuntos delicados, o destino da investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro e concluir o julgamento que pode resultar na descriminalização de drogas como a maconha.

Toffoli terá a responsabilidade de conduzir essa agenda inflamável. Como guardião da lei, cabe ao Supremo o juízo final sobre qualquer assunto — goste-se ou não do veredicto. Em tempos de radicalismo extremo, manter o equilíbrio é uma tarefa complicada.

Como disse José Nêumanne, assumindo definitivamente o papel de Conselheiro Acácio de Marília sem um voto sequer, o novo condestável da República, presidente de plantão do STF, fez questão de entrar no coro dos descontentes com a Lava-Jato, dizendo que a popularíssima operação de combate à corrupção não é uma instituição, mas um fruto da “institucionalidade”. Aproveitando-se da ignorância generalizada, comparável com a sua própria, o apadrinhado de Lula acha que a instituição que preside, por obra e graça de sua vassalagem ao picareta dos picaretas, exerce o poder moderador que o imperador se autoconcedeu para se impor a liberais e conservadores que se revezavam no comando do parlamento monárquico. É uma mistura de mentira com desconhecimento e uma formidável cara de pau. Sobrando um tempinho, não deixe de assistir ao vídeo a seguir, no qual Caio Coppola analisa esses devaneios megalômanos do magistrado:


Alea jacta est.