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sábado, 7 de dezembro de 2019

E DÁ-LHE ÓLEO DE PEROBA




A vida passa, o tempo voa, os governos mudam de Lula para Bolsonaro e o Brasil continua sem saber quem são os seus inimigos reais — aqueles que funcionam como um exército de ocupação, extorquem o seu dinheiro pelas mais diversas formas que o ser humano pode imaginar e impõem, no fim das contas, uma tirania não declarada sobre toda a população do país. Ou melhor: sabe-se muito bem quem são eles, até porque estão dia e noite em todas as plataformas da mídia. Mas não há mais ânimo nem meios nem força para combatê-los. 

O resultado é que fica todo mundo procurando saber o que há “de errado com esse país”, e o mais errado de tudo está na cara de todo mundo: a casta de parasitas que ocupa regiões inteiras do funcionalismo público nacional.

Concentram renda. Consomem recursos que pertencem a todos. Emperram o funcionamento da máquina que devia servir a população. Obrigam pessoas e empresas a obedecer regras que não existem na lei — são legisladores, executivos e juízes ao mesmo tempo. Levam o país a dispender três vezes mais esforço, trabalho e energia para avançar cada decimal de ponto no crescimento do PIB.

Grande parte da atividade realizada hoje pelo poder público brasileiro, talvez a maior parte, consiste na tarefa, jamais terminada, de atender essa gente — nomear, pagar, dar aumentos, apaziguar, fazer com que se reproduzam. Sua modalidade mais degenerada, provavelmente, são os cargos chamados DAS, uma manada que tem entre 20.000 e 25.000 pessoas só no governo federal. Ninguém, nem com os programas de computador mais irados, sabe ao certo quantos são. Consomem quantidades desconhecidas de dinheiro do erário em salários e benefícios — acima de R$ 1 bilhão por ano, certamente, mas podem estar custando muito mais que isso ao contribuinte.

Não têm, ao contrário do que se exige da imensa maioria dos servidores públicos, de prestar concurso ou demonstrar qualquer competência para ocupar os seus cargos. Eles são de “livre nomeação” do Poder Executivo, que os utiliza como moeda de troca para obter votos e apoio no Congresso.
São apadrinhados de senadores e deputados que chantageiam o governo 365 dias por ano com o mesmo problema: ou vocês nomeiam quem eu estou pedindo, ou então eu viro oposição na hora de votar seja lá o que for.

Isso é só um pedaço da tragédia. Nos níveis estaduais e municipais, a casta dos ocupantes de cargos de “livre provimento” deve andar por volta de 800.000 apaniguados. A despesa com eles, como ocorre com os demais números nessa salada, é incerta – mas tem sido calculada em alguma coisa entre R$ 30 bilhões e R$ 35 bilhões por ano.

Não se pode esquecer, enfim, os premiados com “funções especiais”, presentes também na área federal, e todos os que se beneficiam da usina de produzir trapaças no serviço público que funciona em tempo integral do Oiapoque ao Chuí. Em suma: quer saber por que falta tanta coisa, em termos das necessidades mais elementares para a população? Porque riquezas que são devidas a todos vão direto para a turma do “livre provimento” e dos políticos que a controlam. 

Há ainda muita coisa que poderia ser dita, mas será mais do mesmo. O fato é que está aí, nessa multidão que ocupa o verdadeiro centro nervoso do “debate político” no país, o mais intratável inimigo de toda a sociedade brasileira. Estão discutindo furiosamente, neste exato momento, a “liberação” de mais nomeações, fazendo um “esforço concentrado”, como eles próprios chamam as suas tentativas mais agressivas de aprovar com rapidez alguma coisa — em geral, alguma coisa da qual vão tirar proveito material imediato. Depois vão lhe dizer, nas mesas redondas de especialistas, que o Brasil está diante de graves problemas de “articulação política".

Como se sabe, o Congresso Nacional, uma das nossas “instituições”, roubou dos cidadãos deste país, em plena luz do dia, uma montanha de dinheiro para distribuir entre “os partidos”, com a desculpa velhaca de que precisam de recursos do erário público para pagar as despesas que têm de fazer no exercício da atividade política. É o infame “Fundo Partidário”. Na melhor das hipóteses, iriam meter a mão em 1,7 bilhão de reais. O governo tenta segurar o valor do assalto em 2 bi. Os deputados estão querendo mais de 4, simplesmente o dobro, para o ano que vem.

Não há uma única coisa em toda essa história que seja verdadeira. O dinheiro não vai para os “partidos” — vai, na prática, para as pessoas que mandam neles. É falso que, ao saquear dinheiro público, os políticos estejam evitando a extorsão de dinheiro privado para pagar suas campanhas eleitorais e outros gastos; vão fazer as duas coisas ao mesmo tempo, apenas isso. 

Os recursos do “Fundo Partidário” não se destinam a pagar despesas legítimas (vá lá) da ação política — os parlamentares querem usar esses bilhões para virtualmente tudo, do pagamento de diárias de motel a honorários de advogados criminalistas para defendê-los em seus processos na justiça. Quer saber quem são as pessoas honestas e quem são as desonestas no Congresso brasileiro? É muito fácil. Honesto, de verdade, só há um tipo: o que se recusa a usar a verba do “Fundo”.

