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domingo, 8 de dezembro de 2019

BOLSONARO E A REELEIÇÃO



Jair Bolsonaro, por um fenômeno até agora não esclarecido pelos nossos esclarecedores de questões nacionais, foi o único político de primeira grandeza no Brasil a entender que, para a maioria dos brasileiros, a polícia é uma coisa boa e bandido é uma coisa ruim. Noves fora os rematados idiotas de sempre, todo mundo sabe que policiais erram, que podem tratar mal o público e não investigar nem reprimir como deveriam os crimes cometidos, além de eles próprios cometerem uma série intolerável de atos criminosos. Mas também é sabido que não existe um único caso de bandido que esteja a favor do cidadão — e que qualquer policial, no fim das contas, é melhor que qualquer criminoso. Daí a “oposição”, parte da mídia, “movimentos sociais” e "defensores dos direitos humanos" tomarem partido contra as forças da ordem e a favor das forças do crime. E se mostrarem indignados, depois, quando a população prefere o capitão caverna a assassinos, ladrões e estupradores.

Segundo J.R. Guzzo, a grande questão da política brasileira, hoje, é a perspectiva real de Bolsonaro ficar no seu cargo não só pelos três anos de mandato a que ainda tem direito por conta da eleição de 2018, mas até 31 de dezembro de 2026. E não adianta fazer de conta que não é isso. É precisamente isso. Fala-se de tudo — da descomunal importância do presidente da Câmara para o futuro do Brasil e do Sistema Solar, do que se passa a cada minuto do dia na cabeça do presidente do Senado, dos entreveros de Bolsonaro com o sistema de pontos nas multas de trânsito. Discutem-se novos partidos, velhos partidos, centrão, centrinho, os filhos do presidente e o futuro de Lula: o que mais o STF pode fazer por ele?

Há, todos os dias, a crise da manhã, a crise da tarde e a crise da noite, com ameaça real, direta e imediata à sobrevivência do governo. Há de tudo — menos a discussão aberta da única coisa que de fato interessa: até quando Bolsonaro vai ficar? O resto é o resto.

Não se trata de um “Quiz” de adivinhação. Se o presidente ficar ”X” tempo, a sociedade brasileira terá uma cara; se ficar “X” + “Y”, terá outra. Não é mudança de governo. É mudança de vida. Daqui a três anos, se as coisas continuarem a andar do jeito que estão andando, o Brasil será um país tão diferente do que é hoje, mas tão diferente, que praticamente nada do que se discute no momento terá qualquer significado prático para o dia a dia dos brasileiros.

Se a história for ainda além, e Bolsonaro receber um segundo mandato — bom, aí estaremos entrando em território absolutamente virgem. É uma perspectiva que assusta até o fundo da alma toda a ordem política, econômica e social que manda hoje no Brasil, como tem mandado há décadas, ou mais do que isso. Assusta porque traz o insustentável peso da mudança para os que não querem que nada mude — ou que só mude aquilo que lhes interessa mudar. Mudam o sistema psicológico, a “ideologia”, os hábitos intelectuais, os valores, os usos e costumes.

Quem está contente com o Brasil como ele foi até hoje não pode estar contente com o Brasil desconhecido que talvez esteja vindo aí pela frente. Qual poderia ser ele? É uma perda de tempo, como se sabe, ficar preocupado em excesso com o futuro, porque ele virá de qualquer maneira. O que dá para fazer é uma lista de realidades — e ir checando, uma por uma, se elas estão mudando para melhor ou para pior. A economia, por exemplo. Pelos fatos que podem ser vistos hoje — e não pelos sentimentos que você tem a respeito deles — a situação tende a melhorar ou piorar?

O país, no futuro próximo, vai ter um outro STF e uma outra Justiça. A máquina pública deixará de crescer como cresceu nos últimos 50 anos. O Brasil, forçosamente, vai estar mais integrado às cadeias mundiais de produção. O “investimento público” deixará de ter o tratamento sagrado que tem hoje. Não haverá novas empresas estatais. As pressões da maioria sobre os donos da vida pública vão aumentar — entre outras coisas, não há nenhuma hipótese de que as redes sociais se tornem menores e mais silenciosas do que são hoje.

Todas essas coisas somadas, e uma infinidade de outras, são positivas ou não? Faça suas contas. O fato é que ninguém pode esperar uma vida melhor se não houver mudança nenhuma no lugar onde ela se tornou ruim.

Com J.R. Guzzo

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

PESSOAS E PRAGAS


Todo mundo sabe o que é um tomate. Ou melhor, falando uma linguagem mais científica: grande parte dos 7 bilhões de habitantes do planeta, talvez a maioria, sabe o que é um tomate. O que bem menos gente sabe é que o tomate é também um dos vegetais que mais recebem defensivos químicos em toda a agricultura mundial — ou “agrotóxicos”, como diz o universo ecológico brasileiro. Não muitos, enfim, sabem que os melhores tomates do mundo são cultivados na área do vulcão Vesúvio, vizinha a Nápoles, na Itália (pelo menos na opinião praticamente unânime dos italianos). O tomate dali é maravilhoso, mas não é mágico. Recebe toneladas de defensivos agrícolas todos os anos, sem falar de fertilizantes, produtos para aumentar o rendimento das culturas e intervenções genéticas de última geração. Os napolitanos não fazem isso porque gostam de gastar dinheiro com “agrotóxicos”, mas porque, se não o fizerem, seus tomates morrerão. E aí: o que seria da pizza? E do molho al sugo? E do ketchup?

O problema não seria só com a pizza de Nápoles e do resto da Itália. Sem tomate iria acabar, do mesmíssimo jeito, a pizza da Moóca, de São José dos Ausentes e da Groenlândia, porque ninguém ainda descobriu como seria possível cultivar tomates, em volume que faça algum sentido, com a ação natural das abelhas, trato de algas marinhas e outras lendas presentes no aparelho mental da população naturalista, orgânica, vegana, e por aí afora. Você decide, então: ou existe tomate do jeito que ele é na vida real, ou não existe tomate. A lógica comum diria que é melhor deixar os tomates quietos, como eles estão — mesmo porque, ao que se sabe, pouquíssima gente morre neste mundo por comer a macarronada da mamma. Mas vá você dizer isso a um combatente a favor da alimentação natural e contra “o veneno na minha comida”. Será acusado de ser um “defensor do agronegócio”, da “indústria química”, da “ganância”, do “lucro” e daí para baixo. Mais: vai ser carimbado como retrógrado, fascista e inimigo da saúde humana em geral.

Não se trata de uma questão só de tomates. O trigo e a soja, o arroz e o feijão, o milho e a batata, e todos os alimentos produzidos em massa na face da Terra têm de receber hoje montanhas de produtos químicos para sobreviver — ou é assim ou desaparecem. O problemão, nesse caso, é como alimentar na prática os 7 bilhões de cidadãos citados acima. Não apareceu até agora uma única resposta coerente para isso. O que existe mesmo, no mundo das realidades, é a seguinte opção: ou você alimenta as pessoas ou alimenta as pragas. Pior ainda, quem vai levar na cabeça são os mais pobres, pois a maioria da população global é constituída de pobres — e, por eles serem muitos, criam o incômodo de consumir mais comida que todas as classes médias, altas ou altíssimas do mundo somadas. São eles os que vão comer menos — até porque não têm dinheiro para comprar sua janta nas lojas “biô”, orgânicas ou naturalistas do Leblon.

Nunca houve tanto agronegócio no mundo. Nunca se consumiram tanta carne, frango e outras proteínas básicas. Nunca houve tanto alimento para o homem — e nunca se produziu e vendeu tanto produto artificial para o campo. Ao mesmo tempo, jamais a população do planeta foi tão grande como hoje. Nem tão bem alimentada, até por questões legais — uma Volkswagen, por exemplo, é obrigada por lei a oferecer pelo menos dois tipos de proteína em seus refeitórios, no almoço e no jantar, todos os dias. Só consegue cumprir a lei se acha frango e boi em quantidade suficiente — e para isso frangos e bois têm de engordar cada vez mais depressa, o que é impossível sem hormônios, rações com componentes químicos, vacinas. Milhares de outras empresas brasileiras precisam, por lei, fazer exatamente a mesma coisa — ou os fiscais vão lhes socar em cima uma quantidade de multas capaz de levar até o Google à falência.


