quarta-feira, 2 de maio de 2018

O QUE ESPERAR DO “SUPREMINHO”? (FINAL)

Gilmar Mendes nasceu em Diamantino (MS), formou-se em Direito pela Universidade de Brasília e fez mestrado e doutorado na Universidade de Münster, na Alemanha. Foi procurador da República e consultor jurídico da Presidência no governo Collor e assessor técnico do Ministério da Justiça e ministro-chefe da AGU na gestão de FCH. Preencheu a vaga do ministro José Néri da Silveira no STF, presidiu a Corte de 2008 a 2010 e é ministro efetivo do TSE, que também presidiu até fevereiro passado, quando foi substituído pelo ministro Luiz Fux.

Sobre essa figura prosaica, bastaria relembrar as definições (lapidares) do ministro Luis Roberto Barroso, que vê o colega como uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia, ou de J.R. Guzzo, para quem Mendes é uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país. Mas vale a pena ir um pouco mais além.

Antipetista ferrenho e defensor incondicional do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância, o ministro-deus virou a casaca de uma hora para outra e abraçou a tese de Toffoli ― que, em linhas gerais, defende a prisão dos condenados somente após a decisão de terceira instância ―, tornando-se o ídolo da petelândia (aliás, depois que Lula foi preso, seu gabinete virou ponto de romaria de petistas).

Em público, Mendes não poupa ataques ao PT, a quem já responsabilizou pelo “germe ruim da violência”, pela desinstitucionalização do país, pela sindicalização e excesso de poderes do MPF e por más escolhas para o Supremo. Nos bastidores, no entanto, confabula alegremente com dirigentes do partido, que no passado distribuíram uma cartilha onde o acusavam de “manobras e declarações antipetistas incompatíveis com o recato e a imparcialidade de um juiz” (volto a romance mais adiante). Fato é que, desde que passou a se manifestar contra o cumprimento imediato de pena após condenação em segunda instância, o ministro supremo se tornou uma espécie de oráculo para os petistas que querem tirar Lula da cadeia. Basta dizer que, para o ex-ministro petista Gilberto Carvalho ― uma das pessoas mais próximas a Lula ―, “nos corredores do Supremo, o ministro mato-grossense já é conhecido como “Gilmar, o guerreiro do povo brasileiro”.

Somente no ano passado, Mendes foi alvo de seis pedidos de impeachment ― dois os quais foram arquivados pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira, antes mesmo que tivessem qualquer tramitação. O último, apresentado no dia 22 de dezembro, foi embasado num abaixo-assinado virtual com 1,7 milhão de apoios e fundamentado na conduta incompatível do jurista com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções; o exercício de atividade político-partidária; a prática de atitude patentemente desidiosa no cumprimento dos deveres do cargo; o proferimento de julgamento quando deveria se declarar legalmente suspeito na causa, e o estabelecimento de relações com investigados.

Observação: Além de Mendes, também são alvos de pedidos de impeachment os ministros Toffoli e Lewandowski, mas isso já é outra conversa).

Dias atrás, mais um pedido foi protocolado, desta vez pelo renomado jurista Modesto Carvalhosa. Entre as razões elencadas, destaco as seguintes:

Gilmar telefonou espontaneamente ao ex-governador Silval Barbosa, horas antes de ele ser preso em flagrante na Operação Ararath, hipotecando-lhe solidariedade e prometendo interceder a seu favor junto ao ministro Toffoli, que era o relator do inquérito.

Gilmar votou contra a prisão de Éder de Moraes Dias, secretário da Casa Civil e da Fazenda desse mesmo ex-governador ―, segundo a PF, Dias foi o principal operador do esquema de corrupção descoberto na Ararath.

Gilmar teve inúmeros encontros fora da agenda com Michel Temer, alegando “velha amizade”, e ainda assim, com voto de minerva no Tribunal Superior Eleitoral, absolveu a chapa Dilma-Temer de abuso de poder político e econômico, preservando o mandato do amigo. Nesse processo, a ex-mulher do ministro, Samantha Ribeiro Meyer-Pflug, emitiu parecer favorável a Temer, que depois viria a nomeá-la conselheira da Itaipu Binacional. Aliás, o presidente também nomeou Francisval Dias Mendes, primo de Gilmar, diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários.

Gilmar, agindo como verdadeiro soldado do PSDB, a despeito de ser o relator de quatro dos nove inquéritos contra Aécio Neves, aceitou o pedido do tucano para convencer o senador Fernando Flexa Ribeiro a seguir determinada orientação no tocante a projeto de lei de abuso de autoridade, e desprezando o fato de sua atual mulher trabalhar no escritório que defendia os interesses do notório Eike Batista, mandou libertar o megaempresário de festim da prisão.

