Deputados e senadores se elegem para roubar e roubam para se
reeleger. Sua única preocupação não é o longo braço da lei — que no Brasil é
engessado pela legislação que favorece o criminoso em detrimento do cidadão de
bem —, mas o custo eleitoral de seus atos. Daí a tentativa de interromper esse
círculo vicioso ter causado "desentendimento" entre Câmara e Senado e colocado o chefe do Executivo em mais uma sinuca de bico.
Eleito por um partido nanico, sem dinheiro nem tempo de
rádio e TV, pregando a volta da moralidade, Bolsonaro ora se vê forçado a ir contra a instalação não de uma,
mas de duas Comissões Parlamentares de
Inquérito. No Senado, seu enroladíssimo
primogênito vem atuando de maneira assertiva e acintosa contra a criação da CPI da Lava-Toga; na Câmara, a
líder do governo, deputada Joice Hasselmann,
tenta barrar a CPI da Lava-Jato, alegando
que os deputados foram ludibriados para assinar o requerimento.
Além do apoio de 1/3 dos deputados, instalar uma CPI na Câmara exige que haja um fato determinado, orçamento e prazo
(início e fim). A CPI da Lava-Jato contabilizou 174 adesões — 4 além
do mínimo necessário — e atende, pelo menos segundo a oposição, os demais
requisitos. O presidente da Câmara parece não estar convencido quanto ao fato determinado, que na sua visão é,
no mínimo, subjetivo. Mas o pedido de CPI não deixa de ser mais uma carta na manga
para Maia usar em proveito próprio em
seu toma-lá-dá-cá com o Executivo.
Houve um tempo em que tudo acabava em pizza. Agora, tudo
acaba no STF — o que não é tão
diferente quanto a princípio pode parecer. O presidente do Senado vem rejeitando
sistematicamente os pedidos de instalação da CPI da Lava-Toga e engavetando
os de abertura de processos de impeachment contra membros da Suprema Corte, o que levou os parlamentares favoráveis à investigação dos togados
a protocolar um questionamento no próprio STF.
Como se isso já não fosse dar a Herodes a chave do berçário, quis o destino que
o relator sorteado fosse ninguém menos que Gilmar
Mendes. A menos que haja pressão popular expressiva, como a que levou Eduardo Cunha a acolher o pedido de impeachment
contra Dilma, podemos tirar o cavalo
da chuva.
No caso da CPI da
Lava-Jato o requerimento é real, até
porque o prazo para a retirada de assinaturas já expirou. Os propósitos da
esquerda, ao propor a instalação dessa CPI,
eram desgastar a imagem de Moro, da Lava-Jato e dos procuradores do Ministério
Público, além de libertar Lulalalu e
bombardear o governo — como se Bolsonaro
não fosse perfeitamente capaz de fazer isso sem ajuda de ninguém. No entanto, a
despeito de todo o trabalho de difamação feito pela imprensa militante contra Moro e a força-tarefa da Lava-Jato, a popularidade da operação e
de seus atores não sofreu o menor abalo. Isso foi comprovado até mesmo pelo suspeitíssimo
Datafolha, que integra o grupo Folha — que é cúmplice de Verdevaldo das Couves e parceiro do
pseudo jornalismo do The Intercept
Brasil, na honorável companhia da revista
Veja, do portal UOL, da BandNews, do jornal El País et caterva (curiosamente, a Globo se negou a compactuar com a
divulgação dos vazamentos criminosos da Vaza-Jato
do assassino de reputações Glenn Greenwald, o podre, cuja
vida pregressa demonstra que ele não é nem nunca foi flor que se cheire).
Há situações em que o feitiço vira contra o feiticeiro. As
repercussões de uma investigação parlamentar contra a Lava-Jato, transmitida nacionalmente ao vivo e em cores, reforçaria
o apoio da população de bem à operação. Noves fora os políticos desonestos
(desculpem o pleonasmo), os empresários corruptos e a patuleia desvairada que
ainda vê na mula encarcerada a quintessência da honestidade e o protótipo do
governante probo, os demais brasileiros estão por conta do Bonifácio com tanta
roubalheira e corrupção.
O vazamento espúrio do material criminoso entregue "graciosamente"
a Verdevaldo por seus fornecedores pouco
resultou além de fofocas, comprovando à saciedade que o "crime hediondo"
de que foram acusados Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e companhia foi combater a corrupção sistêmica e
pôr na cadeia bandidos travestidos de executivos das maiores empreiteiras do
país e políticos ímprobos de altíssimo coturno.
Por essas e outras, a CPI
da Lava-Jato poderia reverter os motivos torpes que levaram seus
igualmente torpes articuladores a propô-la, bem como elucidar pontos obscuros da
Vaza-Jato, como quem foi o mentor
intelectual dos hackeamentos, quem se beneficiou deles e quem os patrocinou. Se
nem relógio trabalha de graça, muito menos os hackers de Verdevaldo e o próprio Verdevaldo.
Para concluir, mais um comentário impagável do impagável Josias de Souza:
O povo não gosta daquilo que não entende, e Bolsonaro decidiu caprichar na falta de
nexo. Segundo a superstição vendida na campanha eleitoral, o capitão seria um
político honestíssimo que, uma vez eleito, governaria longe de malfeitores.
Como evidência de suas boas intenções, transferiu Sergio Moro da Lava-Jato
para o Ministério da Justiça. Com a
Polícia Federal sob seu comando, o ex-juiz faria um "juízo de
consistência" sobre as denúncias, apressando providências saneadoras. Pois
bem, submetido a mais uma oportunidade concreta de demonstrar que falava sério,
o presidente decidiu tratar a golpes de barriga a encrenca que envolve seu
líder no Senado, Fernando Bezerra,
transformando em bobo o eleitor que votou nele imaginando que estava virando a
página da corrupção. Virou. Só que para trás.