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terça-feira, 24 de setembro de 2019

NA POLÍTICA NÃO HÁ INOCENTES, TODOS SÃO CULPADOS



Deputados e senadores se elegem para roubar e roubam para se reeleger. Sua única preocupação não é o longo braço da lei — que no Brasil é engessado pela legislação que favorece o criminoso em detrimento do cidadão de bem —, mas o custo eleitoral de seus atos. Daí a tentativa de interromper esse círculo vicioso ter causado "desentendimento" entre Câmara e Senado e colocado o chefe do Executivo em mais uma sinuca de bico.

Eleito por um partido nanico, sem dinheiro nem tempo de rádio e TV, pregando a volta da moralidade, Bolsonaro ora se vê forçado a ir contra a instalação não de uma, mas de duas Comissões Parlamentares de Inquérito. No Senado, seu enroladíssimo primogênito vem atuando de maneira assertiva e acintosa contra a criação da CPI da Lava-Toga; na Câmara, a líder do governo, deputada Joice Hasselmann, tenta barrar a CPI da Lava-Jato, alegando que os deputados foram ludibriados para assinar o requerimento.   

Além do apoio de 1/3 dos deputados, instalar uma CPI na Câmara exige que haja um fato determinado, orçamento e prazo (início e fim). A CPI da Lava-Jato contabilizou 174 adesões — 4 além do mínimo necessário — e atende, pelo menos segundo a oposição, os demais requisitos. O presidente da Câmara parece não estar convencido quanto ao fato determinado, que na sua visão é, no mínimo, subjetivo. Mas o pedido de CPI não deixa de ser mais uma carta na manga para Maia usar em proveito próprio em seu toma-lá-dá-cá com o Executivo.

Houve um tempo em que tudo acabava em pizza. Agora, tudo acaba no STF — o que não é tão diferente quanto a princípio pode parecer. O presidente do Senado vem rejeitando sistematicamente os pedidos de instalação da CPI da Lava-Toga e engavetando os de abertura de processos de impeachment contra membros da Suprema Corte, o que levou os parlamentares favoráveis à investigação dos togados a protocolar um questionamento no próprio STF. Como se isso já não fosse dar a Herodes a chave do berçário, quis o destino que o relator sorteado fosse ninguém menos que Gilmar Mendes. A menos que haja pressão popular expressiva, como a que levou Eduardo Cunha a acolher o pedido de impeachment contra Dilma, podemos tirar o cavalo da chuva.

No caso da CPI da Lava-Jato o requerimento é real, até porque o prazo para a retirada de assinaturas já expirou. Os propósitos da esquerda, ao propor a instalação dessa CPI, eram desgastar a imagem de Moro, da Lava-Jato e dos procuradores do Ministério Público, além de libertar Lulalalu e bombardear o governo — como se Bolsonaro não fosse perfeitamente capaz de fazer isso sem ajuda de ninguém. No entanto, a despeito de todo o trabalho de difamação feito pela imprensa militante contra Moro e a força-tarefa da Lava-Jato, a popularidade da operação e de seus atores não sofreu o menor abalo. Isso foi comprovado até mesmo pelo suspeitíssimo Datafolha, que integra o grupo Folha — que é cúmplice de Verdevaldo das Couves e parceiro do pseudo jornalismo do The Intercept Brasil, na honorável companhia da revista Veja, do portal UOL, da BandNews, do jornal El País et caterva (curiosamente, a Globo se negou a compactuar com a divulgação dos vazamentos criminosos da Vaza-Jato do assassino de reputações Glenn Greenwald, o podre, cuja vida pregressa demonstra que ele não é nem nunca foi flor que se cheire).

Há situações em que o feitiço vira contra o feiticeiro. As repercussões de uma investigação parlamentar contra a Lava-Jato, transmitida nacionalmente ao vivo e em cores, reforçaria o apoio da população de bem à operação. Noves fora os políticos desonestos (desculpem o pleonasmo), os empresários corruptos e a patuleia desvairada que ainda vê na mula encarcerada a quintessência da honestidade e o protótipo do governante probo, os demais brasileiros estão por conta do Bonifácio com tanta roubalheira e corrupção.

O vazamento espúrio do material criminoso entregue "graciosamente" a Verdevaldo por seus fornecedores pouco resultou além de fofocas, comprovando à saciedade que o "crime hediondo" de que foram acusados Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e companhia foi combater a corrupção sistêmica e pôr na cadeia bandidos travestidos de executivos das maiores empreiteiras do país e políticos ímprobos de altíssimo coturno.

Por essas e outras, a CPI da Lava-Jato poderia reverter os motivos torpes que levaram seus igualmente torpes articuladores a propô-la, bem como elucidar pontos obscuros da Vaza-Jato, como quem foi o mentor intelectual dos hackeamentos, quem se beneficiou deles e quem os patrocinou. Se nem relógio trabalha de graça, muito menos os hackers de Verdevaldo e o próprio Verdevaldo.

Para concluir, mais um comentário impagável do impagável Josias de Souza:

O povo não gosta daquilo que não entende, e Bolsonaro decidiu caprichar na falta de nexo. Segundo a superstição vendida na campanha eleitoral, o capitão seria um político honestíssimo que, uma vez eleito, governaria longe de malfeitores. Como evidência de suas boas intenções, transferiu Sergio Moro da Lava-Jato para o Ministério da Justiça. Com a Polícia Federal sob seu comando, o ex-juiz faria um "juízo de consistência" sobre as denúncias, apressando providências saneadoras. Pois bem, submetido a mais uma oportunidade concreta de demonstrar que falava sério, o presidente decidiu tratar a golpes de barriga a encrenca que envolve seu líder no Senado, Fernando Bezerra, transformando em bobo o eleitor que votou nele imaginando que estava virando a página da corrupção. Virou. Só que para trás.


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

E VIVA O POVO BRASILEIRO! — PARTE II



Durante os dois curtos períodos que Michel Temer passou atrás das grades, os brasileiros puderam se orgulhar de ter 2 ex-presidentes presos: Lula — que é réu em uma dezena de ações penais, já foi julgado e condenado em duas e goza da hospitalidade da Superintendência da PF em Curitiba desde abril do ano passado — e o Vampiro do Jaburu — que é alvo de cinco investigações por corrupção, organização criminosa, obstrução de justiça e lavagem de dinheiro (que baixaram do STF para a primeira instância depois que o trevoso perdeu a prerrogativa de foro especial).

Somente FHC, Itamar (morto em 2011) e Sarney não foram envolvidos em processos de impeachment nem presos após deixarem o cargo. Fernando Collor de Mello — que renunciou em 1992 para não ser cassado e hoje é senador pelo estado das Alagoas — é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa também no âmbito das investigações da Lava-Jato (ainda não foi preso), e Dilma — que foi penabundada em 2016 —, ré por participação em organização criminosa (aliás, basta ser do PT para participar de organização criminosa, mas isso é outra conversa).

Sarney foi investigado por interferir nas investigações da Lava-Jato e chegou a ser denunciado em 2017. Devido à idade avançada do eterno donatário da capitania do Maranhão, que completará 90 anos se viver até abril do ano que vem, o então relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, não só negou um pedido domiciliar conta ele como determinou o arquivamento da denúncia — não custa lembrar que, como nossa legislação incentiva o crime e dificulta sua punição, o prazo prescricional cai pela metade quando os gatunos (*) completam 70 anos de idade.

(*) Gatuno (do castelhano gatuno, "relacionado com gato"): aquele que furta e se apodera do que não lhe pertence; ladrão; [p. ext.] pessoa que ganha dinheiro de maneira ilegal, geralmente causando prejuízos a alguém; trambiqueiro, vigarista.

Felinos são independentes, voluntariosos, não vêm quando os chamamos e não fazem o que queremos — a não ser que os motivemos, mas o que os motiva não é exatamente fazer-nos felizes. Da mesma forma que se frustra o incauto que adota um bichano achando que ele se comportará como um cão, dá com os burros n'água o eleitor que vota num candidato a vereador ou deputado (tanto estadual quanto federal) achando que está escolhendo seu representante.

O presidente da República, os governadores dos Estados e os prefeitos dos cerca de 5.600 municípios tupiniquins são eleitos pelo voto majoritário (ganha aquele que obtiver mais votos), mas nas eleições proporcionais a votação de cada candidato é influenciada pela soma dos votos dos candidatos do partido/coligação e pelos os votos de legenda — em outras palavras, o eleitor dá ao Rei Herodes o acesso ao berçário, pois vota no gato de sua preferência e os sufrágios que “sobram” dos mais votados elegem outros gatunos do mesmo partido ou coligação.

