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domingo, 8 de dezembro de 2019

BOLSONARO E A REELEIÇÃO



Jair Bolsonaro, por um fenômeno até agora não esclarecido pelos nossos esclarecedores de questões nacionais, foi o único político de primeira grandeza no Brasil a entender que, para a maioria dos brasileiros, a polícia é uma coisa boa e bandido é uma coisa ruim. Noves fora os rematados idiotas de sempre, todo mundo sabe que policiais erram, que podem tratar mal o público e não investigar nem reprimir como deveriam os crimes cometidos, além de eles próprios cometerem uma série intolerável de atos criminosos. Mas também é sabido que não existe um único caso de bandido que esteja a favor do cidadão — e que qualquer policial, no fim das contas, é melhor que qualquer criminoso. Daí a “oposição”, parte da mídia, “movimentos sociais” e "defensores dos direitos humanos" tomarem partido contra as forças da ordem e a favor das forças do crime. E se mostrarem indignados, depois, quando a população prefere o capitão caverna a assassinos, ladrões e estupradores.

Segundo J.R. Guzzo, a grande questão da política brasileira, hoje, é a perspectiva real de Bolsonaro ficar no seu cargo não só pelos três anos de mandato a que ainda tem direito por conta da eleição de 2018, mas até 31 de dezembro de 2026. E não adianta fazer de conta que não é isso. É precisamente isso. Fala-se de tudo — da descomunal importância do presidente da Câmara para o futuro do Brasil e do Sistema Solar, do que se passa a cada minuto do dia na cabeça do presidente do Senado, dos entreveros de Bolsonaro com o sistema de pontos nas multas de trânsito. Discutem-se novos partidos, velhos partidos, centrão, centrinho, os filhos do presidente e o futuro de Lula: o que mais o STF pode fazer por ele?

Há, todos os dias, a crise da manhã, a crise da tarde e a crise da noite, com ameaça real, direta e imediata à sobrevivência do governo. Há de tudo — menos a discussão aberta da única coisa que de fato interessa: até quando Bolsonaro vai ficar? O resto é o resto.

Não se trata de um “Quiz” de adivinhação. Se o presidente ficar ”X” tempo, a sociedade brasileira terá uma cara; se ficar “X” + “Y”, terá outra. Não é mudança de governo. É mudança de vida. Daqui a três anos, se as coisas continuarem a andar do jeito que estão andando, o Brasil será um país tão diferente do que é hoje, mas tão diferente, que praticamente nada do que se discute no momento terá qualquer significado prático para o dia a dia dos brasileiros.

Se a história for ainda além, e Bolsonaro receber um segundo mandato — bom, aí estaremos entrando em território absolutamente virgem. É uma perspectiva que assusta até o fundo da alma toda a ordem política, econômica e social que manda hoje no Brasil, como tem mandado há décadas, ou mais do que isso. Assusta porque traz o insustentável peso da mudança para os que não querem que nada mude — ou que só mude aquilo que lhes interessa mudar. Mudam o sistema psicológico, a “ideologia”, os hábitos intelectuais, os valores, os usos e costumes.

Quem está contente com o Brasil como ele foi até hoje não pode estar contente com o Brasil desconhecido que talvez esteja vindo aí pela frente. Qual poderia ser ele? É uma perda de tempo, como se sabe, ficar preocupado em excesso com o futuro, porque ele virá de qualquer maneira. O que dá para fazer é uma lista de realidades — e ir checando, uma por uma, se elas estão mudando para melhor ou para pior. A economia, por exemplo. Pelos fatos que podem ser vistos hoje — e não pelos sentimentos que você tem a respeito deles — a situação tende a melhorar ou piorar?

O país, no futuro próximo, vai ter um outro STF e uma outra Justiça. A máquina pública deixará de crescer como cresceu nos últimos 50 anos. O Brasil, forçosamente, vai estar mais integrado às cadeias mundiais de produção. O “investimento público” deixará de ter o tratamento sagrado que tem hoje. Não haverá novas empresas estatais. As pressões da maioria sobre os donos da vida pública vão aumentar — entre outras coisas, não há nenhuma hipótese de que as redes sociais se tornem menores e mais silenciosas do que são hoje.

Todas essas coisas somadas, e uma infinidade de outras, são positivas ou não? Faça suas contas. O fato é que ninguém pode esperar uma vida melhor se não houver mudança nenhuma no lugar onde ela se tornou ruim.

Com J.R. Guzzo

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

LULA TOMOU NA TARRAQUETA — CHUPA QUE É DOCE, JARARACA!



Como eu disse no post anterior, o julgamento do processo sobre o Sítio de Atibaia pelo TRF-4 chegou a ser suspenso, foi remarcado, e depois mantido por ordem do ministro Edson Fachin. A sessão começou na manhã da quinta-feira e se estendeu até o final da tarde. Afinal, vivemos tempos de votos intergalácticos, e o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava-Jato no TRF-4, demorou horas para concluir a leitura do seu, que tinha mais de 350 páginas. Dias Toffoli, se lhe tivessem dado corda, provavelmente ainda estaria explicando o dele, no caso do compartilhamento de informações de transações suspeitas ligadas a investigações criminais sem prévia autorização judicial. Aliás, esse julgamento também teve prosseguimento na tarde de ontem, quando foram colhidos os votos faltantes e estabelecido o placar de 8 votos a 3 — ao final, o presidente da Corte e relator do processo aderiu à maioria e retificou seu voto, mudando o placar para 9 votos a 2 a favor do compartilhamento.

Com essa decisão, deixou de valer a liminar de Toffoli que, em julho, atendendo um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro — feito dentro de um recurso apresentado por donos de um posto de gasolina em São Paulo — suspendeu ao menos 935 investigações. Em tese, foi esse recurso que os ministros julgaram, a despeito de a defesa do senador ter pegado carona no processo alegando que, a exemplo do que ocorreu em relação aos donos do posto, o MP-RJ teve acesso às informações de seu cliente sem autorização judicial. Toffoli, no entanto, parece achar que todo mundo é idiota, pois enfatizou diversas vezes que o caso do filho do pai não estava em discussão.

Os efeitos que a queda da liminar terá no governo é coisa que ainda iremos descobrir, já que o famigerado "Caso Queiroz" fede mais que peixe podre. Quanto à UIF (ex-Coaf), que Toffoli incluiu "de alegre" nesse julgamento, também se formou maioria a favor do compartilhamento dos dados, mas não ficou decidido se o Ministério Público pode encomendar ao órgão informações de pessoas específicas para fins de investigação. Dado o avançado da hora (devido, em grande medida, ao boquirrotismo dos eminentes ministros), a regulamentação ficou para a sessão da próxima quarta-feira, 4.

Segundo Josias de Souza, a suprema montanha pariu o óbvio ao reconhecer que os órgãos de controle foram criados para controlar, e que, quando submetidos a indícios de crimes, têm a obrigação de compartilhar os dados com as autoridades encarregadas de investigar e denunciar criminosos. Dizia-se que o STF cogitava restringir o compartilhamento para proteger o cidadão. Proteção do cidadão tornou-se um luxuoso eufemismo para conversa fiada. O texto da Constituição prestigia a privacidade do cidadão, mas o escudo constitucional não pode ser erguido para proteger criminosos. Sobretudo num país como o Brasil, em que a corrupção se tornou endêmica.

O resultado do julgamento precisa produzir pelo menos duas consequências. A primeira, inquestionável, é o reconhecimento de que Toffoli fez uma lambança ao congelar a investigação contra Flávio Bolsonaro e outros 935 inquéritos. Na semana passada, ao proferir o voto mais longo e confuso da história da Corte, seu presidente se referiu à Receita e ao Coaf como fornecedores de material para "investigações de gaveta, que servem apenas para assassinar reputações" (deveria se desculpar pela generalização). A segunda consequência, ainda pendente de verificação, é o descongelamento dos inquéritos — o que envolve Flávio Bolsonaro e todos os demais.

Toffoli chamou de "lenda urbana" a informação de que o julgamento diz respeito também ao filho do presidente da República. Não tem nada a ver, disse ele. No Supremo, nada virou sinônimo de tudo. Zero Um precisa abandonar o cinismo das firulas jurídicas. Passa da hora de o filho do presidente levar meio quilo de explicações à balança da Justiça.

Voltando ao caso da badalhoca vermelha e seu folclórico Sítio Santa Bárbara, a decisão unânime da 8ª Turma do TRF-4 me passou a impressão de que, ao contrário dos ministros do STJ, os desembargadores não se curvaram à pressão de Gilmar Mendes et caterva. Para quem não se lembra, no dia 23 de abril passado, a 5ª Turma do STJ, criticada pela Maritaca de Diamantino por "endossar as decisões dos desembargadores do TRF-4 nos casos da Lava-Jato", reduziu a pena do ex-presidente ladrão, antecipando sua progressão para o regime semiaberto. Mas a subserviência foi desnecessária, pois o próprio Supremo se encarregou de rever sua jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, abrindo as portas das celas de Lula, Dirceu e milhares de condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos nos tribunais superiores.

