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sábado, 28 de setembro de 2019

AINDA SOBRE O "CASO JANOT" E O DISCURSO DE BOLSONARO



Ainda sobre o supremo buchicho da última quinta-feira, o prosseguimento ficou marcado para a próxima quarta, quando então a composição plenária contará com a presença do anjinho barroco primo de Collor, e todos ouvirão atentamente a solução que o mestre de cerimônias do circo supremo promete tirar magicamente da cartola. Até lá, resta-nos a certeza de que as forças do bem nem sempre vencem o mal: a despeito do didatismo do relatório do ministro Fachin, das ponderações lúcidas dos ministros BarrosoFux, o entendimento que prosperou foi o de que, quando se trata de favorecer criminosos, normas estranhas aos nossos diplomas legais (e não estou falando aqui de leis consuetudinárias) podem e devem ser aplicadas, sobretudo se ajudarem a pavimentar a estrada dos tijolos vermelhos que leva à soltura do sórdido criminoso de Garanhuns. Também na quinta-feira, causou frisson a notícia de que Rodrigo Janot chegou ao cúmulo de entrar armado no STF para exterminar Gilmar Mendes e dar cabo da própria vida. Vamos aos detalhes.

Janot e a maritaca de Diamantino (se me permitem parafrasear o brilhante jornalista Augusto Nunes) foram empossados no Ministério Púbico em 1984, mas a relação degringolou por motivos que o ex-procurador geral detalha em seu livro Nada Menos que Tudo (Editora Planeta), a ser lançado na próxima semana. Em 2017, ao rebater críticas do então PGR ao andamento dos processos no STF, o semideus togado afirmou que a atuação de Moro é que era muito rápida (!?). Em março do ano seguinte, acusou Janot de divulgar de forma indevida informações de processos sigilosos. Este, sem citar nominalmente o desafeto, rebateu: "Não vi uma só palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre esta imputação ao Congresso, ao Palácio e até o Supremo".

O clima azedou ainda mais depois que Rodrigo Janot passou a mirar suas flechadas no então presidente Michel Temer, com quem o togado supremo era carne e unha. Depois que deixou a PGR, o procurador e o ministro se estranharam num voo para a Europa. Mais adiante, durante palestra em Washington, disse Janot (referindo-se a Gilmar): "Ninguém tem essa capacidade de odiar gratuitamente a várias pessoas a não ser que tenha algum problema, né, de saúde". Pouco antes, durante uma sessão no STF, o togado afirmou que o PGR deveria ter pedido a própria prisão diante do malogro das investigações do caso JBS: "Eu sou da turma de 84. Certamente já ouvimos falar de procuradores preguiçosos, de procuradores violentos, alcoólatras, mas não de procuradores ladrões. É disso que se cuida aqui, corruptos num processo de investigação. Essa pecha a Procuradoria não merecia ao fazer investigação criminal".

"Ele [Janot] não tem preparo jurídico nem emocional para dirigir um órgão dessa importância", disse o ministro em outra oportunidade, depois de afirmar que o Ministério Público ficou "a reboque das loucuras" do inimigo. A animosidade entre ambos cresceu a ponto de levar Janot pensar em matar Mendes. Em entrevista ao Estado, disse o ex-procurador: “Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Mendes) e depois me suicidar”. O motivo teria sido uma notícia sobre a participação da filha de Janot na defesa da OAS: “Foi logo depois que eu apresentei a sessão (...) de suspeição dele no caso do Eike. Aí ele inventou uma história que a minha filha advogava na parte penal para uma empresa da Lava Jato. Minha filha nunca advogou na área penal... e aí eu saí do sério”.

Em 15 de setembro, Mendes voltou a criticar Janot e o comparou ao médico Simão Bacamarte, de "O Alienista", clássico do escritor Machado de Assis. Na história, o médico resolve internar a si próprio em um hospício. "Acredito que a gestão do procurador Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República foi sem dúvida alguma a mais infeliz, a mais desastrosa. Faltou institucionalidade, houve abuso de poder, houve tentativa de transformar a Procuradoria em palanque político. O procurador-geral quase que chegou à situação tal qual o personagem principal do livro 'O Alienista'. Ao final de seu mandato, quase que o procurador-geral pediu sua própria prisão preventiva".

Momentos antes da última participação de Janot em sessão plenária no STF, Gilmar citou um verso de Bocage para se referir à despedida: "Eu diria em relação ao procurador-geral Janot uma frase de Bocage: 'Que saiba morrer quem viver não soube'"Janot respondeu: "Mas tudo isso já encontra-se no passado. Os mortos, então, deixai-os a seus próprios cuidados". E acrescentou: "As páginas da história certamente hão de contar com isenção e verdade o lado que cada um escolheu para travar sua batalha pessoal nesse processo".

Dada a extensão deste texto, volto ao assunto no post de amanhã, quando então comentarei também a decisão estapafúrdia tomada pela nossa mais alta corte de injustiça na sessão plenária da última quinta-feira. Fiquem com o texto que eu havia preparado para hoje:

O discurso que nosso indômito presidente proferiu no último dia 24 já é notícia velha, mas a mídia continua repercutindo mesmo assim. Na manhã desta quinta-feira, incomodado com a reação negativa da imprensa, o capitão afirmou ter assistido a própria fala novamente e que considerou suas posições agressivas. "Queriam alguém lá que fosse para falar abobrinha, enxugar gelo e passar o pano?", questionou. "Não fui ofensivo com ninguém. Assisti ao que eu falei, seria muito mais cômodo eu fazer um discurso para ser aplaudido, mas não teria coragem de olhar para a cara de vocês aqui". Disse ainda reconhecer que o governo tem enfrentado algumas derrotas no Congresso, mas que isso é normal na democracia, pois não pode impor sua vontade em tudo. "O parlamento tem um freio necessário, às vezes a gente não concorda, mas tem que respeitar", sentenciou o "mito". É verdade. Pena que boa parte dos congressistas não valha dois tostões de mel coado.

Repito aqui o tuíte de Guilherme Fiuza: " O discurso de Bolsonaro na ONU decepcionou a intelectualidade mundial. Não teve a genialidade da Dilma, a honestidade do Lula, o biquinho do Macron, os suspiros da Bachelet, não salvou as girafas da Amazônia, não demitiu Sergio Moro e ainda disse que a verdade liberta. Não dá."

Enquanto nosso presidente desfilava seu júbilo em Nova York, seu "novo Brasil" apodrecia em Brasília. Horas depois de sua estreia na ONU, seu líder no Senado, Fernando Bezerra Coelho, escalou a tribuna para discursar sobre a acusação de que recebeu R$ 5,5 milhões em propinas na época em que foi ministro da Integração Nacional do velho Brasil presidido por Dilma, a insuportável. Disse pouco em sua defesa. Preferiu queixar-se da batida policial realizada em seus endereços pela PF, subordinada ao "símbolo" Sergio Moro, e posar de perseguido: "Fui vítima de uma operação política, articulada para atingir o Congresso Nacional e o governo do presidente Jair Bolsonaro, do qual tenho a honra de ser líder no Senado Federal", declarou o coelho maroto.

Embora não se considere alvo da investigação criminal, Bezerra evocou sua condição de cliente de caderneta da Lava-Jato para expressar sua fé no futuro: "Pela ausência de elementos comprobatórios, [o caso] terá o mesmo destino de outras acusações que enfrentei: o arquivamento. Inclusive com força de decisão do STF. Que fique claro, senhores parlamentares, não temo as investigações. Digo com veemência que jamais excedi os limites impostos pela lei e pela ética".

A despeito do destemor, o obelisco da probidade pediu ao Supremo que ordene a devolução de todo o material recolhido pela PF, por tratar-se de prova ilícita. Foi socorrido também pela advocacia do próprio Senado, que preparou petição sobre a suposta ilegalidade dos mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Luís Roberto Barroso. Formou-se ao redor do senador desconsolado um denso e comovente cinturão de solidariedade. Inclui do PT, sócio majoritário do MDB de Bezerra nos governos que levaram o Brasil "à beira do socialismo", até o DEM de Davi Alcolumbre, guindado à presidência do Senado com o apoio do chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, um ministro do "novo Brasil".

Sob a liderança de Alcolumbre, uma caravana pluripartidária de 15 senadores cruzou a Praça dos Três Poderes para entregar a Toffoli, o luminar, o recurso preparado pela advocacia do Senado. Os defensores de Bezerra revelam-se capazes de quase tudo, exceto de tomar as dores de quem lhes paga o salário: o brasileiro em dia com suas obrigações tributárias.