Não surpreende, portanto, que depois depois do ímpeto reformista que colocou em pé a reforma da Previdência a ala bandalha do Congresso volte a elaborar projetos e emendas como quem joga bosta na parede. Se colar, colou. Para os adeptos dessa tática não existe noção de certo ou errado. Há coisas que são absorvidas e outras que pegam mal. Quando pega muito mal, como no caso do projeto que aplicou a lógica do "liberou geral" nas regras eleitorais e partidárias, promove-se um recuo tático. Os senadores deram meia-volta, mas os deputados voltaram ao esterqueiro que é seu habitat natural para selecionar os pedaços de desfaçatez que achavam possível colar novamente na parede.

Atualização: A reação que a primeira versão do projeto provocou na opinião pública deveria ter mostrado aos deputados, como mostrou aos senadores, que jogadas em benefício próprio não são mais aceitas. Muita coisa foi removida da versão original, mas restaram brechas preocupantes, que certamente serão contestadas no STF. Todavia, sendo os togados quem são e considerando a "independência" dos Poderes, dificilmente o tribunal mudará alguma coisa. Resta ver se Bolsonaro vai ter peito de vetar a mixórdia — façam suas apostas — e, caso negativo, rezar para que o TSE atue com firmeza nesta área.

Como bem analisou Josias de Souza em sua participação no Jornal da Gazeta da última quarta-feira, essa movimentação é a prova provada de que a história que começou a ser escrita no em junho de 2013 virou um pesadelo do qual o Brasil não consegue acordar. Há seis anos, as ruas roncaram para reivindicar menos roubalheira, mais prosperidade e serviços públicos decentes. O sistema político ofereceu na época uma espécie de Bolsa Teatro. Entrou em cartaz um espetáculo de cinismo. Vieram a Lava-Jato, o impeachment de Dilma, o entreato apodrecido de Temer e a eleição de Bolsonaro, um personagem antissistema cuja Presidência se ajusta gradativamente ao seu passado sistêmico.

O esforço para a restauração da imoralidade não se limita ao Legislativo. Há adeptos da volta ao passado no Executivo e também no Judiciário. Se essa movimentação revela alguma coisa, é que 2013 tornou-se o ano mais longo da história do Brasil. E ainda vai longe. A diferença em relação ao passado é que o cinismo agora encontra resistência. Afinal, o brasileiro continua de saco cheio de sua própria realidade.

A ala bandalha do Congresso não perde a oportunidade de perder oportunidades. Ao ressuscitar parte das regras que o Senado havia sepultado na véspera — entre as quais excrescências como uma brecha para o caixa dois e uma fenda para candidaturas de políticos com ficha suja — os deputados abriram uma janela de oportunidade que Jair Bolsonaro pode, se quiser, aproveitar. O capitão terá 15 dias para decidir se sanciona ou veta (total ou parcialmente) as novas velhas regras eleitorais e partidárias. Resta saber de que lado sua excelência se sentirá mais confortável. Se vetar as espertezas da Câmara, será ovacionado nas redes sociais, seu habitat natural. Sancionando as indecências, fará média com o centrão.

Como se um já não bastasse, há dois Bolsonaros na praça, e o que se elegeu como presidenciável antissistema vetaria essa vergonha. Mas o que exerce a Presidência aproximando-se do seu próprio passado sistêmico talvez prefira não enfiar o dedo em favo de mel para não ter que fugir das abelhas do centrão. A conferir.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

STF, BENDINE, LULA, RODRIGO MAIA E A DELAÇÃO DA ODEBRECHT


A 2ª Turma do STF anulou por 3 votos a 1 a sentença (proferida pelo então juiz Sérgio Moro) que havia condenado o ex-presidente do BB e da Petrobrás Aldemir Bendine a 11 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O voto vencido foi do relator, ministro Luís Edson Fachin, e o que não houve, do decano Celso de Mello (que não participou do julgamento devido a uma pneumonia).

A tese dos advogados do réu, de que entregar seus memoriais ao mesmo tempo em que delatores da Odebrecht apresentaram suas acusações caracteriza cerceamento de defesa, foi agasalhada por Mendes, Lewandowski e Cármen Lúcia. Com isso, os autos deverão baixar à primeira instância para que a etapa final da instrução processual seja refeita e a 13ª Vara Federal do Paraná (agora sob a pena do juiz Luís Antonio Bonat) profira nova sentença — da qual as partes podem recorrer, e assim por diante.

Vale lembrar que o recurso de Bendine já havia sido julgado pelo TRF-4, a pena de 11 anos, reduzida para 7 anos e 9 meses, mas a condenação, mantida, e, portanto, poderia ser executada em breve com base na decisão do STF que autoriza a prisão após o fim dos recursos em segunda instância.

O entendimento dos 3 togados supremos retrocitados foi de que, mesmo não estando previsto em lei, o interrogatório e a apresentação de alegações finais do investigado delatado deveriam ter sido feitos ao final do processo, após os delatores da Odebrecht terem entregado suas manifestações, sob pena de infringir o princípio constitucional da ampla defesa. Nem seria preciso dizer que essa decisão abre um precedente perigoso, pois os chicaneiros estrelados que defendem a corja de rapinadores do erário certamente pleitearão o mesmo que a defesa de Bendine. No entanto, caso a 1ª Turma decida de maneira diferente, a divergência terá de ser pacificada pelo plenário da Corte. A ver o que resultará de mais essa "hermenêutica suprema".

Last but not least: o julgamento de uma reclamação da defesa do presidiário mais famoso da galáxia, envolvendo o processo que trata do terreno do Instituto Lula e da cobertura vizinha à do petralha em SBC, também estava na pauta de ontem, mas os ministros deram prioridade a outras ações — até porque o decano Celso de Mello, que seria o fiel da balança, está licenciado (Fachin e Cármen já votaram contra o pleito da defesa e Mendes e Lewandowski certamente votarão a favor). Caberá à presidente da turma definir outra data para o julgamento (também está pendente a análise de outros recursos do morfético de Garanhuns, um dos quais questiona a imparcialidade de Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, mas isso já é outra conversa).

Mudando de pato para ganso:

Andamos bem de presidentes neste arremedo de banânia. No Executivo, temos um parlapatão que fala mais que deve sobre o que não deve rejeita a oferta do G7, que se prontificou a dar 20 milhões de euros para ajudar a combater as queimadas na Amazônia, como estivesse brotando dinheiro a mancheias do erário tupiniquim. E não fica nisso, naturalmente, mas é escusado descer a detalhes, já que as últimas postagens foram todas dedicadas a esse tema.

No Legislativo, o presidente do Senado e do Congresso é David Alcolumbre, que derrotou o Golias das Alagoas, Renan Calheiros, com 42 votos dos 81 senadores (curiosamente, ao final do escrutínio havia 82 votos na urna).

Relembrando: em 2016, o ministro Marco Aurélio apeou liminarmente  o então presidente do Senado, o que, por absurdo, paralisou os trabalhos na Câmara Alta do Congresso Nacional. Era como se nada ali funcionasse sem a presença do senador alagoano réu no STF por crime de peculato e investigado em pelo menos mais 11 processos, oito dos quais no âmbito da Lava-Jato , que, para piorar, apoiado pela mesa diretora da Casa, resolveu simplesmente não acatar a decisão do Judiciário, como se sua deposição fosse uma opção, e não uma determinação da um ministro da nossa mais alta Corte de Justiça.

O Cangaceiro das Alagoas foi sucedido por Eunício de Oliveira, outro prócer da oligarquia política nordestina que é dono de uma capivara respeitável, e que foi chutado pelos eleitores quando tentou renovar seu mandato de senador no ano passado.  

Voltando a Alcolumbre, o senador amapaense é investigado em dois inquéritos no STF por supostas irregularidades relacionadas à campanha de 2014 e já foi alvo de outras investigações, como as da Operação Pororoca (que trata de superfaturamento de obras no Amapá), e as da Operação Miquéias (sobre fraudes na Previdência de prefeituras). Que em 2009, como deputado, conseguiu aprovar um projeto de lei para homenagear seu tio Alberto Alcolumbre, acrescentando o nome do parente ao título do Aeroporto de Macapá.

Em 2013, ainda como deputado, Alcolumbre usou verba de gabinete para abastecer seus carros no posto de gasolina Salomão Alcolumbre e Cia. Ltda., que também pertence a um parente seu. Que, em recente entrevista à revista Veja, disse que não vai levar adiante a CPI da Lava-Toga nem dar andamento aos pedidos de impeachment de ministros do STF — emboloram nos escaninhos do Senado nada menos que 34 petições, sendo 11 contra o semideus togado Gilmar Mendes e 10 contra o atual presidente da Corte, Dias Toffoli; dos outros 9 togados supremos, a única que escapa é a ministra Cármen Lúcia.

Observação: Vale lembrar que Toffoli levou bomba (não uma, mas duas vezes seguidas) em concursos para a magistratura — ou seja, um sujeito não pode ser juiz nem na comarca de Arroio dos Ratos preside o mais alto tribunal de Justiça deste país.