Com a decisão de ontem no TRF-4, o bocório de Garanhuns, que, além dos processos do tríplex e do sítio, responde a outras oito ações na Justiça Federal do Paraná, São Paulo e Distrito Federal, teve a pena aumentada pelo colegiado (de 12 anos e 10 meses para 17 anos, 1 mês e 10 dias). Não voltará para a prisão imediatamente, devido à estapafúrdia decisão do STF que passou a proibir o cumprimento da pena após condenação por uma juízo colegiado, mas basta o Supremo negar seus recursos para que ocorra o trânsito em julgado da sentença condenatória (isso se a suprema facção pró-crime não inventar moda, o que não é de todo impossível).

Cristiano Zanin, o engomadinho, deve embargar a decisão da 8ª Turma do TRF-4 e apelar ao STJ e STF, a exemplo do caso do tríplex, no qual impetrou mais de 100 recursos e chicanas protelatórias de todas as cores e sabores — e ainda alega que seu cliente não teve direito à ampla defesa naquele processo. Aliás, diante desse disparate, Raquel Dodge chegou mesmo a afirmar que o ex-presidente confunde “direito à ampla defesa” com “direito à defesa ilimitada, exercida independentemente de sua utilidade prática para o processo, em razão do mero ‘querer’ das partes”.

Fato é que, mesmo condenado em três instâncias no caso do tríplex e em duas no do sítio, o fiduma de Garanhuns, continua solto, debochando dos juízes de carreira que o apenaram, já que o STF, que articulou sua libertação, há muito que deixou de ser composto por juristas de renome. Segundo José Nêumanne, o que há por lá são empregadinhos que abrem portas e carregaram pastas dos chefões das organizações criminosas da política e da gestão pública, recompensando seus ex-superiores com a impunidade na prática. E é bem por aí.

Na visão sempre abalizada de Merval Pereira, o combate à corrupção ganhou duas batalhas judiciais na última quarta-feira. No TRF-4, a condenação de Lula por unanimidade, com aumento da pena e dos dias-multa determinados pela juíza substituta Gabriela Hardt, que respondeu temporariamente pela 13ª Vara Federal do Paraná até que o juiz federal Luiz Antônio Bonat fosse efetivado no posto. No STF, quando se formou maioria favorável ao compartilhamento de dados pelos órgãos de fiscalização com o Ministério Público e a Polícia federal sem prévia autorização judicial.

Os dois casos são emblemáticos, diz Merval, porque superam obstáculos impostos no embate que se trava há algum tempo sobre a amplitude ou limitação da Operação Lava-Jato e assemelhadas. O resultado do julgamento em Porto Alegre é mais importante, dada a decisão unânime de não fazer o processo retornar às alegações finais da primeira instância. Segundo os desembargadores, ainda que a decisão do STF sobre a ordem das alegações finais deva ser respeitada, é preciso demonstrar o prejuízo causado ao não permitir que os réus falem depois dos delatores. Ainda não foram definidos os limites dessa decisão. O procurador-geral Augusto Aras defende que ela não se estenda processos já encerrados, e ministra Cármen Lúcia, no seu voto, concordou com a tese de que os réus devem apresentar as alegações finais antes dos delatores, mas, para que haja nulidade em sentenças já proferidas, é preciso que demonstrem que foram prejudicados. Existe a possibilidade de o Supremo limitar o alcance da decisão, beneficiando somente réus que pediram, ainda na primeira instância, o direito de apresentar seus memoriais por último, e que provarem que foram prejudicados por não terem sido atendidos.

Cá entre nós e a torcida do Flamengo, querer que os juízes de primeira instância "adivinhassem" que um belo dia o Supremo tiraria da cartola uma aleivosia de tal calibre seria um completo absurdo, mesmo em se tratando a facção pró-crime dos togados supremos. Isso sem mencionar que o próprio ministro Dias Toffoli sugeriu a seus pares que os casos deveriam ser analisados individualmente e só haveria anulação da sentença quando e se os réus comprovassem prejuízo real ao exercício da ampla defesa — o que não aconteceu no processo do demiurgo de Garanhuns. O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, disse em seu voto que o STF terá de enfrentar uma questão que a Suprema Corte dos Estados Unidos já enfrentou, decidindo há anos que uma medida que atinja processos já concluídos só vale a partir da sua promulgação, sem retroceder, para não causar insegurança jurídica.

Observação: A insegurança jurídica criada pelas jurisprudências de ocasião de alguns ministros supremos é tão ou mais assustadora que os disparates de Jair Bolsonaro & Filhos. Felizmente, se Deus quiser o Diabo deixar, estaremos livres do decano no ano que vem, de Marco Aurélio Mello em 2020 e de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski em 2023. Isso se a PEC da bengala não for revogada ou se o imprevisível tiver voto decisivo na assembleia dos acontecimentos; basta lembrar que Teori Zavascki, indicado por Dilma em 2012, continuaria ministro até 2023 se não tivesse morrido numa mal explicada queda de avião em janeiro de 2017.  

Enfim, caso o Congresso aprove a prisão após a condenação em segunda instância, o que parece bem encaminhado, o crápula de nove dedos voltará para a cadeia, pois os anos de condenação dos dois processos serão somados, e ele precisaria cumprir 1/6 do total antes de progredir para o regime semiaberto, sem mencionar os demais processos, cujas prováveis condenações podem elevar sua pena a mais de 200 anos. 

Na avaliação sempre ácida, mas eivada de um requintado senso de humor, do jornalista e comentarista político Josias de Souza, o TRF-4 foi implacável com Lula devido ao sem-número de evidências de que o ex-presidente petralha se corrompeu. Ao pendurar no pescoço da cascavel uma segunda medalha de corrupto, o colegiado deixou no ar uma dúvida incômoda quanto à adequação do nome do tribunal que representa a última instância do Judiciário brasileiro: STF ou STL? Supremo Tribunal Federal ou Supremo Tribunal do Lula? A dúvida não é impertinente. Ao contrário, é plenamente justificável.

Não fosse pela recente decisão do Supremo de revogar a regra que permitia a prisão de condenados na segunda instância, Lula estaria nesse momento fazendo a mala para retornar à cadeia. Graças ao Supremo, esse risco foi substituído pelo velho cenário em que os condenados com dinheiro para pagar advogados recorrem em liberdade até o infinito ou a prescrição dos crimes — o que chegar primeiro. Generoso, o pedaço do STF que compõe o STL ainda ofereceu à defesa do criminoso a possibilidade de requerer a anulação do processo. Fez isso ao determinar que réus delatados devem falar por último nos processos, depois de tomar conhecimento das alegações finais dos delatores. Os advogados pediram a anulação, mas o TRF-4 negou. Prevaleceu o entendimento segundo o qual os juízes não poderiam adivinhar que o Supremo criaria uma nova regra, que não estava prevista em nenhuma lei, para beneficiar os condenados.

Os advogados de Lula vão recorrer. Os recursos chegarão ao STF. Ou ao STL. Hoje, o combate à corrupção no Brasil depende dos humores do Supremo Tribunal do Lula.  

domingo, 24 de novembro de 2019

PERGUNTAS QUE NÃO QUEREM CALAR



Em seu comentário no Jornal da Gazeta da última sexta-feira, o impagável José Nêumanne salientou que o atual presidente do STF — guindado a ministro em 2009 por indicação do maior câncer que se instalou no Palácio do Planalto desde a redemocratização deste arremedo de república de bananas — não teve QI suficiente para ser aprovado em 2 concursos para juiz de primeira instância em São Paulo, mas é extremamente hábil no uso de truques sujos para prolongar as benesses de sua monocracia de malandro. 

Para Nêumanne, o Maquiavel de Marília  não proferiu aquele voto abaixo da crítica por burrice, mas por esperteza. O que ele quis foi imitar o saudoso Chacrinha — conforme, aliás, eu havia mencionado numa postagem anterior —, que dizia não ter vindo para explicar, mas para confundir. Tudo isso faz parte de um plano, traçado desde julho, para conseguir vantagens com suas decisões monocráticas e adiar o máximo possível a votação em plenário para continuar gozando as benesses que vem usufruindo e continuará a fazê-lo com elas. Dando tempo e jeito, assista ao vídeo abaixo:


Merval Pereira, por sua vez, ponderou que a estupefação causada pelo voto cuja leitura Toffoli levou mais de quatro horas para concluir, na abertura do julgamento sobre o compartilhamento de dados entre os órgãos de persecução penal e os de investigação, foi provocada pela tentativa de voltar atrás sem deixar clara a mudança. De tão obscuro, voto teve de ser explicado mais tarde por uma nota oficial.