Indefeso, o contribuinte assiste ao início da exposição dos achados da PF. Relatório enviado pelo delegado Edson Lopes ao ministro Barroso empilhou itens encontrados nos endereços de Bezerra e do seu primogênito, o deputado Fernando Coelho Filho, também sob investigação. Há coisas constrangedoras na lista — de dinheiro vivo a arquivo digital chamado "doadores ocultos"; de indícios de transferências imobiliárias a um automóvel registrado no nome de empresa cujo sócio é investigado como operador do esquema sob investigação.

Por enquanto, coelhão e coelhinho silenciam sobre os indícios. Seu silêncio não resolve o problema, mas é extremamente útil para ouvir os ruídos da reação corporativa do Legislativo. Em meio ao sacolejo, culpados e cúmplices se uniram no plenário do Congresso para derrubar 18 dos 33 vetos que Bolsonaro havia aplicado à lei sobre abuso de autoridade. Foram restaurados artigos que o "símbolo" Sergio Moro considera inibidores do trabalho de juízes, procuradores e investigadores. Mantido o padrão da contraofensiva, o país "socialista" resgatado pelo capitão à "beira do abismo" logo acusará o "novo Brasil" de plágio.

Como toda unanimidade é burra, vale citar a opinião do PT sobre a fala presidencial, que ecoou o sempre lúcido, isento e ponderado pensamento da líder nacional da quadrilha, deputada Gleisi “Lula” Hoffmann. A petralhada sórdida afirmou que o discurso foi permeado de ataques infundados, Fake News e muita, muita teoria conspiratória dos anos 70: Bolsonaro atacou governos petistas, países vizinhos, a mídia internacional e a sanidade mental dos ouvintes, bem como envergonhou o povo brasileiro ao tentar justificar a destruição que provoca no país, desmontando estatais, prejudicando os mais pobres e instaurando a censura e o preconceito. É curioso que, para o PT, quem envergonha o país é Bolsonaro, e não o presidiário condenado.

Aliás, Lula vai apresentar (mais) uma queixa na ONU, desta vez contra Jair Bolsonaro. O criminoso de Garanhuns alega que o presidente violou seus direitos ao dizer, na Assembleia Geral, que seus antecessores roubaram centenas de bilhões de dólares. Isso, sim, é uma vergonha internacional.

Com Josias de Souza e O Antagonista.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A CORRUPÇÃO INSTITUCIONALIZADA E A APROVAÇÃO DE AUGUSTO ARAS




ATUALIZAÇÃO: Não tive como acompanhar integralmente o lamentável espetáculo circense protagonizado pelo pleno do STF na tarde de ontem, mas vi o suficiente para me dar conta de que não perdi grande coisa. No final, o supremo conciliador adiou a sessão, dada a importância do voto de todos os ministros (não sei se anjinho barroco primo de Collor não participou da função ou teve de sair mais cedo, como, aliás, já fez em outros julgamentos importantes).

Dos trechos reprisados pelos telejornais, ficou claro que o alinhamento entre os ministros Fachin, Fux Barroso não bastou para neutralizar a ação perversa do trio calafrio, ora reforçado por Cármen Lucia e Alexandre de Moraes (o ex-advogado do PCC que até lustrou a calva para proferir um voto ainda mais brilhante). E um aparte da única membra egressa da magistratura me levou a lucubrar se não teria sido inspirado nessa senhora o dito popular segundo o qual "em barriga de criança e cabeça de juiz não se pode confiar".

Observação: Saliento que não se trata de enxovalhar magistrados que julgam em desacordo com minhas convicções e enaltecer quem decide a favor, mas sim de repudiar enfaticamente o nítido propósito da banda podre de libertar Lula, o sórdido, e voltar o tempo até a era pré-lava-jato, quando poderosos roubavam livre, impune e descaradamente.

Nos jornais da noite, analistas, juristas e palpiteiros de plantão emitiram pareceres tão contraditórios que eu achei prudente esperar a poeira baixar para avaliar as dimensões do estrago e especular o que nos reserva a sessão da próxima quarta-feira. Não obstante, pareceu-me claro que a banda garantista dos togados supremos (ou banda podre, se preferirem) continua pavimentando a estrada dos tijolos vermelhos. Também ficou claro que os magníficos do Circo Marambaia preferem usurpar as funções dos congressistas e legislar, em vez de, como lhes caberia fazer, simplesmente interpretar a Constituição.

Dias atrás, sonhei que fortes lufadas de vento sopraram as chamas das queimadas na Amazônia legal até o DF, carbonizando o Congresso, a Praça dos Três Poderes, o STF, o Palácio do Planalto e adjacências — e numa quarta-feira, ainda por cima, quando o circo supremo está armado e os parlamentares se dignam de aparecer na Câmara e no Senado. Quando acordei, achei que fosse um pesadelo. Agora, porém, acho que foi mais um sonho que não se realizou. Enfim, bola pra frente.   

Num país que arrecada anualmente quase 3 trilhões em impostos, faltar dinheiro até para o giz das escolas públicas e a gaze das unidades do SUS seria um mistério digno das histórias de Sherlock Holmes, não o fato de ser público e notório que a rapinagem do Erário, institucionalizada para perpetuar o lulopetralhismo no poder, seja de causar inveja aos 40 ladrões da história de Ali Babá.

Mas a roubalheira nem sempre é sub-reptícia: deputados federais e senadores trabalham 3 dias por semana e ganham mais de R$ 100 mil por mês (somando os gordos salários às malandragens disfarçadas de “auxílios” ou “verbas adicionais”). Enquanto isso, na outra ponta da corda, boa parte da população que ainda tem emprego e recebe salário mínimo (R$ 998) não conseguiria juntar R$ 100 mil numa única vida, mesmo que trabalhasse 7 dias por semana em dois empregos.

Graças ao ritmo indolente dos parlamentares e às picuinhas de certo senador amapaense que acontece de ser o presidente do Senado, a reforma da Previdência vai consumir um ano legislativo inteiro até ser aprovada, de onde se conclui que a semana de três dias, no Congresso, não é uma questão trabalhista, mas um caso de polícia — e como tal deve ser tratado.

Dito isso, voltemos o foco para a aprovação de Augusto Aras, começando por dizer que o resultado da sabatina foi surpreendente, na medida em que apenas 10 dos 78 senadores que se dignaram de votar não sucumbiram ao canto da sereia, ou melhor, do bagre ensaboado travestido de procurador, que, segundo o próprio, agirá com total independência (e poderia fazê-lo se quisesse, pois tem emprego garantido pelos próximos dois anos). Porém, colocando a coisa em perspectiva, nota-se que a maioria dos senadores que o aprovou Aras fê-lo para destilar potes de fel contra o Ministério Público, a Lava-Jato, o Judiciário em geral e o STF em especial.

Não se conhece o teor das conversas reservadas que o então candidato a PGR manteve com 74 senadores durante o périplo de beija-mão, nem tampouco o que ele prometeu a Bolsonaro nos vários encontros que tiveram a portas fechadas, antes de depois da indicação. Mas ficou claro, durante a sabatina, que Aras parecia pisar em ovos, tamanho o cuidado de dizer exatamente o que suas excelências queriam ouvir. Suas ponderações, contra ou a favor fosse do que fosse, sempre continham um "mas", um "porém", um "entretanto" ou outra conjunção adversativa, depois da qual vinha inevitavelmente o contraponto. Segundo Josias de Souza, o sabatinado foi tão escorregadio que deu a impressão de ser a favor de tudo ou absolutamente contra qualquer outra coisa, desde que o Senado avalizasse sua indicação.

JFK dizia que a fórmula do fracasso é tentar agradar a todos ao mesmo tempo. Mas o presidente americano não conhecia nosso novo procurador-geral — que José Nêumanne alcunhou de "ensaboador-geral", num trocadilho inspirado no ex-procurador Geraldo Brindeiro, que ganhou o apelido nada enaltecedor de "engavetador-geral" (cuja obviedade dispensa explicações).

Aras compareceu à CCJ do Senado imbuído da certeza de que jogava um jogo jogado e, para não estragar o placar, adotou um timbre ensaiado. Observou-se durante a sabatina uma cena inusitada: Renan Calheiros fez rasgados elogios à indicação feita por Jair Bolsonaro. Como também é público e notório, o abigeatário senador alagoano é freguês de caderneta da Lava-Jato e convive no Senado com Flávio Bolsonaro, investigado pelo MP/RJ por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro, e interessa a ambos aplicar um sedativo no aparato investigatório do Estado.

