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terça-feira, 1 de outubro de 2019

JUDICIÁRIO E LEGISLATIVO — O CHOQUE DE REALIDADE




Enquanto aguardamos o segundo capítulo da historinha que comecei a contar no post anterior, vamos a um choque de realidade:

Segundo Dora Kramer, soam exageradas e alarmistas as interpretações de que essa ou aquela decisão do Supremo, notadamente a que abrigou a tese da última palavra a réus delatores, tenha o condão de dar um fim na Lava-Jato. A posição da maioria do tribunal, expressa nesta quinta-feira, é um revés, mas está longe de representar o enterro da operação. A despeito de esse ser o desejo de muitos, nos Poderes, e até na sociedade, não há condições objetivas de se fazer tábula rasa dos efeitos jurídicos, políticos e sociais da maior ofensiva contra a corrupção já vista no Brasil. O Supremo aprovou uma tese, que serve como referência, mas não tem efeito vinculante por ter origem num habeas corpus. Torçamos para que a previsão de Dora esteja certa.

Quanto ao Congresso Nacional, sua desmoralização foi fruto de um trabalho árduo dos parlamentares por décadas a fio de submissão aos mandos do Palácio do Planalto e de obediência militante aos desmandos cometidos em causa própria. Uma obra assim não se desfaz num repente. Tanto é que as pesquisas recentes não apontam melhoria na imagem do Parlamento, a despeito da mudança de comportamento no início da atual legislatura.

Sábia, a opinião pública preferiu aguardar o caminhar da carruagem antes de acreditar numa efetiva correção de rumos. O que parecia uma nova fase revelou-se como mera encenação, encerrada assim que a Câmara aprovou a reforma da Previdência, passando a bola ao referendo do Senado. Pelo visto, com o intuito de dar por enterrado o ativismo congressual em prol de uma agenda voltada para a sociedade, de curta duração.

Já no início do segundo semestre, o Parlamento retomou a velha prática de se ocupar primordialmente dos interesses internos, e o fez com uma sede dos desertos. Em dois meses, os congressistas aprovaram uma lei que, a pretexto de coibir abusos por parte de autoridades, pretende inibir a ação dos que têm como função justamente atuar contra condutas abusivas à lei, coisa que no auge do prestígio da Lava-Jato não conseguiram.

Eles voltaram ao antigo hábito de usar de suas prerrogativas para mandar “recados” aos outros dois poderes, retaliá-los quando contrariados e exigir contrapartidas do Executivo e do Judiciário. No primeiro caso, a liberação de emendas ao Orçamento em troca de votos: o Senado pede 5 bilhões de reais e a Câmara, 3 bilhões. No segundo, a reação contra o Supremo por causa de uma ordem de busca e apreensão no gabinete do senador Fernando Bezerra, autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, em nome da qual foi adiada a votação da reforma da Previdência, pois os senadores consideraram prioritária sua pauta corporativista.

Ainda no rumo do retrocesso, suas majestades aprovaram alterações na legislação eleitoral que, entre outros disparates, praticamente revogam a lei da Ficha-Limpa ao permitir registros de candidaturas sem o crivo de legalidade imposto pelo TSE. De passagem, deputados e senadores reivindicam que o caixa público coloque à disposição das campanhas quase 5 bilhões de reais, montante equivalente à soma do dinheiro do fundo partidário (mais de 950 milhões de reais) aos 3,7 bilhões pretendidos para o fundo eleitoral.

Tudo isso com o beneplácito de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia. Agora despidos do figurino de estadistas, parecem mesmo empenhados em cultivar o eleitorado, uma vez que a partir do próximo ano tratarão abertamente de um tema já articulado nos bastidores e do interesse de ambos: a reeleição para a presidência do Senado e a da Câmara.

Pela Constituição, nenhum dos dois pode se candidatar, pois é vedada a recondução aos cargos dentro de um mesmo mandato. E é na tentativa de amealhar apoios para a aprovação de uma emenda liderando a reeleição que se revela quanto o uso excessivo do cachimbo deixa as bocas tortas.

Quanto a essas ponderações, eu, pelo menos, não vejo como discordar.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

UMA HISTÓRIA DO OUTRO MUNDO



EU VOU CONTAR PRA TODOS/A HISTÓRIA DE UM RAPAZ/QUE TINHA HÁ MUITO TEMPO A FAMA DE SER MAU/SEU NOME ERA TEMIDO, SABIA ATIRAR BEM/SEU GÊNIO VIOLENTO, JAMAIS GOSTOU DE ALGUÉM.

Os versos acima foram pinçados da canção "A HISTÓRIA DE UM HOMEM MAU" (querendo, dê play no vídeo abaixo e ouça a música).

A razão de esse velho sucesso dos anos 1960 me ter vindo à mente e o porquê de eu usá-lo na abertura deste texto ficarão claros ao longo desta postagem.


Há quem acredite na existência de dimensões paralelas, onde clones de nós vivem as vidas que viveríamos se tivéssemos escolhido virar à direita em vez de à esquerda, ou vice-versa, nas diversas encruzilhadas que se nos apresentam ao longo de nossa existência (a quem interessar possa, sugiro a leitura deste artigo).

A ideia de múltiplos universos existindo simultaneamente em dimensões paralelas deu azo a inúmeros livros e filmes — dentre os quais eu recomendo o fantástico (sem trocadilho) seriado Fringe, de J.J. Abrans (de Armageddon e Missão Impossível 3), cujo piloto, tão caro quanto o de Lost, que já era um dos mais caros da história, àquela época, começa com um misterioso caso que, para resolver, a agente Olivia Dunham (Anna Torv) busca a ajuda do cientista excêntrico  Walter Bishop (John Noble), que não à toa foi internado em um manicômio.

Basicamente, a ideia é de que há tanto regiões do universo que foram inflacionadas no passado e criaram matéria e radiação quanto outras que ainda estão inflacionando e devem gerar em algum momento mais matéria e radiação, dando origem a novos universos.

Nesse multiverso, a Terra é apenas um dos planetas que compartilham nosso sistema solar, que é um dos incontáveis sistemas estelares que compõem a Via Láctea, que é uma das inúmeras galáxias que existem no Universo — algumas tão distantes que a luz de suas estrelas ainda não foram captadas por nossos mais poderosos telescópios.

Para além disso tudo, especula-se que haja outros universos, mas em dimensões diferentes — alguns tão minúsculos que seus sistemas estelares estariam dentro dos átomos que formam a matéria. Num deles, ou em alguns deles, ou em milhões, bilhões ou trilhões deles, talvez exista um "outro você" vivendo num mundo que pode ser igual a este, mas onde a história seguiu um curso diferente.

Detalhar tudo isso foge ao escopo desta postagem (para saber mais sobre multiverso clique aqui) e à esfera de conhecimentos deste humilde blogueiro, sem mencionar que fazê-lo tornaria esta introdução maior que a historinha de ficção que vou narrar a seguir — por "ficção" entenda-se "fantasia", algo que é fruto da criatividade e/ou imaginação do autor; assim, quaisquer semelhanças com fatos, eventos ou pessoas, vivas ou mortas, neste ou em outro país, serão meras coincidências.

Era uma vez um desses universos paralelos que supomos existir. Num de seus zilhões de galáxias, brilha uma estrela de quinta grandeza orbitada por uma porção de planetas, dentre os quais o Lodo, que abriga um paisinho sem-vergonha chamado Bostil.

Reza a lenda que o Criador foi magnânimo com Bostil ao distribuir benesses e desgraças entre os 7 continentes de Lodo. Assim, ao verem o país ser favorecido por um clima predominantemente subtropical, fauna e flora diversificadas e abundantes, mais de 8 mil quilômetros de costa e 5 mil quilômetros quadrados de florestas numa área chamada de Bananônia Legal — onde todo ano ocorrem queimadas, e todo ano ONGs e comunidades internacionais (pois é, isso existe também por lá) reagem como se a fumaça estivesse prestes sufocar toda a população do planeta —, a oposição chiou. Mas o Senhor das Esferas sentenciou: Esperem para ver o povinho de merda que eu vou colocar aí". Dito e feito.

Os primeiros habitantes de Bostil eram silvícolas preguiçosos, que não cultivavam nada, nem tampouco replantavam o que consumiam. Quando exauriam os recursos naturais da área ocupada por suas aldeias, simplesmente mudavam-nas para outro lugar. Quando suas mulheres pariam, refestelavam-se em suas redes; quando eram forçados pelos "colonizadores" a trabalhar, preferiam morrer (literalmente) a pegar no batente — qualquer semelhança com certo ex-presidente de origem popular, que séculos depois espoliaria o Erário de Bostil para se perpetuar no poder (pois é, coisas assim também acontecem por lá), pode ou não ser mera coincidência. Mas vamos por partes.