É difícil encontrar uma maneira mais estúpida de se tomar decisões do que entregá-las a pessoas que não vão pagar nada se elas derem errado”, diz o pensador americano Thomas Sowell. Perfeito, professor. Eis um retrato maravilhoso de como as coisas funcionam neste país.

Com J.R. Guzzo.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

JUDICIÁRIO E LEGISLATIVO — O CHOQUE DE REALIDADE




Enquanto aguardamos o segundo capítulo da historinha que comecei a contar no post anterior, vamos a um choque de realidade:

Segundo Dora Kramer, soam exageradas e alarmistas as interpretações de que essa ou aquela decisão do Supremo, notadamente a que abrigou a tese da última palavra a réus delatores, tenha o condão de dar um fim na Lava-Jato. A posição da maioria do tribunal, expressa nesta quinta-feira, é um revés, mas está longe de representar o enterro da operação. A despeito de esse ser o desejo de muitos, nos Poderes, e até na sociedade, não há condições objetivas de se fazer tábula rasa dos efeitos jurídicos, políticos e sociais da maior ofensiva contra a corrupção já vista no Brasil. O Supremo aprovou uma tese, que serve como referência, mas não tem efeito vinculante por ter origem num habeas corpus. Torçamos para que a previsão de Dora esteja certa.

Quanto ao Congresso Nacional, sua desmoralização foi fruto de um trabalho árduo dos parlamentares por décadas a fio de submissão aos mandos do Palácio do Planalto e de obediência militante aos desmandos cometidos em causa própria. Uma obra assim não se desfaz num repente. Tanto é que as pesquisas recentes não apontam melhoria na imagem do Parlamento, a despeito da mudança de comportamento no início da atual legislatura.

Sábia, a opinião pública preferiu aguardar o caminhar da carruagem antes de acreditar numa efetiva correção de rumos. O que parecia uma nova fase revelou-se como mera encenação, encerrada assim que a Câmara aprovou a reforma da Previdência, passando a bola ao referendo do Senado. Pelo visto, com o intuito de dar por enterrado o ativismo congressual em prol de uma agenda voltada para a sociedade, de curta duração.

Já no início do segundo semestre, o Parlamento retomou a velha prática de se ocupar primordialmente dos interesses internos, e o fez com uma sede dos desertos. Em dois meses, os congressistas aprovaram uma lei que, a pretexto de coibir abusos por parte de autoridades, pretende inibir a ação dos que têm como função justamente atuar contra condutas abusivas à lei, coisa que no auge do prestígio da Lava-Jato não conseguiram.

Eles voltaram ao antigo hábito de usar de suas prerrogativas para mandar “recados” aos outros dois poderes, retaliá-los quando contrariados e exigir contrapartidas do Executivo e do Judiciário. No primeiro caso, a liberação de emendas ao Orçamento em troca de votos: o Senado pede 5 bilhões de reais e a Câmara, 3 bilhões. No segundo, a reação contra o Supremo por causa de uma ordem de busca e apreensão no gabinete do senador Fernando Bezerra, autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, em nome da qual foi adiada a votação da reforma da Previdência, pois os senadores consideraram prioritária sua pauta corporativista.

Ainda no rumo do retrocesso, suas majestades aprovaram alterações na legislação eleitoral que, entre outros disparates, praticamente revogam a lei da Ficha-Limpa ao permitir registros de candidaturas sem o crivo de legalidade imposto pelo TSE. De passagem, deputados e senadores reivindicam que o caixa público coloque à disposição das campanhas quase 5 bilhões de reais, montante equivalente à soma do dinheiro do fundo partidário (mais de 950 milhões de reais) aos 3,7 bilhões pretendidos para o fundo eleitoral.

Tudo isso com o beneplácito de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia. Agora despidos do figurino de estadistas, parecem mesmo empenhados em cultivar o eleitorado, uma vez que a partir do próximo ano tratarão abertamente de um tema já articulado nos bastidores e do interesse de ambos: a reeleição para a presidência do Senado e a da Câmara.

Pela Constituição, nenhum dos dois pode se candidatar, pois é vedada a recondução aos cargos dentro de um mesmo mandato. E é na tentativa de amealhar apoios para a aprovação de uma emenda liderando a reeleição que se revela quanto o uso excessivo do cachimbo deixa as bocas tortas.

Quanto a essas ponderações, eu, pelo menos, não vejo como discordar.

sábado, 28 de setembro de 2019

AINDA SOBRE O "CASO JANOT" E O DISCURSO DE BOLSONARO



Ainda sobre o supremo buchicho da última quinta-feira, o prosseguimento ficou marcado para a próxima quarta, quando então a composição plenária contará com a presença do anjinho barroco primo de Collor, e todos ouvirão atentamente a solução que o mestre de cerimônias do circo supremo promete tirar magicamente da cartola. Até lá, resta-nos a certeza de que as forças do bem nem sempre vencem o mal: a despeito do didatismo do relatório do ministro Fachin, das ponderações lúcidas dos ministros BarrosoFux, o entendimento que prosperou foi o de que, quando se trata de favorecer criminosos, normas estranhas aos nossos diplomas legais (e não estou falando aqui de leis consuetudinárias) podem e devem ser aplicadas, sobretudo se ajudarem a pavimentar a estrada dos tijolos vermelhos que leva à soltura do sórdido criminoso de Garanhuns. Também na quinta-feira, causou frisson a notícia de que Rodrigo Janot chegou ao cúmulo de entrar armado no STF para exterminar Gilmar Mendes e dar cabo da própria vida. Vamos aos detalhes.