Resta torcer para que Aras perceba que, uma vez aprovado, não deve satisfações a ninguém, exceto à Constituição e à sociedade brasileira. Isso, porém, só sua atuação à frente da PGR poderá responder.

domingo, 15 de setembro de 2019

ARAS, DIREIS, OUVIR ESTRELAS


Na esteira do que comentei no post da última quarta-feira, transcrevo a seguir a opinião sempre ácida — mas nem por isso menos divertida — do impagável Josias de Souza:

Augusto Aras, o indicado de Jair Bolsonaro para o posto de procurador-geral da República, iniciou uma peregrinação pelo Senado. Nos próximos dias, irá de gabinete em gabinete para pavimentar a aprovação do seu nome. A chance de o Senado rejeitar sua indicação é muito próxima de zero. Assim, não há muito o que bolsonaristas decepcionados e procuradores revoltados possam fazer além de lidar com a nova realidade.

No momento, o que mais preocupa é a atmosfera de instabilidade que se observa no Ministério Público Federal. A insatisfação vaza para fora do ambiente fechado dos gabinetes. Começa a se manifestar ao ar livre. Prudentemente, Aras evita entrar em bolas divididas. Assimilou em silêncio a enxurrada de críticas de colegas nas redes sociais. Não respondeu nem mesmo à nota oficial em que a Associação Nacional dos Procuradores da República classificou sua indicação como "retrocesso democrático e institucional".

O esperneio é livre e até compreensível. Ao ignorar a lista tríplice dos procuradores, Bolsonaro rompeu uma tradição de 16 anos. Mas é preciso ressaltar que o presidente não violou o texto constitucional. Esse jogo está jogado. Confirmando-se a aprovação de Aras no Senado, como parece muito provável, a bola terá que ser colocada no meio de campo. Vai começar uma nova partida.

A margem de manobra de Augusto Aras é grande, mas não é infinita. Se ele tentar fazer algo que se pareça com gol de mão, a corporação reagirá. Se a revolta com sua chegada serve para alguma coisa, é para mostrar que não parece haver disposição na Procuradoria para o convívio com um novo Geraldo Brindeiro, o engavetador-geral da era FHC.

Que assim seja.

Sobrando tempo, ouça também este comentário de Josias.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

EU ARO, TU ARAS, ELE ARA — RESTA SABER QUEM SE FERRA



Falo mais adiante sobre a foto que ilustra esta postagem. Antes, volto a abordar a indicação de Augusto Aras para substituir Raquel Dodge no comando da PGR, que desagradou membros do MPF, sobretudo os que participam da ANPR

Cabe ao "ungido do Senhor" tentar reduzir as críticas buscando apoio entre procuradores que não integram forças-tarefas e não têm cargos de comando. Esse será seu maior desafio, já que a aprovação pelo Senado são favas contadas. Como cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém, o indicado já iniciou o périplo de beija-mão pelos gabinetes do presidente da Casa, Davi Alcolumbre, e da presidente da CCJ, Simone Tebet. Nas próximas semanas, o candidato deve se reunir a portas fechadas com outros 79 senadores. 

Oficialmente, o presidente indicou Aras por ele ser "católico e ter perfil conservador"; nas entrelinhas, porém, salta aos olhos o verdadeiro motivo, que é a disposição demonstrada pelo subprocurador (que se reuniu com Bolsonaro pelo menos quatro vezes antes de ser formalmente indicado) de rezar pelo seu catecismo. O capitão diz que quer alguém favorável às medidas do governo para destravar grandes obras de infraestrutura no país, mas está mais preocupado em salvar seu primogênito. Daí porque o fato de Aras ter criticado a Lava-Jato, repudiado a chamada ideologia de gênero e se mostrado favorável ao excludente de ilicitude para proprietários rurais também pesou na decisão.

Como se sabe, Flávio Bolsonaro é investigado por movimentações financeiras mal explicadas — dele próprio e de seu ex-motorista e ex-chefe de gabinete, Fabrício Queiroz. Sem o menor constrangimento, seu papai mandou às favas a agenda anticorrupção — uma das principais promessa de campanha do então candidato — para aliviar a barra do pimpolho, sobretudo depois que Queiroz demitiu a ex-mulher de Adriano da Nóbrega (acusado de chefiar uma milícia no Rio). Mesmo assim, Queiroz lamenta não ver ninguém mover nada para tentar ajudá-lo. Talvez devesse aproveitar sua próxima visita ao Einstein para consultar um oftalmologista.

Observação: Depois de ser operado de um câncer no intestino, na virada do ano, o ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro na Alerj desapareceu como uma cusparada num temporal — pelo menos para a polícia, já que a reportagem investigativa da revista Veja, quando não perde tempo beijando os pés de Verdevaldo das Couves, sabe fazer seu trabalho: semanas atrás, os repórteres flagraram o fantasminha camarada tomando um cafezinho na lanchonete do Hospital Albert Einstein.

Ao rebater críticas de nepotismo na indicação de Zero Três para a embaixada do Brasil nos EUA, Bolsonaro disse achar "natural que um pai, podendo, dê filé-mignon a seus filhos". Esse amor incondicional pela prole levou o capitão se aproximar do presidente do STF, que fez sua parte: suspendeu as investigações envolvendo Queiroz e Zero Um — e aproveitou o embalo para suspender também todos os demais processos baseados em dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle sem autorização judicial, livrando, por tabela, a pele da própria esposa e da mulher do ministro Gilmar. Paralelamente, Bolsonaro interferiu no MP-RJ, na Receita Federal, no Coaf e na PGR, além de (quiçá movidos por ciúmes) dar início ao processo de "fritura" do ministro Sérgio Moro, cuja popularidade supera a do chefe em respeitáveis 25 pontos percentuais.

O entorno palaciano já se deu conta de que parte do eleitorado bolsonarista está descontente com as interferências nos órgãos de combate à corrupção. O capitão tenta reagir, seja posando para fotos sorridente ao lado do ministro da Justiça e vetando parcialmente o abjeto projeto de lei aprovado pela Câmara sobre Abuso de Autoridade. A medida foi bem recebida por parte de sua base, mas considerada insuficiente por outra parte, que esperava o veto total. 

Na última quinta-feira, Bolsonaro reconheceu ter desagradado o eleitorado. Falando a populares disse o presidente: “Estou recebendo muita crítica de gente que votou em mim. Se não acredita em mim, e continua fazendo esse trabalho de não acreditar, eu caio mais cedo, e mais cedo o PT volta.” Se isso evitará que as pessoas que o apoiaram por rejeição ao PT pulem do barco, sob o risco de ficarem estigmatizadas, só o tempo poderá dizer.

Passando agora à foto que ilustra esta postagem, Eduardo Bolsonaro se deixou fotografar, ao lado do leito em que o pai convalesce da cirurgia a que foi submetido no último domingo, exibindo uma pistola Glock 9 mm na cintura. Foi a quarta vez que o capitão teve de ser operado em razão da facada desfechada pelo inimputável Adélio Bispo, um ano atrás, durante ato de campanha em Juiz de Fora. 

Durante uma das inúmeras entrevistas que vem concedendo a partir de sua cela VIP em Curitiba, o presidiário diz que o atentado contra a vida de Bolsonaro não passou de uma farsa. É nisso que dá medir os outros pela própria régua. Duvidosa, mesmo, é a autoria dos tiros desfechados contra a caravana de Lula no Paraná, em março de 2018, ou dos ataques à sede nacional do PT, em junho de 2016.

Voltando à foto, que foi publicada originalmente pelo próprio Zero Três: Vale lembrar que o pimpolho é entusiasta e colecionador de armas, além de adepto da prática de tiro esportivo. A Glock 9 mm é a arma padrão usada pelos policiais federais em todo país. Eduardo é escrivão da PF, e o fato de estar licenciado não anula a prerrogativa de andar armado. Particularmente, acho que estão fazendo carnaval em copo d'água, sobretudo quando há coisas muito mais importantes acontecendo no pais. Mesmo assim, é impossível negar a "falta de absolutamente" que baliza o comportamento do clã presidencial — a começar pelo próprio presidente, que há meses estilhaça a imagem do Brasil, ofendendo governantes estrangeiros e tomando atitudes indignas para um chefe do Executivo, mesmo numa banânia como a nossa.