No Judiciário, para além do que eu mencionei parágrafos atrás, preside o STF um petista que não despiu o uniforme de militante quando vestiu a toga de ministro, cujo currículo se limita a uma interminável fieira de relevantes serviços prestados ao PT: Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT e assessor jurídico do PT e de José Dirceu. Atuou como advogado nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e como subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República. Em 2007, foi promovido ao cargo de Advogado Geral da União, que exerceu até 2009, quando, mais uma vez graças a Lula, preencheu a vaga aberta com a morte do ministro do STF Menezes Direito.

Sua indicação foi (mais) uma demonstração cabal da falta de noção do picareta dos picaretas sobre a dimensão do cargo de ministro. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, Toffoli foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Já consolidado no novo habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível. Em 2005, quando Roberto Jefferson denunciou o MensalãoToffoli trabalhava na Casa Civil e respondia diretamente a José Dirceu, apontado como chefe do esquema o que inacreditavelmente não o impediu de, anos mais tarde, participar do julgamento da ação penal 470, nem de votar pela absolvição de Dirceu.

Em 2015, pouco depois da divulgação da primeira “lista de Janot”, Toffoli pediu transferência para a segunda turma, que ficaria responsável pelos processos da Lava-Jato. Foi ele quem sugeriu que casos não relacionados diretamente à Petrobras fossem tirados do juiz federal Sergio Morolivrando por tabela o rabo da senadora Gleisi Hoffmann. Também foi ele o autor do pedido de vista que interrompeu a votação da limitação do foro privilegiado de políticos quando já se havia formado maioria a favor. A Lava-Jato chegou a bafejar seu cangote quando Léo Pinheiro mencionou, em sua proposta de delação, que a OAS havia executado reformas em sua casa. Mas a informação vazou, Janot (notório admirador do lulopetismo) rodou a baiana e o acordo nunca chegou a ser firmado. Aliás, a Lava-Jato também descobriu que um consórcio suspeito de firmar contratos viciados com a Petrobras chegou a repassar R$ 300 mil ao escritório de advocacia de Roberta Gurgel, esposa de Toffoli — o próprio Toffoli foi sócio do escritório até 2007, mas deixou a sociedade antes de os pagamentos começarem.

Quanto à Câmara Federal, também é escusado relembrar as virtudes de Eduardo Cunha. Basta dizer que o ex-todo-poderoso presidente da Casa está preso desde 2016 — em maio passado, ele foi transferido do Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, para o presídio de Bangu 8, no Rio de Janeiro, para que cumprisse mais próximo da família a pena de 14 anos e seis meses de prisão a que foi condenado na Lava-Jato. Quem lhe sucedeu no comando da lojinha foi Rodrigo Maia, vulgo Bolinha — ou Botafogo, que é como ele era identificado nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht. Em relatório conclusivo, a PF lhe atribuiu os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa dois (e três) a partir de investigações que envolvem delação da empreiteira no âmbito da Lava-Jato (Maia teria recebido R$ 350 mil nas eleições de 2010 e 2014). No último dia 23, o ministro Fachin deu prazo de 15 dias para a PGR oferecer denúncia ou solicitar o aprofundamento das investigações.
 
Segundo Fausto Macedo publicou em sua coluna no Estadão, Maia é a peça-chave no jogo político que envolve na Câmara projetos de grande impacto e interesse do governo e do ministro Sérgio Moro, como o pacote anticrime e a Lei do Abuso de Autoridade, que provoca desconforto entre promotores, juízes e delegados. A conclusão da PF que coloca Maia contra a parede ocorre em meio ao clima nervoso que paira entre delegados da corporação e o presidente da República (para ler a coluna na íntegra, clique aqui).

Para mais detalhes, assista a este clipe (avance até a marca dos 10 minutos e acompanhe a partir daí):

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

SUPLENTE FICHA-SUJA ASSUME A VAGA DE MALUF E JUIZ FEDERAL É CONDENADO A 50 ANOS DE PRISÃO ― COISAS DO BRASIL


Com décadas de atraso ― mas antes tarde do que nunca ―, o eterno deputado Paulo Salim Maluf foi condenado no STF a 7 anos e 9 meses de reclusão em um dos processos que, miraculosamente, não foram atingidos pela prescrição, e cumpre pena no Complexo Presidiário da Papuda desde dezembro passado. Somente agora, porém, quase dois meses depois, a Câmara dos Deputados resolveu afastá-lo do mandato parlamentar.

ObservaçãoAlém de determinar o cumprimento da pena, o Supremo também condenou o Maluf à perda do mandato e estabeleceu o pagamento de uma multa de mais de R$ 1,3 milhão. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, deu encaminhamento ao processo para que a Mesa Diretora oficialize a perda do mandato, mas entende que “a perda do mandato de um parlamentar só pode ser determinada pelo plenário da Casa”, de modo que deve ingressar com uma ação no STF para esclarecer a quem cabe a decisão final.

Mas importa é dizer que, com o afastamento do turco lalau, quem assume a vaga é Junji Abe, do PSD, que ingressou na política como vereador em Mogi das Cruzes, em 1973, foi deputado estadual por três mandatos (de 1991 a 2000), prefeito de Mogi de 2001 a 2008 e deputado federal de 2011 a 2014.

Abe responde a diversos processos e já foi condenado em um deles (inclusive na segunda instância) por crime de improbidade administrativa cometido na época em que era prefeito. Claro que ele afirma ser inocente, que nenhuma condenação transitou em julgado e blá, blá, blá (a mesma lengalenga cantada em prosa e verso pelos políticos pegos com as calças na mão cuecas manchadas de batom).

Observação: Trajando sua melhor cara-de- pau, o ficha-suja teve o desplante de dizer: "Eu me sinto um pouco triste de substituir uma pessoa condenada. Não entro no mérito, mas me sinto triste porque devo substituir uma pessoa que em épocas passadas, inclusive, contribuiu com o desenvolvimento de Mogi das Cruzes, com o Estado de São Paulo. Estarei lá na vacância do cargo dele. Não me sinto muito alegre neste sentido, mas minha mente está direcionada". É mole?

Mais uma de arrepiar: O juiz federal Flávio Roberto de Souza, que ganhou notoriedade em 2015 ao ser flagrado dirigindo o Porsche do empresário Eike Batista ― cuja apreensão ele próprio havia decretado ―, foi condenado a 52 anos de prisão e pagamento de multa de R$ 599 mil. Em sua decisão, o juiz Gustavo Mazzocchi afirmou que “poucas vezes se teve notícia de agente da magistratura que tenha conseguido achincalhar e ridicularizar de forma tão grave um dos poderes do Estado”.

Dono de uma respeitável capivara, o condenado, quando era juiz da 3.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, desviou R$ 106 mil obtidos com a venda do carro do traficante espanhol Oliver Ortiz, transferiu R$ 90 mil para a conta da filha e usou o dinheiro para comprar um carro em nome dela.

Segundo o MPF, o magistrado também desviou R$ 290,5 mil que estavam em uma conta da Justiça Federal e comprou um Land Rover Discovery, apropriou-se de US$ 105,6 mil e 108,1 mil euros e usou o dinheiro na compra de um apartamento na Barra da Tijuca ― bairro nobre da Zona Oeste do Rio de Janeiro ― e, para esconder suas manobras espúrias, lançou decisões falsas no sistema e destruiu provas e partes do processo.

Esse, meus amigos, é apenas um exemplo trivial do que acontece no País do Futuro, no Gigante Adormecido que, por ter o povo que tem, jamais vai acordar. E assim o Brasil continuará sendo uma deplorável republiqueta de bananas. E Lula lá!

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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

A METÁSTASE DA CORRUPÇÃO, O EXTERMÍNIO DE LULA E A PASSIVIDADE DO POVO BRASILEIRO


Assim como Michel Temer passou por um procedimento cirúrgico para desobstruir as artérias coronárias de seu bondoso coração, o Brasil precisa ser submetido a uma terapia de choque. Para o presidente foi mais fácil: bastou embarcar no Força Aérea 1 tupiniquim, voar para São Paulo e receber cuidados médicos do melhor complexo hospitalar do país ― tudo pago pelos contribuintes, naturalmente. Na manhã da última segunda-feira, durante o rápido traslado (de helicóptero) do hospital ao aeroporto de Congonhas, sua excelência tuitou uma mensagem de agradecimento à equipe médica e a todos que rezaram por seu pronto restabelecimento. Fico pensando aqui comigo se Temer não deveria ter apertado a mão de cada um desses fiéis apoiadores... a julgar pelos seus índices de popularidade, isso não levaria mais que alguns minutos.

Para o Brasil, o buraco é mais embaixo. A “cleptomania coletiva” que tomou conta da classe política em geral e parte substantiva do empresariado, os sucessivos escândalos expostos pela e PF e o MPF nos últimos tempos e o fato de nossos conspícuos congressistas continuarem legislando em causa própria e roubando descaradamente sem a menor preocupação com a possibilidade de passar férias compulsórias no sistema prisional tupiniquim são de embrulhar estômago de avestruz. Oxalá o povo ― ah, o povo ― dê o troco nas urnas, expurgando sem remissão todos os 513 deputados federais e 2/3 dos 81 senadores da República. Não que eu acredite nisso; seria estupidez acreditar, dada a "qualidade" do nosso eleitorado ― que só não é pior que a qualidade dos nossos políticos. 