Bostil proclamou sua independência, trocou a monarquia pela república, foi presidido por uma sucessão de populistas e amargou por 21 anos uma ditadura militar que o atual presidente afirma jamais ter existido. O último ditador, que apreciava mais o cheiro dos cavalos que o do povo, pressionado por movimentos pró-diretas comandados por líderes políticos como Tronqueto Merdes e Ulyxo Cagalhões, deu início a um tortuoso processo de abertura. Mas não só deixou claro Bostil ainda teria saudades dele como se recusou a passar a faixa presidencial a José Sarnento, vice de Tronqueto — o primeiro presidente civil pós-ditadura eleito indiretamente (para evitar que o populacho fizesse merda), mas que esticou as canelas antes de tomar posse.

Durante a gestão do Sarnento-de-Bigode-e-Jaquetão, foi promulgada uma Constituição — a sétima da história de Bostil — que instituiu um formidável festival de bondades, mas se esqueceu de apontar quem bancaria a farra. E foi então que o sonho começou a virar pesadelo.

Sucedeu-lhe no cargo o primeiro presidente efetivamente eleito pelo valoroso voto popular na "nova república". Dois anos depois, denunciado por corrupção e ciente de que seria inexoravelmente penabundado, o escroque renunciou para evitar a perda de seus direitos políticos — mas então já era tarde demais: diante da forte pressão popular, o Congresso cassou-o mesmo assim... e, acredite se quiser, anos depois esse sacripanta foi eleito senador da república. Quem não está acostumado estranha, mas vai por mim: absolutamente tudo pode acontecer em Bostil.

Seguiu-se um governo de transição comandado pelo prosaico Lindomar Frango, e os bons resultados no combate à hiperinflação que campeava solta havia décadas levaram os bostileiros a eleger presidente seu ministro do fazenda, o grão-duque do partido "Rei na Barriga".

Devido à inenarrável soberba da legenda (curiosamente emblemada por um tucano), sucederam a seu governo 13 anos e fumaça da mais inacreditável roubalheira, então sob o comando do "Partido dos Camarões" (assim chamado porque seus integrantes e apoiadores não só são "vermelhos" e têm os intestinos na cabeça). Como não há bem que sempre dure nem mal que nunca termine — mesmo nesse rincões da galáxia —, a sucessora do primeiro presidente Camarão, indicada para manter quente a poltrona presidencial enquanto seu padrinho político e mentor cumpria o intervalo constitucional de 4 anos após o qual poderia voltar a se candidatar ao posto, foi picada pela mosca azul (lá também tem mosca azul), fez um pacto com o diabo para se reeleger, mas acabou penabundada antes de concluir seu segundo mandato (ainda pior do que o primeiro).

Como consequência, durante dois anos e fumaça os bostileiros foram assombrados por um vampiro (vampiros existem nesse mundo paralelo, e não só em Bostil, mas em todo o planeta Lodo). Hoje, até onde se sabe, o país é comandado por Javir Bostonardo, um inconsequente saudosista da ditadura militar (por incrível que pareça, coisas assim acontecem por lá), mas isso já é assunto para o próximo capítulo, que pretendo publicar depois de amanhã. Até lá.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

ESTADISTA: PRECISA-SE.



DO CONGRESSO A PODRIDÃO AFLORA,
ENQUANTO NAS RUAS O POVO CHORA.
DE COMO ESTÁ A SITUAÇÃO NÃO SE GOSTA,
MAS NINGUÉM FAZ NADA PRA MUDAR ESSA BOSTA.

Essa quadrinha (de minha humilde autoria) resume o cenário político nacional, mas míseras quatro linhas não justificam uma postagem. Vejamos então o que diz Roberto Pompeu de Toledo em mais um texto lapidar, publicado na edição desta semana da revista Veja, mas não sem antes destacar que:

Em seu discurso na ONU, nosso intrépido presidente passou cerca de 30 minutos reafirmando sua oposição a iniciativas internacionais que se oponham à soberania brasileira na Amazônia e rechaçando “tentativas de instrumentalizar a questão ambiental e políticas indigenistas” em prol de interesses externos. Ele aproveitou também para criticar a imprensa internacional pela publicação do que classificou como informações “sensacionalistas” sobre os incêndios na floresta e disse que é “falácia” afirmar que Amazônia é patrimônio da humanidade.

Aqui entre nós, pode-se gostar ou não do capitão, mas não dá para discordar de muita coisa que ele disse. Talvez pudesse ter explorado melhor a questão ambiental e deixado as críticas ácidas a Cuba e Venezuela para outra oportunidade, mas Bolsonaro é Bolsonaro e não vai mudar sua natureza ao sabor de opiniões deste ou daquele analista político, governo estrangeiro ou seja lá o que for. O presidente francês rebateu as críticas do brasileiro, mas eu estou sem paciência e disposição para tomar partido em bate-boca de cortiço, de modo que faço minhas as palavras de Guilherme Fiuza:

O discurso de Bolsonaro na ONU decepcionou a intelectualidade mundial. Não teve a genialidade da Dilma, a honestidade do Lula, o biquinho do Macron, os suspiros da Bachelet, não salvou as girafas da Amazônia, não demitiu Sergio Moro e ainda disse que a verdade liberta. Não dá.

Vamos em frente.

ESTADISTA: PRECISA-SE. MAS TERÁ EFEITO NUM PÚBLICO ENFEITIÇADO POR RASGOS ANTIDEMOCRÁTICOS?

Bem agora que começávamos a considerar Rodrigo Maia uma âncora de competência e sensatez nestes tempos sombrios, talvez até uma esperança de estadista na aridez da quadra política brasileira, ele conduz a Câmara na aprovação de um projeto que contém safadas modificações na lei eleitoral. Entre outras belezas, sob o ponto de vista dos políticos, o projeto afrouxa os controles sobre o uso dos fundos partidários e permite seu emprego até para pagar a advogados de envolvidos em corrupção.

Maia teve atuação decisiva na aprovação da reforma da Previdência e destacou-se pela altivez em face das estripulias do governo Bolsonaro. Mas sua atuação no projeto, aprovado pela Câmara na surdina no dia 3, derrubado pelo Senado na última terça, 17, e teimosamente ressuscitado pela Câmara, ainda que com modificações, no dia seguinte, ameaça fazê-lo retroagir da condição de esperança de estadista para exemplo da rapidez com que um político pode malversar o capital de prestígio acumulado.

Estadista é o político que se alimenta do espírito da história e, ao persegui-lo, põe-se acima dos partidos e das facções. Tancredo Neves foi um, com atuação determinante em dois momentos críticos da história brasileira — a renúncia de Jânio e a transição da ditadura militar para a democracia. Também demonstraram sê-lo, em momentos de teste, Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela. Talvez seja demais exigir personagens equivalentes numa era de Bolsonaros e Trumps. O momento é dos bufões, especialistas em performances em que a graça está na ignorância, na mentira e no insulto.

Rodrigo Maia vinha se constituindo em exceção pela rara virtude, na política de hoje, do discurso com começo, meio e fim. A aprovação do projeto eleitoral expôs-lhe o rabo preso com um tipo de política — mesquinha, subterrânea, mafiosa, tediosamente repetitiva — que faz o sucesso dos bufões nas urnas, ao se arvorarem em seus inimigos.

Sendo a bufonaria um fenômeno mundial, não espanta que os bufões compartilhem uma alma comum. Matteo Salvini, agora afastado do governo por uma manobra parlamentar, mas ainda o político mais popular da Itália, desafia o Estado laico como fazem Bolsonaro e seus ministros mais queridos. No momento mesmo em que, na Câmara dos Deputados, ainda como homem forte do governo, ouvia o primeiro-ministro Giuseppe Conte repreendê-lo pelo uso dos símbolos religiosos, puxou um rosário do bolso e, velhaco como são os canastrões da farsa, beijou-o. Salvini, parceiro da família Bolsonaro, defendia até outro dia a causa da independência da Itália do Norte e entoava canção em que os napolitanos eram descritos como tão sujos que até os cães os evitam.

Bolsonaro, em tecla similar, queixou-se de "governadores de paraíba" — o desprezo, ao contrário do que depois quis dar a entender, não era aos governadores, mas aos governados, meros "paraíbas". Trump, que lhes dobra as apostas, já chamou os mexicanos de estupradores, países da América Central de "shithole countries" (países de merda), e conclamou quatro deputadas oposicionistas de origem latino-americana, árabe e africana a voltar a seus países "quebrados e infestados de crimes". (Eduardo Bolsonaro e o nominal chanceler Ernesto Araújo curvam-se ao presidente americano sem se dar conta de que o Brasil e os brasileiros ocupam, em sua mente racista, o mesmo escaninho.) À trupe se juntou, nos últimos dias, o "brexista" Boris Johnson, cuja bufonaria vai do cabelo em desvario à má-criação de esticar as pernas sobre a mesa num encontro com o francês Macron.