Janot e a maritaca de Diamantino (se me permitem parafrasear o brilhante jornalista Augusto Nunes) foram empossados no Ministério Púbico em 1984, mas a relação degringolou por motivos que o ex-procurador geral detalha em seu livro Nada Menos que Tudo (Editora Planeta), a ser lançado na próxima semana. Em 2017, ao rebater críticas do então PGR ao andamento dos processos no STF, o semideus togado afirmou que a atuação de Moro é que era muito rápida (!?). Em março do ano seguinte, acusou Janot de divulgar de forma indevida informações de processos sigilosos. Este, sem citar nominalmente o desafeto, rebateu: "Não vi uma só palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre esta imputação ao Congresso, ao Palácio e até o Supremo".

O clima azedou ainda mais depois que Rodrigo Janot passou a mirar suas flechadas no então presidente Michel Temer, com quem o togado supremo era carne e unha. Depois que deixou a PGR, o procurador e o ministro se estranharam num voo para a Europa. Mais adiante, durante palestra em Washington, disse Janot (referindo-se a Gilmar): "Ninguém tem essa capacidade de odiar gratuitamente a várias pessoas a não ser que tenha algum problema, né, de saúde". Pouco antes, durante uma sessão no STF, o togado afirmou que o PGR deveria ter pedido a própria prisão diante do malogro das investigações do caso JBS: "Eu sou da turma de 84. Certamente já ouvimos falar de procuradores preguiçosos, de procuradores violentos, alcoólatras, mas não de procuradores ladrões. É disso que se cuida aqui, corruptos num processo de investigação. Essa pecha a Procuradoria não merecia ao fazer investigação criminal".

"Ele [Janot] não tem preparo jurídico nem emocional para dirigir um órgão dessa importância", disse o ministro em outra oportunidade, depois de afirmar que o Ministério Público ficou "a reboque das loucuras" do inimigo. A animosidade entre ambos cresceu a ponto de levar Janot pensar em matar Mendes. Em entrevista ao Estado, disse o ex-procurador: “Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Mendes) e depois me suicidar”. O motivo teria sido uma notícia sobre a participação da filha de Janot na defesa da OAS: “Foi logo depois que eu apresentei a sessão (...) de suspeição dele no caso do Eike. Aí ele inventou uma história que a minha filha advogava na parte penal para uma empresa da Lava Jato. Minha filha nunca advogou na área penal... e aí eu saí do sério”.

Em 15 de setembro, Mendes voltou a criticar Janot e o comparou ao médico Simão Bacamarte, de "O Alienista", clássico do escritor Machado de Assis. Na história, o médico resolve internar a si próprio em um hospício. "Acredito que a gestão do procurador Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República foi sem dúvida alguma a mais infeliz, a mais desastrosa. Faltou institucionalidade, houve abuso de poder, houve tentativa de transformar a Procuradoria em palanque político. O procurador-geral quase que chegou à situação tal qual o personagem principal do livro 'O Alienista'. Ao final de seu mandato, quase que o procurador-geral pediu sua própria prisão preventiva".

Momentos antes da última participação de Janot em sessão plenária no STF, Gilmar citou um verso de Bocage para se referir à despedida: "Eu diria em relação ao procurador-geral Janot uma frase de Bocage: 'Que saiba morrer quem viver não soube'"Janot respondeu: "Mas tudo isso já encontra-se no passado. Os mortos, então, deixai-os a seus próprios cuidados". E acrescentou: "As páginas da história certamente hão de contar com isenção e verdade o lado que cada um escolheu para travar sua batalha pessoal nesse processo".

Dada a extensão deste texto, volto ao assunto no post de amanhã, quando então comentarei também a decisão estapafúrdia tomada pela nossa mais alta corte de injustiça na sessão plenária da última quinta-feira. Fiquem com o texto que eu havia preparado para hoje:

O discurso que nosso indômito presidente proferiu no último dia 24 já é notícia velha, mas a mídia continua repercutindo mesmo assim. Na manhã desta quinta-feira, incomodado com a reação negativa da imprensa, o capitão afirmou ter assistido a própria fala novamente e que considerou suas posições agressivas. "Queriam alguém lá que fosse para falar abobrinha, enxugar gelo e passar o pano?", questionou. "Não fui ofensivo com ninguém. Assisti ao que eu falei, seria muito mais cômodo eu fazer um discurso para ser aplaudido, mas não teria coragem de olhar para a cara de vocês aqui". Disse ainda reconhecer que o governo tem enfrentado algumas derrotas no Congresso, mas que isso é normal na democracia, pois não pode impor sua vontade em tudo. "O parlamento tem um freio necessário, às vezes a gente não concorda, mas tem que respeitar", sentenciou o "mito". É verdade. Pena que boa parte dos congressistas não valha dois tostões de mel coado.