Falando na péssima qualidade dos nossos homens públicos, Lula, para o bem do país, precisa ser definitivamente varrido do cenário. Se ainda é visto por boa parte da sociedade como o prócer a ser seguido, se continua liderando pesquisas e inspirar ando militantes Brasil afora, ele precisa morrer. Não literalmente, embora a ideia não seja das piores. Mas leiam leiam o que diz o escritor, publicitário e colunista Mario Vitor Rodrigues a respeito do molusco abjeto:

Enquanto o cidadão Lula não passa de um arrivista que levou a vida esgueirando-se dos desafios para pinçar oportunidades, o mito Lula, para alcançar seus objetivos, ainda é capaz de sapatear em cima de qualquer um. Até mesmo na memória da falecida esposa.
Ao indivíduo, criminoso que é, restou apenas escapar da cadeia. O personagem político, entretanto, persiste em sua sanha pelo poder, mesmo após ter comandado o esquema de corrupção mais perverso na história da República. Trocando em miúdos, o sujeito merece a expiação pública, com o cumprimento de pena pelos crimes que cometeu, mas ao outrora líder carismático não cabe essa colher de chá: o folclore em torno de Lula precisa acabar, e isso só acontecerá se ele for derrotado nas urnas.
Muitos alegarão o risco que correria o sistema eleitoral caso um condenado pela justiça, e com tantas outras condenações ainda por vir, conseguisse se eleger. Na verdade, a simples hipótese de que o alcaide petista dispute o pleito já é suficiente para apavorar até os mais experientes. No entanto, diz o autor deste excerto, esse temor é exagerado: graças ao trabalho realizado pela Operação Lava-Jato, escancarando o aparelhamento do Estado e o sequestro da própria democracia brasileira pelo PT, nunca houve, desde 2002, momento tão propício para derrotar Lula em uma eleição. Jamais foi possível, como agora, jogar por terra todo o corolário de narrativas que serviram para forjar a imagem de guardião do povo em alguém especialmente dedicado a ser o seu pior inimigo.
Portanto, feitas todas as ressalvas e noves fora o dever que a polícia e o judiciário têm de cumprir as suas funções, não importando a relevância histórica ou política de quem estiver em dívida com a comunidade, insisto, bom mesmo será ter a chance de ver Lula sucumbir politicamente.

Particularmente, acho temerário dar asas a cobras sem antes lhes retirar o veneno. A meu ver, Lula deve ser apeado de seu voo de galinha e impedido de participar das próximas eleições. Afinal, se réus em ações penais são excluídos da linha sucessória presidencial, como permitir que o petralha dispute um cargo que, em tese, não poderia exercer nem mesmo interinamente, como substituto eventual? 

Em abono a essa tese, relembro imbróglio envolvendo o senador Renan Calheiros, que foi afastado da linha sucessória presidencial pelo STF quando se tornou réu por peculato (pelas minhas contas, esse entulho do cangaço alagoano responde a 17 processos). É certo que os ministros tenham parido uma jabuticaba jurídica que preservou o mandato do senador e o manteve esse projeto de sacripanta na presidência do Senado e do Congresso Nacional ― tudo com a melhor das intenções, naturalmente, que era de minimizar as rusgas entre o Legislativo e o Judiciário. Volto a dizer que, com um Supremo desses, estamos no mato sem cachorro.

Para construir o país que tanto queremos, precisamos combater implacavelmente a cleptocracia que tomou conta de todas as instâncias do Estado. Urge exigir a revogação ou reformulação de leis e preceitos constitucionais que perpetuam a impunidade e a corrupção como a indicação política dos ministros do STF e o foro privilegiado para mais de 50 mil servidores públicos “mais iguais perante a lei do que os outros”.

Em que pese a indignação que poreja nas redes sociais, a povo deixou de sair às ruas para exigir o restabelecimento do império da moralidade. O que se vê ― e quando se vê ― são grupelhos recrutados entre sem-terra, sem-teto, a mando de sindicalistas sem-vergonha, que, vestidos com as indefectíveis camisetas vermelhas, promovem patéticos mise-en-scènes em troca do indefectível sanduíche de mortadela e da merreca para a cachaça.

Haveria muito mais a dizer, mas o estômago é fraco. Volto depois de vomitar. Até lá.

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domingo, 26 de novembro de 2017

O FORO PRIVILEGIADO E O POVO DESPRIVILEGIADO

O foro privilegiado (ou foro especial por prerrogativa de função, que é o nome correto desse troço) existe em outros países além do Brasil. Só que em nenhum lugar do mundo é estendido a tanta gente quanto por aqui, onde, além do presidente da República, do vice e dos presidentes dos Poderes Legislativo e Judiciário, também são julgados por cortes superiores ministros de Estado, senadores, deputados federais, embaixadores, membros dos Tribunais de Contas e dos Tribunais Regionais, desembargadores, governadores, prefeitos, juízes, integrantes do Ministério Público e por aí segue a quase interminável procissão  de cidadãos “mais iguais perante a lei que os demais” (não se sabe ao certo quantos são, mas o número fica entre 50 mil e 70 mil).

O benefício em questão foi instituído para proteger o exercício de função ou mandato público; não à toa, seus efeitos são suspensos quando o beneficiário deixa de exercer o cargo que o assegura. No entanto, se alguém que já responde a processo se elege senador, por exemplo, a ação é remetida ao STF; findo o mandato, se ainda não tiver sido julgada (situação nada incomum), ela retorna à instância de origem, e volta novamente para o Supremo se o fulano se reeleger, o que também é bastante comum. Como as cortes superiores não têm estrutura para receber denúncias e analisar provas processuais penais, até porque isso é atribuição da primeira instância da Justiça, o foro privilegiado resulta em morosidade na tramitação dos processos, fomenta a prescrição (*) dos crimes e alimenta a inarredável sensação de impunidade que estimula os privilegiados a delinquir.

Entre os protegidos pelo foro especial, casos se acumulam sem julgamento por até 20 anos. Foi somente em junho de 2013 que o STF expediu o primeiro mandado de prisão contra um parlamentar na história ― o ex-deputado Natan Donadon, condenado por desvio de dinheiro público. Mesmo no caso do mensalão, veloz para os padrões do STF, o julgamento levou oito anos para ser concluído. Segundo levantamento feito em 2015 pela revista Exame, de 500 parlamentares que foram alvo de investigação ou ação penal no STF nos últimos 27 anos, apenas 16 foram condenados; destes, 8 foram presos, e destes, apenas um continua no xadrez (os demais ou recorreram ou se beneficiaram da prescrição para se livrar dos processos).

Observação: Segundo o próprio Supremo, cerca de 30% dos processos contra parlamentares perduram dez anos sem julgamento e outros 40% estão há mais de seis anos à espera de ser apreciados. Grande é o número de feitos que têm extinta a punibilidade pela prescrição. A morosidade se dá não apenas no âmbito daquela Corte, mas na atuação da PGR e da própria Polícia Federal no exame dos inquéritos policiais e no cumprimento de diligências requeridas.

Existem no Congresso dezenas de propostas que visam por fim ao foro privilegiado, sendo que a mais antiga, de 2005, ficou parada por mais de uma década à espera da designação de um relator! O assunto voltou à baila com a Lava-Jato, depois que Dilma nomeou Lula ministro-chefe da Casa Civil para tirá-lo do alcance do juiz Sérgio Moro. Com o impeachment da anta, o pulha deu com os burros n’água, e hoje é réu em 7 processos, já foi condenado a 9 anos e meio de prisão e aguarda para breve sua segunda sentença.

Considerando o número assustador de parlamentares investigados, denunciados e/ou processados no Supremo, não seria de se esperar que partisse do antro em que se tornou o Congresso uma ação moralizadora. No entanto, diante da possibilidade de o Judiciário avocar para si a missão de colocar ordem no galinheiro, suas insolências não tiveram alternativa senão jogar para a plateia, aprovando uma PEC que visa restringir a prerrogativa de foro aos presidentes dos 3 poderes (e ao vice-presidente da república). Mas tudo não passou de mise-en-scène, conforme eu detalhei na postagem anterior. O que os parlamentares fizeram foi, matreiramente, buscar uma maneira de aproveitar o inevitável para vender uma imagem de lisura, de sintonia com os anseios de quem já não suporta mais tanta corrupção. Como a PEC em trâmite no Congresso alcança também os integrantes do Judiciário ― dos ministros do STF aos juízes de primeira instância, promotores, procuradores e assemelhados ― é nítido que a intenção dos congressistas é retaliar seus virtuais algozes.

