A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia
dos acontecimentos, encerrar-se-á na próxima semana o julgamento sobre a
constitucionalidade (ou não) do cumprimento antecipado da pena após condenação
em segunda instância. Quando a sessão foi suspensa, no último dia 24, havia 4
votos a favor da jurisprudência atual e 3 pela mudança, ou seja, pela prisão
somente depois do trânsito em julgado — o que nesta banânia equivale a dizer "no
dia de São Nunca".
Até agora, somente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o voto de Marco Aurélio — relator das famigeradas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, mas tudo indica que Cármen Lúcia deve acompanhar os dissidentes e Gilmar Mendes e Celso de Mello, o relator. Se esse prognóstico se confirmar, caberá a Dias Toffoli proferir o voto de Minerva.
Até agora, somente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o voto de Marco Aurélio — relator das famigeradas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, mas tudo indica que Cármen Lúcia deve acompanhar os dissidentes e Gilmar Mendes e Celso de Mello, o relator. Se esse prognóstico se confirmar, caberá a Dias Toffoli proferir o voto de Minerva.
O jurista Modesto
Carvalhosa defende a suspensão do julgamento até que o Congresso faça seu
papel, e convoca a população a sair as ruas para protestar no próximo dia 9. Independentemente
da pressão popular, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo já
acenou com a possibilidade de mudar seu posicionamento, embora não o tenha dito com todas as
letras (detalhes na postagem
de anteontem).
Toffoli vinha defendendo
uma solução conciliadora — uma "terceira via" nem tanto ao mar, nem
tanto à terra, que deságua na prisão após o julgamento dos recursos na terceira
instância (STJ). Na última segunda-feira,
no entanto, enviou ao Congresso uma proposta para alterar o Código
Penal e impedir a prescrição dos processos que chegam ao STJ/STF. Assim,
o prazo prescricional seria suspenso (ou seja, pararia de contar) na segunda
instância, mesmo que réus investigados, que já foram condenados, entrassem com
recursos em instâncias superiores. Já há
precedentes na 1ª Turma no sentido de que a decisão na segunda instância
interrompe a contagem da prescrição, mas a 2ª Turma, que conta com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso
de Mello, costuma se posicionar no sentido contrário.
A corrupção sempre campeou solta sob as barbas do Gigante
Adormecido, mas só foi institucionalizada no governo Lula, a partir de quando os bandidos de gravata, estimulados pela
sensação de impunidade, passaram a roubar com uma voracidade nunca vista na
história deste país. O cenário começou a mudar em 2012 com o julgamento da Ação Penal 470 — mais conhecida como processo
do Mensalão —, da qual Lula,
inacreditavelmente, escapou incólume.
Para se ter uma ideia de como a Justiça é "célere"
no país da impunidade (entre aspas para ressaltar a ironia), basta lembrar que
o Mensalão foi delatado em 2005 pelo ex-deputado Roberto Jefferson, um dos condenados. O Supremo só começou
a julgar o caso em agosto de 2012 e terminou, após um ano e meio e 69 sessões, com a apreciação dos embargos
infringentes. Dos 38 réus no processo, 24 restaram condenados.
A Lava-Jato teve
início em 2009 — com a investigação de crimes de lavagem de recursos
relacionados ao ex-deputado federal José
Janene e aos doleiros Alberto
Youssef e Carlos Habib Chater —,
mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em março de 2014. Cumpriram-se
então 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão
temporária e 19 de condução coercitiva, em 17 cidades de 6 estados e no DF. Como
mais de 80 mil documentos foram apreendidos pela PF — além de diversos equipamentos de informática e celulares — Rodrigo Janot, então no comando da PGR, designou um grupo de procuradores
para analisar todo esse material e propor as acusações, e do trabalho dessa
equipe resultaram as primeiras denúncias.
As apurações indicavam a existência de um grande esquema de
corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras,
o que levou à segunda fase do caso. Atendendo a um pedido da defesa dos envolvidos,
o STF suspendeu as investigações, e
o ministro Teori Zavascki determinou
que somente a parte que tocava aos investigados com direito a foro privilegiado
permanecesse no STF. Meses mais
tarde, Paulo Roberto Costa assinou
um acordo de colaboração com o MPF,
comprometendo-se a devolver a propina recebida (incluindo os milhões bloqueados
no exterior), detalhar todos os crimes cometidos e a apontar os demais
participantes. Depois dele foi a vez de Alberto
Youssef, e vários acordos de colaboração importantes foram negociados pela
força-tarefa — os que não envolviam políticos com prerrogativa de foro foram enviados
para a 13ª Vara Federal do Paraná,
comandada pelo então juiz Sérgio Moro.