Pesquisas como a do economista Felipe de Mendonça Lopes, da FGV, mostram que, com o televisionamento ao vivo dos julgamentos, os votos ficaram maiores em média 26 páginas, o que aumenta o tempo de leitura em cerca de 50 minutos. O ministro Luis Roberto Barroso definiu bem o momento: “Seria preciso chamar um professor de javanês”, referindo-se ao livro “O Homem que Sabia Javanês”, de Lima Barreto, sobre um vigarista que, sem saber nada do idioma, se apresentou como professor  de javanês a um barão que colocara um anúncio em busca de alguém que lhe ensinasse a língua. A utilização de métodos econométricos dá a certeza de que a mudança de composição do plenário do Supremo não tem nada a ver com o aumento do tamanho dos votos, mas sim a transmissão ao vivo. Já houve quem propusesse o seu fim, mas parece uma decisão impossível de ser revista, devido à cobrança sempre maior da transparência das decisões, o que não necessariamente significa clareza.

Quanto à obscuridade da linguagem, Merval disse ter se lembrado de um ciclo de palestras que coordenou na ABL sobre a influência do barroco em nossa cultura. Um dos aspectos abordados pelo ex-ministro e presidente do Supremo, Nelson Jobim foi justamente o juridiquês, esse idioma parecido com o português, mas salteado com termos em latim, que nos acostumamos a ouvir durante a transmissão dos julgamentos pela televisão. Jobim criticou as transmissões, avaliando que, com elas, os votos ficaram mais longos. Mas ressaltou a vantagem da transparência do processo decisório do Supremo, não obstante o Brasil continue sendo o único país do mundo que transmite os julgamentos do STF ao vivo, em tempo real. De acordo com o jurista, o uso radical da linguagem mais culta e o excesso de erudição têm o objetivo de “transmitir potência no discurso”, e o formalismo da linguagem jurídica já virou piada, mas “ainda assim, insistimos em usar o juridiquês no Brasil”, pois “a ornamentação linguística” sinalizaria um jurista mais preparado. E definiu assim o falar empolado: “Comunicação sem clareza é uma forma eficaz de esconder ignorância no assunto sobre o qual se fala”. E, com efeito, falar difícil é fácil; o difícil é falar fácil.

A pergunta que não quer calar é: Por que não escolher os ministros supremos da mesma foram como se faz no STJ, a partir de uma lista tríplice criada pela plenário da Corte e submetida ao Presidente da República, que indica o seu preferido, que então é sabatinado na Comissão de Cidadania, Constituição e Justiça do Senado e, se aprovado, avalizado pelo plenário da Casa? Ou, melhor ainda, mediante um concurso para o qual poderiam se inscrever ministros do STJ e desembargadores dos Tribunais Regionais, por exemplo? Isso evitaria, ou pelo menos minimizaria, as indicações eminentemente políticas. Vale lembrar que Lula e Dilma concederam a toga suprema a nada menos que oito apaniguados, dos quais sete continuam ativos e operantes (a exceção fica por conta do falecido Teori Zavascki, que foi indicado pela anta vermelha para preencher a vaga aberta com a aposentadoria compulsória do ministro Cezar Peluso).

Outra pergunta que não quer calar: Por que Davi Alcolumbre, atual presidente do Senado e do Congresso Nacional, vem engavetando sistematicamente todos os pedidos de abertura de processos de impeachment contra ministros supremos (lista orgulhosamente encabeçada por Gilmar Mendes e Dias Toffoli)? Será que não há entre os 81 senadores 48 parlamentares dispostos a pressionar essa versão revista e atualizada de Renan Calheiros, só que com algumas arroubas a mais?  

E mais uma: Até quando nos submeteremos a preceitos constitucionais estabelecidos por uma assembleia constituinte, durante a "ressaca" dos 21 anos de ditadura militar, que resultaram numa Carta Magna onde a palavra “Direito” é mencionada 76 vezes, enquanto "Dever" surge em quatro oportunidades e "Produtividade” e “Eficiência” em duas e uma, respectivamente. Aliás, o que se poderia esperar de um país com 76 direitos, 4 deveres, 2 produtividades e 1 eficiência, senão uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos divorciadas do mundo real e não raro escritas para fomentar o crime e favorecer os criminosos?

Eduardo Bolsonaro foi crucificado por dizer que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo (a questão é que, no contexto em que ele disse o que disse, só os muito hipócritas teriam classificariam a frase como provocação). Mais recentemente, votou a ser malhado por declarar, em entrevista à jornalista Leda Nagle, que  "[...] se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta, e essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália, mas alguma resposta vai ter que ser dada". Pode-se não concordar com o "radicalismo" do filho do presidente, mas não dá para negar que o que Lula vem fazendo desde que foi solto, graças à vergonhosa jabuticaba suprema que revogou a possibilidade da prisão após a condenação em segunda instância merece, sim, uma resposta à altura. A questão é que a família real-presidencial tem seus esqueletos no armário, tanto é que o próprio Jair Bolsonaro se fechou em copas depois que Dias Toffoli e Gilmar Mendes blindaram seu primogênito das investigações no caso Fabrício Queiroz, que fede feito gangrena e cujo fedor começou a se espalhar antes mesmo das eleições passadas.

Haveria muito mais a dizer, mas hoje é domingo, e domingo pede cachimbo. Portanto, o resto fica para amanhã.      

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

DILMA DISCURSAVA EM DILMÊS; TOFFOLI VOTA EM TOFFOLÊS


O voto tamanho XGG de Dias Toffoli — cuja leitura, na sessão da última quarta-feira, levou quase cinco horas — me fez pensar se o presidente da nossa mais alta Corte não teria sido "tomado" pelo espírito de Abelardo Barbosa, mais conhecido como "Chacrinha", que se notabilizou pela frase: "Eu não vim para explicar, vim para confundir". Tanto é que a maioria do togados supremos deixaram a sessão sem entender o que, de fato, seu presidente quis dizer naquele interminável pregação (talvez a mais longa de toda a história centenária do STF).

Sem citar a liminar que concedeu monocraticamente a Flávio Bolsonaro, Toffoli acatou o recurso extraordinário do MP no processo sub-judice, anulando a decisão do desembargador José Marcos Lunardelli (que havia tornado ilegal o compartilhamento de dados da Receita com o MP, sem autorização judicial, na condenação do casal Hilario e Toyoka Hashimoto pelo crime de sonegação fiscal), e reafirmou que o UIF (ex-Coaf) pode compartilhar relatórios de inteligência financeira, mas desde que incluam somente informações de movimentações globais das pessoas físicas ou jurídicas e que não haja “encomenda” contra determinada pessoa. Disse ainda o nobre ministro que, em relação ao compartilhamento de representações fiscais da Receita com o MP, este deve instaurar uma investigação ao receber as informações e encaminhar o caso para a Justiça, que, a partir da instauração da investigação, possa acompanhar todo o desdobramento do caso.

O voto quilométrico surpreendeu a todos, tanto pelo tamanho e pela linguagem tortuosa quanto por abrir caminho para a retomada do compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação. Mas a cereja do bolo foi tentar convencer a todos de que em momento algum ele, Toffoli, teria impedido que os inquéritos prosseguissem, atribuindo essa "fake news" a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de imprensa que divulgaram essas informações de forma "terrorista". A pergunta que fica é: se foi mesmo assim, por que o ministro levou tanto tempo para se explicar? Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente para lhe atribuir a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e corrupção, por que, então, não expediu prontamente uma nota oficial ou convocou uma coletiva para dar conta do "equívoco" e acabar com o “terrorismo” da imprensa?

No que diz respeito ao hoje senador Flavio Bolsonaro, sujeito não tão oculto nesse julgamento, a defesa do filho do presidente alega que o repasse dos dados ao MP sem autorização da Justiça caracterizaria quebra de sigilo, mas o fato é que a quebra do sigilo fora autorizada pela Justiça, e uma proibição do uso desses dados significaria impedir ad aeternum a investigação de zero um. Como bem observou um desembargador do TRF-2 a propósito de outro assunto, “se tem rabo de jacaré; couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”.

Josias de Souza, com o humor cáustico que caracteriza seus comentários no Jornal da Gazeta, explicou que o Toffoli se expressou num idioma muito parecido com o português, só que muito mais confuso: o toffolês. Quem conseguiu ouvir toda a explanação sem cochilar ficou com a impressão de que ele votou a favor da imposição de condições para o compartilhamento de dados sigilosos sem autorização judicial. O ex-Coaf não poderia entregar aos investigadores senão dados genéricos. Detalhamentos, só com autorização judicial. A continuidade dos inquéritos congelados desde julho — o de Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações — ficaria condicionada a uma análise caso a caso. As restrições seriam ainda maiores para a Receita Federal. Após apalpar os dados enviados pelo Fisco, o MP seria obrigado a comunicar imediatamente a abertura de uma investigação ao juiz, que supervisionaria o inquérito.