Dias atrás, uma emissora francesa flagrou o momento em que o presidente da França critica o colega brasileiro durante a última cúpula do G7.  Em conversa com o presidente do Chile, Emmanuel Macron não só reprovou a maneira desrespeitosa como o colega brasileiro tratou a primeira-dama francesa nas redes sociais, como relembrou que, em julho passado, Bolsonaro cancelou no último minuto uma reunião com o ministro de relações exteriores da França para... cortar o cabelo. E filmou a si mesmo na cadeira do barbeiro, desancando Felipe Santa Cruz com a aleivosa teoria de que o pai do presidente nacional da OAB não foi morto pela ditadura militar, e sim por correligionários que visavam evitar o vazamento de informações confidenciais. Nas palavras do próprio Bolsonaro: “Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz; não foram os militares que mataram ele não, tá? É muito fácil culpar os militares por tudo que acontece.”

Durma-se com um barulho desses!

domingo, 8 de setembro de 2019

BRASIL ACIMA DE TUDO E A FAMÍLIA PRESIDENCIAL ACIMA DE TODOS — OU: O MITO TEM PÉS DE BARRO



O lema “Brasil acima de tudo” foi criado durante a ditadura militar pelo grupo de paraquedistas nacionalistas Centelha Nativista e, ao que tudo indica, inspirou o bordão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, adotado por Bolsonaro — que foi paraquedista no exército — para batizar sua coligação. Todavia, a julgar como o capitão vem procedendo ultimamente, a expressão "O CLÃ BOLSONARO ACIMA DE QUALQUER COISA" complementaria perfeitamente a divisa presidencial.

Bolsonaro foi polêmico (para dizer o mínimo) em seus quase 30 anos como deputado do baixo-clero, mas as barbaridades que dizia então não tinham grande repercussão na vida política do país. Agora, as contestar críticas não com argumentos e fatos, mas com ideologia pura, ele não só fomenta crises como coloca o Brasil em situação embaraçosa no cenário internacional.

Observação: Em mais um capítulo da queda de braço com a Ancine, o capitão decidiu que a agência só financiará filmes evangélicos: Os primeiros serão: Bruna Pastorinha! Templo é Dinheiro! A Dentadura do Pastor (com Feliciano) e Querida, converti as crianças (com Doidamares).

O presidente tacha seus adversários de comunistas — assim como o PT tacha os seus de direitistas, fascistas e outras bobagens. Ao descobrir a dimensão do poder de sua caneta Bic (que agora abandonou por ser francesa), passou a esbravejar que quem manda é ele, mais ninguém. Em seus delírios narcisistas, já se comparou ao Rei no jogo de Xadrez, disse que elegeu sozinho boa parte do PSL e que pode deixar o partido quando lhe der na telha. Agora, às vésperas de se submeter a mais uma cirurgia no abdome — agora para sanar um hérnia incisional —, afirmou que não transferiria o cargo para o vice, general Hamilton Mourão, mas depois voltou atrás.

Observação: Uma de muitas lições que nosso presidente deveria aprender é: Nunca se deve nomear quem se pode demitir.

Depois de alardear que o vice-procurador-geral assumiria interinamente a PGR até que ele escolhesse o substituto de Raquel Dodge, surpreendeu a todos tirando da cartola um nome que não fazia parte da listra tríplice do MPF. Para espanto — e desagrado geral —, escolheu o subprocurador Augusta Aras, que já teceu severas críticas à Lava-Jato e foi simpatizante da esquerda lulopetista (ou continua sendo, vai lá saber). É nítido que baseou a escolha em interesses pessoais e de seus familiares, mandando às favas os interesses nacionais dos interesses nacionais.

Até mesmo a claque amestrada criticou a decisão do "mito" — que, na live da última quinta-feira, pediu paciência a todos e, aos bolsomínions, que apagassem as críticas e ataques publicados nas redes sociais. Segundo a tropa de choque palaciana, Bolsonaro fez sua escolha pensando no bem do país, não em agradar ou desagradar setores específico, Mas nem a Velhinha de Taubaté engoliria tamanha potoca. O que o presidente quer é um procurador-geral subserviente e alinhado a suas, digamos, convicções. Só que faltou combinar com o MPF: em nota, a ANPR criticou a escolha de Ares, não só por desrespeitar a lista tríplice, mas também por representar um retrocesso democrático e institucional na relação entre o Executivo e o Ministério Público — órgão independente e que não é subordinado ao Palácio do Planalto.

No Congresso e na ala garantista do STF, a notícia foi como um oásis de água fresca para beduínos sedentos. A banda podre do parlamento, que aprovou o espúrio projeto contra o abuso de autoridade, comemorou entusiasticamente a indicação de Aras, sobretudo porque ela representa mais uma derrota imposta pelo governo ao ministro Sérgio Moro dentro do governo. Já entre os membros da nossa mais alta Corte de Justiça, onde a Justiça raramente se faz presente... bem, é melhor deixar pra lá.

O repúdio dos bolsomínions tem razão de ser. Aras é visto como um petista enrustido, uma biruta de aeroporto que gira para onde o vento sopra. Ao retirar seu nome da cartola, o "messias salvador" virou a maçaneta da porta do inferno. Já tem gente jogando a toalha, classificando de traidor aquele a quem dias atrás venerava como herói. E o timing só piorou as coisas, já que a indicação se deu dias depois que o staff criminal de Raquel Dodge pediu demissão, justamente por farejar algo de podre no reino na PGR.

Observação: Após receber o apoio de Dias Toffoli e Rodrigo Maia para sua recondução ao cargo por mais dois anos, Dodge recomendou excluir o segundo e o irmão do primeiro do acordo de delação de Leo Pinheiro, que acumulava poeira em sua gaveta havia mais de um ano. E agora, quando o liberou, sugeriu ao relator, ministro Edson Fachin, que omitisse citações de Maia e de Ticiano Dias Toffoli. Naturalmente, os procuradores sentiram o cheiro de enxofre...

Vale lembrar que a nomeação de Raquel Dodge para suceder a Rodrigo Janot também gerou protestos e apreensões. Augusto Aras tem um lado “A” e um lado “B”. No lado “A”, é amigo do PT, acha Che Guevara lindo e supõe que a prioridade da Justiça brasileira é proteger os direitos da ladroagem. No lado “B”, ele é o contrário disso tudo. Mas só vai mostrar quem é, de fato, quando começar a tomar decisões. A conferir.

Rodrigo Constantino lembra que o brasileiro parece ser vocacionado a idolatrar políticos. Mas misturar política com religião pode ser um erro fatal. Esperar que um "salvador da pátria", munido apenas do “apoio popular”, enfrente o "sistema", combata os corruptos do “establishment” e conserte o “mecanismo”... Não é assim que a banda toca. Os bolsomínions colocaram o capitão num pedestal, e agora veem que seu santo de devoção tem pés de barro.

Chega de falsos heróis ou de “mitos”. Lideranças podem fazer a diferença, mas precisamos de instituição republicanas sólidas, mas com decência na forma e realismo nos fins. É uma luta lenta, sem bala de prata, sem solução mágica, sem fanatismo. Por outro lado, de nada adianta tirar um santo-do-pau-oco para colocar outro em seu lugar. Temos mais é que torcer para este governo dar certo. Para tanto, é preciso que as reformas avancem e que a Economia retome o crescimento. E isso só será conseguido se pressionarmos o presidente, cujos defeitos vêm se tornando mais visíveis agora, se sem o manto da incorruptibilidade a lhes cobrir. Mas devemos cobrá-lo sem paixão nem ódio. Bolsonaro não é uma entidade sobrenatural. É um político comum, que emplacou três filhos na política e coloca sua família acima de tudo, inclusive do Brasil.

sábado, 7 de setembro de 2019

A POPULARIDADE DE UM GOVERNO IMPOPULAR



Contrariando as expectativas, mas fiel ao hábito de tomar decisões que causam "frisson" na mídia, Bolsonaro indicou com dez dias de antecedência o substituto de Raquel Dodge no comando da PGR — instituição cuja importância o capitão já comparou com a da Rainha no jogo de Xadrez.

Ainda é cedo para dizer qualquer coisa além do nome do subprocurador — Augusto Aras —, que ele não foi pinçado da "listra tríplice" do Ministério Público e que a indicação parece ter agradado mais aos petistas que à ala pró-Bolsonaro.