Na última quinta-feira, depois de se ter reunido com Michel Temer, o virtuoso, o ministro Dias Toffoli, o sábio ― que passou de advogado do PT a assessor de José Dirceu e acabou promovido a ministro do Supremo por obra e graça de Lula, o criminoso ―, valeu-se de um suspeitíssimo pedido de vista para suspender o julgamento da moção do ministro Luis Roberto Barroso, que, também como já foi dito no post anterior, limita o foro privilegiado dos deputados e senadores a crimes cometidos no exercício de seus mandatos parlamentares e relacionados aos cargos que ocupam.

Ainda que a maioria tenha seguido o voto do relator, além do próprio Toffoli faltam votar os ministros Mendes e Lewandowski ― ou seja, o famoso trio assombro do STF. Na prática, não há prazo para que Toffoli devolva os autos, e até a proclamação do resultado final do julgamento continuam valendo as regras atuais que regem o foro privilegiado. 

A postura desses magistrados compromete a imagem do Judiciário, que até recentemente era visto como a única esperança do povo num cenário em que o Executivo carece de apoio popular e o Legislativo, de confiabilidade. Embora a solução para a crise política exija credibilidade do Judiciário, esses ministros parecem mais empenhados em chafurdar a imagem da Corte no pântano das suspeitas, das chicanas e dos acordões.

(*) No jargão do direito, o termo prescrição designa a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei (entenda-se por pretensão o poder de exigir de outrem, em juízo, uma prestação).

Por hoje é só. O resto fica para a próxima postagem.

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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

PARA QUE SERVE O CONGRESSO NACIONAL?


Nossa fauna parlamentar trabalha de terça a quinta-feira em Brasília, deixando a capital da República às moscas no restante da semana. Nesta semana em particular, devido ao feriado do dia 15, a gazeta dessa classe particularmente laboriosa foi plena, geral e irrestrita, embora a pauta de debates e votações devesse ser retomada após o sepultamento da segunda denúncia contra Michel Temer, no mês passado. Mas qual o quê!

Brasília da Fantasia é um ponto fora da curva, um exoplaneta totalmente divorciado da realidade tupiniquim. Tem até ministra que reclama de “trabalho escravo” porque recebe R$ 30.471,10 mensais de aposentadoria e somente R$ 3.292 do salário de ministro, já que re a lei determina que nenhum funcionário público perceba salário superior ao dos ministros do STF. “Como vou comer, beber e calçar? Só no meu IPTU em Brasília pago mais de R$ 1 mil. E tenho meu apartamento em Salvador, que pago uma pessoa para cuidar. Sou aposentada, poderia me vestir de qualquer jeito e sair de chinelo na rua, mas, como ministra de Estado, não me permito andar dessa forma. Tenho o direito de peticionar, a autoridade vai decidir e eu vou acolher. É algum pecado fazer analogia à escravidão? Não acho que errei”, disse Luislinda Valois ― esse é o nome da criatura, e R$ 61 mil é o total que ela receberia por mês se não tivesse voltado atrás ― e se a Justiça acolhesse seu despretensioso petitório de 207 páginas, naturalmente.

Não sei por que precisávamos de uma secretaria de Direitos Humanos, nem muito menos a razão pela qual o Chefe Supremo do Quadrilhão do PMDB ― nosso primeiro presidente denunciado por crime comum no exercício do cargo e que se valeu de todos os estratagemas concebíveis para impedir que a Câmara autorizasse o Supremo a investigá-lo ― lha concedeu status de ministério no início do ano. Enfim, cada povo tem o governo que merece, e o brasileiro, que parece especialmente vocacionado a perpetuar os erros do passado, vem amargado passivamente o terceiro tempo do funesto governo lulopetista, que se teria encerrado em 2016 se a deposição da anta vermelha tivesse levado seu vice de embrulho, e não o promovido a titular. Mas não foi o que aconteceu, e agora não adianta chorar.

Mudando de pato para ganso, pouca gente sabe para que serve o Congresso Nacional, mesmo que o impeachment da ex-presidanta incompetenta nos tenha familiarizado com algumas sutilezas do Poder Legislativo ― e até mesmo do Judiciário. Então, sem mais preâmbulos, vamos ao assunto.

Nosso país é uma República Federativa supostamente democrática e regida por um sistema de governo presidencialista. Trata-se de um Estado Democrático de Direito baseado no “modelo dos Três Poderes”, surgido na França do século XVIII, por obra e graça de Montesquieu, para pôr fim ao Estado Absolutista Moderno ― no qual o monarca, agraciado com a “proteção e o ordenamento divino”, gozava de poder ilimitado.

Os três poderes da República, como se sabe, são o Executivo ― a quem compete gerenciar o Estado e pôr em prática as leis aprovadas ―, o Legislativo ― que se encarrega da elaboração das leis ― e o Judiciário ― que tem por incumbência apreciar os litígios entre cidadãos e entre cidadãos e Estado e julgá-los segundo um ordenamento jurídico. Para os efeitos desta postagem, vamos nos ater ao Poder Legislativo, que é integrado pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas de União (órgão de apoio que presta auxílio ao Congresso nas atividades de controle e fiscalização externa).

Nosso Parlamento é bicameral, ou seja, formado por duas casas que possuem graus de representação política e prerrogativas próprias em equilíbrio inquestionável ― em outras palavras, nenhuma delas tem mais poder do que a outra. Em tese, o bicameralismo evita que o sistema político se torne refém de um mesmo grupo e dos mesmos interesses, já que as propostas apresentadas por uma das casas são sempre revisadas pela outra, bem como previne a tirania da maioria, porquanto as minorias podem ser representadas ao mesmo tempo em que os interesses da maioria são contemplados.

Os 513 deputados que compõem a Câmara Federal podem representar demandas mais específicas da população, já que o número de pessoas que cada um representa é menor do que no Senado, onde 81 parlamentares cuidam de assuntos, digamos, mais gerais. Vejamos isso em detalhes.

A Câmara Federal ― também chamada de Câmara Baixa, o que não quer dizer que tenha menos poder que o Senado ― é descrita na Constituição como sendo a representante do povo, já que os deputados, em número que varia de 8 a 70 por Estado (aí incluído o Distrito Federal), são eleitos de forma proporcional à população do Estado que representam. Seu mandato é de 4 anos, de modo a possibilitaria a renovação do quadro a cada eleição se suas insolências não pudessem reeleger e permanecer no cargo por diversas legislaturas, sucessivas ou intercaladas.

O Senado é constituído por 3 representantes de cada Estado (e do DF), mas eleitos segundo o princípio majoritário. Isso significa que as 81 cadeiras são ocupadas pelos candidatos que obtêm mais votos ― diferentemente do que acontece na Câmara, onde a proporção de votos obtidos por partido ou coligação e o tamanho da população de cada Estado são levados em conta. Os senadores têm mandato de 8 anos, mas a renovação parcial do elenco se dá a cada 4 anos ― 1/3 dos membros é substituído numa eleição e 2/3 na subsequente, embora também nesse caso exista a (indesejável) possibilidade de reeleição. Para se candidatar a senador, a idade mínima é de 35 anos ― contra 21 para os deputados ―, daí porque o Senado é composto de políticos supostamente mais experientes e chamado de Câmara Alta.

Por hoje é só, pessoal. O resto fica para a próxima postagem.

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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A VOTAÇÃO DA SEGUNDA DENÚNCIA CONTRA TEMER E A CONSPIRAÇÃO CONTRA A LAVA-JATO



Como era esperado, Michel Temer conseguiu sepultar a segunda denúncia. Num espetáculo lamentável, mas que nos custou uma fortuna, a maioria dos “nobres deputados”, ao justificar o voto contra ou a favor do relatório da CCJ, usou e abusou dos mais estapafúrdios disparates. Detalhe: maioria é força de expressão, porque o placar foi de 251 a 233, com 2 abstenções e 25 ausências.

Pode-se contar nos dedos os parlamentares que disseram textualmente que não viam elementos suficientes para a autorizar a abertura de inquérito contra o presidente e seus comparsas ― o que é incrível, considerando o teor da conversa entre Temer e Joesley, a mala de dinheiro de Rocha Loures, etecetera, etecetera e tal, mas era isso que estava em discussão. A patuleia desvairada, então, ressuscitou o tal “golpe contra uma presidente honesta e honrada”, defendeu a volta de Lula e vociferou outros absurdos que tais. Nem imagino o que essa gente anda cheirando, mas deve ser forte pra cacete.

Uns poucos gatos pingados disseram votar contra o parecer em respeito a seus eleitores. Outros lembraram o índice de aprovação do presidente, que é de míseros 3%, mas apenas uns 2 ou 3 defenderam a prisão de Lula, Temer, Dilma, Aécio e demais corruptos ― no dia que isso acontecer, o Congresso ficará tão vazio quando cabeça da militante petista. Um deputado (não me lembro qual), disse exatamente o que eu venho sempre dizendo aqui: Se Temer não teme, por que tem tanto medo da investigação?