Como fica, então? Se estivessem pondo “veneno” na comida, você iria ver gente caindo morta na sua frente em cada esquina, todo dia. Em vez disso, a população só aumenta. É óbvio que o uso da química, biogenética e outras tecnologias na agricultura é uma questão de doses certas, produtos de qualidade, mais segurança quanto aos seus danos potenciais à saúde, mais competência no manejo. Mas nunca, também, houve progressos tão espetaculares na melhoria científica dos adubos, pesticidas, transgênicos e tudo o mais que se põe nas lavouras. São os fatos. A alternativa é voltar à Idade da Pedra, quando a alimentação era 100% natural — e o sujeito precisava ter uma sorte do cão para chegar vivo aos 30 anos de idade.

Texto de J.R. Guzzo.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

OS HCS DE LULA - DE DAMASCO A CURITIBA



Antes do texto de Dionísio da Silva, Diretor do Instituto da Palavra e Professor Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá, vale ressalvar que:

1) Devido a uma viagem oficial aos EUA, Sérgio Moro não irá à Câmara nesta semana, onde seria submetido à segunda sessão da Santa Inquisição a primeira foi na semana passada, na CCJ do Senado. O ministério da Justiça e Segurança Pública já informou que o compromisso será reagendado, mas a ala esquerdopata do parlamento já se articula para encaminhar uma convocação compulsória nesse caso, o não comparecimento do ministro pode configurar crime de responsabilidade.

2) Quando tudo indicava que um habeas corpus do presidiário de Curitiba não seria julgado na sessão de ontem da 2ª Turma do STF, que foi a última deste semestre, não um, mas dois pedidos de liberdade foram levados em mesa. O primeiro questionava a decisão monocrática do ministro Felix Fisher, do STJ — que no ano passado negou monocraticamente um pedido de absolvição do petralha — e foi negado por 4 votos a 1, vencido o ministro Ricardo Lewandowski, cuja farda de militante petista a suprema toga jamais cobriu totalmente.

Observação: Vale lembrar que a 5ª Turma do STJ julgou o recurso e reconheceu por unanimidade a culpabilidade de Lula, embora tenha reduzido a pena de 12 anos e 1 mês de prisão, imposta pelo TRF-4, para 8 anos e 10 meses, dando margem a uma nova celeuma, desta feita envolvendo a progressão para o regime de prisão domiciliar — por lei, a idade avançada e o cumprimento de 1/3 da pena permitiria que o molusco indigesto passasse para o regime semiaberto, onde os presos saem para trabalhar e dormem na cadeia, mas há décadas que o demiurgo de Garanhuns não sabe o que é um chão de fábrica.

O segundo pedido de liberdade, embasado na suposta parcialidade do então juiz federal Sérgio Moro, começou a ser julgado no final do ano passado, mas foi suspenso por um pedido de vista de Gilmar Mendes (pedido de VISTA, e não de VISTAS, como insistem em dizer nos telejornais) quando Edson Fachin e Cármen Lúcia já se haviam posicionado contrariamente à tese da defesa. O semideus togado devolveu os autos recentemente — por uma estranha coincidência, logo depois que o site esquerdista The Intercept Brasil começou a vazar supostas conversas entre Moro, Dallagnol e outros procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, em torno do que a mídia e parte do Congresso ergueu um circo de três picadeiros —, mas isso é outra história.

Considerando o adiantado da hora e que só o voto de Mendes tinha mais de 40 páginas, o ministro concordou alegremente com os argumentos do advogado Cristiano Zanin, para quem Lula deveria ser solto e aguardar em liberdade o julgamento do mérito do recurso (de minha parte, sou mais a abalizada opinião do General Augusto Heleno, para quem ex-presidente corrupto envergonha seu país e só deve sair da prisão em um saco preto, e com destino à chácara do vigário). Mas o pedido de liminar foi negado por 3 votos a 2, vencidos, adivinhem só, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

O Judiciário entre em recesso já no final desta semana e retorna somente em agosto. No ano passado, durante as férias de Julho, tivemos o Domingo Negro — que na verdade começou na noite de sexta-feira, quando os deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira ingressaram com um pedido habeas corpus no TRF-4, visando à soltura de Lula, 28 minutos após o início do plantão do desembargador “cumpanhêro” Rogério Favreto no tribunal. Em dezembro, ao final do almoço de encerramento do ano Judiciário, o ministro Marco Aurélio, irresignado com o adiamento do julgamento das furibundas ADC 43, do PEN, ADC 44, da OAB, e ADC 54, do PCdoB, concedeu uma estapafúrdia liminar que só não resultou na libertação de Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada pelo presidente da Corte. 

Enfim, o jeito é ficar de olho, pois o preço da liberdade é a eterna vigilância.

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A letra mata, mas o espírito vivifica”, disse São Paulo em sofisticada interpretação jurídica e religiosa, depois de cair do cavalo e mudar radicalmente de ideia e de vida por não ter resposta à pergunta: “por que me persegues?”.

Tornado subitamente cego diante da figura que lhe apareceu no caminho de Tarso, na Turquia, para Damasco, na Síria, aonde ia perseguir membros ali estabelecidos de uma seita que já prejudicava muito a aliança entre Roma e Jerusalém, tinha dois bons motivos para combater os cristãos. Ele, como seus pais, era judeu e seguia a lei de Moisés, mas era também cidadão romano. Contam as narrativas cristãs que Saulo, seu nome hebraico, ficou completamente cego por causa do clarão no meio do qual estava a figura que lhe apareceu quando foi derrubado pela montaria. Como de hábito, viajava escoltado por soldados romanos e já integrara o grupo que apedrejara Estêvão, o primeiro daqueles que seriam chamados cristãos, a ser morto por causa da nova fé.

Saulo ou Paulo vivia em Tarso, local, aliás, onde Cleópatra e Marco Antônio se encontraram pela primeira vez e se apaixonaram para viver um grande amor, que entretanto terminaria no suicídio de ambos. A cidade tinha este nome porque seus habitantes estendiam as mercadorias — queijos, frutas e outros alimentos — sobre cipós trançados, para perderem a umidade. Havia ali muitos tecelões e Saulo/Paulo era um deles. “Tarsós, em grego, designa também a planta do pé, mas por comparação mútua a superfícies planas e com aparência de elementos entrelaçados. Além do mais, a raiz remota da palavra tarso é o indo-europeu “ters”, secar. Não é improvável que o Inglês “tear”, lágrima, tenha o mesmo remoto étimo, por comparação do rosto com aquilo que seca ao verter líquidos.

Quando adolescente, Saulo/Paulo tinha sido enviado a Jerusalém para estudar, mas voltara para Tarso, de onde depois de convertido partiria para suas famosas viagens, não mais para combater aqueles que perseguira, mas para ajudá-los a espalhar a boa nova, o Evangelho, por cidades que acabariam celebrizadas nas catorze epístolas escritas aos habitantes por ele convertidos nesses lugares. Foi em Antioquia, uma destas localidades, que os seguidores da nova seita foram designados cristãos pela primeira vez. Paulo de Tarso perseguia uma seita insurgente no contexto, constituída de seguidores de um contemporâneo seu, mas nascido em Belém da Judeia e criado em Nazaré, condenado pelo sinédrio judaico e crucificado pelos invasores romanos por volta do ano 30 de nossa era.

De perseguidor da seita fundada por Jesus Nazareno Rei dos Judeus (como resumido no INRI dos crucifixos atuais), tal como explicado em hebraico, em grego e em latim numa tabuleta afixada na cruz em que foi executado, para todos entenderem (a região usava estas três línguas), Paulo tornou-se um de seus principais defensores, ao elaborar a teoria que ainda no século I propôs a reorganização dos valores essenciais da existência na civilização ocidental.