― Por três vezes, Gilmar livrou da cadeia o empresário Jacob Barata Filho, milionário do setor de transportes do Rio de Janeiro, cuja filha se casou com um sobrinho de Guiomar Mendes, mulher do ministro. Mais: Francisco Feitosa, irmão de Guiomar, é sócio de Barata.

Gilmar mandou soltar o ex-presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Rio, Lélis Marcos Teixeira, que, a exemplo de Barata, é cliente do escritório de advocacia integrado por Guiomar Mendes.

Gilmar votou no processo de anulação da delação premiada dos proprietários do grupo J&F, a despeito de ter recebido da JBS R$ 2,1 milhões em patrocínio para eventos do Instituto de Direito Público, empresa da qual é sócio. Também determinou a soltura de José Riva, ex-presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso ― conhecido como “o rei da ficha suja no Brasil” ―, que foi defendido por Rodrigo Mudrovitsch, não só professor do IDP, mas também advogado do ministro em outra causa.”

No último dia 24, Mendes foi um dos três membros da 2ª Turma do STF que votaram a favor da retirada de trechos das delações da Odebrecht dos processos sobre a reforma do sítio em Atibaia e da compra de um terreno do Instituto Lula, que tramitam na 13ª Vara Federal em Curitiba (assunto largamente discutido em postagens anteriores). Mas não é só: Mendes tem defendido que o Supremo reveja a pena por lavagem de dinheiro imposta a Lula ― crime que, na visão de alguns juristas, não estaria caracterizado no caso do tríplex.

No último dia 11, durante o julgamento do pedido de habeas corpus de Palocci, Mendes criticou duramente o MPF e disse que o Supremo pode se tornar “cúmplice de grandes patifarias que estão a ocorrer”, citando como exemplo o caso do advogado do marqueteiro João Santana, Diogo Castor de Mattos, que é irmão de Rodrigo Castor de Mattos, procurador da Lava-Jato em Curitiba. Em nota, a Força-Tarefa disse que as declarações do ministro sobre Castor desbordam o “desequilíbrio” e são baseadas em imputações falsas, já que o procurador nunca atuou em processos ligados a João Santana. Uma semana depois, os deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira procuraram Gilmar para lhe repassar informações colhidas junto a Rodrigo Tacla Durán, ex-advogado da Odebrecht, que é acusado pela Lava-Jato de operar propinas e um esquema de lavagem de dinheiro para a empreiteira.

Segundo a revista Época, o namoro de Mendes com o PT é de conveniência ― e as duas partes sabem disso. Os petistas veem no ministro um aliado precioso no momento em que Lula está preso, e Mendes, com o apoio do PT, reverbera suas teses garantistas. Mas a relação é marcada por altos e baixos.

Quando Mendes era advogado-geral da União (no governo FHC) e foi indicado para o Supremo, os então senadores petistas José Eduardo Dutra e Eduardo Suplicy estiveram na linha de frente da resistência à aprovação de seu nome. Quando Lula se elegeu pela primeira vez, Mendes já estava na Corte, e o advogado brasiliense Sigmaringa Seixas, amigo do ex-presidente, costurou a aproximação dos dois, argumentando que, apesar de seu estilo tonitruante, o ministro tinha “cabeça de Estado” e seria um aliado importante do governo quando as causas da União fossem à votação no Supremo.

Mendes passou a frequentar o Alvorada, e Marisa Letícia e Guiomar Mendes se tornaram amigas. Em 2008, devido à história de um grampo ilegal de uma conversa entre Mendes e o então senador Demóstenes Torres, a “lua-de-mel” ficou estremecida. Mesmo assim, o ministro que atribuía o grampo (cujo áudio nunca se tornou público) a uma espionagem da Abin, conseguiu a cabeça de Paulo Lacerda, então comandante da agência, que foi “rebaixado” a adido da PF em Lisboa.

Mais uma vez restaurada, desta feita com a ajuda de Dias Toffoli, a relação de Gilmar com Lula e o PT desandou novamente com o julgamento do mensalão. Em 2012, o ministro vazou para a imprensa a história de um encontro com Lula no escritório do ex-ministro Nelson Jobim, no qual o ex-presidente o teria pressionado a adiar julgamento por razões eleitorais. A notícia provocou escândalo, os dois se afastaram e, no julgamento do mensalão, o mininistro foi duro na condenação dos petistas.

Em 2016, em decisão liminar, Mendes suspendeu a nomeação de Lula para a Casa Civil de Dilma ― segundo ele, tratava-se de uma clara tentativa de obstrução da Justiça e dos trabalhos da Lava-Jato. Após o impeachment de Dilma, no entanto, o ministro voltou a ser “o velho Gilmar”. Quando do falecimento de Marisa Letícia, em fevereiro de 2017, Mendes ligou para Lula para transmitir condolências e passou o telefone para dona Guiomar, que falou com o ex-presidente aos prantos.