É certo que este não seria o melhor momento para trocar (novamente) o maestro desta orquestra chinfrim ― até mesmo em razão de quem seria promovido ao posto. Mas também é certo que a função dos deputados não era fazer esse tipo de julgamento, mas decidir, de forma ilibada e imparcial, se havia ou não indícios suficientes para autorizar a abertura de inquérito contra Temer e seus comparas. Mas o que esperar desse caterva se, dois dias atrás, o conselho de ética do Senado arquivou o pedido de afastamento de Aécio, o mineirinho safado que traiu 51 milhões de eleitores? A única explicação, a meu ver, é que o vocábulo “ética”, para nossos caríssimos congressistas, não tem o mesmo significado registrado pelos dicionaristas.

Temer recebeu alta e deixou o hospital ainda na noite de ontem. Conforme eu publiquei mais cedo, ele havia sido internado devido a uma obstrução na uretra, mas conseguiu esvaziar a bexiga com o auxílio de uma sonda ― embora não tenha precisado de ajuda para esvaziar os cofres na hora de comprar as marafonas da Câmara e se safar do processo no Supremo.

Enfim, chegamos ao day after com os aliados cantando vitória, apesar do placar decepcionante. Mas é inegável que eles conseguiram atravessar a ponte, ainda que aos trancos e barrancos. Agora, é preciso retomar a agenda econômica, e não será fácil conseguir os 308 votos necessários para a aprovação de PECs como a da Previdência.

Segundo O GLOBORodrigo Bolinha Maia, disse que o governo terá de repensar a estratégia para reconstruir a maioria entre os parlamentares. Aliás, a postura do presidente da Câmara sinalizará o futuro deste governo ― como aliado do Planalto, ele foi essencial para as vitórias de Temer no Congresso, mas, de olho nas eleições de 2018, vem mudando sua postura, até porque ninguém merece ser visto como aliado de um governo que tem míseros 3% de aprovação popular. Demais disso, é natural que, a esta altura do campeonato, os parlamentares foquem mais nas urnas do que na agenda do governo. Basta ver que, na votação de ontem, o PSDB ― maior partido da base aliada ― deu 20 votos ao Planalto e 23 contrários; o DEM e o próprio PMDB também deram menos votos ao governo que na primeira denúncia.


Se temos mesmo de aturar sua insolência por mais 14 meses, que isso surta efeitos positivos, que os mercados reajam bem, que economia continue se recuperando. Isso se Temer conseguir realmente chegar ao final do mandato, com 77 anos nas costas e indicação de repouso depois passar sete horas no hospital. Aliás, além de se recuperar fisicamente, o maior desafio de Temer, a partir e hoje, é mostrar que seu governo não acabou 14 meses antes do fim.

Por enquanto é só, pessoal. Enquanto esperamos a poeira baixar para fazer uma análise mais detalhada do quadro atual, deixo aqui um clipe de vídeo em que a jornalista Joyce Hasselmann tece considerações preocupantes sobre a possibilidade de o STF rever sua posição sobre a prisão após a confirmação da sentença em segunda instância, o que não só poderá definir a participação de Lula nas próximas eleições, mas também o futuro da Lava-Jato.


Até mais ler.

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sábado, 5 de agosto de 2017

DEU NO QUE DEU; AGORA, BOLA PRA FRENTE E SEJA O QUE DEUS QUISER

Até meados de julho, a impressão que se tinha era de que a Câmara dos Deputados autorizaria o prosseguimento do inquérito contra Michel Miguel Elias Temer Luria. Mas o cenário mudou depois que o presidente, com a expertise inata dos libaneses, forrou “o balcom do lojinha” com R$ 2 bilhões e comprou tanto o parecer favorável ao sepultamento da denúncia na CCJ quanto o apoio de uma penca de parlamentares que atuam no Congresso como marafonas na zona do baixo meretrício (com o devido respeito às meretrizes “de verdade”). Assim, na noite da última quarta-feira, por 263 votos a 227, nossos conspícuos deputados decidiram deixar o dito pelo não dito e autorizaram o atual inquilino do Palácio do Planalto a permanecer lá até a próxima denúncia ― e Janot prometeu apresentar mais duas antes de deixar o comando da PGR, em meados de setembro.

Temer comemorou a vitória com um sorrisinho idiota no rosto. Eram necessários 172 votos para varrer a denúncia para debaixo do tapete, e ele obteve um excedente de 91, enquanto oposição ficou distante 79 votos dos 342 que teriam de conseguir para autorizar o STF a investigar sua insolência. A conclusão que se tira disso é a seguinte: O PT e seus congêneres não tiveram força para derrubar “o melhor presidente que eles próprios fizeram eleger”, nem tampouco lograram êxito em robustecer suas fileiras com parlamentares que até estavam propensos a votar contra o governo, mas não o fizeram para evitar o constrangimento de ter sua imagem associada à patuleia radical, comandada por imprestáveis que pugnam pela volta de Lula ― um hexa-réu já sentenciado a 9 anos e 6 meses de prisão que afronta a sociedade de bem posando de candidato, talvez por achar que escapar da cadeia conte como projeto eleitoral.

Ainda que Rodrigo Maia tenha limitado a 5 segundos o tempo que cada deputado teria para declarar seu voto, quase todos se derramaram em justificativas estapafúrdias, como ocorreu na votação do impeachment de Dilma, quando alguns votaram “pela Pátria”, “por Deus”, “pela Democracia”, “pelos respectivos Estados de origem”, “por seus queridos eleitores”, “pela família”, “pela sogra”, “pelo papagaio”, e assim por diante. Desta feita, os deputados de esquerda juntaram a seu besteirol o indefectível “Fora Temer!” e relembraram a deposição daquela que, em sua visão míope, foi uma “presidanta honesta, competenta, e blá, blá, blá”. Outros afirmaram votar contra Temer por serem contra as “reformas” ― o que é um disparate, considerando que o que estava em discussão era autorizar ou não a investigação do presidente, pelo Supremo, por crime de corrupção passiva.

Também não faltaram desinformados que justificaram seus votos dizendo que “as provas eram insuficientes para condenar o presidente”, ainda que não lhes competia entrar nesse mérito ― o que lhes cabia, isso sim, era autorizar ou não o prosseguimento da investigação e deixar os ministros da nossa mais alta Corte decidirem se Temer é ou não culpado dos crimes que lhe foram atribuídos pela PGR. Houve até alguns abilolados que garantiram ter lido integralmente o libelo acusatório e a defesa, e por isso votavam assim ou assado, embora bastasse ouvi-los tartamudear seus discursos apedeutas para constatar seu grau de instrução jamais lhes permitiria tal proeza ― o que não chega a surpreender, considerando que o Brasil foi presidido durante oito 8 anos por um semianalfabeto confesso, e como a “qualidade” dos “representantes do povo” reflete o nível intelectual do eleitorado, a coisa não poderia mesmo ser diferente.

Alguns deputados justificaram seu apoio ao governo afirmando que a troca de mandatário resultaria em mais instabilidade política ― o que faz sentido ―, e que a investigação no Supremo acontecerá mais adiante, depois que o presidente deixar o cargo ― o que também faz sentido. O que não faz sentido é deixar o lobo tomando do rebanho enquanto o cão pastor não chega. São inegáveis os indícios de que existe, sim, algo de muito podre na conversa entre Temer e Joesley, e que fede ainda mais diante do flagrante de Rocha Loures arrastando pela rua uma mala com R$ 500 mil. “Ah, mas não ficou provado que o dinheiro era para o presidente”, disse o causídico contratado para defender sua insolência. Mas não é justamente para apurar os fatos e identificar a prática de atos ilícitos que os inquéritos são instaurados? Vá fazer pouco caso da inteligência alheia na PQP, doutor Mariz.

Barrada a primeira denúncia e até que a próxima seja apresentada, espera-se que Michel Temer dispa a fantasia de mascate do planalto e volte ao trabalho que é pago para fazer. Afinal, desde o momento em que sua conversa clandestina com Joesley Batista e o vídeo do homem da mala ― pessoa da mais estrita confiança do presidente, segundo o próprio presidente ― vieram a público, Temer deixou de governar e passou a cuidar de sua defesa em tempo integral.

Se a maneira como a coisa terminou foi a melhor possível, isso eu não sei dizer. Para alguns analistas, a derrota do governo agravaria ainda mais a crise, pois obstaria a aprovação das reformas em andamento, com destaque para a da Previdência, sem a qual logo faltarão recursos para pagar aposentados e pensionistas do INSS. Todavia, o número de votos para aprovar PECs como essa é de 308 ― bem além, portanto, dos 263 votos que livraram o rabo de Michel Temer na última quarta-feira. 