Repito aqui o tuíte de Guilherme Fiuza: " O discurso de Bolsonaro na ONU decepcionou a intelectualidade mundial. Não teve a genialidade da Dilma, a honestidade do Lula, o biquinho do Macron, os suspiros da Bachelet, não salvou as girafas da Amazônia, não demitiu Sergio Moro e ainda disse que a verdade liberta. Não dá."

Enquanto nosso presidente desfilava seu júbilo em Nova York, seu "novo Brasil" apodrecia em Brasília. Horas depois de sua estreia na ONU, seu líder no Senado, Fernando Bezerra Coelho, escalou a tribuna para discursar sobre a acusação de que recebeu R$ 5,5 milhões em propinas na época em que foi ministro da Integração Nacional do velho Brasil presidido por Dilma, a insuportável. Disse pouco em sua defesa. Preferiu queixar-se da batida policial realizada em seus endereços pela PF, subordinada ao "símbolo" Sergio Moro, e posar de perseguido: "Fui vítima de uma operação política, articulada para atingir o Congresso Nacional e o governo do presidente Jair Bolsonaro, do qual tenho a honra de ser líder no Senado Federal", declarou o coelho maroto.

Embora não se considere alvo da investigação criminal, Bezerra evocou sua condição de cliente de caderneta da Lava-Jato para expressar sua fé no futuro: "Pela ausência de elementos comprobatórios, [o caso] terá o mesmo destino de outras acusações que enfrentei: o arquivamento. Inclusive com força de decisão do STF. Que fique claro, senhores parlamentares, não temo as investigações. Digo com veemência que jamais excedi os limites impostos pela lei e pela ética".

A despeito do destemor, o obelisco da probidade pediu ao Supremo que ordene a devolução de todo o material recolhido pela PF, por tratar-se de prova ilícita. Foi socorrido também pela advocacia do próprio Senado, que preparou petição sobre a suposta ilegalidade dos mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Luís Roberto Barroso. Formou-se ao redor do senador desconsolado um denso e comovente cinturão de solidariedade. Inclui do PT, sócio majoritário do MDB de Bezerra nos governos que levaram o Brasil "à beira do socialismo", até o DEM de Davi Alcolumbre, guindado à presidência do Senado com o apoio do chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, um ministro do "novo Brasil".

Sob a liderança de Alcolumbre, uma caravana pluripartidária de 15 senadores cruzou a Praça dos Três Poderes para entregar a Toffoli, o luminar, o recurso preparado pela advocacia do Senado. Os defensores de Bezerra revelam-se capazes de quase tudo, exceto de tomar as dores de quem lhes paga o salário: o brasileiro em dia com suas obrigações tributárias.

Indefeso, o contribuinte assiste ao início da exposição dos achados da PF. Relatório enviado pelo delegado Edson Lopes ao ministro Barroso empilhou itens encontrados nos endereços de Bezerra e do seu primogênito, o deputado Fernando Coelho Filho, também sob investigação. Há coisas constrangedoras na lista — de dinheiro vivo a arquivo digital chamado "doadores ocultos"; de indícios de transferências imobiliárias a um automóvel registrado no nome de empresa cujo sócio é investigado como operador do esquema sob investigação.

Por enquanto, coelhão e coelhinho silenciam sobre os indícios. Seu silêncio não resolve o problema, mas é extremamente útil para ouvir os ruídos da reação corporativa do Legislativo. Em meio ao sacolejo, culpados e cúmplices se uniram no plenário do Congresso para derrubar 18 dos 33 vetos que Bolsonaro havia aplicado à lei sobre abuso de autoridade. Foram restaurados artigos que o "símbolo" Sergio Moro considera inibidores do trabalho de juízes, procuradores e investigadores. Mantido o padrão da contraofensiva, o país "socialista" resgatado pelo capitão à "beira do abismo" logo acusará o "novo Brasil" de plágio.

Como toda unanimidade é burra, vale citar a opinião do PT sobre a fala presidencial, que ecoou o sempre lúcido, isento e ponderado pensamento da líder nacional da quadrilha, deputada Gleisi “Lula” Hoffmann. A petralhada sórdida afirmou que o discurso foi permeado de ataques infundados, Fake News e muita, muita teoria conspiratória dos anos 70: Bolsonaro atacou governos petistas, países vizinhos, a mídia internacional e a sanidade mental dos ouvintes, bem como envergonhou o povo brasileiro ao tentar justificar a destruição que provoca no país, desmontando estatais, prejudicando os mais pobres e instaurando a censura e o preconceito. É curioso que, para o PT, quem envergonha o país é Bolsonaro, e não o presidiário condenado.

Aliás, Lula vai apresentar (mais) uma queixa na ONU, desta vez contra Jair Bolsonaro. O criminoso de Garanhuns alega que o presidente violou seus direitos ao dizer, na Assembleia Geral, que seus antecessores roubaram centenas de bilhões de dólares. Isso, sim, é uma vergonha internacional.

Com Josias de Souza e O Antagonista.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

DAVI X GOLIAS DE ALAGOAS - A COMÉDIA PASTELÃO NA ELEIÇÃO DA MESA DIRETORA DO SENADO


Como o primeiro dia do ano legislativo de 2019 caiu numa sexta-feira, nossos caríssimos parlamentares foram obrigados a trabalhar num dia em que tradicionalmente o Congresso fica às moscas. Sem grandes turbulências, o deputado federal Rodrigo Maia, vulgo Bolinha — aquele da Luluzinha, criado nos anos 1930 por Marjorie (Marge) Henderson Buell — foi reeleito presidente da Câmara. A sessão teve direito a salva de palmas, rasgação de seda, discursos emocionados e agradecimentos marejados de lágrimas. Muito tocante.