As explicações soaram claras como a gema. Munidos de todas as informações transmitidas por Toffoli, os repórteres tiraram suas próprias confusões e, um tanto constrangidos, cercaram o orador no início da noite para lhe pedir que trocasse em miúdos o voto que começara a ler no expediente da manhã. "Em relação ao Coaf, pode sim compartilhar informações", declarou Toffoli. "Mas ele é uma unidade de inteligência. O que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de prova." Então, não haveria nada de novo sob o Sol, pois a coisa já funciona exatamente assim. Mais tarde, em novo esforço de tradução do toffolês para o português, o gabinete de Toffoli informou que, no caso do Coaf, não há novas limitações. Como assim? Considerando-se que os relatórios produzidos pelo órgão não incluem documentos detalhados, poderiam continuar circulando no formato atual. Se é assim, por que diabos o descongelamento do inquérito contra Flávio Bolsonaro e os outros 935 dependeriam de análises posteriores? Nada foi dito sobre esse paradoxo.

Em seu voto-latifúndio, Toffoli disse que o MP não poderia, em hipótese nenhuma, "encomendar relatórios" ao UIF (novo nome do Coaf). Na tradução do gabinete, procuradores e promotores podem requisitar complementos de informações recebidas da unidade de inteligência. Toffoli repetiu várias vezes a expressão "lenda urbana". Fez isso, por exemplo, ao assegurar que o julgamento iniciado nesta quarta não tem nada a ver com Flávio Bolsonaro, reiterando a doutrina Saci-Pererê ao sustentar que a liminar que concedera em julho, a pedido da defesa do primogênito do presidente, havia paralisado "poucos processos".

Faltou explicar por que considera o congelamento de 935 inquéritos pouca coisa. Alguns ministros esforçaram-se para reprimir uma risadinha enquanto ouviam Toffoli. Com a ironia em riste, um dos colegas de presidente do Supremo referiu-se ao voto dele como "uma grande homenagem ao Dia da Consciência Negra." Num flerte com o politicamente incorreto, o ministro declarou: "O voto do relator foi um autêntico samba do crioulo doido". Vivo, Sérgio Porto, o magistral criador do samba, discordaria. Seu crioulo entoou: "Joaquim José / Que também é / Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro II". Não dizia coisa com coisa, mas era taxativo. Dias Toffoli, por gelatinoso, terá de explicar-se novamente diante dos seus pares, pois vários deles foram dormir ruminando dúvidas sobre o voto de dimensões amazônicas.

O fato é que Toffoli começou com dois pés esquerdos a leitura do seu voto. Logo de início, o presidente do STF produziu duas pérolas. A primeira: "Aqui não está em julgamento o senador Flávio Bolsonaro". A segunda: "poucos processos foram paralisados por sua decisão; seus críticos é que tentaram criar um "clima de terrorismo".

Foi graças a um habeas corpus da defesa de Flávio Bolsonaro que Toffoli enfiou o Coaf dentro de um processo que envolvia apenas a Receita Federal. Foi por conta do mesmo recurso que Toffoli congelou o inquérito que corre contra o filho do presidente e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. Toffoli jura que o vínculo do filho do presidente com o processo, assim como o Saci-Pererê, jamais existiu. Mas o advogado do zero um estava presente na sessão da Suprema Corte. Assim como as autoridades que cuidam dos outros 935 processos travados por Toffoli, o defensor de Flávio Bolsonaro esfregava as mãos, na perspectiva de que o caso contra seu cliente seria anulado. Quer dizer: Ao contrário do Saci, o interesse dos encrencados é real e tem múltiplas pernas. Dependendo da decisão a ser tomada pelo Supremo, o UIF é que pode sair do julgamento como uma "lenda urbana", um órgão de controle mudo e sem pernas.

AtualizaçãoA sessão suprema de ontem foi dedicada integralmente à complementação (ou tentativa de explicação) do voto de Toffoli e ao voto do ministro Alexandre de Moraes. Para os que não sabem, depois do relator, que é o primeiro a votar, os ministros se pronunciam por ordem de antiguidade, do mais recente para o mais antigo. Pelo que se pôde entender do voto de Toffoli — que fica mais difícil de interpretar a cada vez que seu autor tenta explicá-lo —, Moraes, que votou pela validade do compartilhamento de dados financeiros do UIF (antigo Coaf) e da Receita Federal com o Ministério Público sem autorização judicial, teria aberto a divergência, ainda que parcial, levado o placar a 1 a 1. Na sequência, o julgamento foi suspenso, devendo ter prosseguimento na sessão da próxima quarta-feira (27). Considerando que ainda faltam os votos de 9 ministros e que o Judiciário entre em recesso no dia 20 de dezembro, não está afastada a possibilidade de o resultado final ser conhecido somente em fevereiro do ano que vem.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

SÓ FALTA MORRER PRA CANONIZAR... AMÉM



A composição do STF, que nunca foi grande coisa, ficou pior depois que Lula e Dilma fizeram oito nomeações. Mas nem todos os indicados pela parelha vermelha vestiram a toga por cima da farda. Tanto é assim que 3 dos 6 votos responsáveis pelo formidável coice que levamos na última quinta-feira foram proferidos por apaniguados dos ex-presidentes Sarney, Collor e FHC.

Sempre me chamou a atenção a obstinação dos garantistas de araque pela restauração do entendimento que vigeu durante míseros 7 anos das últimas 8 décadas. Aliás, antes da decisão da semana passada, a possibilidade da prisão após condenação em segunda instância foi debatida nada menos que três vezes nos últimos 4 anos — e mantida todas as vezes, ainda que por estreitíssima maioria. 

Irresignada, a ala vencida moveu mundos e fundos para rediscutir o tema tantas vezes quantas fossem necessárias para faze a balança pender pro seu lado, como os dois amigos que disputam no par ou ímpar quem paga a cerveja e o mau perdedor insiste em jogar de novo até sair vencedor. Mas o mais curioso é Gilmar Mendes perorar que (agora que ele conseguiu o que queria) o novo entendimento deve vale per omnia saecula saeculorum, como se a decisão tivesse sido tomada por unanimidade.    

O primeiro beneficiado suprema comédia foi justamente aquele em favor de quem se armou toda a fraude jurídica encenada nos últimos meses. Toffoli nem bem havia acabado de cuspir na cara dos brasileiros e seu ex-patrão já deixava voltava para São Bernardo a bordo do luxuoso jatinho comprado em 2013 por R$ 17,7 milhões pela empresa Brisair Serviços Técnicos Aeronáutica, do casal de apresentadores globais Luciano Huck e Angélica.

Com a decisão tomada pela facção pró-crime do STF — por maioria de um único e miserável voto dado justamente por um ex-funcionário do partido que mais roubou na história brasileira —, a utilização da incomparável coleção de privilégios oferecidos pela lei brasileira a réus da elite, que roubam e pagam chicaneiros de luxo com o dinheiro roubado, volta a permitir que essa caterva fique fora da prisão enquanto o dinheiro não acabar. Mas isso não quer dizer que essa gentalha voltou a dar as cartas. Podem estar soltos e rindo da cara dos 200 milhões de otários que precisam trabalhar para ganhar a vida — mas para roubar de novo precisam estar no governo, e no momento eles não estão no governo.

O essencial neste país, onde seis ministros da mais alta corte de justiça trabalham oficial e descaradamente em favor dos criminosos cinco estrelas, deixou de ser a luta contra a sua impunidade perpétua. O que realmente importa, pelo menos agora e no futuro imediato, é impedir que seja retomado o processo de privatização do Estado em benefício de um partido político, do mundo que gira em torno dele e dos magnatas que compram os seus favores. Esta distribuição geral do bem público para indivíduos, interesses e grupos privados vigora no Brasil desde sempre – mas nunca foi praticada de maneira tão aberta e tão agressiva como nos governos do presidente Lula e de sua sucessora.

Com J.R. Guzzo

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA



A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, encerrar-se-á na próxima semana o julgamento sobre a constitucionalidade (ou não) do cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância. Quando a sessão foi suspensa, no último dia 24, havia 4 votos a favor da jurisprudência atual e 3 pela mudança, ou seja, pela prisão somente depois do trânsito em julgado — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Até agora, somente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o voto de Marco Aurélio — relator das famigeradas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, mas tudo indica que Cármen Lúcia deve acompanhar os dissidentes e Gilmar Mendes e Celso de Mello, o relator. Se esse prognóstico se confirmar, caberá a Dias Toffoli proferir o voto de Minerva.

O jurista Modesto Carvalhosa defende a suspensão do julgamento até que o Congresso faça seu papel, e convoca a população a sair as ruas para protestar no próximo dia 9. Independentemente da pressão popular, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo já acenou com a possibilidade de mudar seu posicionamento, embora não o tenha dito com todas as letras (detalhes na postagem de anteontem).

Toffoli vinha defendendo uma solução conciliadora — uma "terceira via" nem tanto ao mar, nem tanto à terra, que deságua na prisão após o julgamento dos recursos na terceira instância (STJ). Na última segunda-feira, no entanto, enviou ao Congresso uma proposta para alterar o Código Penal e impedir a prescrição dos processos que chegam ao STJ/STF. Assim, o prazo prescricional seria suspenso (ou seja, pararia de contar) na segunda instância, mesmo que réus investigados, que já foram condenados, entrassem com recursos em instâncias superiores. Já há precedentes na 1ª Turma no sentido de que a decisão na segunda instância interrompe a contagem da prescrição, mas a 2ª Turma, que conta com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, costuma se posicionar no sentido contrário.