Enfim, com o arquivamento da denúncia, a ordem no Planalto é sacudir a poeira, seguir com a agenda e torcer para que a nação esqueça o episódio da mala milionária recebida pelo cupincha Rodrigo Loures. Mas Janot fez seu estoque de bambu e deve disparar novas flechas contra o Planalto, e o placar conquistado na Câmara, na última quarta-feira, pode não se repetir nas próximas vezes, a depender de inúmeras imponderáveis, como o conteúdo de possíveis acordos de colaboração, como os que estão sendo negociados por Eduardo Cunha e Lúcio Funaro.

Em seu discurso de comemoração, Temer tornou a dizer que “é preciso colocar o país nos trilhos do crescimento, da modernização e da Justiça”. Mas o que não disse é que a Justiça que a sociedade deseja não é exatamente a mesma Justiça que interessa a ele e a seus aliados. E que, se for preciso mandar a conta para o contribuinte, que assim seja ― haja vista o aumento imoral nos preços da gasolina, do diesel e do álcool, que ainda pode ser revertido pelo STF (a ministra Rosa Weber concedeu prazo de 5 dias para o presidente se manifestar sobre o aumento da alíquota do PIS/COFINS que incide sobre os combustíveis).

Enquanto isso, o PSDB continua em cima do muro, negando, inclusive, o racha no partido ― tucanos são tão indecisos que, se houver mais de um banheiro na casa, eles cagam no corredor. Mas não é de se desprezar o fato de 21 deputados do partido terem votado pelo prosseguimento da denúncia contra Temer. Aliás, alguns tucanos entendem que o partido deve desembarcar do governo, mas continuar apoiando as reformas (enquanto isso, eles comandam 4 ministérios; afinal, ninguém é de ferro). Já Rodrigo Maia ― presidente da Câmara, investigado na Lava-Jato e virtual presidente interino no caso de Temer ser afastado ― disse que a vitória de quarta-feira foi uma boa notícia para o governo, mas que os votos conquistados estão longe de ser suficientes para aprovar a reforma previdenciária (aliás, até um burro do meu tamanho foi capaz de chegar à mesma conclusão, conforme eu escrevi linhas atrás).

Falando rapidamente no Botafogo ― ou Bolinha, como queiram), tirar Temer da presidência para colocar em seu lugar o dito-cujo ou outro “gigante” da política tupiniquim é uma piada. Até porque, como ponderou J.R. Guzzo em sua coluna, “ninguém, em nenhum momento, conseguiu encontrar um único fato, por mais miserável que fosse, capaz de mostrar alguma diferença para melhor entre o cidadão que queriam enfiar no Palácio do Planalto e o cidadão que queriam despejar de lá”. Mas vamos deixar para tratar dessa questão numa próxima oportunidade, pois este texto ficou bem mais longo do que deveria.

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quarta-feira, 2 de agosto de 2017

DÊ ADEUS AO MS PAINT

O CASAMENTO É UMA TRAGÉDIA EM DOIS ATOS: UM CIVIL E UM RELIGIOSO.

Embora jamais tenha sido um editor de imagens poderoso, pródigo em recursos e funções sofisticadas, o MS PAINT granjeou um fã-clube respeitável desde que foi integrado pela Microsoft à lista de componentes nativos do Windows 1.0, no início dos anos 1980, com o nome de Paintbrush. Mas tudo passa nesta vida (até uva-passa), e agora nos chega a notícia de que o simpático programinha será aposentado por ocasião da próxima atualização do Windows 10, a ser lançada em setembro ou outubro deste ano, conforme foi anunciado sem alarde em um artigo de suporte da Microsoft, que lista as funcionalidades removidas ou descontinuadas na próxima atualização do Windows 10 (Fall Creators).

Depois de 3 décadas e lá vai fumaça ajudando a desenhar casinhas, árvores e bonecos e a fazer edições simples em fotos e figuras, o Paint vai deixar saudades, mesmo que o Windows 10 integre o PAINT 3D, implementado pelo 10 Creators Update, que é amigável ao toque e oferece recursos superiores aos do homônimo veterano, mas que pouca gente se deu ao trabalho de explorar ― pelo menos até agora. Aliás, consta que a ideia da Microsoft era substituir o Paint tradicional pela versão 3D, mas, por alguma razão, a empresa voltou atrás e manteve os dois aplicativos (da mesma forma que fez com o Internet Explorer por ocasião do lançamento do Edge).

Para quem se limita a salvar imagens em formatos diferentes e/ou fazer edições despretensiosas (redimensionar, colorir, recortar, copiar, colar, etc.), programas sofisticados, caros e complexos ― como complexo Adobe Photoshop não são alternativas muito interessantes, mas a boa notícia é que não faltam opções gratuitas, tanto instaláveis quanto na nuvem, que são mais pródigas em recursos e tão fáceis de usar quanto o veterano MS Paint, conforme a gente já discutiu em pelo menos meia dúzia de oportunidades. Dentre as instaláveis, sugiro o Gimp, o Paint.net ou o Photo Pos Pro; para uso meramente eventual, serviços na nuvem como o Pixlr e o FotoFlexer são mais indicados, pois rodam diretamente do navegador e proporcionam excelentes resultados.

A Mesa Diretora da Câmara iniciou na tarde de ontem a leitura do parecer do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), contrário à aceitação da denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva. Antes do recesso parlamentar, essa etapa da tramitação da acusação contra o peemedebista foi adiada duas vezes, nos dias 14 e 17 de julho, porque não havia o quórum mínimo, de 51 deputados.

A leitura do parecer precede a abertura da sessão de votação no plenário da Casa, prevista para as 09h00 desta terça-feira. Caso haja quórum de 342 deputados depois das falas de Abi-Ackel, da defesa de Temer e dos deputados inscritos, os parlamentares serão chamados um a um ao microfone para dizer se concordam ou não com o relatório do tucano mineiro.

Como o resultado da votação ― se ela realmente acontecer ― deve sair no final da tarde, fiquem com o texto a seguir:

QUANDO ATÉ A INDIGNAÇÃO É CORROMPIDA

Um grupo de artistas liderados por Caetano Veloso criou o blog "342 Agora" e produziu um vídeo convocando a sociedade para mobilizar congressistas a aprovar a denúncia contra Michel Temer. Com estudada indignação, esses “intelectuais” proclamam frases como:

• Ele merece ser julgado pelos crimes que cometeu;
• Qualquer cidadão que está sob suspeita tem que ser investigado, por que teria que ser diferente com o presidente da República?
• Eu posso ser investigada, você pode ser investigado, ele tem que ser investigado;
• Um presidente ser acusado de corrupção passiva, formação de quadrilha e obstrução da justiça, não dá!
• Agora é deixar de lado nossas diferenças e se juntar por uma causa que é importante: o Brasil.
• O futuro do Brasil depende de você.


Tudo muito certo, mas não se ouve eles expressarem indignação com os bilhões de reais desviados para contas privadas, para operadores partidários, para dirigentes de estatais com rateios previstos entre partidos ― sempre cabendo ao PT a maior quota-parte.
Nem um murmúrio sequer que possa ser entendido como decepção com o Bolsa Magnatas, distribuída a figuras como Eike Batista e os irmãos Wesley e Joesley, com as contas-correntes nas grandes empreiteiras, com o conteúdo das delações que nominam pessoalmente dirigentes do PT, do PMDB, do PP (todos com 13 anos de serviços prestados ao governo petista).

Nem um pio quando a Petrobras, tendo Dilma Rousseff na presidência do Conselho, fez a negociata de Pasadena; Ou quando o BNDES enterrou bilhões de reais (nosso dinheiro) no poço sem fundo de comunistas cubanos e venezuelanos e de ditadores companheiros mundo afora.

Muito oportunista, portanto, essa empolgação moral, especialmente vinda de um grupo que mamou durante mais de uma década nas tetas do poder, época em que famílias inteiras, como a Da Silva, síram do subemprego para o mundo dos grandes negócios. Agora, quando a acusação recai sobre o odiado Michel Temer ― o “usurpador” da cadeira que tinham como sua para sempre ―, retomam o discurso golpista que grita "Fora!" a qualquer um que assente o traseiro onde eles querem sentar.

Que Temer responda por todos os crimes que tenha cometido, mas que não venham os irados do blog "342 Agora" com essa indignação hipócrita e corrompida, cuja exclusiva finalidade é atender a suposta conveniência de quem comandou o maior esquema de corrupção política da história nacional.

Com Percival Pugginamembro da Academia Rio-Grandense de Letras, arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país.

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terça-feira, 1 de agosto de 2017

O DRAGÃO DA INFLAÇÃO E O CÓDIGO DE BARRAS

MANTENHA A CABEÇA FRIA SE QUISER IDEIAS FRESCAS.