Segundo Josias de Souza, desconsidera-se o fato de que, para prevalecer no intrincado processo de escolha, Aras teve de assumir compromissos que tornam seu hipotético petismo um problema secundário. O que mais inquieta são as roldanas que o futuro procurador-geral traz implantadas na cintura. Aras gira conforme a conveniência, e tamanha maleabilidade política atiça os ânimos da corporação dos procuradores num instante em que atual chefe da Procuradoria-Geral enfrenta uma debandada: como eu comentei postagens atrás, o staff criminal da PGR exonerou-se de suas funções justamente porque farejou um odor de enxofre na movimentação da chefe em fim de mandato.

Produzir insensatez é a marca registrada deste governo. Tem sido assim há oito meses e assim será enquanto o capitão comandar esta nau de insensatos. Entre suas mais recentes estultices está o vai-e-vem  sobre o teto dos gastos — num dia, a revisão do teto é um imperativo matemático, na manhã seguinte, o recuo nas redes sociais. Outra é garantir que não vetaria senão o artigo que proíbe policiais de algemar presos, para logo depois admitir que as acolheria 9 das 10 sugestões apresentadas por Sérgio Moro. A partir daí, a quantidade de vetos foi aumentando na proporção direta da aproximação do vencimento do prazo. Num dia, o presidente disse que acolheria todos os dez vetos; no dia seguinte, o cesto de vetos saltou para "quase 20"; na última quinta-feira, vetou 36 artigos de 19 dispositivos da lei.

Observação: Bolsonaro diz que seguiu orientações do seu centrão, um bloco de ministros que inclui o ex-juiz da Lava-Jato. Quem quiser que acredite. Em verdade, o presidente evoluiu em cena com a orelha encostada no asfalto e os olhos grudados nas redes sociais. Notou que o passeio pelo lado obscuro da política pode sair caro. A desfaçatez tem um custo. Para que o capitão se reconcilie com seu discurso, falta tomar distância do filho 01, reacender as luzes do ex-Coaf e abandonar o papel de estorvo da PF e do Fisco.

Incoerências assim que sugerem que o presidente — que, durante a campanha, prometeu acabar com a reeleição — está mais preocupado com as urnas do que com os cofres públicos. Aclamado pelos bolsomínions, que aplaudem tudo que ele diz com a beatitude retardada dos idiotas, o capitão infla seu ego gigantesco e se vê como um César contemporâneo, a quem basta apontar o polegar para baixo para transformar adversários, desafetos e inimigos reais e imaginários em comida de leão.

A três longos anos da próxima disputa presidencial, Bolsonaro e Dória estão em plena campanha. Unidos pelas correntes do antipetismo explícito em 2018, eles assim permaneceram até algum tempo atrás, quando sinais de distanciamento assomaram no horizonte, sobretudo pela dificuldade de o tucano se colocar como candidato sem antagonizar o atual presidente. Em junho, fizeram lado a lado uma demonstração de flexão de braço durante evento na zona sul de São Paulo; dias atrás, trocaram farpas pelas redes sociais.

Bolsonaro chamou Doria de "ejaculação precoce"; Doria respondeu que foi criticado da mesma maneira pelo presidiário Lula quando derrotou Haddad na disputa pela prefeitura de Sampa em 2016. A primeira-dama de São Paulo, Bia Doria, disse que o capitão usa "expressões chulas, que ferem e desrespeitam a família brasileira e a importância do cargo que ocupa". Na mesma linha seguiu o ex-pesselista recém-convertido a tucano Alexandre Frota: O presidente é a broxada do ano e quer falar de ejaculação precoce? Ele fantasia muito, tipo masturbação política”, disse o deputado à Folha.

Bolsonaro, com ciúmes da popularidade de Sérgio Moro — a quem ofereceu o ministério da Justiça para agregar credibilidade à sua promessa de combater implacavelmente a corrupção e os corruptos —, passou a ver no ex-juiz da Lava-Jato uma ameaça a sua reeleição. Moro, por sua vez, vive um inusitado paradoxo: popularíssimo na sociedade, tornou-se impopular no gabinete do presidente da República, cujo prestígio declina. Segundo o Datafolha, a taxa de aprovação do ministro é 25 pontos maior do que a do chefe.

Governos em geral costumam ter um excesso de cabeças e carência de miolos; o de Bolsonaro em particular sofre do mesmo mal, só que opera com uma cabeça só. O capitão é o tipo de político que segue a teoria da palmeira única, que não aceita a ideia de dividir o gramado com outra palmeira, sobretudo se ela tem quase o dobro do seu prestígio. E da inveja para o medo é um pulinho que pode transformar neurose em realidade. Até outro dia, o sonho de Moro era fazer um bom trabalho no ministério e ganhar uma poltrona no STF. Escanteado pelo chefe, passa a enxergar na política sua melhor alternativa.

A mesma pesquisa que exibe a invejável popularidade do ministro da Justiça dá conta de que outros ministros de Estado suplantam o em popularidade. Paulo Guedes cravou 38% de aprovação, e Tarcísio de Freitas, 36%. No momento, além de ser um sub-Moro, Bolsonaro está empatado com o ministro das queimadas, Ricardo Salles (30%), e com o ministro do marxismo cultural, Abraham Weintraub (29%). Talvez fizesse um bem a si mesmo se esquecesse 2022 e se concentrasse no essencial, que é a recuperação da economia.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

PEC DA PREVIDÊNCIA, JUDICIÁRIO, PGR, RAQUEL DODGE, LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE, RENÚNCIA DE PROCURADORES EM BLOCO E O ORGULHO DE SER BRASILEIRO



Chamar este pobre país de "banânia" é elogiar, mas, convenhamos, seria deselegante (embora não totalmente impróprio) tratá-lo de "país de merda". Questões semânticas à parte, fato é que nossa "Pátria Amada, Brasil" perdeu em abril deste ano a 7ª posição no ranking das principais economias mundiais (que vinha mantendo desde 2005) e já nem figura mais entre as 29 nações mais ricas da lista do Business Insider. O "País do Futuro (que nunca chega)" tem os impostos, os juros, os automóveis, os pedágios, o combustível e a energia elétrica mais caros do mundo.

Como se não bastasse, o "Gigante Adormecido" (deitado eternamente em berço esplêndido) tem os políticos mais corruptos do mundo e é presidido atualmente pelo chefe de governo mais irracional do mundo, que acontece de ser também o mais impopular entre todos os que ocuparam esse cargo desde a redemocratização do "País do Futebol". E com a recente alta do dólar, nosso povo sofrido já nem pode mais ir à Disney conhecer o Pateta. Felizmente, basta ir a Brasília ou entrar nas redes sociais para ver vários.

A coisa fica ainda pior quando se foca a Justiça nesta terra de ninguém. Além de cega, essa senhora é surda e, não raro, corrupta: sobram "causos" de venda de sentenças envolvendo não só juízes de primeira instância, mas desembargadores e ministros das Cortes superiores. Claro que daí até suas meritíssimas excelências serem processadas, jugadas, condenadas e encarceradas vai uma longa distância.

Observação: Entre uma miríade de exemplos notórios, relembro o caso do desembargador Ivan Athié, presidente da 1ª Turma do TRF-2, que em março passado mandou soltar o Vampiro do Jaburu e seu comparsa, coronel Lima (para detalhes da vida pregressa do "Limão", como o policial militar reformado gosta de ser tratado, clique aqui). Athié  ficou afastado do cargo durante sete anos, devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha (em 2004). Um inquérito contra ele, com as mesmas acusações, foi arquivado em 2008 pelo STJ a pedido do MPF, que alegou não ter encontrado provas de que o desembargador tivesse proferido sentenças em conluio com advogados. O magistrado retornou às atividades em 2011, depois que o STF trancou a ação contra ele.

Falando em patacoadas, a usina de crises de plantão no Planalto criou mais um "mal estar internacional" ao criticar a ex-presidente do Chile e atual comissária da ONU para direitos humanos, Michelle Bachelet. Em pronunciamento sobre o governo brasileiro, Bachelet afirmou que observou "uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições ao trabalho da sociedade civil e ataques a instituições de ensino”, e que, "desde 2002, o Brasil é um dos cinco países do mundo com o maior número de assassinatos de ativistas de direitos humanos".

Fiel ao seu estilo "bateu, levou", Bolsonaro devolveu: “Ela está acusando que não estou punindo policiais que estão matando muita gente no Brasil. Essa é a acusação dela. Ela está defendendo direitos humanos de vagabundos. Ela critica dizendo que o Brasil está perdendo seu espaço democrático. Senhora Michelle Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 73, entre eles seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Eu acho que não preciso falar mais nada para ela”.