Ao completar 5 anos, a maior operação contra a corrupção da
história deste país contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50
processos por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à
licitação, organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro,
tráfico internacional de drogas, crime contra a ordem econômica, embaraço à
investigação de organização criminosa e falsidade ideológica. Nesse período, R$ 2,5 bilhões retornaram à Petrobras,
a principal estatal lesada pelo esquema — uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014. No
total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está
previsto o ressarcimento de R$ 13
bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da
Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9
bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.
Como toda ação implica uma reação, as articulações
capitaneadas por caciques políticos, líderes partidários, congressistas e até membros
do alto escalão do poder Judiciário cresceram em progressão geométrica. Fossemos
relembrar aqui principais ataques sofridos pela Lava-Jato, esta matéria se desdobraria em pelo menos uma dúzia de
capítulos, mas pode-se resumir a ópera dizendo simplesmente que, a despeito do
que alardearam os alarmista de plantão, a força-tarefa, qual Fênix mitológica, renasceu das cinzas
uma vez depois da outra. Pelo menos até agora.
A ação do espúrio site The
Intercept foi fundamental para a formação da tempestade perfeita, sobretudo quando Moro, Dallagnol e
companhia se tornaram alvo dos vazamentos
verdevaldianos, que tanta alegria proporcionaram aos políticos corruptos e os
criminalistas estrelados que cobram honorários milionários para postergar sua
prisão.
Num país minimamente sério, diálogos não periciados e
obtidos criminosamente pelo hackeamento de 1000 celulares de autoridades
governamentais, membros do judiciário, procuradores e políticos iriam para a
lata do lixo juntamente com Verdevaldo
das Couves, o coveiro de reputações. Mas não numa republiqueta de bananas,
onde Verdevaldo é tratado pela mídia
"cumpanhêra" como herói nacional. Acho até que ele só não foi sondado
por algum partido para disputar as próximas eleições presidenciais porque nossa
Constituição (que não é lá grande coisa) determina que somente brasileiros
natos podem concorrer ao cargo de presidente desta banânia.
Ainda que os diálogos atribuídos a Moro, Dallagnol e
companhia fossem periciados e tidos como verdadeiros, sua origem continuaria
sendo criminosa, torando-os imprestáveis como prova em juízo. E mesmo que as transcrições
não tivessem sido editadas ou manipuladas de alguma maneira — o que se admite apenas
para efeitos de argumentação — elas nada comprovam senão o empenho do ex-juiz
da Lava-Jato e dos procuradores da
força-tarefa na defesa dos interesses da sociedade e sua determinação na luta
contra a grande corrupção, mesmo tendo de enfrentar os mais poderosos corruptos
da República.
Curiosamente, baixada a poeira que se levantou com a prisão
do bando responsável pelo hackeamento, a imprensa quase nada mais publicou de
relevante sobre o assunto, sobretudo depois que as investigações apontaram o
possível envolvimento da pecedebista Manuela
D'Ávila, que compôs com o bonifrate de Lula
a chapa derrotada pelo capitão caverna nas eleições presidenciais de 2018. Poder-se-ia
atribuir essa "perda de interesse" às estultices de Bolsonaro, à tramitação conturbada da PEC Previdenciária e, mais
recentemente, à disputa por poder e dinheiro entre o capitão caverna e
integrantes da alta cúpula do PSL.
Mas não se pode perder de vista o fato de que veículos supostamente isentos e
respeitáveis — como Folha, UOL, BandNews e Veja, entre
outros — seguiram Verdevaldo como os
ratos na fábula do Flautista de Hamelin.
E incontestável que a opinião pública, como que tomada de
uma “cólera santa” contra a podridão que a Lava-Jato
trouxe a lume, contribuiu em grande medida para o impeachment da gerentona de
araque e, mais adiante, para o encarceramento de seu criador e mentor — a
autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil", em cuja alegada
lisura no trato com a coisa pública muita gente ainda acredita —, mas não é
esse o ponto, e sim o fato de termos subestimado a resiliência do crime
organizado. Mas é igualmente incontestável que políticos corruptos, como as baratas,
são capazes de sobreviver aos piores cataclismos, até mesmo nucleares.
Mesmo com vários chefes da corrupção presos (inclusive o capo di tutti i capi), os interesses dos
corruptos vem sendo garantido por uma engenhosa articulação suprapartidária,
cujas ramificações vão de dentro de uma cadeia no Brasil até o exterior e que
se alimenta da vaza-jato do Intercept
et caterva, cujo primeiro alvo, como dito linhas atrás, foi o ex-juiz federal e
atual ministro da Justiça, tido e havido como algoz dos corruptos devido a sua
seriedade, coragem, tenacidade e eficiência no combate à corrupção e a
impunidade no Brasil.
É nesse pé que a coisa está. Resta saber como ficará, pois a política é como as nuvens no céu: a gente olha, elas estão
de um jeito; olha de novo, e tudo mudou. Tomara que mude para melhor.