Já no Senado o que se viu foi uma comédia pastelão com direito a repeteco na tarde deste sábado. Tudo começou com a questão do voto, se aberto ou secreto. Renan Calheiros, que coleciona inquéritos no STF e já presidiu o Senado quatro vezes, não costuma jogar para perder, e sabe muito bem que o voto nominal esvaziaria sua candidatura, já que parte dos seus eleitores, receosos do vínculo com sua imagem radioativa, ficariam constrangidos em declarar o voto (aliás, falando na podridão alagoana, o ex-presidente impichado Fernando Collor de Mello, cuja ficha-corrida dispensa maiores apresentações, também é candidato).

Antevendo a derrota do Cangaceiro das Alagoas, seu bando — com destaque para a senadora Katia Abreu (PDT-TO), que chegou a ocupar a Mesa Diretora e arrancar das mãos de Davi Alcolumbre a pasta que continha os documentos referentes à sessão — trabalhou para adiar o embate até que o ministro Dias Toffoli acolhesse pedido de anulação da votação prévia em que, por 50 votos a 2, os senadores decidiram pelo voto aberto.

Na manhã deste sábado, depois que o ministro supremo manteve o voto secreto, os trabalhos foram retomados sob a batuta do macróbio José Maranhão (MDB-PB), que é aliado declarado de Renan. Às 15h35, depois que o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) terminou a leitura da decisão de Toffoli e todos os candidatos concluíram seus infindáveis discursos, Maranhão deu início à votação.

Às 18h45, já se dava como certa a vitória de Davi, sobretudo depois que o Golias de araque retirou sua candidatura e deixou o plenário.

Faço um aditamento pela manhã ou deixo para analisar o resultado no post de amanhã, dependendo do que acontecer. Tenham todos um ótimo domingo.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

O NAUSEABUNDO CENÁRIO POLÍTICO — CONTINUAÇÃO



Retomando o que eu dizia na postagem anterior, nada menos que 35 partidos estão inscritos na Justiça Eleitoral, mas contam-se nos dedos de uma só mão os que têm identidade, programas definidos e uma linha ideológica mais ou menos clara. A maioria vive do fundo partidário, de mercadejar apoio ao presidente da República e, em anos eleitorais, de fazer coligações espúrias para vender a peso de ouro seus preciosos segundo de exposição no horário político obrigatório. Em vez de discutir programas que atendam às necessidades do eleitorado, eles tramam conchavos baseados na conveniência e no oportunismo, visando aumentar sua cota nos fundos partidários.

Os deputados federais são eleitos pelo sistema proporcional — o que propicia situações em que nem sempre o candidato mais votado é o que preenche a vaga, ou casos em que candidatos com poucos votos conseguem um mandato na Câmara. Ao votar num candidato, o eleitor vota também no seu partido ou coligação, e a apuração leva em conta o quociente eleitoral — isto é, a divisão do número de votos válidos para o cargo pelo número de cadeiras a serem preenchidas, que, na Câmara, varia de 8 a 70, conforme a população dos estados — e o quociente partidário — número de votos obtidos pelo partido ou coligação dividido pelo quociente eleitoral. O resultado é o número de cadeiras a que o partido ou aliança terá direito a preencher. 

Os senadores também são eleitos pelo voto proporcional, mas são em menor número (81 senadores contra 512 deputados) e têm mandato de 8 anos que terminam em anos “desencontrados”. Neste ano, 54 senadores (2/3 do total) terão de se reeleger ou largar o osso; já a terça parte restante só terá de se preocupar com isso em 2022 (volto a esse assunto mais adiante).

Para driblar o fim das doações empresariais — que foram proibidas pelo STF em 2015 —, o Legislativo aprovou no ano passado a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que distribuirá mais de R$ 1,7 bilhão de dinheiro público (seu, meu, nosso) para os partidos. Diferentemente do fundo eleitoral — de R$ 888 milhões, que serve para garantir o financiamento dos partidos, mas também pode ser usado para financiar campanhas nestas eleições —, o dinheiro desse "fundão" precisa ser restituído aos cofres públicos se não for integralmente utilizado. A questão é que os partidos podem pode canalizar sua cota-parte como bem entenderem, o que fortalece seus “caciques” e aumenta as chances de elegerem uma bancada grande no Congresso, o que lhes garante mais dinheiro público para sustentar a legenda e financiar as próximas eleições.

Ao reduzir o tempo de campanha para apenas um mês e meio (antigamente eram três), criar esse fundo e concentrar o dinheiro na mão dos caciques, os parlamentares facilitaram sua permanência no poder, já que as mudanças favorecem quem tem mandato e estrutura montada — ou seja, os políticos tradicionais. Ainda que uma boa parte desses políticos tenha sofrido desgastes com as investigações da Lava-Jato, seus nomes têm um mercado eleitoral mais ou menos cativo e podem, pelo mecanismo de transferência de votos, puxar correligionários e dificultar a entrada de novos parlamentares — que aparecem apenas às vésperas da eleição, quando é muito difícil criar esse capital para enfrentar candidatos conhecidos.