Estadista: precisa-se. Mas terá ele algum efeito junto a um público enfeitiçado por rasgos antidemocráticos e retórica escatológica? À falta de estadista na política, o papel tem sido representado no Brasil pelo decano do Supremo, Celso de Mello. Na despedida da procuradora-geral Raquel Dodge, que será substituída por um candidato a soldado do bolsonarismo, ele afirmou: "O Ministério Público não serve a governos, não serve a pessoas, não serve a grupos ideológicos, não se subordina a partidos políticos. O Ministério Público não se curva à onipotência do poder, não importa a elevadíssima posição que autoridades possam ostentar na hierarquia da República".

O estadista apresenta dois defeitos, ao gosto em voga: é sereno e é racional. Costuma-se dizer que vivemos a "era do espetáculo". Fomos além, na verdade. Vivemos a era do estardalhaço — ideal para o triunfo dos bufões.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

NA POLÍTICA NÃO HÁ INOCENTES, TODOS SÃO CULPADOS



Deputados e senadores se elegem para roubar e roubam para se reeleger. Sua única preocupação não é o longo braço da lei — que no Brasil é engessado pela legislação que favorece o criminoso em detrimento do cidadão de bem —, mas o custo eleitoral de seus atos. Daí a tentativa de interromper esse círculo vicioso ter causado "desentendimento" entre Câmara e Senado e colocado o chefe do Executivo em mais uma sinuca de bico.

Eleito por um partido nanico, sem dinheiro nem tempo de rádio e TV, pregando a volta da moralidade, Bolsonaro ora se vê forçado a ir contra a instalação não de uma, mas de duas Comissões Parlamentares de Inquérito. No Senado, seu enroladíssimo primogênito vem atuando de maneira assertiva e acintosa contra a criação da CPI da Lava-Toga; na Câmara, a líder do governo, deputada Joice Hasselmann, tenta barrar a CPI da Lava-Jato, alegando que os deputados foram ludibriados para assinar o requerimento.   

Além do apoio de 1/3 dos deputados, instalar uma CPI na Câmara exige que haja um fato determinado, orçamento e prazo (início e fim). A CPI da Lava-Jato contabilizou 174 adesões — 4 além do mínimo necessário — e atende, pelo menos segundo a oposição, os demais requisitos. O presidente da Câmara parece não estar convencido quanto ao fato determinado, que na sua visão é, no mínimo, subjetivo. Mas o pedido de CPI não deixa de ser mais uma carta na manga para Maia usar em proveito próprio em seu toma-lá-dá-cá com o Executivo.

Houve um tempo em que tudo acabava em pizza. Agora, tudo acaba no STF — o que não é tão diferente quanto a princípio pode parecer. O presidente do Senado vem rejeitando sistematicamente os pedidos de instalação da CPI da Lava-Toga e engavetando os de abertura de processos de impeachment contra membros da Suprema Corte, o que levou os parlamentares favoráveis à investigação dos togados a protocolar um questionamento no próprio STF. Como se isso já não fosse dar a Herodes a chave do berçário, quis o destino que o relator sorteado fosse ninguém menos que Gilmar Mendes. A menos que haja pressão popular expressiva, como a que levou Eduardo Cunha a acolher o pedido de impeachment contra Dilma, podemos tirar o cavalo da chuva.

No caso da CPI da Lava-Jato o requerimento é real, até porque o prazo para a retirada de assinaturas já expirou. Os propósitos da esquerda, ao propor a instalação dessa CPI, eram desgastar a imagem de Moro, da Lava-Jato e dos procuradores do Ministério Público, além de libertar Lulalalu e bombardear o governo — como se Bolsonaro não fosse perfeitamente capaz de fazer isso sem ajuda de ninguém. No entanto, a despeito de todo o trabalho de difamação feito pela imprensa militante contra Moro e a força-tarefa da Lava-Jato, a popularidade da operação e de seus atores não sofreu o menor abalo. Isso foi comprovado até mesmo pelo suspeitíssimo Datafolha, que integra o grupo Folha — que é cúmplice de Verdevaldo das Couves e parceiro do pseudo jornalismo do The Intercept Brasil, na honorável companhia da revista Veja, do portal UOL, da BandNews, do jornal El País et caterva (curiosamente, a Globo se negou a compactuar com a divulgação dos vazamentos criminosos da Vaza-Jato do assassino de reputações Glenn Greenwald, o podre, cuja vida pregressa demonstra que ele não é nem nunca foi flor que se cheire).

Há situações em que o feitiço vira contra o feiticeiro. As repercussões de uma investigação parlamentar contra a Lava-Jato, transmitida nacionalmente ao vivo e em cores, reforçaria o apoio da população de bem à operação. Noves fora os políticos desonestos (desculpem o pleonasmo), os empresários corruptos e a patuleia desvairada que ainda vê na mula encarcerada a quintessência da honestidade e o protótipo do governante probo, os demais brasileiros estão por conta do Bonifácio com tanta roubalheira e corrupção.

O vazamento espúrio do material criminoso entregue "graciosamente" a Verdevaldo por seus fornecedores pouco resultou além de fofocas, comprovando à saciedade que o "crime hediondo" de que foram acusados Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e companhia foi combater a corrupção sistêmica e pôr na cadeia bandidos travestidos de executivos das maiores empreiteiras do país e políticos ímprobos de altíssimo coturno.

Por essas e outras, a CPI da Lava-Jato poderia reverter os motivos torpes que levaram seus igualmente torpes articuladores a propô-la, bem como elucidar pontos obscuros da Vaza-Jato, como quem foi o mentor intelectual dos hackeamentos, quem se beneficiou deles e quem os patrocinou. Se nem relógio trabalha de graça, muito menos os hackers de Verdevaldo e o próprio Verdevaldo.

Para concluir, mais um comentário impagável do impagável Josias de Souza:

O povo não gosta daquilo que não entende, e Bolsonaro decidiu caprichar na falta de nexo. Segundo a superstição vendida na campanha eleitoral, o capitão seria um político honestíssimo que, uma vez eleito, governaria longe de malfeitores. Como evidência de suas boas intenções, transferiu Sergio Moro da Lava-Jato para o Ministério da Justiça. Com a Polícia Federal sob seu comando, o ex-juiz faria um "juízo de consistência" sobre as denúncias, apressando providências saneadoras. Pois bem, submetido a mais uma oportunidade concreta de demonstrar que falava sério, o presidente decidiu tratar a golpes de barriga a encrenca que envolve seu líder no Senado, Fernando Bezerra, transformando em bobo o eleitor que votou nele imaginando que estava virando a página da corrupção. Virou. Só que para trás.


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ATÉ QUANDO VAMOS COMPRAR INGRESSOS PARA O CIRCO EM QUE SOMOS OS PALHAÇOS?



Enquanto caraminhola quem irá insultar (e em que termos o fará) no discurso de abertura assembleia geral da ONU, o Capitão Caverna precisa decidir se sanciona ou veta — integral ou parcialmente — a escabrosa proposta aprovada na Câmara, desidratada no Senado e novamente robustecida pelos deputados, que, entre outros absurdos, querem dobrar o valor destinado a financiar campanhas eleitorais e usar o dinheiro público para pagar advogados se e quando forem pegos com a boca na botija, a mão na cumbuca e o pé na jaca.

Informações de bastidores sugerem que Bolsonaro deve vetar alguns trechos, definindo a extensão do expurgo à luz da lei das compensações. O uso do veto como remédio para restaurar a imagem presidencial está virando moda. Dias atrás, o capitão compensou os ataques por ter retirado do bolso do colete o nome de Augusto Aras, e agora manuseia novos vetos como se desejasse atenuar o prejuízo resultante de sua proximidade com Fernando Bezerra, um líder radioativo. Mal comparando, é como se um sujeito se vangloriasse de ter uma perna mais comprida do que a outra. Os observadores sempre poderão realçar que a mais curta, e o esperto continuará inevitavelmente sendo um personagem manco.

O Brasil é o quarto país mais corrupto do mundo devido à leniência, à complacência e — por que não dizer — à cumplicidade entre as instituições, sobretudo o Judiciário. No Congresso, a caterva que deveria representar os cidadãos volta-se contra a vontade popular e instala uma cleptocracia controlada por chefões de organizações criminosas partidárias — tudo com a complacência e a conivência do presidente da Câmara, que orquestra votações simbólicas, que prescindem de discussões em comissões e audiências públicas. Mas não é só.