Cá entre nós, eu acho que a repercussão midiática — como de praxe — foi muito além do comentário do capitão, talvez pelo fato de ele ter citado nominalmente o pai de Michelle, general Alberto Bachelet, que foi torturado e morto durante a ditadura de Augusto Pinochet. Mas remexer nos escaninhos da história chilena não é bem a minha praia, e não convém ao sapateiro ir além das chinelas.

Voltando ao cenário jurídico-político tupiniquim, os ex-governadores do Rio, Anthony Garotinho e Rosinha Mateus, presos dias atrás com outros três suspeitos de participar de um esquema de superfaturamentos em contratos celebrados entre a Prefeitura de Campos dos Goytacazes (município fluminense do qual ambos foram prefeitos) e a construtora Odebrecht, foram soltos depois de passarem uma única noite na cadeia, graças à pronta intervenção do desembargador Siro Darlan, que lhes concedeu o habeas corpus durante o plantão judiciário na 7ª Câmara Criminal do TJ-RJ.

Além de ter carreira marcada por decisões controversas e de grande repercussão, Darlan é alvo de inquérito no STJ, que apura a venda de sentenças no fórum da capital. Antes de ser nomeado desembargador, em 2004, ele comandou, por mais de uma década, a 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio. Muitas de suas decisões geraram polêmicas. Como desembargador, em 2013, concedeu habeas corpus a sete dos nove envolvidos na invasão ao Hotel Intercontinental, em São Conrado, em 2010, quando o bando, armado com fuzis, pistolas e granadas, manteve 35 reféns, entre funcionários e hóspedes, por três horas. Na ocasião, uma pessoa morreu e seis ficaram feridas. Entre os beneficiados estava Rogério 157, que assumiu o comando do tráfico na Rocinha após a prisão do traficante Nem.

Em dezembro do ano passado, O GLOBO publicou que Darlan é suspeito de soltar presos durante plantões judiciais em troca de propina. Em dois casos investigados, detentos teriam sido beneficiados por decisões do desembargador. Num deles, foi anexada a colaboração premiada de um dos envolvidos, que afirmou ter ouvido de um dos presos sobre o pagamento a um intermediário do magistrado: R$ 50 mil para ser solto. Inicialmente, segundo o delator, o lance foi de R$ 120 mil, mas caiu para menos da metade dividido em duas parcelas.

Passando às boas notícias — se é que ainda as temos neste país: A CCJ do Senado não só aprovou, por 18 votos contra 7, relatório do senador Tasso Jereissati sobre a PEC da Previdência, como rejeitou os oito destaques apresentados para alterar o parecer do relator. A PEC paralela também foi aprovada em votação simbólica e por unanimidade. O texto principal segue para o plenário do Senado e, se aprovado, será promulgado. O ganho fiscal chegará na R$ 962 bilhões, mais R$ 350 bilhões se a PEC paralela for aprovada na Câmara e os estados e municípios aderirem à proposta que altera as regras da aposentadoria.

Bolsonaro anunciou ontem que deve acolher integralmente as sugestões de vetos do ministro da Justiça ao texto da Lei de Abuso de Autoridade, aprovada a toque de caixa, dias atrás, pelo Congresso. Segundo o portal G1, o capitão efetivamente votou 36 trechos de 19 artigos. Apesar dos esforços de Verdevaldo da Couves, da imprensa marrom (ou seria vermelha?), dos corruptos que pululam no Congresso e da banda podre da alta cúpula do Judiciário, Sérgio Moro continua muito popular, com 25 pontos de aprovação acima do presidente.

Por outro lado, segue envolta em brumas a nomeação do próximo Procurador-Geral da República (o mandato da atual termina no próximo dia 17). Há uma pressão política dos presidentes da Câmara e do Senado para que Raquel Dodge seja reconduzida ao cargo, o que desagradou membros da força-tarefa da Lava-Jato que atuam no DF, onde as coisas andam muuuuuuito mais devagar do que em Curitiba — até hoje, nenhum político com foro privilegiado foi mandado para a cadeia pelos 11 togados supremos, sem mencionar que a delação de Leo Pinheiro, da OAS, está parada há mais de um ano e outros processos e delações estão embolorando nos escaninhos da PGR.

Atualização: no finalzinho da tarde de ontem, o Augusto Aras foi escolhido pelo presidente para suceder a Raquel Dodge no comando da PGR. O subprocurador baiano tem 60 anos de idade e foi apadrinhado pelo ex-deputado federal Alberto Fraga, que é um dos políticos mais próximos de Bolsonaro. Aras era bem contado, mas caiu na bolsa de apostas depois que a imprensa divulgou que ele já defendeu o MST (em discurso na Câmara, em 2008) e promoveu jantares para petistas. Pelo mesmo motivo, enfrentou resistências no PSL, mas procurou parlamentares da legenda que têm proximidade com o capitão para tentar reverter o quadro. Funcionou. Sua indicação ainda precisa ser chancelada pelo Senado, mas o que importa mesmo é saber se foi uma boa escolha, considerando que a Lava-Jato e o combate à corrupção dependem diretamente da PGR  que o o próprio Bolsonaro comparou recentemente à Rainha no jogo de Xadrez

Na última quarta-feira, os procuradores Raquel Branquinho, Maria Clara Noleto, Luana Vargas, Hebert Mesquita, Victor Riccely e Alessandro Oliveira, integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Brasília, pediram demissão em bloco, alegando divergências de posicionamento com Raquel Dodge. Em nota, o grupo afirmou que o desligamento se deve a uma “grave incompatibilidade de entendimento dos membros da equipe” com a manifestação enviada pela PGR ao STF no dia anterior, quando Dodge pediu arquivamento preliminar de trechos do acordo de colaboração de Léo Pinheiro em que foram citados Rodrigo Maia e Ticiano Dias Toffoli, irmão ministro supremo Dias Toffoli.

Ao que parece, depois que a 2ª Turma do Supremo, decisão de anular a sentença do então juiz Sérgio Moro no caso do ex-presidente petista do BC e da Petrobrás, Aldemir Bendine, e devolver os autos à primeira instância, a Lava-Jato resolveu partir para a guerra. Para entender melhor esse imbróglio, convém ouvir que entende do assunto:

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

STF, BENDINE, LULA, RODRIGO MAIA E A DELAÇÃO DA ODEBRECHT


A 2ª Turma do STF anulou por 3 votos a 1 a sentença (proferida pelo então juiz Sérgio Moro) que havia condenado o ex-presidente do BB e da Petrobrás Aldemir Bendine a 11 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O voto vencido foi do relator, ministro Luís Edson Fachin, e o que não houve, do decano Celso de Mello (que não participou do julgamento devido a uma pneumonia).

A tese dos advogados do réu, de que entregar seus memoriais ao mesmo tempo em que delatores da Odebrecht apresentaram suas acusações caracteriza cerceamento de defesa, foi agasalhada por Mendes, Lewandowski e Cármen Lúcia. Com isso, os autos deverão baixar à primeira instância para que a etapa final da instrução processual seja refeita e a 13ª Vara Federal do Paraná (agora sob a pena do juiz Luís Antonio Bonat) profira nova sentença — da qual as partes podem recorrer, e assim por diante.

Vale lembrar que o recurso de Bendine já havia sido julgado pelo TRF-4, a pena de 11 anos, reduzida para 7 anos e 9 meses, mas a condenação, mantida, e, portanto, poderia ser executada em breve com base na decisão do STF que autoriza a prisão após o fim dos recursos em segunda instância.

O entendimento dos 3 togados supremos retrocitados foi de que, mesmo não estando previsto em lei, o interrogatório e a apresentação de alegações finais do investigado delatado deveriam ter sido feitos ao final do processo, após os delatores da Odebrecht terem entregado suas manifestações, sob pena de infringir o princípio constitucional da ampla defesa. Nem seria preciso dizer que essa decisão abre um precedente perigoso, pois os chicaneiros estrelados que defendem a corja de rapinadores do erário certamente pleitearão o mesmo que a defesa de Bendine. No entanto, caso a 1ª Turma decida de maneira diferente, a divergência terá de ser pacificada pelo plenário da Corte. A ver o que resultará de mais essa "hermenêutica suprema".

