quarta-feira, 30 de outubro de 2019

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA



A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, encerrar-se-á na próxima semana o julgamento sobre a constitucionalidade (ou não) do cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância. Quando a sessão foi suspensa, no último dia 24, havia 4 votos a favor da jurisprudência atual e 3 pela mudança, ou seja, pela prisão somente depois do trânsito em julgado — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Até agora, somente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o voto de Marco Aurélio — relator das famigeradas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, mas tudo indica que Cármen Lúcia deve acompanhar os dissidentes e Gilmar Mendes e Celso de Mello, o relator. Se esse prognóstico se confirmar, caberá a Dias Toffoli proferir o voto de Minerva.

O jurista Modesto Carvalhosa defende a suspensão do julgamento até que o Congresso faça seu papel, e convoca a população a sair as ruas para protestar no próximo dia 9. Independentemente da pressão popular, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo já acenou com a possibilidade de mudar seu posicionamento, embora não o tenha dito com todas as letras (detalhes na postagem de anteontem).

Toffoli vinha defendendo uma solução conciliadora — uma "terceira via" nem tanto ao mar, nem tanto à terra, que deságua na prisão após o julgamento dos recursos na terceira instância (STJ). Na última segunda-feira, no entanto, enviou ao Congresso uma proposta para alterar o Código Penal e impedir a prescrição dos processos que chegam ao STJ/STF. Assim, o prazo prescricional seria suspenso (ou seja, pararia de contar) na segunda instância, mesmo que réus investigados, que já foram condenados, entrassem com recursos em instâncias superiores. Já há precedentes na 1ª Turma no sentido de que a decisão na segunda instância interrompe a contagem da prescrição, mas a 2ª Turma, que conta com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, costuma se posicionar no sentido contrário.

A corrupção sempre campeou solta sob as barbas do Gigante Adormecido, mas só foi institucionalizada no governo Lula, a partir de quando os bandidos de gravata, estimulados pela sensação de impunidade, passaram a roubar com uma voracidade nunca vista na história deste país. O cenário começou a mudar em 2012 com o julgamento da Ação Penal 470 — mais conhecida como processo do Mensalão —, da qual Lula, inacreditavelmente, escapou incólume.

Para se ter uma ideia de como a Justiça é "célere" no país da impunidade (entre aspas para ressaltar a ironia), basta lembrar que o Mensalão foi delatado em 2005 pelo ex-deputado Roberto Jefferson, um dos condenados. O Supremo só começou a julgar o caso em agosto de 2012 e terminou, após um ano e meio e 69 sessões, com a apreciação dos embargos infringentes. Dos 38 réus no processo, 24 restaram condenados.

A Lava-Jato teve início em 2009 — com a investigação de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene e aos doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater —, mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em março de 2014. Cumpriram-se então 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva, em 17 cidades de 6 estados e no DF. Como mais de 80 mil documentos foram apreendidos pela PF — além de diversos equipamentos de informática e celulares — Rodrigo Janot, então no comando da PGR, designou um grupo de procuradores para analisar todo esse material e propor as acusações, e do trabalho dessa equipe resultaram as primeiras denúncias.

As apurações indicavam a existência de um grande esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras, o que levou à segunda fase do caso. Atendendo a um pedido da defesa dos envolvidos, o STF suspendeu as investigações, e o ministro Teori Zavascki determinou que somente a parte que tocava aos investigados com direito a foro privilegiado permanecesse no STF. Meses mais tarde, Paulo Roberto Costa assinou um acordo de colaboração com o MPF, comprometendo-se a devolver a propina recebida (incluindo os milhões bloqueados no exterior), detalhar todos os crimes cometidos e a apontar os demais participantes. Depois dele foi a vez de Alberto Youssef, e vários acordos de colaboração importantes foram negociados pela força-tarefa — os que não envolviam políticos com prerrogativa de foro foram enviados para a 13ª Vara Federal do Paraná, comandada pelo então juiz Sérgio Moro.

Ao completar 5 anos, a maior operação contra a corrupção da história deste país contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, crime contra a ordem econômica, embaraço à investigação de organização criminosa e falsidade ideológica. Nesse período, R$ 2,5 bilhões retornaram à Petrobras, a principal estatal lesada pelo esquema — uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014. No total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.