Pelo andar da carruagem, Davi Alcolumbre não tarda a atingir o grau de cinismo que Renan Calheiros levou anos para alcançar. A exemplo do cangaceiro das Alagoas, o atual presidente do Senado e do Congresso Nacional irreleva solenemente seus inquéritos no STF. Mas por que diabos se preocuparia com eles? Engavetando sistematicamente os pedidos de abertura de processos de impeachment contra Gilmar Mendes, Dias Toffoli e outros colossos supremos, o político amapaense garante uma relação satisfatória com o Judiciário, às favas com os interesses dos contribuintes, que compram ingressos para esse circo de horrores sem a menor vontade de assistir ao espetáculo para o qual são invariavelmente escalados para o papel do palhaço.

Alcolumbre não resolveu até hoje o mistério dos 82 votos na sessão que o elegeu presidente do Senado. Pior: a pretexto do tal "Pacto entre os Poderes" acertado com Bolsonaro, Maia e Toffoli para autopreservação, troca figurinhas com o oponente derrotado e posa de quintessência da moralidade, embora todos saibamos que político honesto está para nascer, que políticos não têm escrúpulos e que a corrupção se tornou o liame que une os caciques dos Três Poderes na cruzada pela preservação de cada um e do enriquecimento ilícito de seus representantes.

Observação: O TCU divulgou que, apenas em alguns empréstimos do BNDES a republiquetas amigas do lulopetismo, as grandes empreiteiras desviaram mais de R$ 20 bilhões. A Lava-Jato estima que, só no Petrolão, a corrupção rapinou dos cofres públicos quase R$ 50 bilhões.

Por envolver prefeitos e vereadores em 5570 municípios, as eleições do ano que vem demandam mais dinheiro que as de 2018. Mas num num país falido, que impõe sacrifícios à população sem lhe oferecer contrapartida, dobrar o montante que banca essa farra é flertar com a imoralidade, e se valer dessa dinheirama para pagar honorários advocatícios se e quando os pseudo representantes do povo forme pegos com as calças na mão é o cúmulo da desfaçatez! Em outras palavras, o cidadão é roubado e ainda tem de custear a defesa do ladrão.

Observação: Por 249 votos a 164, a Câmara aprovou o uso de dinheiro do fundão eleitoral para pagamento de advogados e contadores nas campanhas políticas. É mais um escárnio da proposta que flexibiliza o uso do fundo e da prestação de contas, que está sendo votado de forma fatiada pelos deputados. Ou não é o cúmulo um servidor público roubar, ser pego com a mão na massa e contratar para defendê-lo um criminalista estrelado a expensas do Erário (leia-se do dinheiro que roubou do povo)?  

Colocado em perspectiva, esse desvirtuamento das regras eleitorais e partidárias, que observado isoladamente é inaceitável, se torna inacreditável. Ao fazê-lo, o observador vê que há no picadeiro algo muito parecido com uma máquina de moer moralidade.

Além do projeto que aleija a lei da ficha-limpa, abre brecha para o caixa dois e otras cositas más, há também uma CPI da Lava-Jato, uma emenda que proíbe juízes de primeira instância de decretar medidas cautelares contra políticos graúdos, um projeto que impede auditores de comunicar indícios de crimes ao MP e uma clara tentativa de neutralizar a Lei da Ficha Limpa. Tudo isso acontece sob o olhar atento do presidente da Câmara, dublê de líder das reformas econômicas e líder do Centrão, que oferece à banda podre do Congresso auxílio para dar andamento a esse circo de horrores em troca de ajuda para aprovar as reformas.

A pergunta é: O Capitão Caverna ouvirá o clamor dos brasileiros e de bem e vetará, mesmo que parcialmente, essa pouca-vergonha? A resposta é: só Deus sabe. Há dois Bolsonaros no centro do picadeiro: o candidato, que vetaria sem pestanejar, e o chefe do Executivo, que tem rabo preso com os demais poderes desta república de bananas, quando mais não seja porque depende da boa-vontade dos senadores para emplacar Augusto Aras na PGR e o filho Eduardo na embaixada do Brasil nos EUA e da boa-vontade de Dias Toffoli et caterva para aliviar a barra do primogênito suspeito de bandalhas durante o exercício do mandato de deputado na Alerj.

Observação: Certos togados supremos cultivam o nefasto hábito de impor na marra suas vontades, interesses e conveniências proferindo decisões monocráticas em cima das quais se sentam para evitar que sejam submetidas ao escrutínio do plenário. O atual presidente da Corte parece decidido a radicalizar essa insensatez inoculando entre seus pares o vírus transmissor da autofagia, que leva os ministros a se morderem uns aos outros e mastigar a própria carne. É nesse contexto que está inserida a decisão de Edson Fachin de pautar para a próxima terça-feira, na 2ª Turma, o julgamento de uma ação penal abastecida com dados do Coaf, cuja utilização Toffoli proibiu. Aproveitando uma ação movida contra o deputado federal cearense Aníbal Gomes para antecipar um debate que o presidente do Tribunal retarda desde as férias de julho, quando deferiu sozinho um recurso de Flávio Bolsonaro e travou todos os inquéritos que correm no país com dados fornecidos pelo Coaf sem autorização judicial, o relator da Lava-Jato força a antecipação da discussão do assunto. Em instituições sérias, as regras costumam ser menos perigosas do que a improvisação. O Supremo deveria falar com o timbre forte do seu plenário, mas como a única regra em vigor na corte é o desprezo às regras, a autofagia se impõe como algo inevitável. Não resolve o problema e pode levar à automutilação, mas ajuda a plateia a não confundir certos ministros com os ministros certos.

Segundo Josias de Souza, está em curso uma reação da velha oligarquia política contra o esforço anticorrupção deflagrado há cinco anos, e Bolsonaro precisa definir de que lado irá ficar. A batida policial na residência e no gabinete do senador Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, é mais uma evidência de que, no momento, o capitão está do lado errado.

A propósito, vale a pena reproduzir dois comentários sintomáticos. O advogado do investigado declarou que "causa estranheza à defesa do senador Fernando Bezerra Coelho que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos […]. A única justificativa do pedido [de busca e apreensão] seria em razão da atuação política e combativa do senador contra determinados interesses dos órgãos de persecução penal." Ou seja, Bezerra acha que a PF se vinga dele porque ele age para domar os órgãos de persecução penal. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, declarou que essa "é uma situação relativa a fatos passados, quando Bezerra era ministro de um governo anterior. Neste momento, o que o governo tem a fazer é aguardar. É uma questão individual dele, da vida pregressa dele. Ele vai ter que esclarecer junto às autoridades". Quer dizer: o Planalto avalia que o melhor a fazer é lavar as mãos. Mesmo que o resto permaneça sujo.

Onde o governo vê atenuantes não há senão agravantes. Não importa saber que as embrulhadas do senador vêm de outro governo. O mau cheiro era conhecido. E ninguém foge do fedor abraçando um gambá. O pior é que Bezerra não é o único. Há no entorno presidencial ministros investigados, um deles condenado por improbidade e, nunca é demais lembrar, um filho do presidente sob suspeita de peculato e lavagem de dinheiro.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

E VIVA O POVO BRASILEIRO! — PARTE II



Durante os dois curtos períodos que Michel Temer passou atrás das grades, os brasileiros puderam se orgulhar de ter 2 ex-presidentes presos: Lula — que é réu em uma dezena de ações penais, já foi julgado e condenado em duas e goza da hospitalidade da Superintendência da PF em Curitiba desde abril do ano passado — e o Vampiro do Jaburu — que é alvo de cinco investigações por corrupção, organização criminosa, obstrução de justiça e lavagem de dinheiro (que baixaram do STF para a primeira instância depois que o trevoso perdeu a prerrogativa de foro especial).

Somente FHC, Itamar (morto em 2011) e Sarney não foram envolvidos em processos de impeachment nem presos após deixarem o cargo. Fernando Collor de Mello — que renunciou em 1992 para não ser cassado e hoje é senador pelo estado das Alagoas — é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa também no âmbito das investigações da Lava-Jato (ainda não foi preso), e Dilma — que foi penabundada em 2016 —, ré por participação em organização criminosa (aliás, basta ser do PT para participar de organização criminosa, mas isso é outra conversa).

Sarney foi investigado por interferir nas investigações da Lava-Jato e chegou a ser denunciado em 2017. Devido à idade avançada do eterno donatário da capitania do Maranhão, que completará 90 anos se viver até abril do ano que vem, o então relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, não só negou um pedido domiciliar conta ele como determinou o arquivamento da denúncia — não custa lembrar que, como nossa legislação incentiva o crime e dificulta sua punição, o prazo prescricional cai pela metade quando os gatunos (*) completam 70 anos de idade.

(*) Gatuno (do castelhano gatuno, "relacionado com gato"): aquele que furta e se apodera do que não lhe pertence; ladrão; [p. ext.] pessoa que ganha dinheiro de maneira ilegal, geralmente causando prejuízos a alguém; trambiqueiro, vigarista.