Lamentavelmente, a importância da sucessão presidencial leva uma parte considerável da população — aí incluídos eleitores politizados e esclarecidos, que têm acesso à informação e sabem fazer uso dela — a dar menor importância aos candidatos à Câmara Federal e ao Senado, até porque, como vimos, vota-se de uma tacada só em presidente da República e vice, senadores, deputado federal, governadores e deputado estadual — senadores, no plural, porque, também como vimos, o mandato desses parlamentares é de oito ano e as eleições são realizadas a cada quatro; quando a renovação é de 1/3 das cadeiras, vota-se num único candidato, e quando é de 2/3, como neste ano, vota-se em dois candidatos. Esse esquema estapafúrdio foi estabelecido pela Constituição de 1946, e há um projeto no Senado para alterá-lo, mas o texto ainda está em análise na CCJ e, se aprovado, passará a valer somente a partir das eleições de 2026.

Resta dizer que a “qualidade” dos nossos congressistas não difere muito da dos políticos em geral. Às vésperas do (pouco merecido) recesso de meio de ano, suas excelências aprovaram medidas que autorizam o aumento salarial para o funcionalismo público, isenção de impostos transportadoras, benefícios fiscais para empresas de refrigerantes e montadoras, enfim, uma pauta-bomba que dificultará sobremaneira o trabalho do próximo presidente da República, seja ele quem for. Estima-se que só o aumento do funcionalismo terá um impacto de R$ 6 bilhões — se o benefício for estendido aos militares, o valor subirá para R$ 11 bilhões. A atuação dos maus políticos dificulta o cumprimento da meta fiscal para o próximo ano, que já prevê um déficit de R$ 139 bilhões (de acordo com o Valor, tramitam no Congresso 42 projetos com impacto fiscal).

De acordo com levantamento feito pelo Estado, mais da metade dos deputados federais tem histórico de propostas que favorecem servidores públicos, embora a maioria dos brasileiros que ainda tem emprego trabalhe no setor privado. Daí porque o eleitor precisa estar atento aos interesses que seu candidato vai defender no Congresso. Com políticos perdulários, pagamos mais impostos para bancar gastos que privilegiam poucos e travam a retomada do crescimento econômico. 

Embora se diga que não precisamos de um salvador da pátria, basta olharmos para o Congresso para ver que precisamos, sim, e de muitos.

Continua no próximo capítulo.  

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domingo, 13 de maio de 2018

FORO PRIVILEGIADO - CRIME POLÍTICO EM REGIME DEMOCRÁTICO? SÓ NO BRASIL




Segue versão condensada de mais um texto brilhante de J.R. Guzzo. O original foi publicado na coluna do jornalista, na última página de Veja desta semana.

Nunca aconteceu em nenhuma democracia do mundo, em nenhuma época, um caso de político que tenha sido preso por fazer política. Ou seja, nenhum político precisa de “foro privilegiado” ou “imunidade parlamentar” para se proteger de qualquer tipo de perseguição quando está no exercício legítimo dos seus direitos e funções ― venha a perseguição do Executivo, do Judiciário ou de onde vier. Ao mesmo tempo, segundo a lógica mais simples, vai ser processado como todos os demais cidadão se roubar o cofre do governo ou der um tiro na cabeça do vizinho.

Não existe “crime político” em nenhum regime democrático deste planeta. Se for acusado de um ato criminoso, que arrume um advogado e vá se defender, seja ele deputado, governador ou astronauta. Se não fez nada proibido nas leis penais, não precisa de imunidade nenhuma.

Qualquer zé-mané entende isso em dez minutos. Só não entendem os políticos, magistrados e intelectuais que raciocinam em bloco e aparecem na mídia ensinando como funciona o mundo. Na verdade, eles não querem entender. O que querem, isso sim, é impedir que homens públicos corram o risco de ir para a cadeia ― e não apenas por corrupção, como é normal esperar de um indivíduo que entra na vida política brasileira, mas por qualquer crime já praticado por qualquer ser humano desde que Caim matou Abel.

Se você está achando que há alguma coisa errada com essa comédia degenerada, espere pelo segundo ato. O “foro privilegiado” não se limita aos políticos: neste preciso momento, protege 55 mil sujeitos que têm uma licença virtual de cometer crimes, pois torna praticamente impunes os criminosos que contam com esse privilégio, como diz o próprio nome da tramoia. É por isso, exatamente, que o Brasil não tem a menor chance de ser confundido com um país sério.

Entram nesse cardume prodigioso, além do presidente da República e do vice, todos os ministros de Estado, os comandantes das três armas e os governadores, deputados federais, senadores, prefeitos, e mais a ministrada dos “tribunais superiores” (até o do “trabalho”). Também estão a salvo os conselheiros dos tribunais de contas, os procuradores federais e estaduais, os desembargadores e juízes estaduais ― enfim, é um milagre que não tenham enfiado aí os juízes de futebol e os bandeirinhas.