A corrupção sempre campeou solta sob as barbas do Gigante Adormecido, mas só foi institucionalizada no governo Lula, a partir de quando os bandidos de gravata, estimulados pela sensação de impunidade, passaram a roubar com uma voracidade nunca vista na história deste país. O cenário começou a mudar em 2012 com o julgamento da Ação Penal 470 — mais conhecida como processo do Mensalão —, da qual Lula, inacreditavelmente, escapou incólume.

Para se ter uma ideia de como a Justiça é "célere" no país da impunidade (entre aspas para ressaltar a ironia), basta lembrar que o Mensalão foi delatado em 2005 pelo ex-deputado Roberto Jefferson, um dos condenados. O Supremo só começou a julgar o caso em agosto de 2012 e terminou, após um ano e meio e 69 sessões, com a apreciação dos embargos infringentes. Dos 38 réus no processo, 24 restaram condenados.

A Lava-Jato teve início em 2009 — com a investigação de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene e aos doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater —, mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em março de 2014. Cumpriram-se então 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva, em 17 cidades de 6 estados e no DF. Como mais de 80 mil documentos foram apreendidos pela PF — além de diversos equipamentos de informática e celulares — Rodrigo Janot, então no comando da PGR, designou um grupo de procuradores para analisar todo esse material e propor as acusações, e do trabalho dessa equipe resultaram as primeiras denúncias.

As apurações indicavam a existência de um grande esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras, o que levou à segunda fase do caso. Atendendo a um pedido da defesa dos envolvidos, o STF suspendeu as investigações, e o ministro Teori Zavascki determinou que somente a parte que tocava aos investigados com direito a foro privilegiado permanecesse no STF. Meses mais tarde, Paulo Roberto Costa assinou um acordo de colaboração com o MPF, comprometendo-se a devolver a propina recebida (incluindo os milhões bloqueados no exterior), detalhar todos os crimes cometidos e a apontar os demais participantes. Depois dele foi a vez de Alberto Youssef, e vários acordos de colaboração importantes foram negociados pela força-tarefa — os que não envolviam políticos com prerrogativa de foro foram enviados para a 13ª Vara Federal do Paraná, comandada pelo então juiz Sérgio Moro.

Ao completar 5 anos, a maior operação contra a corrupção da história deste país contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, crime contra a ordem econômica, embaraço à investigação de organização criminosa e falsidade ideológica. Nesse período, R$ 2,5 bilhões retornaram à Petrobras, a principal estatal lesada pelo esquema — uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014. No total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.

Como toda ação implica uma reação, as articulações capitaneadas por caciques políticos, líderes partidários, congressistas e até membros do alto escalão do poder Judiciário cresceram em progressão geométrica. Fossemos relembrar aqui principais ataques sofridos pela Lava-Jato, esta matéria se desdobraria em pelo menos uma dúzia de capítulos, mas pode-se resumir a ópera dizendo simplesmente que, a despeito do que alardearam os alarmista de plantão, a força-tarefa, qual Fênix mitológica, renasceu das cinzas uma vez depois da outra. Pelo menos até agora.

A ação do espúrio site The Intercept foi fundamental para a formação da tempestade perfeita, sobretudo quando Moro, Dallagnol e companhia se tornaram alvo dos vazamentos verdevaldianos, que tanta alegria proporcionaram aos políticos corruptos e os criminalistas estrelados que cobram honorários milionários para postergar sua prisão.

Num país minimamente sério, diálogos não periciados e obtidos criminosamente pelo hackeamento de 1000 celulares de autoridades governamentais, membros do judiciário, procuradores e políticos iriam para a lata do lixo juntamente com Verdevaldo das Couves, o coveiro de reputações. Mas não numa republiqueta de bananas, onde Verdevaldo é tratado pela mídia "cumpanhêra" como herói nacional. Acho até que ele só não foi sondado por algum partido para disputar as próximas eleições presidenciais porque nossa Constituição (que não é lá grande coisa) determina que somente brasileiros natos podem concorrer ao cargo de presidente desta banânia.

Ainda que os diálogos atribuídos a Moro, Dallagnol e companhia fossem periciados e tidos como verdadeiros, sua origem continuaria sendo criminosa, torando-os imprestáveis como prova em juízo. E mesmo que as transcrições não tivessem sido editadas ou manipuladas de alguma maneira — o que se admite apenas para efeitos de argumentação — elas nada comprovam senão o empenho do ex-juiz da Lava-Jato e dos procuradores da força-tarefa na defesa dos interesses da sociedade e sua determinação na luta contra a grande corrupção, mesmo tendo de enfrentar os mais poderosos corruptos da República.

Curiosamente, baixada a poeira que se levantou com a prisão do bando responsável pelo hackeamento, a imprensa quase nada mais publicou de relevante sobre o assunto, sobretudo depois que as investigações apontaram o possível envolvimento da pecedebista Manuela D'Ávila, que compôs com o bonifrate de Lula a chapa derrotada pelo capitão caverna nas eleições presidenciais de 2018. Poder-se-ia atribuir essa "perda de interesse" às estultices de Bolsonaro, à tramitação conturbada da PEC Previdenciária e, mais recentemente, à disputa por poder e dinheiro entre o capitão caverna e integrantes da alta cúpula do PSL. Mas não se pode perder de vista o fato de que veículos supostamente isentos e respeitáveis — como Folha, UOL, BandNews e Veja, entre outros — seguiram Verdevaldo como os ratos na fábula do Flautista de Hamelin. 

E incontestável que a opinião pública, como que tomada de uma “cólera santa” contra a podridão que a Lava-Jato trouxe a lume, contribuiu em grande medida para o impeachment da gerentona de araque e, mais adiante, para o encarceramento de seu criador e mentor — a autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil", em cuja alegada lisura no trato com a coisa pública muita gente ainda acredita —, mas não é esse o ponto, e sim o fato de termos subestimado a resiliência do crime organizado. Mas é igualmente incontestável que políticos corruptos, como as baratas, são capazes de sobreviver aos piores cataclismos, até mesmo nucleares.

Mesmo com vários chefes da corrupção presos (inclusive o capo di tutti i capi), os interesses dos corruptos vem sendo garantido por uma engenhosa articulação suprapartidária, cujas ramificações vão de dentro de uma cadeia no Brasil até o exterior e que se alimenta da vaza-jato do Intercept et caterva, cujo primeiro alvo, como dito linhas atrás, foi o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, tido e havido como algoz dos corruptos devido a sua seriedade, coragem, tenacidade e eficiência no combate à corrupção e a impunidade no Brasil.

É nesse pé que a coisa está. Resta saber como ficará, pois a política é como as nuvens no céu: a gente olha, elas estão de um jeito; olha de novo, e tudo mudou. Tomara que mude para melhor.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

LULA LÁ — RESTA SABER ONDE



Como sabem os que acompanham a vergonhosa política tupiniquim, o ex-presidente que institucionalizou a corrupção no Brasil em prol de si próprio e dos seus, e está preso desde abril do ano passado, pode ser libertado graças a leis criadas sob medida para favorecer criminosos e a uma Justiça cega, surda, muda e tetraplégica: Lula já cumpriu um sexto da pena a que foi condenado no caso do tríplex — que o STJ reduziu de 12 para 8 anos —, o que o habilita a "progredir de regime" para o semiaberto, no qual os presos dormem na cadeia e saem durante o dia para trabalhar.

Porta-voz do lema “Nunca antes neste país”, o parteiro do Brasil Maravilha é o ineditismo em pessoa. Maior beneficiário do  "escândalo do Mensalão" — esquema criminoso que durante anos subornou parlamentares com dinheiro subtraído do Banco do Brasil e resultou na prisão de mais de uma dezena de divindades do panteão lulopetista —, o capo di tutti i capi não só escapou ileso da ação penal 470 (não foi sequer denunciado) como se reelegeu e terminou o segundo mandato com a popularidade nos píncaros.

Tamanha popularidade permitiria ao sumo pontífice da seita do inferno eleger o próprio Cão para manter aquecida a poltrona presidencial até que ele pudesse voltar a ocupá-la. Todavia, o Mensalão deixara os "cumpanhêros" Dirceu e Palocci temporariamente indisponíveis, e assim o encantador de burros resolveu vestir uma incompetente de quatro costados com a roupagem de "gerentona-mãezona" e convencer a récua militante a votar nela. Em outubro de 2010, essa anta sacripanta derrotou o cemitério de egos tucano, que teve José Serra como representante da vez.  Em janeiro do ano seguinte, a candidate eleita arroganta e pedanta subiu a rampa do Planalto como a primeira mulher-presidente desta republiqueta de bananas; mais adiante, não se sabe exatamente quando, a calamidade em forma de gente foi picada pela mosca azul e passou a "fazer o diabo" para se reeleger — afinal, nem mesmo ela seria capaz de afundar esta Nau dos Insensatos em apenas 4 anos.