Dados da Fipe dão conta de que a inflação média no Brasil, que foi de 233,5% ao ano entre 1980 e 1989, subiu, na década seguinte, para 499,2%. Se você viveu naquela época, deve estar lembrado das famigeradas maquininhas de remarcar preços, que funcionavam a todo vapor nos supermercados, onde funcionários trocavam, duas ou mais vezes por dia, as etiquetas de preço das mercadorias nas gôndolas. Não raro, a mesma lata de óleo, caixa de leite ou outro produto qualquer tinha quatro ou cinco etiquetas sobrepostas, e os “espertinhos” removiam as mais recentes para escapara das remarcações. Valia tudo para economizar.

Os assalariados passaram a fazer “compras do mês” no dia do pagamento e lotar a despensa e a geladeira com artigos de primeira necessidade, ou não conseguiriam se abastecer. Com a hiperinflação na casa do 80%, o poder de compra do salário se deteriorava rapidamente, e os produtos chegavam a dobrar de preço de um mês para o outro. Era comum a venda de alguns artigos ser limitada a uma ou duas unidades por cliente, filas gigantescas se formarem nos caixas, produtos tabelados serem escondidos pelos comerciantes (visando forçar a liberação de aumentos) e postos de combustíveis fecharem antes do horário, alegando que seus estoques tinham acabado, no exato momento em que o governo anunciava novo reajuste nos preços. Enfim, era um descalabro.

O código de barras foi criado nos Estados Unidos em 1973 e adotado pelas grandes redes de supermercados tupiniquins em 1983. Com essa “nova” tecnologia, bastava alterar os preços no sistema para que eles entrassem automaticamente em vigor, já que os códigos eram lidos no caixa por um scanner a laser, e não mais registrados manualmente.

Observação: A adoção do código de barras facilitou sobremaneira a vida de comerciantes e consumidores. Com ele, em vez de digitar o preço a partir da etiqueta colada em cada item ― processo moroso e sujeito a falhas, já que era comum o funcionário digitar um algarismo a mais e o cliente acabar pagando, por exemplo e em valores atuais, R$ 39 por uma lata de óleo de R$ 3,90 ―, o caixa simplesmente escaneia o código impresso na embalagem e o valor correspondente é contabilizado. E o mesmo vale para contas de consumo, boletos bancários, e por aí afora, que, assim, podem ser pagos também nas máquinas de autoatendimento.

Infelizmente, maus comerciantes se habituaram a manter, nas gôndolas, etiquetas com preços que nem sempre correspondiam aos efetivamente cobrados. Essa “estratégia” continua sendo aplicada, e a discrepância quase sempre desfavorece os clientes. Por lei, havendo dois preços para o mesmo produto, paga-se o valor mais baixo, mas é difícil flagrar a sacanagem quando se chega no caixa com dezenas de mercadorias diferentes no carrinho. Recorrer às leitoras ópticas espalhadas pelos estabelecimentos ― que deveriam ser encontradas a cada quinze metros ― pode ajudar, mas elas nem sempre estão onde deveriam estar e, quando estão, nem sempre funcionam.

Para entender como a coisa funciona (a leitura do código, não a malandragem dos comerciantes), um scanner a laser direciona a luz sobre as barras e estas a refletem para um sensor, que as associa a um número, de acordo com a espessura de cada barra. Esses números podem ser catalogados de diversas formas, mas existem órgãos internacionais que definem o que cada um deles significa. Para facilitar, digamos que a terceira barra de um código remete ao fabricante do produto, e que, numa determinada mercadoria, seu valor seja “5”. Aí entram os órgãos de padronização, que especificam o que o valor 5 representa. Note, porém, que, para um produto fabricado nos EUA, por exemplo, ser vendido no Brasil, os dois países precisam observar a mesma relação entre números e características.

Os tipos de códigos de barras variam, mas os mais comuns são os UPC-A e os EAN-13, que têm 12 e 13 números, respectivamente. No UPC-A, o primeiro número identifica o local de fabricação do produto; o segundo ― que pode ser formado por vários dígitos ―, o fabricante; o terceiro, que também pode ser mais extenso, as características gerais da mercadoria (tais como nome, peso, etc.). O EAN-13 funciona basicamente do mesmo modo, mas a relação entre os números e as características são diferentes do UPC-A. Além disso, cada um desses modelos de código tem uma versão reduzida: a UPC-E suprime todos os zeros presentes nos códigos UPC-A, e a EAN-8 opera com apenas 8 dígitos.

A leitura desses códigos também pode ser feita por aplicativos disponíveis tanto para o sistema Android como para o iOS, que permitem usar o smartphone para decifrá-los (da mesma forma como os códigos QR, que funcionam mais ou menos da mesma maneira). No entanto, eles apenas traduzem os códigos em algarismos, o que não têm grande serventia: na maioria das embalagens, esse número é exibido logo abaixo das barras. Mesmo assim, a partir dele é possível recorrer ao banco de dados GTIN, mantido pelos mesmos órgãos reguladores retro citados, para identificar boa parte das informações que não sejam sigilosas.

Resumo da ópera: o código de barras nada mais é do que a representação gráfica da sequência de algarismos que vem impressa logo abaixo dele. Cada traço preto ou branco equivale a um bit (1 ou 0, respectivamente) e cada algarismo é sempre representado por sete bits. Uma barra escura mais grossa que as outras é, na verdade, a somatória de vários traços pretos, e o mesmo princípio vale para as barras brancas. Esse número funciona como uma espécie de RG do produto, ou seja, não existem dois produtos diferentes com o mesmo número. A vantagem é que as barras podem ser lidas mais rapidamente e sem risco de erros, ao contrário do que costuma acontecer quando digitamos a sequência numérica propriamente dita no teclado de um caixa eletrônico, por exemplo.

Na imagem que ilustra esta matéria ― reproduzida de um artigo publicado na revista Mundo Estranho ―, as três primeiras barras mais compridas (uma branca no meio de duas pretas) sinalizam que, a seguir, vem o código do produto. Note que as barras e seus respectivos algarismos não ficam alinhados ― por isso o número 7 vem antes das barras de sinalização. Esses três primeiros números (789) indicam que o produto foi cadastrado no Brasil, apesar de não necessariamente ter sido fabricado aqui. Cada país tem uma combinação própria. A da Argentina, por exemplo, é 779. A segunda sequência, que pode variar de quatro a sete algarismos, é a identificação da empresa fabricante. Esse número é fornecido por uma organização internacional (conforme já foi mencionado), de maneira a evitar possíveis repetições. A terceira sequência identifica o produto em si, e a numeração varia conforme o tipo, o tamanho, a quantidade, o peso e a embalagem do produto ― uma Coca-Cola em lata, por exemplo, tem uma sequência diferente da que se vê no produto em garrafa. O último número é um dígito verificador.

Ao ler todo o código do produto, o computador faz um cálculo complexo, somando, dividindo e multiplicando os dígitos anteriores. Se a leitura estiver correta, o resultado desse cálculo estranho é igual ao do dígito verificador.

LEITURA DO RELATÓRIO DE ABI-ACKEL NA CÂMARA ― SERÁ QUE VAI?

O Planalto moveu mundos e fundos (mais fundos do que mundos) para barrar a denúncia contra Temer na CCJ. Hoje, basta a presença de 51 parlamentares para que o deputado tucano Paulo Abi-Ackel leia seu parecer ― sem o que a denúncia contra o presidente não pode ser votada no Plenário.

O problema é que, para a votação ter início, é necessária a presença de 2/3 dos deputados. Então, embora governo precise de míseros 142 votos para enterrar a denúncia ― e os tem ―, a sessão de votação, prevista para amanhã, só pode ser iniciada quando 342 deputados estiverem presentes. O mesmo número de votos, aliás, de que precisa a oposição para reverter o resultado acochambrado na CCJ, onde o parecer do deputado Sérgio Zveiter foi descartado e o de Abi-Ackel, favorável a Temer, acabou sendo aprovado por 41 votos a 24 ― depois de uma escandalosa dança-das-cadeiras regada a quase R$ 2 bilhões em verbas parlamentares.

Nem o governo, nem a oposição tem condições de garantir o quórum de 2/3, e sem ele a votação não pode acontecer. Nesse entretempo, o PSDB não sabe se desembarca ou não do governo, Rodrigo Maia não sabe se conspira contra Temer ou se continua fingindo apoiá-lo, o Supremo não sabe se vai apreciar ou não a denúncia contra e, caso o faça, como seus ministros irão se posicionar a propósito ― dado o ineditismo da situação ― e a nação fica à deriva, ao Deus-dará.

Quanto à sociedade civil, de quem o governo espera apoio e compreensão, mais hora, menos hora o bicho vai pegar. Além do risco cada vez maior de ser assaltado em casa ou na rua, até quando o cidadão terá de se submeter aos achaques vergonhosos feitos por um Estado inchado, ineficiente e incapaz? Dados levantados pela ONG Avaaz dão conta de que 81% os entrevistados disse ser favorável à abertura de processo contra Michel Temer (para mais detalhes, clique aqui). E os deputados que votarem pelo sepultamento da denúncia precisarão de votos para se reelegerem no ano que vem.

Façam suas apostas.

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