Saulo ou Paulo foi preso duas vezes. Como era cidadão romano, não podia ser julgado e muito menos crucificado em Jerusalém, e foi enviado a Roma. Na primeira condenação, no ano 58, o navio que o levava à capital do império naufragou e ele obteve prisão domiciliar. Mas na segunda e última, no ano 64, ele foi levado a Roma e ali foi julgado e condenado à morte. Naquele ano, Roma tinha sido incendiada e o imperador Nero atribuíra a culpa aos cristãos, dos quais Paulo e Pedro já eram os principais líderes. Ambos morreram no mesmo ano de 67. Pedro, sendo judeu, foi crucificado. Paulo, sendo cidadão romano, foi decapitado.

O que nos dizem esta história e esta pequena reflexão? Que uma nova interpretação da lei, não apenas a lei, pode mudar tudo, ainda que proceda de uma das mais remotas províncias. Na defesa do ex-presidente Lula, um de seus advogados, criticando a interpretação da lei dada pelo juiz Sérgio Moro, referiu-se a Curitiba como “essa região agrícola do Brasil”, manifestando seu duplo desconhecimento, em Direito e em Brasil.

Curitiba não é a Damasco de nossos dias, mas ali surgiu, não uma pessoa, mas um grupo de pessoas, que passou a interpretar e vivificar a lei de outro ponto de vista. Como disse o linguista Ferdinand de Saussure, “o ponto de vista cria o objeto”. Em Curitiba temos uma nova seita de convertidos. Acusados ou condenados tornaram-se delatores de seus companheiros de lavagem de dinheiro e de desvio de verbas para corrupção e estão ajudando os homens da lei, ao menos daqueles que interpretam a lei de outro modo, bem diferente do tradicional, que inocentava os acusados por recursos diversos, sendo um dos mais eficientes o decurso de prazo, a prescrição. Esses novos intérpretes da lei têm pressa de julgar: para absolver (raramente) ou para condenar (mais frequentemente), mas em todo caso sempre rapidamente.

No antigo e tradicional modo de julgar, era essencial que ministros de altos tribunais pedissem vistas dos processos e sobre eles se sentassem pelo tempo necessário a jamais privar os acusados da liberdade. Certas seitas costumam triunfar e no momento a de Curitiba está sob ataques de todos os lados, lícitos e ilícitos, depois de muitos triunfos notáveis. Prenderam poderosos empresários, ministros e até um ex-presidente da República. Do resultado desta luta depende o futuro do Brasil.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

LULA, AS MENINAS DO JÔ E A AVALIAÇÃO LAPIDAR DE CID GOMES, QUE CONTINUA VALENDO ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO



Dias atrás, uma repórter da GloboNews e ex-integrante das “Meninas do Jô” me fez lembrar do próprio , que costumava responder ele mesmo as perguntas que dirigia aos entrevistados. A questão levantada por essa ex-menina (não só porque o “Programa do Jô” deixou de ir ao ar em dezembro de 2016, mas também porque a dita-cuja já colheu 61 primaveras nos jardins da existência) foi sobre como seria o cenário eleitoral em 2022. E sua resposta (dela, não do entrevistado) foi que Bolsonaro é candidatíssimo à reeleição, que João Dória e Luciano Huck provavelmente concorrerão, e que, pela esquerda, tudo depende do “presidente Lula”. Confesso que me senti tentado a ligar para 4002-2884 e deixar o mesmo recado (lapidar, diga-se) que o senador Cid Gomes deu a uma súcia de petistas, em outubro do ano passado: Lula está preso, babaca. (relembre no vídeo a seguir).


Especular sobre a sucessão presidencial quando a gestão atual começou há pouco mais de 3 meses (se começou mal ou não, isso é outra conversa) me parece um exercício de futurologia sem o menor sentido. Demais disso, Bolsonaro afirmou mais de uma vez ser contrário à reeleição — e que pretende propor sua extinção numa possível reforma política. Semana passada, em entrevista ao jornalista Augusto Nunes no programa “Pingos nos Is” da Jovem Pan, ele voltou a dizer que a reeleição é ruim para o Brasil porque “o prefeito, o governador, até o próprio presidente se endivida, faz barbaridades, dá cambalhotas, faz acordo com quem não interessa, para conseguir apoio político...". Na mesma oportunidade, porém, ele disse: “a pressão está muito forte para que, se eu tiver bem [em 2022], obviamente, me candidatar".

A contradição não chega a surpreender, não quando vem de alguém a quem falta coerência e sobram ideias abiloladas, mas isso também é outra conversa. O detalhe é que Bolsonaro disse isso logo após o Datafolha e o Ibope indicarem que ele é o presidente em primeiro mandato menos bem avaliado desde 1985. Pressão de quem, então, cara pálida?

Tenho comigo que Geraldo Alckmin prestou um desserviço ao país ao insistir em disputar a Presidência quando João Dória tinha chances reais de passar para o segundo turno — e, por que não dizer, de vencer a eleição. Doria não terá esse egun mal despachado a assombrá-lo em 2022, o que é um ponto a seu favor. Quanto a Luciano Huck, acho que o apresentador perdeu o bonde e a vez. É certo que teríamos votado no próprio capeta para impedir a vitória do boneco de ventríloquo comandado pelo presidiário de Curitiba (o que explica a vitória do capitão), mas isso se deu num cenário bastante peculiar, que dificilmente se repetirá em 2022.

O ex-presidente Lula (e não “presidente Lula”, como disse a infante sexagenária) foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em segunda instância (no processo do tríplex no Guarujá) e começou a cumprir a pena no dia 7 de abril de 2018 (há um ano, portanto). Nesse entretempo, foi  sentenciado a mais 12 anos 11 meses de prisão pela juíza substituta Gabriela Hardt (no caso do sítio em Atibaia). Além disso, os autos do processo sobre o terreno do Instituto Lula e a cobertura em São Bernardo do Campo estão conclusos para sentença — o julgamento pode se dar a qualquer momento, a critério do juiz federal Antonio Bonat, que substitui Sérgio Moro no comando da 13ª Vara Federal do Paraná. Aliás, Bonat já negou um pedido de suspeição da defesa do ex-presidente contra o delegado federal Filipe Hille Pace, que investiga Lula no âmbito da Lava-Jato do Paraná. Para além desses processos, o petralha é réu em outros seis, sem mencionar que foi indiciado no início do mês passado, juntamente com o pimpolho Luiz Cláudio, pelos crimes de lavagem de dinheiro e tráfico de influência (clique aqui para mais informações sobre a capivara do eterno presidente de honra do PT),

Se ninguém botar jabuti em árvore, o REsp de Lula — que dentre outros absurdos pleiteia a anulação do processo do tríplex e o envio do caso à Justiça Eleitoral — será rejeitado pela 5ª Turma do STJ, como já o foi por uma decisão monocrática do ministro Félix Fisher, no final do ano passado. E agora que o presidente do Supremo despautou e adiou sine die o julgamento das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão após condenação por um juízo colegiado, não há por que o STJ continuar empurrando o julgamento barriga. Se o que faltava a Fisher para levar o caso em mesa era a manifestação do MPF sobre o pedido de remessa do processo à Justiça Eleitoral, agora não falta mais: o parecer (contrário ao pedido) foi encaminhado na última terça-feira

Voltando à resposta que a repórter da GloboNews deu a si mesma, segue um texto de Josias de Souza (os grifos são meus):

Lula tornou-se para o PT um personagem paradoxal. Preso há um ano, ele continua sendo a única liderança nacional do partido. Mas seu pesadelo criminal transformou-o num líder sem futuro. Hoje, Lula está inelegível até 2038, quando completará 92 anos. Ou seja, do ponto de vista estritamente eleitoral, é um passado que não passa para o partido que fundou. Para que Lula voltasse a ser candidato, como gostaria, seria necessário que a sentença que o condenou a 12 anos e um mês de cadeia fosse anulada nos tribunais superiores. Mas nem os mais fanáticos adeptos do bordão 'Lula Livre' acreditam nessa possibilidade

O petismo agarra-se a uma tênue esperança dos advogados de que a sentença seja pelo menos reduzida no julgamento de recurso no STJ — uma eventual redução da pena permitiria à defesa reivindicar uma progressão de regime prisional. Com sorte, Lula ganharia uma transferência do regime fechado para o semiaberto. Com muita sorte, iria para a prisão domiciliar. Seria um alívio para o preso, não para o PT. No momento, o grande desafio do petismo é o de se reinventar na oposição. 