Felinos são independentes, voluntariosos, não vêm quando os chamamos e não fazem o que queremos — a não ser que os motivemos, mas o que os motiva não é exatamente fazer-nos felizes. Da mesma forma que se frustra o incauto que adota um bichano achando que ele se comportará como um cão, dá com os burros n'água o eleitor que vota num candidato a vereador ou deputado (tanto estadual quanto federal) achando que está escolhendo seu representante.

O presidente da República, os governadores dos Estados e os prefeitos dos cerca de 5.600 municípios tupiniquins são eleitos pelo voto majoritário (ganha aquele que obtiver mais votos), mas nas eleições proporcionais a votação de cada candidato é influenciada pela soma dos votos dos candidatos do partido/coligação e pelos os votos de legenda — em outras palavras, o eleitor dá ao Rei Herodes o acesso ao berçário, pois vota no gato de sua preferência e os sufrágios que “sobram” dos mais votados elegem outros gatunos do mesmo partido ou coligação.

Não surpreende, portanto, que depois depois do ímpeto reformista que colocou em pé a reforma da Previdência a ala bandalha do Congresso volte a elaborar projetos e emendas como quem joga bosta na parede. Se colar, colou. Para os adeptos dessa tática não existe noção de certo ou errado. Há coisas que são absorvidas e outras que pegam mal. Quando pega muito mal, como no caso do projeto que aplicou a lógica do "liberou geral" nas regras eleitorais e partidárias, promove-se um recuo tático. Os senadores deram meia-volta, mas os deputados voltaram ao esterqueiro que é seu habitat natural para selecionar os pedaços de desfaçatez que achavam possível colar novamente na parede.

Atualização: A reação que a primeira versão do projeto provocou na opinião pública deveria ter mostrado aos deputados, como mostrou aos senadores, que jogadas em benefício próprio não são mais aceitas. Muita coisa foi removida da versão original, mas restaram brechas preocupantes, que certamente serão contestadas no STF. Todavia, sendo os togados quem são e considerando a "independência" dos Poderes, dificilmente o tribunal mudará alguma coisa. Resta ver se Bolsonaro vai ter peito de vetar a mixórdia — façam suas apostas — e, caso negativo, rezar para que o TSE atue com firmeza nesta área.

Como bem analisou Josias de Souza em sua participação no Jornal da Gazeta da última quarta-feira, essa movimentação é a prova provada de que a história que começou a ser escrita no em junho de 2013 virou um pesadelo do qual o Brasil não consegue acordar. Há seis anos, as ruas roncaram para reivindicar menos roubalheira, mais prosperidade e serviços públicos decentes. O sistema político ofereceu na época uma espécie de Bolsa Teatro. Entrou em cartaz um espetáculo de cinismo. Vieram a Lava-Jato, o impeachment de Dilma, o entreato apodrecido de Temer e a eleição de Bolsonaro, um personagem antissistema cuja Presidência se ajusta gradativamente ao seu passado sistêmico.

O esforço para a restauração da imoralidade não se limita ao Legislativo. Há adeptos da volta ao passado no Executivo e também no Judiciário. Se essa movimentação revela alguma coisa, é que 2013 tornou-se o ano mais longo da história do Brasil. E ainda vai longe. A diferença em relação ao passado é que o cinismo agora encontra resistência. Afinal, o brasileiro continua de saco cheio de sua própria realidade.

A ala bandalha do Congresso não perde a oportunidade de perder oportunidades. Ao ressuscitar parte das regras que o Senado havia sepultado na véspera — entre as quais excrescências como uma brecha para o caixa dois e uma fenda para candidaturas de políticos com ficha suja — os deputados abriram uma janela de oportunidade que Jair Bolsonaro pode, se quiser, aproveitar. O capitão terá 15 dias para decidir se sanciona ou veta (total ou parcialmente) as novas velhas regras eleitorais e partidárias. Resta saber de que lado sua excelência se sentirá mais confortável. Se vetar as espertezas da Câmara, será ovacionado nas redes sociais, seu habitat natural. Sancionando as indecências, fará média com o centrão.

Como se um já não bastasse, há dois Bolsonaros na praça, e o que se elegeu como presidenciável antissistema vetaria essa vergonha. Mas o que exerce a Presidência aproximando-se do seu próprio passado sistêmico talvez prefira não enfiar o dedo em favo de mel para não ter que fugir das abelhas do centrão. A conferir.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O BRASIL ENTRE A CRUZ E A CALDEIRINHA



Nicolás Maduro rompeu relações diplomáticas com Bogotá no último sábado, depois de soldados venezuelanos dispararem balas de borracha e atirarem bombas de gás contra manifestantes que, na fronteira, exerciam pressão para garantir a entrada da ajuda humanitária que se deslocou em caminhões da Colômbia. Juan Guaidó, que dezenas de países reconhecem como o presidente interino da Venezuela, busca contribuições da Colômbia, do Brasil e também de Curaçao para enfrentar a profunda crise econômica e a escassez sofrida pela nação petroleira. Maduro está cavando a própria sepultura. E não vai "vai cair de maduro", se me permitem o trocadilho, mas de podre. Enfim, sigamos em frente.

Nos filmes das décadas de 50 e 60, jornaleiros (geralmente meninos) postavam-se nas esquinas e, ao gritos de “Extra!”, “Extra!”, apregoavam edições extraordinárias com manchetes bombásticas. Também era comum vermos o editor do jornal — quase sempre careca e com um charuto meio mastigado no canto da boca — mandado "parar as rotativas" diante de um furo de reportagem. O que isso tem a ver com a postagem de hoje? Nada. Mas essas imagens me cruzaram à mente quando li uma manchete “quase epifânica” publicada pelo Estadão: EX-ASSESSOR DE FLÁVIO DAVA PARTE DO SALÁRIO PARA QUEIROZ!!! (para ler a matéria, clique aqui )

Quer dizer, então, que havia mesmo pedágio no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj? Nossa! Só faltou dizer isso é um fato inédito — como sabemos, a despeito de ser ilegal e imoral, o pedágio é uma prática quase tão velha quanto a própria política. Aliás, política e lisura, se não são conceitos mutuamente excludentes, são tão imiscíveis quanto óleo e água. Mas no país do futuro que nunca chega a corrupção se institucionalizou a tal ponto que, como diria minha avó, “contando, ninguém acredita”. Basta uma rápida pesquisa no Google para ver quantos deputados e senadores que estão no Congresso deveriam estar atrás das grades (e só não estão devido ao empenho de alguns de nossos ministros supremos em preservar o instituto da impunidade).

O descrédito em relação à política e aos políticos não vem de hoje e tampouco é exclusividade tupiniquim. Mas, aqui, sempre que surge uma luz no fim do túnel, ou é miragem, ou é o farol da locomotiva. Em maio de 2016, achamos que o afastamento da anta sacripanta poria um ponto final nos 13 anos, 4 meses e 12 dias de corrupção lulopetista. Mas alegria de pobre dura pouco: o ministério de notáveis prometido pelo vice promovido a titular não tardou a se revelar uma notável agremiação de corruptos. O hoje ex-senador Romero Jucá — que, a exemplo de Renan Calheiros e outros mais, encarna tudo o que não presta na “velha política” — durou uma semana e meia no comando da pasta do Planejamento. Na sequência, caíram Fabiano Silveira (que durou 18 dias no Ministério da Transparência) e Henrique Eduardo Alves (35 dias na pasta do Turismo).

Outros ministros foram caindo feito moscas, a razão de um por mês, em média, até que o vampiro do Jaburu, pego no contrapé pela gravação de sua conversa nada republicana com o açougueiro que ficou bilionário durante as gestões de Lula e Dilma, mandou às favas os escrúpulos, despiu a fantasia de virtuoso e torrou seu considerável capital político na compra do apoio das marafonas do parlamento para sepultar as denúncias apresentadas contra si pelo então procurador-geral Rodrigo Janot. Isso depois de ter afirmado enfaticamente que, litteris: 

A investigação pedida pelo Supremo Tribunal Federal será território onde surgirão todas as explicações, e no Supremo demonstrarei não ter nenhum envolvimento com estes fatos. (...) Não renunciarei. Repito. Não renunciarei”.

Como não poderia deixar de ser, Temer se tornou refém da Câmara dos Corruptos e, vergado sob o peso de uma impopularidade sem precedentes, terminou seu mandato-tampão como um “lame duck” (ou pato manco, que é como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio).