A última tentativa de acabar com essa aberração, ao que parece, partiu do STF, mas não foi. No mundo das coisas práticas, mais uma vez, houve muita falação, muita “data venia” e muita cara séria fazendo discurso sobre o “Estado de direito” ―, mas ação mesmo, que é bom, nada. Como sempre, ficaram ciscando durante horas a fio numa língua que poderia ser o servo-croata (pior, se fosse em servo-croata, um cidadão da Sérvia ou da Croácia, pelo menos, entenderia alguma coisa), e no fim acabaram não indo para diante, nem para trás, nem para os lados.

Qual é o problema com essa gente? Existem no mundo coisas permitidas e coisas proibidas. As coisas proibidas não podem ser feitas ― nenhum cidadão pode cometer estupro, dirigir embriagado ou assaltar um banco. Não há exceções. E lugar algum está escrito que há dois tipos de estupro, por exemplo ― o cometido por um indivíduo comum e o cometido por um dos 55 mil portadores de “foro privilegiado”. Mas aqui as coisas são feitas para a conversa não acabar nunca.

Os leigos podem não entender isso ― mas é preciso preservar os “agentes do Estado” de “acusações injustas”. Se não for assim, o Brasil vai acabar virando uma baderna.

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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

AINDA SOBRE TIRIRICA...


No mesmo dia em que uma pesquisa de opinião pública revelou que 60% dos brasileiros reprovam enfaticamente o desempenho dos parlamentares tupiniquins, o palhaço Tiririca ― um dos símbolos do pior Congresso dos últimos tempos ― subiu à tribuna da Câmara para anunciar que está abandonando política ao término de seu segundo mandato.

Para quem não se lembra, o palhaço candidato pediu votos assim: “O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim, que eu te conto.” Agora, dizendo-se desgostoso com a política ― depois de cumprir dois mandatos testemunhando números do elenco do Legislativo e convivendo alegremente com engolidores de verbas, ilusionistas orçamentários, trapezistas morais e malabaristas ideológicos , ― o deputado palhaço assegura a seus pares: ''Jamais vou falar mal de vocês em qualquer canto que eu chegar. E não vou falar tudo o que eu vi, tudo o que eu vivi aqui. Mas eu seria hipócrita se eu saísse daqui e não falasse realmente que tô decepcionado com a política brasileira, com muitos de vocês. Muitos!

Em meio a tanta diversidade, Tiririca, que era apenas um palhaço, tornou-se um deputado amestrado, domado pelo ex-presidiário Valdemar Costa Neto, que integrou a bancada da Papuda no escândalo do mensalão. Idealizador da candidatura do “artista”, Valdemar não enxergava um palhaço na cara de sua cria. Via cifrões. Com a montanha de votos que recebeu, Tiririca arrastou para a Câmara mais três deputados, fazendo crescer a fatia do PR no rateio da verba do Fundo Partidário. E quem cuida da caixa registradora é... Valdemar.

Tiririca é um símbolo da disfunção de nosso sistema eleitoral. Sua decepção não tem a menor importância, mas revela o ponto a que chegamos. A rejeição ao trabalho dos parlamentares atingiu seu maior índice desde o início da série de pesquisas do Datafolha, em 1993. Além da desaprovação recorde de 60%, a aprovação caiu para míseros 5%, também o pior índice já registrado.

Em seu discurso, o deputado palhaço parecia estar renunciando ao mandato, dizendo-se “envergonhado”, “decepcionado” com os colegas e com a política brasileira. Mas ficará no cargo até o final do mandato, sem se recandidatar. Seus projetos focavam na sua corporação: pediu isenção de pedágio para os palhaços e bolsas de educação para os filhos dos palhaços.

Além de ser fruto da ignorância política do eleitorado e de um sistema eleitoral que passou a buscar em jogadores de futebol, artistas de todos os tipos ― inclusive palhaços ― e comunicadores de rádio e televisão os representantes que aumentariam suas bancadas e, principalmente, a participação no fundo partidário, Tiririca serviu-se alegremente desse sistema que ora critica. PRB e PR, juntos somam 60 votos na Câmara e têm em suas fileiras, respectivamente, puxadores de votos como Celso Russomano, com 1.524.286 votos, e o próprio Tiririca, em quem nada menos que 1.016.796 otários votaram. Graças a esse descalabro, o PRB elegeu 8 deputados em São Paulo ― três levados pela votação de Russomano ―, e o PR formou uma bancada de 6 deputados, também em São Paulo, onde Tiririca levou a reboque outros dois parlamentares.

Mas essas “figurinhas carimbadas” também representam a distorção da vontade do eleitor, quando seus partidos fazem coligações com outros que nada têm a ver com seus programas. O ex-presidente Lulalalu, ao terminar seu mandato de deputado constituinte ― que desempenhou tão mediocremente quanto Tiririca ora encerra o seu ―, saiu esbravejando contra a Câmara, onde, segundo ele, havia 300 picaretas em atividade parlamentar. Quando chegou à presidência da República, 15 anos depois, o Picareta dos Picaretas recorreu exatamente àqueles 300 picaretas para governar à base da fisiologia e da corrupção pura e simples.

O falecido deputado Ulysses Guimarães dizia que o próximo Congresso é sempre pior do que o anterior, numa cáustica visão sobre a falta de renovação de nossa política partidária. E os números do Datafolha comprovam que a percepção da população sobre nossos parlamentares só faz piorar. Com ou sem Tiririca, melhor não fica. 

Que Deus nos ajude!