Last but not least: o julgamento de uma reclamação da defesa do presidiário mais famoso da galáxia, envolvendo o processo que trata do terreno do Instituto Lula e da cobertura vizinha à do petralha em SBC, também estava na pauta de ontem, mas os ministros deram prioridade a outras ações — até porque o decano Celso de Mello, que seria o fiel da balança, está licenciado (Fachin e Cármen já votaram contra o pleito da defesa e Mendes e Lewandowski certamente votarão a favor). Caberá à presidente da turma definir outra data para o julgamento (também está pendente a análise de outros recursos do morfético de Garanhuns, um dos quais questiona a imparcialidade de Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, mas isso já é outra conversa).

Mudando de pato para ganso:

Andamos bem de presidentes neste arremedo de banânia. No Executivo, temos um parlapatão que fala mais que deve sobre o que não deve rejeita a oferta do G7, que se prontificou a dar 20 milhões de euros para ajudar a combater as queimadas na Amazônia, como estivesse brotando dinheiro a mancheias do erário tupiniquim. E não fica nisso, naturalmente, mas é escusado descer a detalhes, já que as últimas postagens foram todas dedicadas a esse tema.

No Legislativo, o presidente do Senado e do Congresso é David Alcolumbre, que derrotou o Golias das Alagoas, Renan Calheiros, com 42 votos dos 81 senadores (curiosamente, ao final do escrutínio havia 82 votos na urna).

Relembrando: em 2016, o ministro Marco Aurélio apeou liminarmente  o então presidente do Senado, o que, por absurdo, paralisou os trabalhos na Câmara Alta do Congresso Nacional. Era como se nada ali funcionasse sem a presença do senador alagoano réu no STF por crime de peculato e investigado em pelo menos mais 11 processos, oito dos quais no âmbito da Lava-Jato , que, para piorar, apoiado pela mesa diretora da Casa, resolveu simplesmente não acatar a decisão do Judiciário, como se sua deposição fosse uma opção, e não uma determinação da um ministro da nossa mais alta Corte de Justiça.

O Cangaceiro das Alagoas foi sucedido por Eunício de Oliveira, outro prócer da oligarquia política nordestina que é dono de uma capivara respeitável, e que foi chutado pelos eleitores quando tentou renovar seu mandato de senador no ano passado.  

Voltando a Alcolumbre, o senador amapaense é investigado em dois inquéritos no STF por supostas irregularidades relacionadas à campanha de 2014 e já foi alvo de outras investigações, como as da Operação Pororoca (que trata de superfaturamento de obras no Amapá), e as da Operação Miquéias (sobre fraudes na Previdência de prefeituras). Que em 2009, como deputado, conseguiu aprovar um projeto de lei para homenagear seu tio Alberto Alcolumbre, acrescentando o nome do parente ao título do Aeroporto de Macapá.

Em 2013, ainda como deputado, Alcolumbre usou verba de gabinete para abastecer seus carros no posto de gasolina Salomão Alcolumbre e Cia. Ltda., que também pertence a um parente seu. Que, em recente entrevista à revista Veja, disse que não vai levar adiante a CPI da Lava-Toga nem dar andamento aos pedidos de impeachment de ministros do STF — emboloram nos escaninhos do Senado nada menos que 34 petições, sendo 11 contra o semideus togado Gilmar Mendes e 10 contra o atual presidente da Corte, Dias Toffoli; dos outros 9 togados supremos, a única que escapa é a ministra Cármen Lúcia.

Observação: Vale lembrar que Toffoli levou bomba (não uma, mas duas vezes seguidas) em concursos para a magistratura — ou seja, um sujeito não pode ser juiz nem na comarca de Arroio dos Ratos preside o mais alto tribunal de Justiça deste país.

No Judiciário, para além do que eu mencionei parágrafos atrás, preside o STF um petista que não despiu o uniforme de militante quando vestiu a toga de ministro, cujo currículo se limita a uma interminável fieira de relevantes serviços prestados ao PT: Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT e assessor jurídico do PT e de José Dirceu. Atuou como advogado nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e como subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República. Em 2007, foi promovido ao cargo de Advogado Geral da União, que exerceu até 2009, quando, mais uma vez graças a Lula, preencheu a vaga aberta com a morte do ministro do STF Menezes Direito.

Sua indicação foi (mais) uma demonstração cabal da falta de noção do picareta dos picaretas sobre a dimensão do cargo de ministro. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, Toffoli foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Já consolidado no novo habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível. Em 2005, quando Roberto Jefferson denunciou o MensalãoToffoli trabalhava na Casa Civil e respondia diretamente a José Dirceu, apontado como chefe do esquema o que inacreditavelmente não o impediu de, anos mais tarde, participar do julgamento da ação penal 470, nem de votar pela absolvição de Dirceu.

Em 2015, pouco depois da divulgação da primeira “lista de Janot”, Toffoli pediu transferência para a segunda turma, que ficaria responsável pelos processos da Lava-Jato. Foi ele quem sugeriu que casos não relacionados diretamente à Petrobras fossem tirados do juiz federal Sergio Morolivrando por tabela o rabo da senadora Gleisi Hoffmann. Também foi ele o autor do pedido de vista que interrompeu a votação da limitação do foro privilegiado de políticos quando já se havia formado maioria a favor. A Lava-Jato chegou a bafejar seu cangote quando Léo Pinheiro mencionou, em sua proposta de delação, que a OAS havia executado reformas em sua casa. Mas a informação vazou, Janot (notório admirador do lulopetismo) rodou a baiana e o acordo nunca chegou a ser firmado. Aliás, a Lava-Jato também descobriu que um consórcio suspeito de firmar contratos viciados com a Petrobras chegou a repassar R$ 300 mil ao escritório de advocacia de Roberta Gurgel, esposa de Toffoli — o próprio Toffoli foi sócio do escritório até 2007, mas deixou a sociedade antes de os pagamentos começarem.

Quanto à Câmara Federal, também é escusado relembrar as virtudes de Eduardo Cunha. Basta dizer que o ex-todo-poderoso presidente da Casa está preso desde 2016 — em maio passado, ele foi transferido do Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, para o presídio de Bangu 8, no Rio de Janeiro, para que cumprisse mais próximo da família a pena de 14 anos e seis meses de prisão a que foi condenado na Lava-Jato. Quem lhe sucedeu no comando da lojinha foi Rodrigo Maia, vulgo Bolinha — ou Botafogo, que é como ele era identificado nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht. Em relatório conclusivo, a PF lhe atribuiu os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa dois (e três) a partir de investigações que envolvem delação da empreiteira no âmbito da Lava-Jato (Maia teria recebido R$ 350 mil nas eleições de 2010 e 2014). No último dia 23, o ministro Fachin deu prazo de 15 dias para a PGR oferecer denúncia ou solicitar o aprofundamento das investigações.
 
Segundo Fausto Macedo publicou em sua coluna no Estadão, Maia é a peça-chave no jogo político que envolve na Câmara projetos de grande impacto e interesse do governo e do ministro Sérgio Moro, como o pacote anticrime e a Lei do Abuso de Autoridade, que provoca desconforto entre promotores, juízes e delegados. A conclusão da PF que coloca Maia contra a parede ocorre em meio ao clima nervoso que paira entre delegados da corporação e o presidente da República (para ler a coluna na íntegra, clique aqui).

Para mais detalhes, assista a este clipe (avance até a marca dos 10 minutos e acompanhe a partir daí):

terça-feira, 27 de agosto de 2019

SOBRE LULA E BOBÔ


No meio de tanta notícia ruim, salvou-se ao menos uma alma do purgatório: a 2ª Turma do STF rejeitou por unanimidade o pedido da defesa de Lula para anular atos de Sérgio Moro na ação envolvendo o Instituto Lula — o único dos três processos originários da Lava-Jato em Curitiba que ainda não foi julgado em primeira instância. Cristiano Zanin e companhia desistiram de outros dois recursos cujo conteúdo era o mesmo do pedido de suspeição de Moro tratado no habeas corpus cujo julgamento deve ser concluído hoje. Edson Fachin e Cármen Lucia votaram na primeira etapa; resta saber como se posicionará o decano Celso de Mello, já que os votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski são fáceis de prever.

Agora uma notícia não tão boa, sobretudo pelo impacto no mercado financeiro: Em relatório conclusivo, a PF atribuiu ao presidente da Câmara os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa dois em investigações que envolvem a delação da Odebrecht no âmbito da Lava-Jato. Com isso o IBOVESPA, que estava se recuperando timidamente durante a manhã de ontem, voltou a despencar no final da tarde.