Em 2014, graças ao maior estelionato da história desta banânia, a Bruxa Má do Oeste derrotou o tucano Aécio Neves (por uma vantagem de 3% que muita gente atribui a urnas eletrônicas com opinião própria e tendências esquerdistas). Fosse outro o resultado e teríamos trocado um diabo conhecido por sua versão dissimulada: como se veio a saber mais adiante, o mineirinho safo, por fora, era "bela viola", mas por dentro era "pão bolorento".

Dilma foi penabundada do Planalto e em 2016 e, graças à Lava-Jato, tornou-se ré no processo do Quadrilhão do PT, enquanto seu infame criador responde a 9 ou 10 ações penais, já foi condenado em duas e está cumprindo a pena que lhe foi atribuída na primeira dela pela terceira instância do Judiciário tupiniquim (vide parágrafo de abertura).

De todos os investigados no esquema do Petrolão, o demiurgo de Garanhuns foi o único a causar impacto quando alvo de operações de busca por documentos em sua residência e a provocar comoção por ocasião da condução coercitiva para prestar depoimento em processos na Lava-Jato. Dada a sua popularidade, fizeram-se as previsões mais tenebrosas sobre as possíveis consequências do tratamento que lhe foi conferido pela PF e pelo MPF. Mas nada aconteceu então, nem quando da decretação de sua prisão após a condenação em segunda instância no caso do tríplex — uma gentil oferenda da empreiteira OAS

Tornou-se a falar em revolta popular em seguida, à luz dos fatos circunscrita às imediações do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC e depois ao acampamento no entorno da sede da PF em Curitiba, mas, de novo, nada aconteceu. Agora, enquanto o STF rediscute a prisão após condenação em segunda instância e, segundo os alarmistas de plantão, pode anular a condenação no caso do tríplex, voltam à cena tais conjecturas, agora sobre o papel a ser exercido pelo Redentor dos Miseráveis na política, em particular sua influência nas disputas de 2020 e 2022.

Dora Kramer salienta que a pesquisa Veja/FSB, publicada na edição impressa de Veja da semana passada, mostra o ex-presidente petralha como o nome eleitoralmente mais viável entre os antagonistas de Bolsonaro localizados à esquerda, não por ser o mais forte, mas o único nesse campo capaz de competir em boa situação. Algo que para Bolsonaro seria a composição dos sonhos numa campanha, para repetir o enfrentamento que o levou à Presidência. Mas a realidade é um tanto diferente do mundo dos números de pesquisas colhidas quando ainda há um volume oceânico de metros cúbicos a passar por baixo da ponte e inúmeros obstáculos a ser superados antes de se considerar de maneira racional Lula como uma força real e objetiva, para além da mitologia.

Mesmo que saia da sala da PF em decorrência da derrubada da prisão depois da segunda instância, Lula continuará inelegível. Ficha eleitoral limpa, só no caso de o STF anular a sentença de Sergio Moro no processo do tríplex.  vista as demais ações (9 ou 10, já nem sei direito) desautorizam maiores otimismos, já que sua tramitação pode novamente suprimir a liberdade do réu e/ou a elegibilidade daquele que ainda sonha em voltar a conspurcar com sua imundície a poltrona presidencial.

Passando ao universo da política e dos fatos, no qual o petista terá de transitar depois de libertado, é justamente nesse mundo que ele já não transitava bem muito antes da prisão e desde que se agravou sua situação na Justiça com repercussão na política. Há muito não frequentava — nem falava em — ambientes que não fossem de convertidos ao seu altar do petismo mais exacerbado. Entrevistas, só para simpatizantes. Circular em público, nem pensar.

De uma pessoa tão importante e querida seria de esperar que andasse por aí a desfrutar a popularidade, mas nunca se viu Lula em restaurantes, cinemas, teatros, aeroportos nem em estádios em jogos de seu amado futebol. Incomparavelmente menos festejado nas pesquisas, Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, vai a todo lugar e fala em toda parte sem restrições desde que deixou a Presidência.

E o discurso do Lula-Livre, será como disse outro dia o do pacificador? Incongruente com a autoria da dinâmica do “nós contra eles”, cuja consequência tem hoje assento no Palácio do Planalto. Preso, pode exercitar a intransigência típica dos carismáticos. Quando exige absolvição total soa convicto, algo a ser lido como “ele deve ter razão”. Solto, terá de se ver com a realidade, por vezes uma madrasta.

domingo, 27 de outubro de 2019

NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA


E

era um vez um reino distante, no qual, certa madrugada, quando todos ainda dormiam, o rei mandou pôr uma enorme pedra na estrada que passava defronte ao palácio e se escondeu num local de onde podia observar sem ser visto. Não demorou a aparecer um camponês com uma longa pluma tremulando no quepe, uma reluzente espada balançando na cintura e devaneios de bravura cruzando-lhe a mente enquanto ele sua mente enquanto puxava uma carroça carregada de grãos.
— Por que ninguém tira essa pedra da estrada? — vociferou o bravo aldeão, enquanto pelejava para contornar o obstáculo. Quando conseguiu, seguiu adiante, preferindo reclamar da inoperância alheia a tentar ele próprio tirar a pedra do meio do caminho.

Ainda nas brumas que antecedem o amanhecer, surgiu um jovem soldado com uma longa pluma no quepe, uma reluzente espada na cintura e a mente perdida em batalhas mirabolantes, onde ele posava de herói sem mácula. Distraído, esbarrou na pedra e foi ao chão. Levantou-se, sacudiu a poeira da farda, desembainhou o sabre e se pôs a esbravejar contra quem deixara aquela imensa pedra no meio do caminho. A exemplo do camponês, porém, o militar seguiu estrada afora sem esboçar qualquer tentativa de remover o obstáculo.

E assim foi ao longo de todo o dia, enquanto o rei, do seu esconderijo, tudo observava. Cada um que passava reclamava, praguejava, mas simplesmente seguia adiante, até que, ao cair da noite, a filha do moleiro, que vinha cansada das muitas horas trabalhadas no moinho, pôs-se a discutir consigo mesma o perigo representado pela pedra, dada a possibilidade de acontecer um grave acidente no escuro da noite que se avizinhava. Assim, ela desceu da montaria, espalmou as mãos na rocha, empurrou, depois puxou e por fim girou, até que finalmente conseguiu colocá-la à margem da estrada.

Terminado o serviço, a jovem reparou numa caixa que estava enterrada sob a rocha. Ela se aproximou e viu que na tampa havia os seguintes dizeres: “Esta caixa pertence a quem retirar a pedra”. Para sua surpresa, a caixa estava repleta de moedas de ouro e pedras preciosas.

Tão logo souberam do ocorrido, o camponês, o soldado e os demais que havia contornado a pedra voltara voltaram ao local e passaram a revolver febrilmente a terra de onde a moça tirou a caixa, na esperança de encontrar mais moedas de ouro. Foi quando o rei, que tudo observava, se aproximou e disse a seus súditos:

— Meus caros, não raro encontramos pedras no caminho, mas preferimos reclamar em alto e bom som enquanto nos desviamos delas, quando deveríamos removê-las e descobrir o que há sob elas. E o preço da preguiça é normalmente a decepção pelas oportunidades perdidas. — Ato contínuo, sua majestade desejou uma boa noite a todos e caminhou, assoviando, de volta para seu castelo.

Moral da história: "No meio de toda dificuldade sempre existe uma oportunidade".

Para fechar com "chave de ouro" este raro momento de descontração, segue um clipe imperdível:


Bom domingo a todos.

sábado, 26 de outubro de 2019

DATA VÊNIA, DANE-SE O BRASIL


O voto da ministra Rosa Weber, contrário à regra que permite o início do cumprimento da pena após a condenação por um juízo colegiado, consolidou a tendência do STF de exumar a velha jurisprudência. Caso esse prognóstico se confirme, a corte prestará mais um desserviço à sociedade e, em última instância (peço desculpas pelo trocadilho), aos contribuintes, já que o dinheiro arrecadado com os impostos escorchantes a que o trabalhador brasileiro é submetido, além de ser tragado pelos ralos da corrupção, banca o salário do funcionalismo, aí incluída a nababesca remuneração da alta cúpula do Poder Judiciário — que nas horas vagas se empanturra, a expensas do Erário, com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca, arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tornedores de filé”, tudo regado a uísques e vinhos importados e premiados.

Observação: Nunca é demais lembrar que o brasileiro trabalha 153 dias por ano, em média, só para pagar impostos, e a somatória de tributos municipais, estaduais e federais consome 41,80% de sua renda.