Por ora, o partido repete o modelo de oposição agressiva que adotava no passado. Com uma diferença: o PT já não se encaixa no papel de virgem no bordel. Os adversários agora sabem o que os petistas fizeram nos verões passados, quando manusearam a chave do cofre. De resto, ser do contra sem dizer o que colocaria no lugar de projetos como a reforma da Previdência não estimula o eleitor a recolocar o PT na fila de alternativas caso Bolsonaro mantenha o país no caminho do brejo. 

O bordão 'Lula Livre' logo será um assunto chato até para o PT, se é que já não é. Ainda que se materializasse, o sonho de liberdade seria seguido de novos pesadelos. Há mais uma condenação de primeira instância. Há também meia dúzia de processos por julgar. Adepto da teoria da palmeira única, Lula jamais permitiu que brotassem outras lideranças no gramado do PT. Seu egocentrismo condenou o partido a administrar a decomposição do seu único líder rendido aos interesses dele.”


ATUALIZAÇÃO: Como eu disse linhas atrás, existe a possibilidade de a 5ª Turma do STJ julgar o recurso de Lula nesta quinta-feira (ou no próximo dia 23, já que Judiciário, trabalho e Semana Santa não se misturam). Em tese, o relator, ministro Felix Fisher, ainda não levou o assunto em mesa porque aguardava a manifestação do MPF — que foi encaminhada na última terça e é contrária ao pedido da defesa de levar o caso do tríplex do Guarujá para a Justiça Eleitoral. O colegiado, conhecido por manter as decisões das instâncias inferiores nos processos da Lava-Jato, é formado por cinco ministros, um dos quais (Joel Ilan Paciornik) se deu por impedido de participar desse julgamento. Fisher já havia negado o apelo monocraticamente, mas a defesa do petralha argumenta é que o recurso expõe dezoito teses jurídicas compatíveis com a jurisprudência do STJ que deveriam ser enfrentadas por todos os ministros da turma. Possíveis resultados são:

1) O apelo ser negado e a condenação ser mantida (caso em que Lula seguirá cumprindo a pena em regime fechado);

2) O reconhecimento de que as decisões inferiores desrespeitaram alguma lei federal — como o Código Penal ou o Código de Processo Penal —, o que levaria à declaração de nulidade do processo, que voltaria à instância em que a falha foi detectada (a defesa alega que a ação não poderia ter sido julgada pelo juiz Sergio Moro; que o magistrado foi parcial; que foi negada a produção de provas periciais, e por aí afora);

3) O reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral para analisar ação, o que também levaria à anulação de todos os atos processuais na esfera da Justiça Federal — inclusive da ordem de prisão;

4) A redução da pena (que a defesa considera exagerada) ou a absolvição do réu quanto ao crime de lavagem de dinheiro — em qualquer dos casos, a redução da pena abriria espaço para que o condenado a cumprisse em regime semiaberto ou em prisão domiciliar;

Façam suas apostas (e cruzem os dedos).

quinta-feira, 21 de março de 2019

O BRASIL E O MAL MENOR



Antes de reproduzir um texto lapidar de Merval Pereira, torno a relembrar que o presidente Jair Bolsonaro, como na fábula do Velho, do menino e do burro, foi, é e será criticado por tudo que disse, diz e venha a dizer, não importa o que tenha sido, seja ou venha a ser. Se a unha de alguém encravar, a culpa será dele; se chover e houver inundações, a culpa também será dele; se faltar água nos reservatórios, idem na mesma data. O pior é que ele próprio faz questão de contribuir para as críticas, mas isso já é outra conversa. 

Quanto a sua alegada vassalagem a Trump, brilhantemente representada na imagem caricata que ilustra esta postagem, acho que há algum exagero por parte detratores de plantão. Até porque, ao longo dos 13 anos e fumaça do jugo lulopetista, essa caterva se manteve em silêncio reverencial enquanto o Brasil se alinhava a Cuba, à Venezuela e a outros países governados por tirantes de merda e bancasse suas obras faraônicas com rios de dinheiro público — cuja cor dificilmente voltaremos a ver. Agora, porém, como é Bolsonaro quem governa esta Banânia, a pancadaria come solta, a pretexto de o presidente, sob forte inspiração “trumpista”, incorrer num revanchismo precário ao não se dar conta de que a esquerda foi (supostamente) defenestrada do poder há mais de dois anos, além de cometer todo tipo de desatino, de postar vídeos escatológicos a defender a troca da embaixada em Israel.

Historicamente, o Brasil avança não pelo governo que tem, mas apesar dele. Todavia, a despeito de o país correr o risco de falir se a reforma da Previdência não sair, parlamentares fisiologistas querem saber primeiro o que vão ganhar se votarem a favor da PEC — o que é ainda mais grave num momento que requer o apoio de todos, pouco importando sua posição no espectro político partidário. Como se não bastasse, governadores dos estados do Nordeste (justamente onde o povo é mais miserável) se alinham contra a proposta da reforma como forma de se vingar da derrota da desprezível marionete do presidiário de merda... 

E como se esse show de horrores já não bastasse, o STF, diante de dois entendimentos juridicamente defensáveis, escolheu justamente o que favorece os políticos corruptos (registre-se que 5 dos 11 ministros foram votos vencidos). Mas não foi só: um desses “colossos togados”, do alto do Olimpo onde eles se encastelam para jogar migalhas à plebe ignara que paga seus régios salários, ainda teve o desplante de dizer que “o Judiciário Eleitoral fez um trabalho extraordinário na luta contra os crimes dos políticos”... Depois, quando um dos filhos do presidente diz que basta um soldado e um cabo para fechar o Supremo... Enfim, com a palavra o Merval:

O país vive há anos em busca do “salvador da pátria”, e só consegue encontrar o “mal menor”, o “erro novo”. Assim Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, Collor em 1989. Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique em 1994, com o Plano Real, e Lula em 2003, apresentando-se como alternativa ao que chamava de projeto neoliberal.

Os dois foram reeleitos em 1988 e 2006 esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos. A reeleição, cada um a seu tempo, pareceu à maioria o “mal menor”. Fernando Henrique reeleito no primeiro turno, temendo ser derrotado se disputasse o segundo. Lula ficou deprimido ao não conseguir vencer no primeiro turno, quando o então governador tucano Geraldo Alckmin teve uma votação espantosa de 41% dos votos. Depois, graças a erros banais e à campanha medíocre, teve menos votos que no primeiro turno.

Lula chegou ao poder em 2003 depois de perder quatro eleições, porque se reinventou criando o personagem Lulinha Paz e Amor. E lançou a Carta aos Brasileiros. Mas também porque o segundo governo de Fernando Henrique, que teve méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Rede de Proteção Social, origem do Bolsa-Família, dos genéricos e do combate à Aids, ficou marcado pela desvalorização do Real logo nos primeiros dias, o apagão de energia e a economia em situação difícil.

Paradoxalmente, para acalmar o mercado financeiro, Lula teve que escrever a Carta aos Brasileiros, onde se comprometia a manter o tripé da política econômica: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. Foi isso que garantiu o bom desempenho econômico no primeiro governo Lula, e o tripé é a base da política econômica até hoje”

Em 2006, Lula, atingido em cheio pelas denúncias do mensalão, foi o “mal menor”. Sua reeleição pareceu à maioria a continuidade de um projeto político, solução menos traumática, apesar de tudo. Os demais presidentes foram escolhidos para derrotar alguém.

Com um crescimento de 7,5% no ano de 2010, Lula conseguiu eleger Dilma Rousseff, mas deu início à crise econômica que resultou na recessão mais grave já havida no país. A desastrada nova matriz econômica, comandada pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, e a absoluta incapacidade da presidente fizeram com que seu primeiro mandato terminasse em crise generalizada, inclusive com as primeiras denúncias de corrupção endêmica no petrolão, que dominou a campanha de reeleição.