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sábado, 25 de novembro de 2017

O SUPREMO E O FORO PRIVILEGIADO


Essa novela começou no Supremo no semestre passado, durante o julgamento de um caso envolvendo certo prefeito de Cabo Frio. Na ocasião, o ministro Barroso, o jurista, propôs limitar o foro privilegiado dos congressistas a crimes cometidos no exercício de seus mandatos parlamentares e relacionados aos cargos que eles ocupam.

O Congresso rebateu com uma PEC que limitaria o foro especial por prerrogativa de função ao presidente da República, ao vice e aos presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Com isso, pelo menos em tese, boa parte dos mais de 50 mil beneficiários do foro privilegiado (em todas as instâncias do poder público, aí incluídos prefeitos, governadores, ministros de Estado, membros do Ministério Público, juízes, desembargadores, etc. e tal) passariam a ser julgados na primeira instância do Judiciário, como qualquer mortal.

“Em tese” porque a ação do Congresso não objetivava extinguir a prerrogativa de foro, mas apenas retaliar os ministros do Supremo: se eles pretendiam suprimir o benefício dos parlamentares, os parlamentares fariam o mesmo com eles. Assim, a votação da proposta do ministro Barroso, que já contava com 4 votos favoráveis, foi suspensa por um pedido de vista do então novato Alexandre de Moraes, e o Congresso, matreiramente, engavetou a PEC e se fingiu de morto.

Vendo que a coisa não andava no Legislativo, a ministra Cármen Lúcia, a madre superiora, reagendou o julgamento tão logo os autos foram devolvidos (depois de seis meses, ressalte-se). A votação foi retomada na última quinta-feira, mas acabou sendo suspensa novamente por outro pedido de vista, desta feita do ministro Dias Toffoli, o sábio ― que, como é público e notório, não fez doutorado, nem mestrado, e ainda foi reprovado duas vezes em concursos para juiz de primeira instância, mas acabou promovido de advogado do PT a ministro do Supremo por obra e graça de Lula, o crápula.

A má notícia é que, mesmo com a maioria formada no plenário, a decisão do Supremo limitará o foro privilegiado de parlamentares federais a crimes cometidos no exercício da função pública e em decorrência dela, e só surtirá efeito depois que o julgamento for finalizado (além de Toffoli, o intragável, faltam votar os ministros Ricardo Lewandowski, o enfermo, e Gilmar Mendes, o divino). O prazo regimental para devolução dos autos após pedidos de vista ― que é de duas sessões, se não me engano ― não costuma ser respeitado na nossa mais alta Corte ― prova disso é que Gilmar Mendes, o magnífico, trancou o julgamento do financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas durante um ano e meio ―, de modo que só Toffoli e Deus sabem quando a votação será retomada. E dificilmente o será ainda neste ano, já que estamos quase em dezembro e às portas do recesso do Judiciário.

O foro privilegiado foi implementado na "Constituição Cidadã", de 1988, ainda sob o trauma dos 20 e tantos anos de chumbo da ditadura militar, e tinha por objetivo proteger os parlamentares de mediadas arbitrárias. Só que se tornou um grande aliado dos políticos delinquentes, graças à morosidade do Supremo e à sensação de impunidade propiciada pela prescrição das ações penais.

Observação: Bons exemplos disso são o ex-senador Luiz Estevão, que ingressou com nada menos que 120 recursos até ser finalmente preso, e o ex-deputado federal Paulo Maluf, que já foi condenado pelo STF a 7 anos e lá vai fumaça, mas vai tocando a vida de recurso em recurso, exercendo mandatos e até defendendo outros acusados de corrupção, como o próprio Michel Temer ― aliás, com 86 primaveras colhida no jardim da vida, é provável que o turco lalau já esteja comendo capim pela raiz quando seu mandado de prisão for finalmente expedido.

A justificativa de Toffoli, o vermelho, é que o Congresso está tratando da questão do foro privilegiado com um escopo bem maior que o do STF, a quem, portanto, não caberia se imiscuir num assunto que diz respeito aos parlamentares. Só que a intenção dos senadores, ao aprovar em primeiro turno o fim do foro privilegiado para todos os níveis, jamais foi de resolver a questão através de uma emenda constitucional, mas sim de pressionar o Supremo para retirar o tema da pauta e ganhar tempo para controlar o processo decisório.

A proposta de emenda constitucional que voltou a andar na Câmara na última quarta-feira ― depois de dormitar durante 6 meses no Senado ― ainda precisa passar por uma Comissão Especial para depois ir a plenário, e em duas votações. Mesmo que o deputado Efraim Filho, relator dessa PEC na CCJ, tenha comemorado a aprovação por unanimidade, pelo menos outros seis meses serão gastos na tramitação do projeto ― isso sem considerar o período de recesso de final de ano, os feriados do Carnaval, e assim por diante.

Com o início das campanhas eleitorais, é possível que esse assunto nem seja tratado pela Câmara no próximo ano. E até que o seja ― ou que o julgamento seja retomando no STF ―, tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes.

Como desgraça pouca é bobagem, já se fala na possibilidade de o foro privilegiado ser ampliado para ex-presidentes, num acordão suprapartidário para beneficiar diretamente Lula, Dilma e Temer.

Continuamos numa próxima postagem. Até lá.

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