Observação: Na planilha de propinas da empreiteira, Rodrigo Maia que é identificado como Botafogo, teria recebido R$ 350 mil nas eleições de 2010 e 2014. No dia 23, o ministro Fachin concedeu prazo de 15 dias para a PGR decidir se oferece denúncia. O presidente da Câmara, um dos mais ferrenhos defensores da recondução de Raquel Dodge ao cargo de procuradora-geral da República, não conseguiu seduzir Jair Bolsonaro, e ainda virou matéria-prima para a chefe do MPF.

Mudando de um ponto a outro, Bolsonaro negou desavenças com Moro, mas reagiu quando questionado se o ministro teria carta branca: “Eu tenho poder de veto em qualquer coisa, senão eu não era presidente. Todos os ministros têm ingerência minha. Eu fui eleito para mudar”. Sobre essa postura do capitão, submeto ao leitor as seguintes considerações:

Com quase oito meses de governo, o capitão se divide entre o político que ostenta índices positivos de avaliação e aspira à reeleição e o que é criticado até por seus apoiadores. O comportamento combativo — sobretudo contra o PT e a corrupção — que lhe garantiu a vitória sobre o bonifrate manipulado por Lula parece não funcionar fora do palanque — e talvez por isso ele continue agindo como se estivesse em plena campanha.

Sem preparo para exercer o cargo nem consciência do tamanho da cadeira presidencial, o "mito" dispara os impropérios que lhe vêm à cabeça — da defesa extremada do filho 03 para assumir a embaixada no EUA à afirmação leviana de ONGs e governadores promovem queimadas na Amazônia para prejudicá-lo. Mas há uma estratégia por trás disso: manter sua usina de crises à todo vapor desvia o foco dos índices cambaleantes na economia e mantém inabalável a fé dos bolsomínions, o que pode lhe ser útil caso não seja abatido em seu voo de galinha e venha a disputar a reeleição em 2022.

Mas será seu governo tão ruim quanto dizem? Para responder essa pergunta é preciso ter em mente que a maioria das coisas só é ruim ou boa em comparação com outras da mesma natureza. Partindo dessa premissa, a questão passa a ser: será o atual governo pior do que foi o de Dilma Rousseff ou de Lula? E se comparando ao de Fernando Collor, então, ou ao de José Sarney?

Apesar dos pesares — e olha que não são poucos — e dos esforços da turminha do quanto pior melhor, é improvável que o governo Bolsonaro seja um desastre total, ou que o centroavante seja expulso de campo antes do final da partida. Improvável não significa impossível, mas como fará a oposição para reunir no Congresso três quintos dos parlamentares se na última vez que a Câmara votou uma questão essencial, a reforma da Previdência, deu 74% dos votos para o governo?

 Em outros governos, foram necessárias graves crises econômicas para que a população ficasse em pé de guerra contra o presidente. FHC, entre a reeleição e o início do segundo mandato, teve de lidar com a desvalorização cambial e se desgastou por completo com o apagão de 2001. Dilma perdeu capital político nos protestos de 2013 e desabou de vez com o ajuste fiscal fracassado do segundo mandato. Lula é um caso à parte, pois deixou o Palácio com a popularidade nos píncaros — o que lhe permitiu eleger e reeleger a gerentona de araque e, à sombra dela, continuar enchendo as burras a mais não poder — e acabou na cadeia.

Recente levantamento feito pelo Instituto FSB Pesquisa dá conta de que 45% dos entrevistados acreditam que o presidente deixará um legado positivo. Somente 8% disseram que sua gestão será ruim e 21% apostam que ela será péssima. Mas é bom lembrar que 15 milhões de brasileiros acreditam que a Terra é plana e que a Apollo 11 jamais pousou na Lua.

Independentemente de você ter votado ou não em Bolsonaro e dos motivos que o levaram a tal, seria esperar demais que ele se revelasse um estadista, considerando a maneira como encerrou sua carreira militar. Para quem não sabe ou não se lembra, em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo — que lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente e o insurreto foi absolvido de todas as acusações, mas sua carreira militar terminou ali.

Depois que deixou o Exército, aquele que viria a ser o 38º Presidente desta republiqueta de bananas resolveu tentar a sorte como vereador — na hipótese de não se eleger, seu plano B era aproveitar o curso de mergulho que fizera anos antes para trabalhar como limpador de casco de navio. Após dois anos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ele venceu a primeira das 7 eleições para deputado federal que disputou. No Congresso, respondeu a sete processos por quebra de decoro parlamentar, apresentou 172 projetos e foi relator em 73 deles, mas conseguiu aprovar somente dois. Passou os 27 anos seguintes como um membro do baixo-clero, sem destaque, sem poder e sem uma turma para chamar de sua. 

Em meados de 2014, então filiado ao fisiológico PP — cuja bancada de 40 deputados era adestrada para apoiar qualquer um com chance de vencer —, apresentou-se como opção para concorrer ao Planalto e lançou seu ultimato: “Ou o PP sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, o PP afundou de vez; graças a sua pregação antipetista, foi reeleito como o deputado mais votado do Rio de Janeiro (saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014). Em 2016, trocou o PP pelo PSC, depois namorou com o PEN (que virou Patriota para acolhê-lo), rompeu com a sigla ao descobrir que ela havia patrocinado uma ação no STF questionando a prisão em segunda instância (tema que interessava sobretudo a Lula e ao PT e feria de morte seu discurso antipetista) e acabou se filiando ao PSL. Em outubro passado, derrotou o esbirro de Lula por uma diferença significativa de votos, além de contribuir para que o PSL, até então nanico, elegesse 52 deputados federais, 4 senadores e 3 governadores.

Dora Kramer pondera que os presidentes que terminaram seus mandatos, falando da redemocratização para cá, tinham como traço comum uma espécie de freio interno que os impedia de ultrapassar (em público, ao menos) a linha que determina até onde pode ir um mandatário. O limite de Sarney era a transição democrática, o de FHC, a consciência de que o poder em si limita, e o de Lula, o apoio popular e/ou político. Mas fato é que os dois presidentes mandados de volta à planície antes de completado o tempo regulamentar não tinham ou não utilizavam essa ferramenta tão essencial ao exercício da governança. Ambos de personalidade impositiva, faziam o gênero “vão ter de me aguentar”. 

Má notícia para Bolsonaro, a quem tanto apraz ser do jeito que é, sem intenção de mudar. Disso sabemos, ninguém muda depois dos 60. Patente está também tratar-se de um caso de exibicionismo crônico, cujas causas aos meandros de sua mente pertencem. A dúvida, portanto, recai sobre aonde pensa chegar o presidente com essa pose de valentão old fashioned.

É certo que desperta identificação em setores ainda amplos. Verdade também que serve de distração à ausência de qualificação para o exercício do cargo e faz a festa dos ressentidos, tanto os que o aplaudem quanto aqueles que acreditam exercer oposição atuando na mesma sintonia de insultos e fantasias persecutórias. O dom de distrair, contudo, tende a desviar o autor de seus propósitos, levá-lo ao caminho da incoerência que resulta na quebra de princípios anteriormente defendidos. Daí para a perda de apoios importantes é questão de tempo. Acontece isso com Bolsonaro em seu afã de medir a República pela régua de seus interesses e convicções pessoais.

Quem o elegeu o fez na crença da prometida mudança de paradigmas vigentes nos governos do PT e até antes deles. Pois o que o presidente tem feito é justamente adotar e acirrar velhas práticas como o filhotismo, o mandonismo, o intervencionismo, o histrionismo e demais “ismos” incompatíveis com um ambiente de razoável modernidade e civilidade. Esbravejou contra o aparelhamento petista, mas tenta aparelhar o Estado quando interfere no funcionamento de órgãos de fiscalização. Condenou roubalheira e desmandos, mas atua para proteger os suspeitos que lhe são caros. Confronta até o eleitorado robusto representado pelo agronegócio quando suas diatribes contra ações de preservação do meio ambiente põem o sustentáculo da pauta de exportações sob o risco de retaliações.

A continuar com a agenda e a conduta regressivas, não irá a lugar nenhum, tantas são e serão as barreiras de contenção que encontrará num país que já percebeu as vantagens e se acostumou a viver nos parâmetros da institucionalidade. Se pensa formatar adiante novo arranjo de alianças, é tarde, pois esses parceiros potenciais já guardam distância e se organizam para tomar rumos próprios.