Apesar de Dilma, Lula ainda tinha força suficiente para reelegê-la, mas à custa de uma campanha milionária financiada pelo dinheiro da corrupção. Dilma derrotou Aécio Neves, o candidato tucano, por uma diferença de 3% dos votos. Mas, assim como em 1989 — quando Collor e Lula disputaram o primeiro turno — não havia escolha boa, também em 2014: soube-se depois que Aécio estava enredado na mesma teia de corrupção que denunciara durante a campanha.

Em 1989, qualquer resultado seria desastroso para o país, como foi a vitória de Collor, que acabou impichado. O próprio Lula, mais adiante, admitiu que sua vitória seria uma tragédia, pois ele não estava preparado para o cargo.

As crises econômica e moral levaram a um ambiente de rejeição ao governo Dilma, que acabou impichada, também porque o vice Michel Temer despontou como “o mal menor”. O governo substituto superou a inflação e deu início ao fim da recessão, mas também se enredou em denúncias de corrupção que o paralisaram, impedindo que aprovasse a reforma da Previdência. Foi o governo mais impopular que o país já teve.

A rejeição à volta do PT acabou levando ao poder Jair Bolsonaro, que pareceu à maioria dos eleitores o “mal menor”, o “erro novo”. Só uma parcela deles, a mais barulhenta e atuante, o considera uma alternativa programática.

Com o país dividido, o centro político sumiu do embate eleitoral. Após quase três meses de mandato, vivemos um ambiente político radicalizado incentivado pelo próprio presidente da República, onde crises se sucedem, com fatos novos diários a corroer a institucionalidade de Bolsonaro a tal ponto que já se fala abertamente na possibilidade de o vice assumir o governo caso a reforma da Previdência não seja aprovada e a economia continue em crise, com o país ladeira abaixo.

Mais uma vez, busca-se o “mal menor”. Até quando ?

quarta-feira, 20 de março de 2019

O GOVERNO, A OPOSIÇÃO, A CRISE E O ESCAMBAU



Uma observação feita com frequência durante os governos de Lula e Dilma era a de que nenhum dos dois tinha oposição uma anomalia de circo, como a mulher barbada e o bezerro de duas cabeças, pois todo o regime democrático tem de ter uma oposição, queira-se ou não. Até que foi notada, ao longo desse período, a sombra de um partido que fazia o papel de oposição. Mas era o PSDB, e aí é a mesma coisa que não haver oposição nenhuma. 

A principal preocupação dos tucanos era não falar mal de Lula, em nenhuma circunstância; conseguiram o prodígio de jamais aparecer em nenhuma das imensas manifestações de massa que, das ruas para o plenário do Congresso, acabariam levando ao impeachment de Dilma e aos sucessivos infortúnios que reduziram o PT ao seu atual estado de miséria extrema. Se Lula, mais o seu sistema de apoio, estão indo cada vez mais para o diabo, isso se deve exclusivamente a eles mesmos e aos atos que praticaram. Pois bem: o mundo gira, a vida passa, e onde está, hoje, a oposição real ao governo do presidente Jair Bolsonaro? Também não existe.

Existe, obviamente, uma espantosa gritaria contra tudo o que o governo fez, acha que deve fazer ou está fazendo; é possível que nunca tenha havido na história desse país tanta indignação por parte dos adversários em relação a quaisquer gestos do presidente e de sua equipe, por mais cômicos, banais e irrelevantes que possam ser. Condena-se tudo, quase sem exceção, incluindo-se aquilo que se imagina que estejam pensando. Mais aí é que está: isso não é oposição, ou oposição não é isso. Isso é fumaça de gelo seco, que ocupa a maior parte do noticiário sobre a vida nacional, os comentários dos influencers e a bulas de excomunhão expedidas pelos especialistas, mas se desmancha sozinha; não sai correndo atrás de ninguém, e nem machuca quem fica só olhando. A impressão é que o mundo vai acabar daqui a meia hora. Mas a meia hora passa e o mundo não acaba. Resultado: o governo Bolsonaro está morto, mas continua vivo.

O que há, na verdade, é gente falando mal do governo, por não gostar de nenhuma das posturas que o levaram a ser eleito. Não gostava antes da eleição; continua não gostando agora, e o mais provável é que não venha a gostar nunca. Mas isso é apenas liberdade de pensamento, que acaba vindo a público porque existe liberdade de expressão e por que essa liberdade se manifesta através de órgãos de comunicação onde Jair Bolsonaro e o seu mundo mental são detestados. Oposição é outra coisa. É o conjunto de forças organizadas, com projetos de governo, programas de ação e disciplina, capazes de levar a população às ruas, e não apenas os próprios “militantes”, vencer votações importantes no Congresso e representar, de verdade, a maioria dos cidadãos que não aprova o governo. Mais: oposição é algo que tem capacidade de ganhar eleições livres. Tem muito pouco ou nada a ver, portanto, com o bicho que está aí o PT, os partidos a seu serviço e os blocos que ficam na arquibancada gritando “juiz ladrão” sem mudar nunca o resultado do jogo.

É uma questão de ponto de vista, mas também de fatos. O que esperar de uma oposição cujo grande líder está na cadeia, condenado por corrupção em duas instâncias, sem que haja multidões na rua exigindo sua libertação? Como pode funcionar um partido cuja presidência está entregue à uma deputada que desistiu de defender seu cargo de senadora porque ficou com medo de perder uma eleição majoritária? Vale a pena perguntar, também, como pode dar certo uma oposição que não tem nenhum dirigente, um só que seja, com um mínimo de popularidade, influência junto ao público e capacidade de falar para a massa. O PT deposita suas esperanças, hoje, em enredos de escola de samba, em comitês da ONU ou na liderança de um artista de novela de segunda linha. Tem um aproveitamento de 100% na escolha do cavalo que perde: é a favor da ditadura da Venezuela, do imposto sindical ou do “desarmamento” da polícia, e contra a reforma da previdência, o pacote anticrime do ministro Sergio Moro e a Lava-Jato. Não tem um programa de governo compreensível para se contrapor ao de Bolsonaro. Seu único candidato para uma eleição nacional é Fernando Haddad. O MST nunca mais invadiu uma fazenda; seus assemelhados nunca mais invadiram um terreno de periferia ou um prédio abandonado. Não tem mais o dinheiro da corrupção que recebia das empreiteiras de obras públicas.

Mas não é fácil, no meio de toda a prodigiosa gritaria que anda solta por aí, identificar o que de fato está acontecendo com a administração pública deste país. A inclinação mais ou menos natural, diante dos arranques de cachorro atropelado que o Palácio do Planalto produz em série, dia sim dia não, é dizer: “Deus me livre”. Que raio esse homem, e os filhos desse homem, e os ministros-problema do seu governo, estão querendo? Por que não se calam, como o rei da Espanha sugeriu ao ditador da Venezuela anos atrás coisa que poderia ter lhe ajudado tanto, se ele tivesse ouvido um pouco? Porque não começam a trabalhar como gente adulta (e remunerada para isso), em vez de passar o dia mexendo com tuítes, redes sociais e o resto dessa vidinha que não soma um milésimo de centavo ao PIB?

Não estão disponíveis até o momento as respostas para nenhuma dessas perguntas. Também não colabora em nada para um melhor entendimento dos fatos a coleção de reações frequentemente histéricas com que o mundo político, os “formadores de opinião” e o resto do Brasil “importante” recebem cada suspiro do governo. Resultado: a montagem de um “climão” que funciona maravilhosamente bem para a proliferação epidêmica de bobagens que não ajudam em nada, e ao mesmo tempo atrapalham em tudo.