Resumo da ópera: com os petistas a seu lado, Mendes ganha aliados para intensificar a divulgação de suas teses “garantistas” no Supremo, mas, ainda segundo Época, a reaproximação de agora se dá num vácuo, já que o PT acumula decepções com os ministros nomeados para o STF nos governos de Lula e Dilma ― no último dia 4, quando a Corte avalizou a prisão do molusco, cinco dos seis votos contra o habeas corpus foram de ministros nomeados nas gestões petistas: Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso (o sexto foi de Alexandre de Moraes, indicado por Michel Temer).

O maior dissabor dos petralhas é Edson Fachin, que chegou ao STF com apoio ostensivo do MST e de petistas graduados, como a senadora Gleisi Hoffmann e Gilberto Carvalho. Mas os demais também não são poupados do ressentimento vermelho. A presidente Cármen Lúcia, por exemplo, por se recusar a pautar as ações de constitucionalidade que poderiam mudar a jurisprudência do tribunal sobre a prisão em segunda instância e por demorado quase duas semanas para responder a um pedido de audiência de Sepúlveda Pertence ― que se empenhou para que a ministra fosse nomeada em 2006 (na ocasião, boa parte da cúpula petista apoiava a tributarista mineira Misabel Derzi).

Rosa Weber também é alvo de queixas dos petistas. Dona do voto decisivo para a rejeição do habeas corpus de Lula, ela a única integrante da Corte que não recebeu o jurista Celso Bandeira de Mello para falar sobre a ADC patrocinada por ele em nome do PCdoB. Luís Roberto Barroso, outro ministro indicado por Dilma, era a esperança dos petralhas para contrabalançar o antipetismo de Gilmar Mendes (Barroso virou a maior pedra no sapato do ministro-deus, mas não do jeito que a patuleia imaginava). Edson Fachin, de quem já tratamos no post anterior, e Luiz Fux também foram indicados por Dilma. Fux foi nomeado graças ao lobby de Dirceu e Palocci ― o guerrilheiro de araque esperava que o ministro o absolvesse no caso do mensalão, mas tomou na tarraqueta, e o mesmo se pode dizer de Palocci, já que Fux votou pela rejeição de seu HC.

Por essas e outras, não espanta que o trio assombro togado venha “fazendo o diabo” para tirar Lula e seus comparsas da cadeia e alinhando-se sistematicamente contra o ministro-relator da Lava-Jato ― que parece ser o único preocupado em fazer cumprir a Lei e defender os interesses da nação. Escusado detalhar a cizânia que tomou conta do STF, até porque isso já foi objeto de outras matérias, mas torno a citar o exemplo da maracutaia da última terça-feira, que tirou da jurisdição do juiz Sérgio Moro parte da delação da Odebrechta pretexto de não existir relação com a corrupção da Petrobras. Aliás, segundo O ANTAGONISTA, o aspecto mais irritante do voto de Toffoli, o eterno advogado do PT, é que ele trata os brasileiros como idiotas. “Não diviso, ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos nos termos de colaboração com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras”, disse o petralha de toga.

No entanto, é público e notório que o petrolão nasceu de um encontro entre Lula e Emílio Odebrecht , em 2001. Na oportunidade, o empreiteiro ofereceu propina para a campanha presidencial em troca do controle do setor petroquímico, concretizado pela Braskem, a sociedade entre a Petrobras e a Odebrecht

Em documento homologado pelo próprio STFEmílio Odebrecht relatou: “Hoje compreendo que a nossa presteza e o nosso volume de pagamentos feitos a pretexto de contribuição para campanhas eleitorais, além de nossa relação de confiança estabelecida há mais de 12 anos à época, contribuíram para a continuidade da privatização do setor petroquímico e nas decisões que tanto o ex-presidente Lula quanto outros integrantes do quadro do PT tomaram durante sua gestão, que foram coincidentes com os nossos interesses e fundamentais para o crescimento e consolidação da Braskem”. E Marcelo Odebrecht e Pedro Novis foram ainda mais claros em seus depoimentos.

Ao fim e ao cabo, a insegurança jurídica promovida pelo Supremo descortina a um caminho perigoso para a sociedade, mas benéfico para Lula, pois o festival de horripilâncias poderia anular sua condenação no caso do tríplex do Guarujá e, por tabela, livrá-lo da Lei da Ficha Limpa e permitir-lhe participar das próximas eleições. Responsável pelos casos da Lava-Jato na Corte, a 2ª Turma se transformou no “sonho de consumo” dos presos pela operação. Torçamos para que o bom senso prevaleça, e que a maioria dos ministros impeça que um descalabro aconteça.

Observação: Carlos Alberto Sardenberg comentou no CBN Brasil da última terça-feira que, numa disputa em Goiás, houve oito embargos de declaração, dois agravos e dois embargos dos embargos do agravo. A ementa do STJ repete 12 vezes a expressão sem sentido embargo de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração. Mas a chicana produziu efeito: a decisão final do processo foi protelada por anos a fio.  

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