Em 2018, durante o primeiro turno da eleição presidencial mais conturbada da história desta Banânia, nosso “esclarecidíssimo eleitorado” (entre aspas e com todas as ironias de estilo) descartou os insossos candidatos “de centro”, ignorou (felizmente) aberrações como o Cabo Daciolo, Guilherme Boulos, Vera Lucia e afins e convocou os dois “extremados” para disputar o segundo turno. Diante da perspectiva nada alvissareira de o Brasil voltar a ser governado pelo PT e seus satélites — desta feita a partir de uma cela de prisão, no melhor estilho comandante-em-chefe do PCC —, milhões de não-eleitores de Bolsonaro ficaram sem alternativa que não se aliarem aos bolsomínions.

Claro que ninguém (ninguém minimamente racional, bem entendido) acreditaria que o deputado-capitão, com quase 30 anos de janela na Câmara Federal, tivesse um passado ilibado como o da Madre Tereza de Calcutá. Mas poucos imaginavam que seu governo viria a ser sistematicamente desestabilizado pelo “fogo amigo” disparado pelos “príncipes herdeiros”, que usam suas contas no Twitter como metralhadoras giratórias sem controle. Ou que o Presidente em pessoa fosse dado a enxergar complôs e deslealdades em cada esquina.

Desde a campanha que Bolsonaro reclama de supostas conspirações orquestradas por inimigos declarados e imaginários. Empossado, passou a desconfiar de traições também de integrantes graduados do governo. Como se não bastasse, mostrou-se inabilidoso em momentos de crise: a demissão de Bebianno, que contou com a participação decisiva de zero dois, só ganhou relevância graças à maneira canhestra com que o Presidente tratou o caso (quando bastaria ter "tirado as crianças da sala e dado ouvidos aos adultos", se é que me faço entender). Nos primeiros dez dias de governo, ele fez três anúncios públicos que logo foram corrigidos por seus auxiliares, e enfileiro declarações desencontradas sobre a mudança da embaixada brasileira em Israel, a instalação de uma base militar americana no Brasil e a extinção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

No episódio gerou a crise “que só não existiu no 'mundo real' do ministro da Justiça e Segurança Pública”, pouco importa se Carluxo fez “macumba psicológica”, se agiu envenenado pelo ciúme, deslumbrado pelo poder ou ressentido por não ter ganhado um cargo no governo. O que preocupa é a inabilidade demonstrada pelo Presidente e pelo alto escalão do governo para lidar com a situação, e, por que não dizer, o arrepiante déjà-vu proporcionado pela demissão de um ministro depois de míseros 48 dias no cargo, e, pior, de o pivô desse salseiro não ser a oposição, mas um dos “príncipes herdeiros”, que, num passe de mágica, transformou o advogado, articulador da campanha, factótum e amigo do peito do pai em homem-bomba com potencial para jogar um trem de merda no ventilador e apontá-lo para o núcleo do governo.

O Planalto afirma que isso é página virada, que a questão foi superada, e que a Velhinha de Taubaté já psicografou um post dizendo que acredita. Tomara que ela esteja certa. Errar faz parte do aprendizado, mas quem não aprende com os erros que comete está fadado a repeti-los. E insistir no erro esperando que uma hora ele se transforme em acerto é a melhor definição de cretinice que eu conheço.

É por essas e outras que os brasileiros de bem perderam a fé na política e nos políticos. Claro que isso não se aplica aos devotos da seita do inferno, cuja fidelidade canina ao presidiário de Curitiba não lhes permitiria raciocinar nem se tivessem um mísero par de neurônios funcionais. Mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer dos defensores atávicos de Bolsonaro, dada a dificuldade que eles têm de perceber que algo cheira mal no reino da Dinamarca, ou melhor, no Palácio do Planalto. Para os demais, fica difícil levar a sério um Congresso que funciona de terça a quinta e só reúne quórum quando a pauta interessa diretamente aos nobres congressistas. Onde deputados — supostamente representantes do povo — se comportam como galos de rinha durante as sessões, formando blocos fisiologistas e clientelistas, sem qualquer viés ideológico, para aprovar ou derrubar projetos em troca de cargos, verbas e emendas parlamentares.

E o que dizer do Judiciário — o derradeiro depositário das nossas esperanças —, se ministros supremos se digladiam diante das câmeras e promovem barracos que constrangeria até as marafonas de um puteiro de quinta classe? Salvo raras e honrosas exceções, suas excelências têm deixado claro que priorizam os próprios interesses e, se calhar, concedem parte de seu precioso tempo, como quem atira migalhas aos pombos, às questões que realmente interessam à nação. Depois, quando são confrontados pelos cidadãos inconformados em ver criminosos condenados deixarem a cadeia pela porta da frente (caso de Jacob Barata, Paulo Maluf, José Dirceu e tantos outros), zombando da lei e escarnecendo da população que roubaram descaradamente por anos a fio, mandam a PF prender os insurrectos — como fez Ricardo Lewandowsky em dezembro do ano passado, ao sentir “ofendido” pelo advogado Cristiano Caiado Acioli (durante um voo de São Paulo para Brasília), embora o “ofensor” tivesse apenas exercido seu direito constitucional de dizer como se sentia em relação ao STF e a vergonha que tinha de ser brasileiro.

Isso nos leva a Gilmar Mendes, o superministro supremo e autodeclarado representante de Deus na Terra, que, se não bastassem os péssimos serviços que preta à nação, vem atirando contra tudo e contra todos depois que a Receita Federal apontou indícios de lavagem de dinheiro nas movimentações financeiras dele e de sua digníssima esposa. 

Para não encompridar ainda mais esta matéria, os detalhes ficam para amanhã (a quem interessar possa, eu já publiquei algumas considerações interessantes sobre os ministros do Supremo — para acessá-las, clique aqui e aqui).

domingo, 3 de fevereiro de 2019

DAVI X GOLIAS DE ALAGOAS - A COMÉDIA PASTELÃO NA ELEIÇÃO DA MESA DIRETORA DO SENADO


Como o primeiro dia do ano legislativo de 2019 caiu numa sexta-feira, nossos caríssimos parlamentares foram obrigados a trabalhar num dia em que tradicionalmente o Congresso fica às moscas. Sem grandes turbulências, o deputado federal Rodrigo Maia, vulgo Bolinha — aquele da Luluzinha, criado nos anos 1930 por Marjorie (Marge) Henderson Buell — foi reeleito presidente da Câmara. A sessão teve direito a salva de palmas, rasgação de seda, discursos emocionados e agradecimentos marejados de lágrimas. Muito tocante.

Já no Senado o que se viu foi uma comédia pastelão com direito a repeteco na tarde deste sábado. Tudo começou com a questão do voto, se aberto ou secreto. Renan Calheiros, que coleciona inquéritos no STF e já presidiu o Senado quatro vezes, não costuma jogar para perder, e sabe muito bem que o voto nominal esvaziaria sua candidatura, já que parte dos seus eleitores, receosos do vínculo com sua imagem radioativa, ficariam constrangidos em declarar o voto (aliás, falando na podridão alagoana, o ex-presidente impichado Fernando Collor de Mello, cuja ficha-corrida dispensa maiores apresentações, também é candidato).

Antevendo a derrota do Cangaceiro das Alagoas, seu bando — com destaque para a senadora Katia Abreu (PDT-TO), que chegou a ocupar a Mesa Diretora e arrancar das mãos de Davi Alcolumbre a pasta que continha os documentos referentes à sessão — trabalhou para adiar o embate até que o ministro Dias Toffoli acolhesse pedido de anulação da votação prévia em que, por 50 votos a 2, os senadores decidiram pelo voto aberto.

Na manhã deste sábado, depois que o ministro supremo manteve o voto secreto, os trabalhos foram retomados sob a batuta do macróbio José Maranhão (MDB-PB), que é aliado declarado de Renan. Às 15h35, depois que o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) terminou a leitura da decisão de Toffoli e todos os candidatos concluíram seus infindáveis discursos, Maranhão deu início à votação.

Às 18h45, já se dava como certa a vitória de Davi, sobretudo depois que o Golias de araque retirou sua candidatura e deixou o plenário.

Faço um aditamento pela manhã ou deixo para analisar o resultado no post de amanhã, dependendo do que acontecer. Tenham todos um ótimo domingo.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

AINDA SOBRE A VERGONHA NACIONAL DO FORO PRIVILEGIADO



Para concluir esta sequência sobre o tema em pauta, cumpre relembrar algumas considerações expendidas nos capítulos anteriores e acrescentar outras tantas. Sem mais delongas, passemos ao que interessa.

O foro especial por prerrogativa de função visava originalmente proteger os parlamentares de decisões autoritárias, como as que se tornaram comuns durante a ditadura militar. Só que acabou se transformando num salvo-conduto para maus políticos delinquirem impunemente.

No início deste ano, o STF decidiu rever esse absurdo, que atualmente favorece mais de 50 mil servidores de 51 categorias. Para se ter uma ideia, são 14.882 juízes, 5.568 prefeitos, 1059 deputados estaduais, 513 deputados federais, 81 senadores, 88 ministros de tribunais superiores, 28 ministros de Estado, 27 governadores e outros 32.700 brasileiros “mais iguais perante à lei do que os outros”.