A única atitude sensata a tomar, ao que parece, é ficar frio e ficar frio por um bom tempo. Não adianta esperar que a fumaça evapore sozinha, porque ela não vai evaporar, não a curto prazo, e não enquanto continuarem fervendo a água; é possível, ou provável, que daqui a quatro anos a confusão permaneça muito parecida com a de hoje. A saída mais promissora, dentro das que podem ser acionadas na prática, é manter a calma e prestar atenção no monitor que informa os “sinais vitais”, como dizem os médicos. É aí que o cidadão pode saber onde realmente está. O primeiro deles é a inflação. Não há crise de verdade com inflação baixa e a inflação brasileira está baixíssima, vem caindo desde o ano passado, e tudo indica que vai continuar em queda. O preço da gasolina e do álcool, por exemplo: está abaixo do que estava no primeiro dia do ano e do novo governo. (Não é pouca coisa; imagine por um momento qual seria a sensação se o preço estivesse subindo.) É claro que inflação perto de zero não faz o desempregado arrumar emprego, mas é certo que torna possível a solução dos problemas; sem isso não adianta nem tentar. Outra realidade que a fumaceira não pode esconder é a cotação do dólar, que permanece mais ou menos estável. Confusão, mesmo, é dólar em disparada não adianta nada ignorar essa realidade ou dizer que ela não tem importância, pois não existe economia em colapso com câmbio parado.

A tela também está mostrando que, apenas no mês de janeiro, perto de 400.000 inscritos deixaram de receber os benefícios do Bolsa Família, por conta, basicamente, de desistências. Milhões de trabalhadores pararam de pagar o imposto sindical ao longo do primeiro ano de vigência da nova lei; a arrecadação dos sindicatos caiu em 90%, o que significa que mais de 3 bilhões de reais ficaram no bolso de quem trabalha, em vez de irem para o cofre dos dirigentes sindicais. Há economias com o corte de funcionários criados nos governos do PT, a suspensão, anulação ou cancelamento de contratos e outras despesas do governo. Não dá para saber ainda quanto dinheiro deixará de ser gasto, mas a sinalização dos primeiros dois meses de 2019 mostra que pode ser muito sobretudo quando se leva em conta a relutância natural das empreiteiras de obras, fornecedores e outros ladrões, em propor negócios escusos aos 100 ou mais generais e outros oficiais das Forças Armadas presentes nos escalões superiores da nova administração. Leilões para o setor de energia elétrica já estão marcados para este ano, ao contrário da prática de não marcar nada, vigente nos últimos dezesseis anos. Há uma reforma da Previdência que será aprovada. Há, enfim, muitos outros sinais no painel. É preciso olhar para eles.

Texto de J.R. Guzzo

domingo, 10 de março de 2019

DEU NO QUE DEU...



Certa vez, perguntaram a Albert Einstein se ele andava com um bloquinho e uma caneta para anotar suas ideias. Einstein estranhou a pergunta.

– Na verdade, só tive uma ideia na vida — respondeu.

Uma única boa ideia ao longo de uma existência, afinal, é uma enorme conquista. Já tive milhares de ideias. Nenhuma foi boa. Pior, minha inveja de quem é cheio delas e tem a autoconfiança necessária para levá-las a cabo se expressa na forma de críticas e previsões absolutamente equivocadas. Quando conheci o Instagram, fui taxativo:

– Besteira. Vão fotografar o quê? O prato do almoço? Ora, por favor, que bobagem.

Deu no que deu.

A primeira vez que ouvi o rumor que Trump seria candidato ao mais alto cargo dos Estados Unidos, dei uma boa gargalhada. Que o sujeito era arrogante e egocêntrico já sabíamos, mas imaginar que teria apoio para se eleger, que conseguiria seduzir os eleitores, que driblaria o labirinto das convenções, aí já era demais.

– Besteira. Não ganha nem com reza brava. — profetizei.

Deu no que deu.

Veio o presidente Messias. Assisti ao anúncio de sua candidatura com descrença pueril.

– Besteira. Era só o que faltava esse sujeito achar que pode ser presidente.

Deu no que deu.

A verdade é que o mundo tem provado que não entendo patavinas de nada. De aplicativo a presidente, os projetos e as intenções que me soam mais absurdos têm se provado consistentemente aceitáveis, factíveis e realizáveis.

Agora me aparecem com a teoria da terra plana. Quando assisti pela primeira vez a um maluco no YouTube explicando que o planeta não é esférico, reagi como sempre:
– Besteira.

Mas o tempo vai passando e mais gente vai aderindo. Uns deputados do Mato Grosso chegaram a homenagear um “cientista” brasileiro que alegou ter comprovado a teoria.

Acreditar na terra plana não é o mesmo que apostar numa ideia qualquer, dessas que surgem por aí. É desacreditar da física e da gravidade. É negar técnicas de navegação que diariamente levam milhares de aeronaves de um ponto ao outro do planeta. É não aceitar o funcionamento básico dos GPS, das ondas eletromagnéticas e do celular. Por isso, assisti a um documentário do Discovery Channel dedicado a comprovar que a terra é redonda. A que ponto chegamos.

Os ignorantes não sabem que não sabem de nada, por isso se cobrem de toda a razão. E como são maioria, quando assumem o poder impõem sua negação do conhecimento como verdade absoluta. 

Essa ignorância hegemônica se espalha. Líderes se elegem apoiados pelas mais primitivas crenças e, em nome da democracia, dão voz e poder ao mais vil obscurantismo. Com isso, conchavos e decisões são apoiados não mais em má-fé, mas em burrice.

A terra plana de Brasília expõe uma lamentável salada de técnicos competentes e ignorantes funcionais. Como um vírus adaptável, vamos nos acostumando com decisões primárias evidentemente equivocadas. São escolhas que misturam religião com política, conservadorismo arraigado e argumentos fracos impostos por grupos poderosos. Por isso, é emblemática a triste decisão do ministro da Justiça ao voltar atrás em sua indicação de Ilona Szabó de Carvalho para uma vaga na suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

A ignorância, com poder, forma e deforma nosso futuro. Ignorantes no poder impõem a negação do conhecimento como verdade absoluta. Na terra plana de Brasília, política e religião se misturam, enquanto nos acostumamos com decisões primárias equivocadas. 

E aí, dá no que deu.

Texto de Mentor Neto.

domingo, 20 de janeiro de 2019

NÃO DÁ PARA MUDAR O BRASIL EM APENAS TRÊS SEMANAS


Encerrei a postagem de sábado pensando em dedicar a de hoje ao imbróglio Queiroz/Bolsonaro, que, a exemplo do caso João de Deus, tem novos e emocionantes capítulos todos os dias. Aliás, na semana passada o médium molestador se tornou réu pela segunda vez. Na denúncia aceita pela juíza Rosângela Rodrigues dos Santos, o Ministério Público se baseou em relatos de 13 vítimas, que tinham entre 8 e 47 anos quando os crimes ocorreram, mas em apenas cinco dos casos — quatro estupros de vulnerável e um de violência sexual mediante fraude — não houve prescrição.

O imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro se complica ainda mais rapidamente e promete dar muito pano pra manga. Sempre que eu pensava ter concluído o texto, novos desdobramentos me levavam a começar tudo outra vez. Então, para entregar um apanhado "aceitavelmente atualizado", resolvi postergar a publicação (para amanhã ou depois, conforme o andar da carruagem). Por ora, fiquem com mais um excelente artigo do jornalista J.R. Guzzo e minhas considerações finais:

Já foi dito, mas vale a pena dizer de novo: o Brasil anda muito nervoso. Uma das manifestações mais comuns desta ansiedade é a cobrança de resultados concretos do governo de Jair Bolsonaro. E então: onde está a reforma da Previdência? Por que ainda não fecharam o Incra, o Ibama e a Funai? Quantos funcionários enfiados na máquina pública pelo PT (tudo peixe graúdo, ganhando de 50.000 reais por mês para cima) já foram demitidos? Por que o Brasil, até agora, não rompeu com a Venezuela? Onde estão os números de queda no índice de homicídios? E as privatizações: alguém já viu alguma privatização sendo feita? Fecharam a empresa do “Trem Bala”? Por que tanta gente fala e tão pouca coisa acontece? Enfim: porque esse governo não faz nada? 

Uma possível resposta para isso talvez esteja no calendário: quando se faz as contas, o novo governo não terá completado um mês quando o leitor estiver lendo este artigo. É verdade que já deu tempo para a ministra Damares pegar no pulo uma espetacular marmelada da era anterior um contrato pelo qual você iria pagar 45 milhões de reais, isso mesmo, para instruir as populações indígenas no uso de criptomoedas, ideia que realmente só poderia ocorrer a alguém depois dos dezesseis anos de roubalheira alucinada dos governos Lula-Dilma. Mas pouca gente parece disposta a considerar que três semanas são um prazo muito curto para mudar o Brasil, trabalho que vai exigir os quatro anos inteiros do governo Bolsonaro e sabe-se lá quanto mais tempo ainda.

