No mesmo dia em que uma pesquisa de opinião pública revelou que 60%
dos brasileiros reprovam enfaticamente o desempenho dos parlamentares
tupiniquins, o palhaço Tiririca ― um
dos símbolos do pior Congresso dos últimos tempos ― subiu à tribuna da Câmara
para anunciar que está abandonando política ao término de seu segundo mandato.
Para quem não se lembra, o palhaço candidato pediu votos
assim: “O que é que faz um deputado
federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim, que eu te conto.” Agora,
dizendo-se desgostoso com a política ― depois de cumprir dois mandatos testemunhando
números do elenco do Legislativo e convivendo alegremente com engolidores de
verbas, ilusionistas orçamentários, trapezistas morais e malabaristas
ideológicos , ― o deputado palhaço assegura
a seus pares: ''Jamais vou falar mal de
vocês em qualquer canto que eu chegar. E não vou falar tudo o que eu vi, tudo o
que eu vivi aqui. Mas eu seria hipócrita se eu saísse daqui e não falasse
realmente que tô decepcionado com a política brasileira, com muitos de vocês.
Muitos!”
Em meio a tanta diversidade, Tiririca, que era apenas um palhaço, tornou-se um deputado
amestrado, domado pelo ex-presidiário Valdemar
Costa Neto, que integrou a bancada
da Papuda no escândalo do mensalão. Idealizador da candidatura do “artista”, Valdemar não enxergava um palhaço
na cara de sua cria. Via cifrões. Com a montanha de votos que recebeu, Tiririca arrastou para a Câmara
mais três deputados, fazendo crescer a fatia do PR no rateio da verba do Fundo Partidário. E quem cuida da
caixa registradora é... Valdemar.
Tiririca é um
símbolo da disfunção de nosso sistema eleitoral. Sua decepção não tem a menor
importância, mas revela o ponto a que chegamos. A rejeição ao trabalho dos
parlamentares atingiu seu maior índice desde o início da série de pesquisas do Datafolha, em 1993. Além da
desaprovação recorde de 60%, a aprovação caiu para míseros 5%, também o pior índice
já registrado.
Em seu discurso, o deputado palhaço parecia estar
renunciando ao mandato, dizendo-se “envergonhado”, “decepcionado” com os colegas
e com a política brasileira. Mas ficará no cargo até o final do mandato, sem se
recandidatar. Seus projetos focavam na sua corporação: pediu isenção de pedágio
para os palhaços e bolsas de educação para os filhos dos palhaços.
Além de ser fruto da ignorância política do eleitorado e de
um sistema eleitoral que passou a buscar em jogadores de futebol, artistas de
todos os tipos ― inclusive palhaços ― e comunicadores de rádio e televisão os representantes
que aumentariam suas bancadas e, principalmente, a participação no fundo
partidário, Tiririca serviu-se
alegremente desse sistema que ora critica. PRB
e PR, juntos somam 60 votos na
Câmara e têm em suas fileiras, respectivamente, puxadores de votos como Celso Russomano, com 1.524.286 votos, e
o próprio Tiririca, em quem nada
menos que 1.016.796 otários votaram. Graças a esse descalabro, o PRB elegeu 8 deputados em São Paulo ―
três levados pela votação de Russomano ―, e o PR formou uma bancada de 6 deputados, também em São Paulo, onde Tiririca levou a reboque outros dois
parlamentares.
Mas essas “figurinhas carimbadas” também representam a
distorção da vontade do eleitor, quando seus partidos fazem coligações com
outros que nada têm a ver com seus programas. O ex-presidente Lulalalu, ao terminar seu mandato de
deputado constituinte ― que desempenhou tão mediocremente quanto Tiririca ora encerra o seu ―, saiu esbravejando
contra a Câmara, onde, segundo ele, havia 300
picaretas em atividade parlamentar. Quando chegou à presidência da
República, 15 anos depois, o Picareta dos
Picaretas recorreu exatamente àqueles 300 picaretas para governar à base da
fisiologia e da corrupção pura e simples.
O falecido deputado Ulysses
Guimarães dizia que o próximo Congresso é sempre pior do que o anterior,
numa cáustica visão sobre a falta de renovação de nossa política partidária. E
os números do Datafolha comprovam que a percepção
da população sobre nossos parlamentares só faz piorar. Com ou sem Tiririca,
melhor não fica.
Que Deus nos ajude!