Como toda ação implica uma reação, as articulações capitaneadas por caciques políticos, líderes partidários, congressistas e até membros do alto escalão do poder Judiciário cresceram em progressão geométrica. Fossemos relembrar aqui principais ataques sofridos pela Lava-Jato, esta matéria se desdobraria em pelo menos uma dúzia de capítulos, mas pode-se resumir a ópera dizendo simplesmente que, a despeito do que alardearam os alarmista de plantão, a força-tarefa, qual Fênix mitológica, renasceu das cinzas uma vez depois da outra. Pelo menos até agora.

A ação do espúrio site The Intercept foi fundamental para a formação da tempestade perfeita, sobretudo quando Moro, Dallagnol e companhia se tornaram alvo dos vazamentos verdevaldianos, que tanta alegria proporcionaram aos políticos corruptos e os criminalistas estrelados que cobram honorários milionários para postergar sua prisão.

Num país minimamente sério, diálogos não periciados e obtidos criminosamente pelo hackeamento de 1000 celulares de autoridades governamentais, membros do judiciário, procuradores e políticos iriam para a lata do lixo juntamente com Verdevaldo das Couves, o coveiro de reputações. Mas não numa republiqueta de bananas, onde Verdevaldo é tratado pela mídia "cumpanhêra" como herói nacional. Acho até que ele só não foi sondado por algum partido para disputar as próximas eleições presidenciais porque nossa Constituição (que não é lá grande coisa) determina que somente brasileiros natos podem concorrer ao cargo de presidente desta banânia.

Ainda que os diálogos atribuídos a Moro, Dallagnol e companhia fossem periciados e tidos como verdadeiros, sua origem continuaria sendo criminosa, torando-os imprestáveis como prova em juízo. E mesmo que as transcrições não tivessem sido editadas ou manipuladas de alguma maneira — o que se admite apenas para efeitos de argumentação — elas nada comprovam senão o empenho do ex-juiz da Lava-Jato e dos procuradores da força-tarefa na defesa dos interesses da sociedade e sua determinação na luta contra a grande corrupção, mesmo tendo de enfrentar os mais poderosos corruptos da República.

Curiosamente, baixada a poeira que se levantou com a prisão do bando responsável pelo hackeamento, a imprensa quase nada mais publicou de relevante sobre o assunto, sobretudo depois que as investigações apontaram o possível envolvimento da pecedebista Manuela D'Ávila, que compôs com o bonifrate de Lula a chapa derrotada pelo capitão caverna nas eleições presidenciais de 2018. Poder-se-ia atribuir essa "perda de interesse" às estultices de Bolsonaro, à tramitação conturbada da PEC Previdenciária e, mais recentemente, à disputa por poder e dinheiro entre o capitão caverna e integrantes da alta cúpula do PSL. Mas não se pode perder de vista o fato de que veículos supostamente isentos e respeitáveis — como Folha, UOL, BandNews e Veja, entre outros — seguiram Verdevaldo como os ratos na fábula do Flautista de Hamelin. 

E incontestável que a opinião pública, como que tomada de uma “cólera santa” contra a podridão que a Lava-Jato trouxe a lume, contribuiu em grande medida para o impeachment da gerentona de araque e, mais adiante, para o encarceramento de seu criador e mentor — a autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil", em cuja alegada lisura no trato com a coisa pública muita gente ainda acredita —, mas não é esse o ponto, e sim o fato de termos subestimado a resiliência do crime organizado. Mas é igualmente incontestável que políticos corruptos, como as baratas, são capazes de sobreviver aos piores cataclismos, até mesmo nucleares.

Mesmo com vários chefes da corrupção presos (inclusive o capo di tutti i capi), os interesses dos corruptos vem sendo garantido por uma engenhosa articulação suprapartidária, cujas ramificações vão de dentro de uma cadeia no Brasil até o exterior e que se alimenta da vaza-jato do Intercept et caterva, cujo primeiro alvo, como dito linhas atrás, foi o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, tido e havido como algoz dos corruptos devido a sua seriedade, coragem, tenacidade e eficiência no combate à corrupção e a impunidade no Brasil.

É nesse pé que a coisa está. Resta saber como ficará, pois a política é como as nuvens no céu: a gente olha, elas estão de um jeito; olha de novo, e tudo mudou. Tomara que mude para melhor.