O mercado, mais do que ninguém, dá sinais de que está entendendo a situação com muito mais realismo, objetividade e bom senso falando com dinheiro, e não com ideias, os investidores fizeram a Bolsa de Valores bater todos os seus recordes nos últimos dias, e o dólar, eterno refúgio nas horas de medo, recuou para a sua menor cotação em dois meses. O recado aí é o seguinte: o país vai mudar, sim, na verdade já está mudando e parece estar engrenado para mudar mais do que em qualquer outra época de sua história econômica recente. Essa percepção se baseia num fato essencial. Seja lá o que o governo fizer, seja qual for o seu grau de competência na administração da máquina pública, ou seja lá quanto sucesso efetivo tiver na execução dos seus projetos, uma coisa é 100% certa: Bolsonaro, desde já e ao longo dos próximos quatro anos, vai fazer basicamente o exato contrário do que foi feito nos dezesseis anos de lula-dilmismo, incluindo o arremate dado por seu vice-presidente e aliado histórico Michel Temer. Não é muito complicado. Mesmo um governo presidido pelo centroavante Deyverson inspiraria mais confiança, aqui e no exterior, do que qualquer gestão do PT. Pense, por 45 segundos, como estaria a situação se o presidente empossado no dia 1º. de janeiro tivesse sido Fernando Haddad, em vez de Jair Bolsonaro. Pronto. Não é preciso perder seu tempo com mais nada.

Os ministros escolhidos, em geral, parecem realmente os mais indicados para executar o trabalho que o governo se propõe a fazer. Sempre é possível que haja um bobo entre eles mas até agora ainda não se descobriu quem é. A dúzia de generais, ou algo assim, que foram para o ministério ou primeiro escalão, até agora só incomodaram os jornalistas; para o governo, deram prestígio moral, autoridade e a imagem de que o Brasil está sendo dirigido por gente séria. Os ministros mais atacados, como os do Meio Ambiente, Relações Exteriores e Justiça, passam a impressão de que sabem perfeitamente o que estão fazendo e de que estão muito seguros quanto aos seus objetivos práticos. A impossibilidade de lidar com o Congresso, apresentada como fato cientifico durante a campanha, não impressiona ninguém, a começar pelo Congresso. As reformas mais complicadas na organização do país têm boas chances de serem aprovadas e isso, por si só, promete uma virada vigorosa na economia. O que está faltando, mesmo, é mais tempo para o governo acontecer. Três semanas é muito pouco.

O resto é conversa mole de uma oposição irresponsável, comandada pela maior quadrilha política da história brasileira. Essa merda continuará fedendo enquanto ninguém tiver peito de puxar a descarga. Até lá, a podridão que arruinou o Brasil e foi derrotada nas urnas tentará ressurgir, travestida de guerreira da falsidade e com o nítido propósito de manter o país em ruínas para depois dizer: eu não avisei?

Pobre povo ignorante este nosso, que atura calado tamanho descalabro.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O BRASIL E A INDEFECTÍVEL TURMA DO QUANTO PIOR, MELHOR



O Brasil da primeira classe, escreveu J.R Guzzo em sua coluna desta semana na revista Veja, continua brincando de democracia americana todas as vezes que o seu submundo jurídico se agita — aquela usina processadora de lixo onde são fabricadas, embaladas e distribuídas as leis neste país. Você sabe do que se trata. É a combinação mortal de Câmara dos Deputados com Senado Federal, mais o STF as outras “cortes superiores” e as 500 diferentes modalidades de Ministério Público que se encontra a cada esquina — tantas que nem os próprios procuradores saberiam dizer quais são. Há ainda os 18.000 juízes. Há a OAB. Há os advogados de porta de condomínio de luxo. Há a elite civilizada, liberal e movida a direitos, que defende qualquer aberração carimbada como "letra da lei" — e se a letra da lei nega a aplicação da justiça mais elementar, dane-se a justiça mais elementar. Há os “garantistas”. Há de tudo, até quem acha uma conquista da humanidade soltar milhares de criminosos durante o período das festas, mesmo que tenham matado pai e mãe a pauladas. É um milagre, pensando bem, que o Brasil ainda exista. Deve ser a simpatia, o poder do algo mais e da alegria.

O novo presidente Jair Bolsonaro já está despachando desde 1 de janeiro no Palácio do Planalto, aclamado por mais de 100 mil pessoas na festa de posse, seus ministros começam a tomar providências práticas e nenhum dos cataclismos que deveriam destruir o Brasil com a sua vitória, segundo nos garantem há meses, aconteceu até agora. Mas a porção mais destrutiva da sociedade brasileira, essa que sobrevive traficando com leis e construindo um novo estado de direito a cada quinze dias, não dá nenhum sinal de que tenha percebido alguma mudança no Brasil — não admite que a população quer um novo país, pois é óbvio que se encheu definitivamente do velho. O resumo da ópera, segundo os espíritos de primeiro mundo que querem pensar por você, é o seguinte: esse governo que está aí não vale. Em consequência, tudo o que fizer estará errado e será provavelmente ilegal. A ordem é: já que o “outro lado” teve mais votos, então que se impeça o governo de governar, através da produção contínua de baderna legal. É essa a “resistência” de que se ouve falar. O avião já fechou as portas e decolou; é um mau negócio, para todos, ficar torcendo para o piloto se dar mal. Mas eis aí: o que interessa para os “resistentes” é fazer o avião cair com todo mundo dentro. Depois se vê. Pelo menos, dizem eles, salvamos a democracia no Brasil.

A produção de desordem jurídica se faz por muitos lados, é claro — já há gente de terno e gravata falando em impeachment de Bolsonaro, por exemplo, ou indagando se não foi sua família que matou a vereadora Marielle. Mas o foco principal da torcida organizada está no STF, onde a sabotagem contra a ordem legal continua sob o disfarce de ação civilizatória em favor dos direitos universais do homem — quer dizer, em favor de soltar Lula da cadeia. “O STF é hoje o mais nefasto fator de instabilidade legal no Brasil”, disse recentemente o jurista Modesto Carvalhosa. Alguém sabe de outro? Na última brincadeira feita ali para virar a mesa, o ministro Marco Aurélio, por conta própria, mandou que Lula fosse solto. Pura palhaçada. Dali a pouco o atual presidente, Antonio Dias Toffoli, anulou a ordem e virou o “Anjo Bom da Direita” — ou, talvez, um personagem daqueles programas de auditório tipo “Rainha Por Um Dia”. Está cheio de gente assim, por lá. O ministro Luiz Fux, há pouco, mandou prender o terrorista e quádruplo homicida italiano Cesare Battisti — isso depois de ficar garantido que o sujeito tinha fugido, sob a benção de um habeas corpus dado em 2017 pelo mesmíssimo Fux. Há aquele Fachin, que um dia manda o Brasil obedecer “a ONU” e permitir a candidatura de Lula, no outro segura na cadeia a ladroada da Lava-Jato.

A próxima exibição de circo que mostrará como “estão funcionando” as nossas “instituições” está prevista para abril — quando se fará a centésima tentativa de tirar Lula da cadeia, agora com o julgamento final pelo STF da questão da condenação em segunda instância. O cidadão deve ser preso depois de condenado em duas instâncias, como ocorreu com Lula, ou só pode ir para a cadeia se for condenado três vezes seguidas, como querem os campeões do “direito de defesa”? Apareceu um problema, aí: para soltar Lula descobriu-se que será preciso soltar dezenas de milhares de assassinos, estupradores e até feminicidas, imaginem só, hoje trancados nas penitenciárias. Como é que faz? É a entrada no mundo da insânia. Talvez seja melhor parar logo com isso.