Conhecida por seus votos tortuosos e confusos, a ministra Rosa Maria Pires Weber — além da qual somente o ministro Luiz Fux é egresso da magistratura —, é gaúcha de Porto Alegre. Ela iniciou sua carreira como juíza do trabalho e, depois de presidir o TRT-4, foi indicada por Lula para o TST e, mais adiante, por Dilma para o STF. Como a ministra completou 71 anos no último dia 2, teremos de aturar sua confusa abilolância por mais longos quatro anos — a menos, é claro, que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimentos.

Antes de dar início à leitura do seu voto, Rosa elogiou os votos dos colegas Fachin e Barroso, acenderam-se diante de mim todas as luzes amarelas. Mas a inusitada vocação dessa senhora para se perder em circunlóquios absconsos, quase tão indecifráveis quanto os pronunciamentos daquela que a indicou para o STF, permitiu-me acalentar um resquício de esperança. Leda pretensão.

A sessão foi suspensa quando se contabilizavam 4 votos favoráveis ao início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância e 3 contrários. Dos que ainda não votaram, Cármen Lúcia deve acompanhar a divergência e Gilmar e Lewandowski, seguir o relator. Se isso se confirmar, o placar ficará em 5 a 5, e o voto de Minerva do presidente da Corte decidirá se os condenados voltarão a recorrer em liberdade aos tribunais superiores de Brasília.

Josias de Souza relembra que a mudança que se vislumbra, se sacramentada, não abrirá apenas as celas de personagens como Lula e Dirceu, mas manterá longe da cadeia atores como Aécio e Temer, que ardem no momento no mármore quente da primeira instância e reintroduzirá no processo penal brasileiro dois vocábulos nefastos: prescrição e impunidade. Escaldado, o brasileiro vai se tornando especialista em enxergar o lado bom das coisas, mesmo que seja necessário procurar um pouco. No caso do recuo na regra sobre a prisão, o bom é que a providência, se confirmada, ajudará a explicar por que o Brasil virou o mais antigo país do futuro do mundo.

Costuma-se dizer que otimistas vêm um copo pela metade como "meio cheio" e pessimistas, como "meio vazio". Conforme eu comentei no post anterior, o voto da ministra Rosa cravou mais um prego no caixão onde jaz a esperança dos cidadãos de bem deste país. Todavia, ao final da sessão da última quinta-feira, Toffoli — que já votou a favor da prisão em segunda instância uma vez, em 2016 — disse que ainda não se decidiu: "Estou, como o ministro Marco Aurélio sempre costuma dizer, aberto a ouvir todos os debates. Muitas vezes o voto nosso na presidência não é o mesmo voto, pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira, não é um voto de bancada. É um voto que tem o cargo da representação do tribunal como um todo".

Torçamos, pois.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

PARABÉNS, MINISTRA! QUE DEUS A LEVE, GUARDE E ESQUEÇA ONDE!



Por volta das 16h00 de ontem, a ministra Rosa Weber concluiu sua sempre confusa exposição de motivos e, num voto imenso, mal lido e com citações que nada tinham a ver com o objeto da discussão, incluindo um belo poema de Kaváfis, posicionou-se contrária ao comprimento antecipado da pena. Assim, com o placar em 3 a 2 a favor da mantença da jurisprudência atual, claudicante mas ainda vigente, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo suspendeu a sessão por 15 minutos.

O intervalo foi mais longo que o previsto, mas sobrou tempo para o ministro Luiz Fux alinhar seu voto aos de Moraes, Fachin e Barroso, e para Lewandowski acompanhar o do relator, a exemplo do que fizera pouco antes a ministra Rosa — que sequer ficou vermelha ao cravar mais um prego no esquife em que jaz a esperança do povo brasileiro no combate efetivo à corrupção e aos corruptos.

Tenho comigo que os motivos que levaram Rosa a decidir como decidiu não são espúrios como os que movem outros togados supremos nessa mesma mesma direção. A magistrada, que a exemplo de Luiz Fux é juíza de carreira (diferentemente de todos os demais supremos togados que atualmente compõem nossa mais alta corte de injustiça), parece ter votado com base em suas convicções, e se estas são retrógradas e totalmente divorciadas da realidade atual e dos anseios da sociedade civil, paciência.

Nunca é demais lembrar que boas intenções pavimentam o caminho que leva ao Inferno — ou ao paraíso, dependendo do lado do balcão em que se está. A decisão da ministra foi como il culo e il cazzo para empresários e políticos corruptos — e para os criminalistas chicaneiros que ganham rios de dinheiro procrastinando o trânsito em julgado das condenações impostas a criminosos abonados.

Resumo da ópera: O placar ainda está a nosso favor, mas, a menos que ocorra uma guinada de 180º, sinais claros de derrota já se delineiam no horizonte. Como o termino do julgamento deve se dar somente na primeira semana de novembro, restam pouco mais de 10 dias para se tentar reverter esse quadro. A bola está com o povo; se ele sabe o que fazer com ela, porém, já é outra conversa.

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Há muita revolta de gente boa, decente e bem intencionada em relação aos grupos de caminhoneiros que rogam pragas contra o STF. Cidadãos que defendem sinceramente a paz na vida pública estão alarmados com a escalada da violência verbal, nas redes sociais e fora delas, contra políticos, partidos e magistrados supremos. Aumenta o medo de muitos diante das “milícias virtuais” — como são chamados hoje os que atacam com agressividade as autoridades constituídas. Tudo isso é muito ruim. Mas também é inútil o esforço das mentes equilibradas para ignorar a realidade que todos estão vendo.

Uma parte cada vez maior da população não acredita mais que o Congresso e o Supremo operem com um mínimo de honestidade — está convencida, ao contrário, que são organizações de proteção ao crime. Nesses momentos, fica formada uma coisa que a ciência política chamada de “ilegitimidade institucional” — ou seja, as instituições passam a ser vistas como algo que faz mal ao bem comum. Não são mais a proteção das pessoas. São as suas inimigas.

A verdade que ninguém fala em voz alta é a seguinte: são as Forças Armadas, e só elas, que mantém abertos hoje em dia o Congresso e o Supremo. Se dependesse da vontade da maioria dos brasileiros, ambos já teriam ido para o espaço, pois muito pouca gente está disposta a defender instituições que se transformaram em lixo, devido à conduta diária de seus membros. Ou alguém acha que deputados, senadores e ministros do STF são um modelo de virtude?

(Texto de J.R. Guzzo)

Sobrando tempo, assista ao vídeo abaixo (são pouco mais de 2 minutos).

terça-feira, 22 de outubro de 2019

PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA - IT'S NOW OR NEVER



Ricardo Boechat — morto em fevereiro passado numa esdrúxula queda de helicóptero — dizia que se pode morrer de tudo no jornalismo, menos de tédio. E com efeito. Nesta semana, por exemplo, enquanto Bolsonaro e seu partido protagonizam um bate-boca que pegaria mal até em cortiço de quinta classe (se brigar pelo poder já uma merda, quando quase meio bilhão de reais estão em jogo, aí é merda e meia), o Senado votará em segundo turno a reforma previdenciária (o que deve acontecer hoje) e STF dará prosseguimento do julgamento das ADCs que podem mudar mais uma vez a jurisprudência quanto à possibilidade ou não do cumprimento antecipada da pena por condenados em segunda instância. Como se vê, é teste para cardíaco.

Observação: Para quem passou as últimas semanas em Marte, na semana passada, após as manifestações do relator, dos advogados dos autores das ações e de representantes da sociedade civil que discursaram na condição de amicus curiae (partes interessadas na discussão jurídica), a sessão foi suspensa e adiada para esta quarta-feira, com início previsto para as 9h30. Portanto, suas excelências togadas terão de pular da cama mais cedo que de costume.

Em fevereiro de 2016, quando Dilma Rousseff, Eduardo Cunha e Renan Calheiros eram, respectivamente, presidentes da República, da Câmara e do Senado, e a Lava-Jato aterrorizava a classe política, Gilmar Mendes, na sessão plenária que mudou o entendimento que a corte havia adotado sete anos antes, vociferou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado”. Hoje, passados pouco mais de três anos, de maior patrocinador da prisão após condenação em segunda instância o magistrado passou a articulador do movimento político-jurídico que começou a se materializar na última quinta 17. Na sessão extraordinária desta quarta, serão ouvidas ainda duas sustentações de amici curiae, além das manifestações da AGU e do MPF. Só então terá início a leitura dos votos, começando pelo ministro Marco Aurélio, relator das estapafúrdias ADCs

Se, a exemplo dos ratos encantados com a música do Flautista de Hamelin, a maioria dos ministros se render ao canto e aos encantos da Maritaca de Diamantino, a mudança na jurisprudência pode fulminar os avanços experimentados pelo país no combate à impunidade, atingir frontalmente a maior operação anticorrupção da história e beneficiar ilustres condenados por desvio de dinheiro público, como o ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu, além de abir as portas da cadeia para outros quase 5 mil presos. 