Diante da postura do Supremo, o Congresso prontamente aprovou (em primeiro turno) uma PEC bem mais abrangente do que a proposta do ministro Barroso, dando a impressão de que os parlamentares estariam alinhados com os interesses da população. Só que a ideia não era aprovar coisa alguma, mas sim ameaçar os ministros da Côrte com a perda do benefício, já que a emenda constitucional preservaria o foro especial somente para os presidentes dos Três Poderes e vice-presidente da República, ao passo que a proposta em tramitação no Supremo limita o foro de deputados federais e senadores a crimes ocorridos durante o mandato e em consequência dele.

Em maio passado, o então recém-chegado ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo e só o devolveu semanas atrás, quando então a ministra Cármen Lúcia reagendou o julgamento para a última quinta-feira. Quando já se havia formado maioria pela aprovação, foi a vez de Dias Toffoli, o iluminado ― que havia se reunido dias antes com o presidente da República ―, pedir vista do processo e trancar o julgamento, que foi adiado sine die

Como ainda faltam 3 votos (de Gilmar Mendes, de Ricardo Lewandowski e do próprio Toffoli) e a decisão do Supremo só passa a valer depois de o julgamento ser concluído, tudo permanece como antes no quartel de Abrantes. Toffoli já disse que não devolverá os autos antes do recesso de final de ano, até porque, segundo ele, cabe ao Congresso, não ao STF, alterar o foro privilegiado. Se depender da Câmara, a PEC ficará esquecida até as próximas eleições, quando 2/3 dos senadores e todos os 513 deputados federais serão reeleitos ou substituídos. Nesse entretempo, Toffoli vai se fingir de morto e seus pares na Corte, de paisagem. E ao povo, restará tocar a vida, que o Natal está aí, o Réveillon não tarda e 2018 só começará depois do Carnaval.

Rodrigo Maia e a ministra Cármen Lúcia devem se reunir em breve para combinar uma ação conjunta que não provoque um choque entre Poderes. Traduzindo do politiques para o português das ruas, isso significa que o assunto hibernará até que o cenário político se desanuvie. Aliás, seria muita ingenuidade imaginar que deputados e senadores extinguiriam o foro privilegiado quando a maioria deles só não está na cadeia por conta dessa excrescência. 

E viva Maluf, que, pelo visto, irá para o caixão de ir para a prisão. E Lula lá! (vade retro, Satanás!).

Observação: Falando em Lula, o abominável, existe também a possibilidade de a Comissão Especial da Câmara desvirtuar a PEC e estender a prerrogativa de foro aos ex-presidentes da República, o que não só evitaria que Michel Temer venha a ser julgado por Sérgio Moro ou outro magistrado de primeira instância, como também salvaria a pele de Sarney, Collor e Dilma, sem mencionar que permitiria ao molusco eneadáctilo retirar sua estapafúrdia candidatura ― que atualmente é sua única esperança de não fazer companhia a Vaccari, Cunha, Cabral e outros notórios lalaus que já são hóspedes compulsórios do sistema penitenciário tupiniquim. Lula lá!

Visite minhas comunidades na Rede .Link:

domingo, 19 de novembro de 2017

QUANTO CUSTA SUSTENTAR A CATERVA PARLAMENTAR


Nossos congressistas dão expediente 3 dias por semana e gozam 55 dias de férias por ano. Por essa “exaustiva jornada de trabalho”, eles recebem R$ 33,7 mil por mês ― ou seja, mais que os R$ 30,9 mil pagos ao presidente da Banânia e seus ministros de Estado.

Cada deputado federal custa mensalmente aos contribuintes a “bagatela” R$ 168,6 mil ― e são 513 excelências a mamar, nas tetas do Erário, o leite provido pelos escorchantes impostos que pagamos.

Os Senadores recebem o mesmo valor, mas são em menor número ― 81. Todavia, a folha de pagamento da casa contempla, atualmente, 91 membros, já que 10 titulares estão afastados ou licenciados (mas recebendo religiosamente seus proventos), e seus respectivos suplentes também precisam mamar. 

Segundo The Economist, o salário dos nossos valiosos parlamentares seja o quinto na lista de 29 países pesquisados, a despeito de o salário mínimo tupiniquim ficar em 83º lugar. Não é à toa que PIB do Distrito Federal, de R$ 73.971,05 corresponde a 2,5 vezes o PIB per capita nacional, muito embora Brasília não produza riqueza alguma (os outros estados da Federação com os maiores PIB per capita são, pela ordem, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.

Mas não é só: a despeito da jornada reduzida e dos dois recessos anuais ― ao longo da segunda quinzena de julho e das vésperas do Natal até o começo de fevereiro, o que perfaz 55 dias de dolce far niente ―, nossos políticos “trabalham mais” que seus pares do Reino Unido e EUA, por exemplo, que gozam 145 dias e 80 dias de férias por ano, respectivamente. Aliás, a semana de trabalho do legislativo norte-americano é igual à de Brasília: somente há sessões deliberativas às terças, quartas e quintas-feiras.

Matéria publicada no site da revista ISTOÉ em 2013 dá conta de que um político eleito pelo voto popular percebia, nos anos 1980, remuneração equivalente a de um engenheiro. Além disso, dispunha de três ou quatro assessores e de uma pequena ajuda de custo para pagar as contas do gabinete. Pegar carona em aeronaves da FAB, somente em missões oficiais. Assim, cada integrante do Congresso Nacional custava aos cofres públicos o equivalente a 33 salários mínimos (cerca de US$ 2 mil) ― contra 203 salários mínimos ou US$ 62 mil que passaram a custar na época do levantamento.

Atualmente, de acordo com um levantamento feito pela ONG Contas Abertas, o Legislativo nos custa R$ 1,16 milhão por hora ao longo dos 365 dias do ano ― aí incluídos os fins de semana, recessos parlamentares e as segundas e sextas-feiras, quando deputados e senadores batem asas de Brasília com destino a suas bases eleitorais. Além do polpudo salário, suas insolências recebem toda sorte de benefícios indiretos, como verba de gabinete, auxílio moradia, cota de passagens para seus destinos eleitorais e reembolso ilimitado de despesas com saúde. Para piorar, salvo em raríssimas exceções, essa caterva prioriza interesses próprios em detrimento dos interesses da nação, e os partidos a que pertencem, em sua esmagadora maioria, servem apenas para lucrar com coligações espúrias e vender de tempo de televisão em campanhas eleitorais.

Resumo da ópera: O Legislativo custa R$ 1,16 milhão por hora aos cidadãos brasileiros, em todos os 365 dias do ano. Esse valor inclui fins de semana, recessos parlamentares e as segundas e sextas-feiras, quando os parlamentares retornam a suas bases eleitorais ― nesses dias, o Senado e a Câmara continuam funcionando, porque podem ocorrer sessões de debates, solenidades e reuniões de suas comissões ― pausa para as gargalhadas.

Como se vê, a democracia não tem preço, mas o nosso Congresso tem! Resta saber se vale o que custa, ou seja, se compensa, para o povo, pagar tão caro por senadores que, a despeito das evidências que só lhes faltaram pular no colo, anularam prontamente as medidas impostas pelo STF a um certo tucano traidor da pátria ― que agora vai lutar pela aprovação de uma PEC que cria o cargo de “neto vitalício de Tancredo” com direito a foro privilegiado. 

Ou que, também ao arrepio de todas as evidências, não autorizou o Supremo a investigar o primeiro presidente da nossa história a ser denunciado, no exercício do cargo, por crimes de corrupção, formação de quadrilha e obstrução da Justiça

Ou que, em mais um arroubo indecente de fisiologismo escrachado, mandou soltar os três deputados estaduais presos na Operação Cadeia Velha, levando os cariocas a quase pôr abaixo a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (o bando estadual não foi contemplado nesta sequência, mas sê-lo-á numa próxima oportunidade). Vale lembrar que a decisão da ALERJ pode ser revertida pelo STF, mas vale lembrar também que o "supremo elenco" inclui ministros como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello...

Como se vê, quando se trata de política e de políticos, nem tudo é dissabor. Há também desgosto e decepção.

sábado, 18 de novembro de 2017

MAIS SOBRE NOSSA FAUNA PARLAMENTAR...



Vivemos numa democracia representativa, onde todo poder emana do povo e em seu nome é exercido ― pausa para as gargalhadas...

... e onde a população interfere no funcionamento do governo por meio de eleições, ainda que, dada a qualidade do nosso eleitorado, melhores resultados são obtidos através das redes sociais e manifestações populares, como as que nos trouxeram eleições diretas e, mais adiante, o previsível e previsivelmente traumático impeachment da nefelibata da mandioca.