Em tempo: 

O senador Lasier Martins, autor de um projeto que modifica o regimento interno da Casa para a escolha da mesa diretora, impetrou um mandado de segurança pedindo o fim do sigilo do voto. O ministro supremo Marco Aurélio acolheu o pedido, mas o MDB e o Solidariedade recorreram. Se Dias Toffoli não decidir a questão nesta semana, Luiz Fux — que assumirá o plantão do STF a partir da próxima segunda-feira — terá de descascar o abacaxi ou encaminhá-lo ao plenário. O problema é que os 11 supremos só voltarão a se reunir depois da eleição no Senado, que está marcada para 1º de fevereiro. O voto aberto reduz significativamente as chances de Renan Calheiros, que tenta disfarçar os próprios interesses como uma questão nobre de defesa da independência entre os Poderes.

O cangaceira das Alagoas afirma que a interferência do Supremo é uma “desmoralização para o Legislativo”, e recorre às carcomidas práticas políticas para se perpetuar no poder. Se sua estratégia não funcionar e a votação fora aberta, ele deve desistir da disputa, embolando ainda mais um jogo com pelo menos nove candidatos. Nesse entretempo, a tropa de choque de Bolsonaro tenta aglutinar forças em torno da candidatura de Major Olímpio, do PSL, e argumenta que a transparência no voto dos senadores é “coerente com os anseios da sociedade”. Aliás, são muitos os anseios da sociedade, e Bolsonaro se tornou depositário de boa parte deles. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

PETISTAS, INTESTINOS, MINISTRA DAMARES E OUTROS ASSUNTOS



A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, reagindo à divulgação de um vídeo no qual ela afirma que "menino veste azul e menina veste rosa", refutou as críticas alegando ter feito metáfora contra ideologia de gênero, reafirmou que pretende acabar com o "abuso da doutrinação ideológica de crianças e adolescentes no Brasil" e que sua gestão à frente do ministério vai focar as políticas públicas "que priorizem a vida desde a concepção".

É certo que os novos ministros — e o próprio Presidente — não têm primado pela ponderação ao tecer comentários sobre temas controversos e sensíveis. No caso específico da tal “metáfora”, no entanto... Enfim, será que os críticos de plantão não têm coisa mais importante com que se preocupar? Que tal focar no déficit público, na reforma da Previdência, nos supersalários do Judiciário, na rediscussão da prisão após condenação em segunda instância (que o ministro supremo Dias Toffoli pautou para o início de abril, e que pode resultar num retrocesso dramático no combate à corrupção)? Temas importantes não faltam, falta é bom senso na hora de questionar determinadas ações dos que estão em evidência, sobretudo à luz dessa bobagem do “politicamente correto” (não me espantaria se uma hora dessas o sindicato dos papagaios resolvesse pleitear a prisão, sem direito a fiança, de quem contar piadas sobre a ave que Zé Carioca — personagem criada por Walt Disney nos anos 1940 — elevou à condição de símbolo da malandragem no Rio de Janeiro).

A turminha do “quanto pior melhor” está em plantão permanente, 24/7, sempre pronta a contestar e se opor a tudo que for dito, insinuado ou mesmo imaginado pelo atual governo, e o Brasil que se lasque (pra não dizer “que se foda”, porque não seria politicamente correto). Pena que o PT e seus acólitos só sejam diligentes em coisas que não interessam ao Brasil. Haja vista a situação em que o país ficou, depois de 14 anos e lá vai fumaça sob o jugo da petralhada.

O modo como essa caterva se comporta — a pretexto de fazer oposição  beira o fanatismo religioso em sua forma mais aguda. Li certa vez que existe uma conexão entre o cérebro e os intestinos, e que estes têm neurônios iguais aos que formam nosso sistema nervoso. Talvez seja por isso os petistas e seus satélites evacuam massa encefálica quando tomam purgante. Vamos a um exemplo: na semana passada, o boneco de ventríloquo derrotado por Jair Bolsonaro postou no Twitter uma crítica bizarra e sem sentido sobre o reajuste do salário mínimo decretado pelo novo governo: “Povo começou a se libertar do socialismo: salário mínimo previsto de R$ 1006,00 foi fixado em R$ 998,00. Sem coitadismo. Selva!” 

Haddad parece vir absorvendo a capacidade inata da ex-presidanta Dilma de dizer asneiras e despautérios — aliás, a burrice de Dilmanta é tamanha que tem até campo gravitacional próprio! Fato é que, seja por ignorância, seja por má fé, o ex-alcaide de um só mandato não percebeu que o reajuste em questão seguiu o que determina lei n° 13152/2015, sancionada pela então presidanta. Moral da história: no afã de criticar quem o derrotou nas urnas, o petralha aprendiz se insurge contra uma lei criada por seu próprio partido. Deu para entender ou quer que eu desenhe?

Voltando à ministra Damares, por que cargas d’água precisamos de um ministério dos Direitos Humanos? Será que num governo que gasta mais de R$ 1 trilhão por ano não há ninguém para cuidar disso? Precisa de ainda mais gente?

Mutatis mutandis, o mesmo se aplica à Justiça do Trabalho —, que, segundo dados de 2015, deu aos trabalhadores que recorreram a ela no ano anterior um total de R$ 8 bilhões em benefícios, e gastou, no decorrer desse mesmo ano, inacreditáveis R$ 17 bilhões com salários, custeio e outras despesas de funcionamento. Se o poder público tirasse a cada ano R$ 8 bilhões do Orçamento e entregasse essa soma diretamente aos reclamantes trabalhistas, todos eles ficariam tão satisfeitos quanto estão hoje, as empresas reduziriam a zero os seus custos nesse item e o Erário gastaria metade do que está gastando no momento.

O sistema ao qual se dá o nome de Justiça do Trabalho continua sendo uma das mais espetaculares extravagâncias do Brasil — e mais uma demonstração concreta, entre talvez uma centena de outras, da facilidade extrema de conviver com o absurdo que existe na sociedade brasileira. É o que nos faz aceitar resultados exatamente opostos ao que se deseja — estamos nos tornando especialistas, ao que parece, em agir de forma a obter o contrário daquilo que pretendemos. Todos querem, naturalmente, que a JT produza justiça para os trabalhadores. Mas fazem tudo, ou aceitam tudo, para gerar o máximo de injustiça, na vida real, para esses mesmíssimos trabalhadores.

Que justiça existe em gastar R$ 17 bilhões de dinheiro público — que não é “do governo”, mas de todos os brasileiros que pagam imposto — para gerar R$ 8 bilhões? É obvio que alguma coisa deu monstruosamente errado aí. Demais disso, a Justiça trabalhista é acessível a apenas 40% da população, posto que os outros 60% não têm contrato de trabalho. E não cria um único emprego — ao contrário, encarece de tal forma o emprego que se tornou hoje a principal causa de desestímulo para contratar alguém. Tampouco cria salários, nem aumentos, nem promoções, apenas tira do público o dobro do que dá. Mas vá alguém querer mexer nisso, ou propor que se pense em alguma reforma modestíssima — será imediatamente acusado de querer suprimir “direitos dos trabalhadores”.

Com a mesma indiferença, aceita-se que o STF, com onze ministros, tenha 3000 funcionários cerca de 300, isso mesmo, para cada ministro. E mais: o brasileiro tem de pagar também 1 bilhão de reais por ano para ser assistido por um “Tribunal da Cidadania”, de utilidade desconhecida — o Superior Tribunal de Justiça, esse já com 33 ministros, quase 5000 funcionários, incluindo os terceirizados e estagiários, e capaz de consumir dois terços inteiros do seu orçamento com a folha de pessoal. Tempos atrás, o professor Marco Antonio Villa trouxe a público o deslize para a demência de um órgão público que foi capaz de consumir 25 milhões de reais, num ano, em alimentação para funcionários, pagar de 400000 a 600000 reais de remuneração mensal a seus ministros aposentados e ter na folha de pagamento repórteres fotográficos, auxiliares de educação infantil e até jauzeiros. Vale realmente tudo no STJ (a propósito, o que seria um jauzeiro?).

Pode-se querer que nenhuma mudança seja feita nisso aí. Também pode-se achar que esse sistema, tal como está, é uma conquista social. Só não se pode esperar que um negócio desses funcione.