Para entender melhor essa questão é preciso voltar a março de 2016, pouco antes de Dilma ser afastada, quando Sérgio Moro, então juiz titular dos processos da Lava-Jato em Curitiba, tornou públicos os famosos áudios de conversas entre a criatura e o criador — dos quais se inferia que a nomeação do Lula para o cargo de ministro da Casa Civil de Dilma era uma forma de protegê-lo do avanço da força-tarefa, e com base nisso Gilmar Mendes barrou a posse e ordenou que as investigações sobre o petralha ficassem em Curitiba, onde tramitariam mais rapidamente. Vivia-se então o auge da boa convivência entre os integrantes da força-tarefa e o semideus togado, mas já se delineavam horizonte as auroras nascituras da nova era Gilmar.

A metamorfose se deu aos poucos. No final daquele ano, conforme a Lava-Jato avançava sobre políticos corruptos, o magistrado já falava em “excessos". "Para mim, por exemplo, no que diz respeito à prisão provisória sem limites, isso me parece excessivo e precisa ser discutido no TRF, no STJ e no Supremo, disse ele em 24 de outubro. Detalhe: àquela altura já se antevia que o próximo alvo dos investigadores seria o Judiciário. Em 2017, os ataques de Gilmar à Lava-Jato se intensificaram no mesmo ritmo em que a operação engolfava figuras ilustres do PSDB, e o governo de Michel Temer tornou-se alvo das investigações. Nunca é demais lembrar que Mendes era carne com o Vampiro do Jaburu, tanto que sua atuação na presidência do TSE, durante o julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma/Temer, foi determinante para a absolvição dos réus — por "excesso de provas", como ironizou o relator da ação, ministro Herman Benjamin.

A partir de então, travestido de cruzado, Gilmar passou a atacar as “prisões alongadas que se determinam em Curitiba”. A certa altura, declarou que uma denúncia feita pelo Ministério Público era quase “uma brincadeira juvenil”. Além dos emedebistas investigados, o PT e uma parte importante do establishment político passou a ver nele um aliado. Encontros com lideranças desses partidos passaram a ser frequentes, mas faltava ao magistrado a influência sobre a agenda do STF — que ele conseguiu quando Toffoli substituiu Cármen Lúcia na presidência do tribunal.

A relação de Toffoli com Gilmar já era de muita proximidade (detalhes nas postagens anteriores), e o vínculo se fortaleceu depois que suas respectivas consortes, as também advogadas Roberta Rangel e Guiomar Mendes, entraram no radar da Receita Federal por suspeita de fraudes tributárias em suas atividades profissionais. Mas o movimento articulado pela dupla contra a Lava-Jato ganhou força com os vazamentos das conversas hackeadas dos celulares de integrantes da força-tarefa, que levaram o STF, notadamente a ala garantista (ou banda podre, como preferem alguns), a rever decisões que antes abriram caminho para que a investigação deslanchasse. 

Alguns ministros começaram a impor travas a métodos utilizados pelos investigadores, como fez Toffoli ao limitar a atuação do antigo COAF, hoje UIF. Outros recursos em andamento na corte, como o que pede a declaração de suspeição de Sergio Moro no julgamento de Lula, tornaram-se uma espada de Dâmocles sobre a Lava-Jato e seus integrantes. Muitos desses recursos chegaram a ser acolhidos, sempre com Gilmar liderando o coro dos críticos. Foi nessa toada, por exemplo, que o tribunal ordenou a primeira anulação de uma sentença de Moro pela jabuticaba jurídica segundo a qual o réu delatado deve apresentar seus memoriais (ou alegações finais) depois do réu delator — regra que não existe nem na Constituição nem nos códigos penal de de processo penal, e que, aliás, não muda em nada o rumo do processo. 

Há tempos que Gilmar vem buscando embasamento para sustentar a guinada no entendimento da Corte sobre o início do cumprimento da pena após condenação em segundo grau. Seu principal argumento é que o Supremo havia decidido que a prisão após a condenação por um juízo colegiado era apenas uma “possibilidade”, mas virou regra nas instâncias inferiores. O próximo passo foi convencer Toffoli de que havia maioria favorável à retomada do debate, já que Marco AurélioRicardo Lewandowski e Celso de Mello, defensores atávicos da prisão somente o trânsito em julgado da sentença condenatória, reivindicavam uma nova análise. No canto oposto do tablado, os ministros Barroso, Fachin, Fux e Cármen Lúcia vinham resistindo à ideia, mas não só se tornaram minoria como perderam o controle da agenda do tribunal quando Cármen deixou a presidência.

Como tudo que envolve o plenário do STF de uns tempos a esta parte, o resultado do julgamento das ADCs é imprevisível. Se a tendência de retrocesso se confirmar, será a terceira mudança nas últimas três décadas. É bom lembrar que o entendimento pela prisão dos condenados em segunda instância, sem prejuízo da interposição de recursos, prevaleceu desde a promulgação da Lei Fleury, durante a ditadura militar, até 2009, quando o STF mudou a jurisprudência. Em 2016, Teori Zavascki, liderou a virada; no julgamento ora em curso, os votos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes são considerados determinantes. A ministra sempre foi contra a prisão em segunda instância, mas no julgamento do habeas corpus de Lula, em abril de 2018, posicionou-se a favor, alegando que deveria respeitar a jurisprudência vigente. Já o novato da Corte era a favor do cumprimento antecipado da pena, mas passou a ser contabilizado como um possível voto contra depois que se aproximou da dupla Mendes/Toffoli.

Menos improvável que a manutenção da jurisprudência vigente é o tribunal estabelecer um meio-termo.  O próprio Toffoli, que quer vincular sua passagem pela presidência da corte a uma postura conciliadora, chegou a propor que a prisão dos réus se dê após a confirmação da sentença em terceira instância (STJ). Em algum momento, Mendes se mostrou favorável a essa solução, mas não se sabe se continua a sê-lo ou se defenderá de maneira intransigente o cumprimento da pena depois do trânsito em julgado (que no Brasil equivale ao Dia de São Nunca, conforme comentei nos capítulos anteriores).

Ao abrir a sessão do dia 17, Toffoli fez questão de (tentar) desfulanizar o julgamento: “Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular. (…) O objetivo é dar o alcance efetivo e a interpretação a uma das garantias individuais previstas na nossa Constituição. Esse entendimento se estenderá a todos os cidadãos brasileiros”, afirmou sua excelência. Mas é óbvio que, como quase tudo mais neste país, esse furdunço tem a ver com o picareta dos picaretas, o desempregado que deu certo, o criminoso de Garanhuns, o presidiário de Curitiba.

Depois do discurso de ToffoliMarco Aurélio Mello leu seu relatório e aproveitou para disparar contra o presidente da Corte — que no final do ano passado cassou a liminar que Mello concedera para soltar todos os condenados em segunda instância que aguardavam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores, Lula incluído. O primo de Collor fez questão de enfatizar que "o presidente da Corte é coordenador e não superior hierárquico dos pares". A resposta veio ao final da sessão, quando Toffoli, com a voz embargada, elogiou o relatório e disse que sua admiração por Marco Aurélio só aumentava. Puro teatro...

Nesta quarta-feria, as rusgas entre os ministros devem ser expostas, deixando evidente, mais uma vez, a cizânia entre a ala que defende Lava-Jato, com Fachin e Barroso à frente, e a que se esforça para limitar a operação, capitaneada pelo ministro que o próprio Barroso qualificou como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia, uma desonra para o tribunal, uma vergonha, um constrangimento" — em outro momento, referindo-se ao colega mas sem citá-lo nominalmente, disse o ministro: “Há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”.   

Eventual mudança na jurisprudência teria grande impacto sobre o combate à corrupção no país. A autorização concedida pelo Supremo em 2016 tem eficácia, principalmente, contra políticos e poderosos que, mesmo tendo dinheiro para pagar bons advogados, não conseguem mais alongar tanto os processos e se livrar das punições. Sem medo da prisão, as delações premiadas, outro instrumento fundamental para os investigadores em geral, tendem a diminuir, e o país volta a ser uma exceção à regra: em grande parte do mundo desenvolvido, a prisão após condenação em segunda instância é permitida; Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, Itália e Argentina são alguns exemplos, e os Estados Unidos chegam a ser até mais rigorosos: o cumprimento da pena começa, muitas vezes, após a condenação em primeira instância. 

Gilmar, o porta-estandarte da mudança, diz estar pronto para o embate. Em 2016, quando sua posição era outra, para além de dizer que "não se conhece no mundo civilizado um país que exija o fim do processo para prender os réus", ele anotou como positiva a prisão de personagens graúdos, algo que poderia até levar à melhoria das condições das cadeias brasileiras. Em favor da tese que sairia vitoriosa naquela ocasião, a maritaca mato-grossense destacou que os réus vão perdendo a presunção de inocência à medida que o processo avança — para prender, portanto, não seria necessário o tal trânsito em julgado. Era, de fato, um outro Gilmar. O Brasil continua a ser o mesmo, mas o autoconcedido papel desse magistrado, de dono do Supremo e decisor capaz de levar a corte para lá ou para cá, está, mais do que nunca, evidente. Urge podar-lhe as asas.

Com Crusoé.