Os 3 poderes da República ―Executivo, Legislativo e Judiciário ― são instituições independentes, cada qual com suas funções específicas. A imprensa é tida como o quarto poder, mas isso é outra conversa. No Legislativo, que é o foco desta abordagem, a fauna parlamentar tupiniquim é composta por 513 deputados federais e 81 senadores ― boa parte dos quais é atualmente investigada na Lava-Jato, mas isso também é outra conversa.

Aos nobres integrantes da Câmara Federal cabe elaborar e revisar as leis, de acordo com as demandas populares e os ditames da Constituição ― podem rir de novo ―, bem como cobrar as contas do Executivo, autorizar a abertura de processo contra o presidente da República (impeachment) por crime de responsabilidade, e por aí vai. Aos conspícuos senadores compete aprovar a escolha de magistrados, ministros do TCU, presidentes e diretores do Banco Central, embaixadores e o Procurador Geral da República, bem como autorizar operações financeiras de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, fixar limites da dívida pública e avaliar periodicamente o funcionamento do Sistema Tributário Nacional. Adicionalmente, suas insolências podem elaborar projetos de lei ― que são debatidos e votados por seus pares e pelos membros da Câmara ―, bem como analisar, avaliar e aprovar ou rejeitar projetos de lei propostos pelos deputados federais ou pelo chefe do Executivo.

O Congresso Nacional (que é formado pela Câmara, Senado e TCU) tem como principais atribuições votar medidas provisórias, vetos presidenciais, leis de diretrizes orçamentárias e o orçamento geral da União, além de dar posse ao presidente da República e seu vice, autorizá-los a se ausentar do país por período superior a 15 dias, autorizar o presidente da República a declarar guerra, celebrar a paz, permitir que forças estrangeiras entrem ou saiam do país, aprovar o estado de defesa, a intervenção federal, o estado de sítio ― e suspender essas medidas ―, deliberar sobre tratados, fixar a remuneração dos parlamentares (a raposa tomando conta do galinheiro, como veremos mais adiante), apreciar os atos de concessão de rádio e televisão, autorizar referendos, convocar plebiscitos, aprovar iniciativas do Executivo no que tange a atividades de energia nuclear, e por aí afora.

Observação: As atribuições do Congresso estão especificadas nos artigos 48 e 49 da Constituição Federal, sendo que aquelas elencadas no primeiro exigem a participação do Executivo ― mediante sanção presidencial ―, enquanto que as do segundo tratam de competências exclusivas do Congresso, estabelecidas por meio de Decreto Legislativo. O presidente do Senado acumula a função de presidente do Congresso, o mandato é de 2 anos e, a despeito de os membros da mesa diretora do Senado não poderem ser reconduzidos aos mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente ao mandato, prevalece o entendimento de que essa proibição não se aplica quando se tratar de uma nova legislatura, de modo que sua reeleição é, sim, possível.

Veremos no próximo capítulo quanto custa manter essa caterva ativa e operante. Até lá.

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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

PARA QUE SERVE O CONGRESSO NACIONAL?


Nossa fauna parlamentar trabalha de terça a quinta-feira em Brasília, deixando a capital da República às moscas no restante da semana. Nesta semana em particular, devido ao feriado do dia 15, a gazeta dessa classe particularmente laboriosa foi plena, geral e irrestrita, embora a pauta de debates e votações devesse ser retomada após o sepultamento da segunda denúncia contra Michel Temer, no mês passado. Mas qual o quê!

Brasília da Fantasia é um ponto fora da curva, um exoplaneta totalmente divorciado da realidade tupiniquim. Tem até ministra que reclama de “trabalho escravo” porque recebe R$ 30.471,10 mensais de aposentadoria e somente R$ 3.292 do salário de ministro, já que re a lei determina que nenhum funcionário público perceba salário superior ao dos ministros do STF. “Como vou comer, beber e calçar? Só no meu IPTU em Brasília pago mais de R$ 1 mil. E tenho meu apartamento em Salvador, que pago uma pessoa para cuidar. Sou aposentada, poderia me vestir de qualquer jeito e sair de chinelo na rua, mas, como ministra de Estado, não me permito andar dessa forma. Tenho o direito de peticionar, a autoridade vai decidir e eu vou acolher. É algum pecado fazer analogia à escravidão? Não acho que errei”, disse Luislinda Valois ― esse é o nome da criatura, e R$ 61 mil é o total que ela receberia por mês se não tivesse voltado atrás ― e se a Justiça acolhesse seu despretensioso petitório de 207 páginas, naturalmente.

Não sei por que precisávamos de uma secretaria de Direitos Humanos, nem muito menos a razão pela qual o Chefe Supremo do Quadrilhão do PMDB ― nosso primeiro presidente denunciado por crime comum no exercício do cargo e que se valeu de todos os estratagemas concebíveis para impedir que a Câmara autorizasse o Supremo a investigá-lo ― lha concedeu status de ministério no início do ano. Enfim, cada povo tem o governo que merece, e o brasileiro, que parece especialmente vocacionado a perpetuar os erros do passado, vem amargado passivamente o terceiro tempo do funesto governo lulopetista, que se teria encerrado em 2016 se a deposição da anta vermelha tivesse levado seu vice de embrulho, e não o promovido a titular. Mas não foi o que aconteceu, e agora não adianta chorar.

Mudando de pato para ganso, pouca gente sabe para que serve o Congresso Nacional, mesmo que o impeachment da ex-presidanta incompetenta nos tenha familiarizado com algumas sutilezas do Poder Legislativo ― e até mesmo do Judiciário. Então, sem mais preâmbulos, vamos ao assunto.

Nosso país é uma República Federativa supostamente democrática e regida por um sistema de governo presidencialista. Trata-se de um Estado Democrático de Direito baseado no “modelo dos Três Poderes”, surgido na França do século XVIII, por obra e graça de Montesquieu, para pôr fim ao Estado Absolutista Moderno ― no qual o monarca, agraciado com a “proteção e o ordenamento divino”, gozava de poder ilimitado.

Os três poderes da República, como se sabe, são o Executivo ― a quem compete gerenciar o Estado e pôr em prática as leis aprovadas ―, o Legislativo ― que se encarrega da elaboração das leis ― e o Judiciário ― que tem por incumbência apreciar os litígios entre cidadãos e entre cidadãos e Estado e julgá-los segundo um ordenamento jurídico. Para os efeitos desta postagem, vamos nos ater ao Poder Legislativo, que é integrado pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas de União (órgão de apoio que presta auxílio ao Congresso nas atividades de controle e fiscalização externa).

Nosso Parlamento é bicameral, ou seja, formado por duas casas que possuem graus de representação política e prerrogativas próprias em equilíbrio inquestionável ― em outras palavras, nenhuma delas tem mais poder do que a outra. Em tese, o bicameralismo evita que o sistema político se torne refém de um mesmo grupo e dos mesmos interesses, já que as propostas apresentadas por uma das casas são sempre revisadas pela outra, bem como previne a tirania da maioria, porquanto as minorias podem ser representadas ao mesmo tempo em que os interesses da maioria são contemplados.

Os 513 deputados que compõem a Câmara Federal podem representar demandas mais específicas da população, já que o número de pessoas que cada um representa é menor do que no Senado, onde 81 parlamentares cuidam de assuntos, digamos, mais gerais. Vejamos isso em detalhes.

A Câmara Federal ― também chamada de Câmara Baixa, o que não quer dizer que tenha menos poder que o Senado ― é descrita na Constituição como sendo a representante do povo, já que os deputados, em número que varia de 8 a 70 por Estado (aí incluído o Distrito Federal), são eleitos de forma proporcional à população do Estado que representam. Seu mandato é de 4 anos, de modo a possibilitaria a renovação do quadro a cada eleição se suas insolências não pudessem reeleger e permanecer no cargo por diversas legislaturas, sucessivas ou intercaladas.

O Senado é constituído por 3 representantes de cada Estado (e do DF), mas eleitos segundo o princípio majoritário. Isso significa que as 81 cadeiras são ocupadas pelos candidatos que obtêm mais votos ― diferentemente do que acontece na Câmara, onde a proporção de votos obtidos por partido ou coligação e o tamanho da população de cada Estado são levados em conta. Os senadores têm mandato de 8 anos, mas a renovação parcial do elenco se dá a cada 4 anos ― 1/3 dos membros é substituído numa eleição e 2/3 na subsequente, embora também nesse caso exista a (indesejável) possibilidade de reeleição. Para se candidatar a senador, a idade mínima é de 35 anos ― contra 21 para os deputados ―, daí porque o Senado é composto de políticos supostamente mais experientes e chamado de Câmara Alta.

Por hoje é só, pessoal. O resto fica para a próxima postagem.

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