Enquanto aguardamos o segundo capítulo da historinha que
comecei a contar no post anterior, vamos a um choque de realidade:
Segundo Dora Kramer,
soam exageradas e alarmistas as interpretações de que essa ou aquela decisão do
Supremo, notadamente a que abrigou a
tese da última palavra a réus delatores, tenha o condão de dar um fim na Lava-Jato.
A posição da maioria do tribunal, expressa nesta quinta-feira, é um revés, mas
está longe de representar o enterro da operação. A despeito de esse ser o
desejo de muitos, nos Poderes, e até na sociedade, não há condições objetivas
de se fazer tábula rasa dos efeitos jurídicos, políticos e sociais da maior
ofensiva contra a corrupção já vista no Brasil. O Supremo aprovou uma tese, que serve como referência, mas não tem
efeito vinculante por ter origem num habeas
corpus. Torçamos para que a previsão de Dora esteja certa.
Quanto ao Congresso
Nacional, sua desmoralização foi fruto de um trabalho árduo dos parlamentares
por décadas a fio de submissão aos mandos do Palácio do Planalto e de
obediência militante aos desmandos cometidos em causa própria. Uma obra assim
não se desfaz num repente. Tanto é que as pesquisas recentes não apontam
melhoria na imagem do Parlamento, a despeito da mudança de comportamento no
início da atual legislatura.
Sábia, a opinião pública preferiu aguardar o caminhar da
carruagem antes de acreditar numa efetiva correção de rumos. O que parecia uma
nova fase revelou-se como mera encenação, encerrada assim que a Câmara aprovou
a reforma da Previdência, passando a bola ao referendo do Senado. Pelo visto,
com o intuito de dar por enterrado o ativismo congressual em prol de uma agenda
voltada para a sociedade, de curta duração.
Já no início do segundo semestre, o Parlamento retomou a
velha prática de se ocupar primordialmente dos interesses internos, e o fez com
uma sede dos desertos. Em dois meses, os congressistas aprovaram uma lei que, a
pretexto de coibir abusos por parte de autoridades, pretende inibir a ação dos
que têm como função justamente atuar contra condutas abusivas à lei, coisa que
no auge do prestígio da Lava-Jato
não conseguiram.
Eles voltaram ao antigo hábito de usar de suas prerrogativas
para mandar “recados” aos outros dois poderes, retaliá-los quando contrariados
e exigir contrapartidas do Executivo e do Judiciário. No primeiro caso, a
liberação de emendas ao Orçamento em troca de votos: o Senado pede 5 bilhões de
reais e a Câmara, 3 bilhões. No segundo, a reação contra o Supremo por causa de uma ordem de busca e apreensão no gabinete do
senador Fernando Bezerra, autorizada
pelo ministro Luís Roberto Barroso,
em nome da qual foi adiada a votação da reforma da Previdência, pois os
senadores consideraram prioritária sua pauta corporativista.
Ainda no rumo do retrocesso, suas majestades aprovaram
alterações na legislação eleitoral que, entre outros disparates, praticamente
revogam a lei da Ficha-Limpa ao
permitir registros de candidaturas sem o crivo de legalidade imposto pelo TSE. De passagem, deputados e senadores
reivindicam que o caixa público coloque à disposição das campanhas quase 5
bilhões de reais, montante equivalente à soma do dinheiro do fundo partidário
(mais de 950 milhões de reais) aos 3,7 bilhões pretendidos para o fundo
eleitoral.
Tudo isso com o beneplácito de Davi Alcolumbre e Rodrigo
Maia. Agora despidos do figurino de estadistas, parecem mesmo empenhados em
cultivar o eleitorado, uma vez que a partir do próximo ano tratarão abertamente
de um tema já articulado nos bastidores e do interesse de ambos: a reeleição
para a presidência do Senado e a da Câmara.
Pela Constituição, nenhum dos dois pode se candidatar, pois
é vedada a recondução aos cargos dentro de um mesmo mandato. E é na tentativa
de amealhar apoios para a aprovação de uma emenda liderando a reeleição que se
revela quanto o uso excessivo do
cachimbo deixa as bocas tortas.
Quanto a essas ponderações, eu, pelo menos, não vejo como
discordar.