quarta-feira, 20 de março de 2019

O GOVERNO, A OPOSIÇÃO, A CRISE E O ESCAMBAU



Uma observação feita com frequência durante os governos de Lula e Dilma era a de que nenhum dos dois tinha oposição uma anomalia de circo, como a mulher barbada e o bezerro de duas cabeças, pois todo o regime democrático tem de ter uma oposição, queira-se ou não. Até que foi notada, ao longo desse período, a sombra de um partido que fazia o papel de oposição. Mas era o PSDB, e aí é a mesma coisa que não haver oposição nenhuma. 

A principal preocupação dos tucanos era não falar mal de Lula, em nenhuma circunstância; conseguiram o prodígio de jamais aparecer em nenhuma das imensas manifestações de massa que, das ruas para o plenário do Congresso, acabariam levando ao impeachment de Dilma e aos sucessivos infortúnios que reduziram o PT ao seu atual estado de miséria extrema. Se Lula, mais o seu sistema de apoio, estão indo cada vez mais para o diabo, isso se deve exclusivamente a eles mesmos e aos atos que praticaram. Pois bem: o mundo gira, a vida passa, e onde está, hoje, a oposição real ao governo do presidente Jair Bolsonaro? Também não existe.

Existe, obviamente, uma espantosa gritaria contra tudo o que o governo fez, acha que deve fazer ou está fazendo; é possível que nunca tenha havido na história desse país tanta indignação por parte dos adversários em relação a quaisquer gestos do presidente e de sua equipe, por mais cômicos, banais e irrelevantes que possam ser. Condena-se tudo, quase sem exceção, incluindo-se aquilo que se imagina que estejam pensando. Mais aí é que está: isso não é oposição, ou oposição não é isso. Isso é fumaça de gelo seco, que ocupa a maior parte do noticiário sobre a vida nacional, os comentários dos influencers e a bulas de excomunhão expedidas pelos especialistas, mas se desmancha sozinha; não sai correndo atrás de ninguém, e nem machuca quem fica só olhando. A impressão é que o mundo vai acabar daqui a meia hora. Mas a meia hora passa e o mundo não acaba. Resultado: o governo Bolsonaro está morto, mas continua vivo.

O que há, na verdade, é gente falando mal do governo, por não gostar de nenhuma das posturas que o levaram a ser eleito. Não gostava antes da eleição; continua não gostando agora, e o mais provável é que não venha a gostar nunca. Mas isso é apenas liberdade de pensamento, que acaba vindo a público porque existe liberdade de expressão e por que essa liberdade se manifesta através de órgãos de comunicação onde Jair Bolsonaro e o seu mundo mental são detestados. Oposição é outra coisa. É o conjunto de forças organizadas, com projetos de governo, programas de ação e disciplina, capazes de levar a população às ruas, e não apenas os próprios “militantes”, vencer votações importantes no Congresso e representar, de verdade, a maioria dos cidadãos que não aprova o governo. Mais: oposição é algo que tem capacidade de ganhar eleições livres. Tem muito pouco ou nada a ver, portanto, com o bicho que está aí o PT, os partidos a seu serviço e os blocos que ficam na arquibancada gritando “juiz ladrão” sem mudar nunca o resultado do jogo.

É uma questão de ponto de vista, mas também de fatos. O que esperar de uma oposição cujo grande líder está na cadeia, condenado por corrupção em duas instâncias, sem que haja multidões na rua exigindo sua libertação? Como pode funcionar um partido cuja presidência está entregue à uma deputada que desistiu de defender seu cargo de senadora porque ficou com medo de perder uma eleição majoritária? Vale a pena perguntar, também, como pode dar certo uma oposição que não tem nenhum dirigente, um só que seja, com um mínimo de popularidade, influência junto ao público e capacidade de falar para a massa. O PT deposita suas esperanças, hoje, em enredos de escola de samba, em comitês da ONU ou na liderança de um artista de novela de segunda linha. Tem um aproveitamento de 100% na escolha do cavalo que perde: é a favor da ditadura da Venezuela, do imposto sindical ou do “desarmamento” da polícia, e contra a reforma da previdência, o pacote anticrime do ministro Sergio Moro e a Lava-Jato. Não tem um programa de governo compreensível para se contrapor ao de Bolsonaro. Seu único candidato para uma eleição nacional é Fernando Haddad. O MST nunca mais invadiu uma fazenda; seus assemelhados nunca mais invadiram um terreno de periferia ou um prédio abandonado. Não tem mais o dinheiro da corrupção que recebia das empreiteiras de obras públicas.

Mas não é fácil, no meio de toda a prodigiosa gritaria que anda solta por aí, identificar o que de fato está acontecendo com a administração pública deste país. A inclinação mais ou menos natural, diante dos arranques de cachorro atropelado que o Palácio do Planalto produz em série, dia sim dia não, é dizer: “Deus me livre”. Que raio esse homem, e os filhos desse homem, e os ministros-problema do seu governo, estão querendo? Por que não se calam, como o rei da Espanha sugeriu ao ditador da Venezuela anos atrás coisa que poderia ter lhe ajudado tanto, se ele tivesse ouvido um pouco? Porque não começam a trabalhar como gente adulta (e remunerada para isso), em vez de passar o dia mexendo com tuítes, redes sociais e o resto dessa vidinha que não soma um milésimo de centavo ao PIB?

Não estão disponíveis até o momento as respostas para nenhuma dessas perguntas. Também não colabora em nada para um melhor entendimento dos fatos a coleção de reações frequentemente histéricas com que o mundo político, os “formadores de opinião” e o resto do Brasil “importante” recebem cada suspiro do governo. Resultado: a montagem de um “climão” que funciona maravilhosamente bem para a proliferação epidêmica de bobagens que não ajudam em nada, e ao mesmo tempo atrapalham em tudo.

A única atitude sensata a tomar, ao que parece, é ficar frio e ficar frio por um bom tempo. Não adianta esperar que a fumaça evapore sozinha, porque ela não vai evaporar, não a curto prazo, e não enquanto continuarem fervendo a água; é possível, ou provável, que daqui a quatro anos a confusão permaneça muito parecida com a de hoje. A saída mais promissora, dentro das que podem ser acionadas na prática, é manter a calma e prestar atenção no monitor que informa os “sinais vitais”, como dizem os médicos. É aí que o cidadão pode saber onde realmente está. O primeiro deles é a inflação. Não há crise de verdade com inflação baixa e a inflação brasileira está baixíssima, vem caindo desde o ano passado, e tudo indica que vai continuar em queda. O preço da gasolina e do álcool, por exemplo: está abaixo do que estava no primeiro dia do ano e do novo governo. (Não é pouca coisa; imagine por um momento qual seria a sensação se o preço estivesse subindo.) É claro que inflação perto de zero não faz o desempregado arrumar emprego, mas é certo que torna possível a solução dos problemas; sem isso não adianta nem tentar. Outra realidade que a fumaceira não pode esconder é a cotação do dólar, que permanece mais ou menos estável. Confusão, mesmo, é dólar em disparada não adianta nada ignorar essa realidade ou dizer que ela não tem importância, pois não existe economia em colapso com câmbio parado.

A tela também está mostrando que, apenas no mês de janeiro, perto de 400.000 inscritos deixaram de receber os benefícios do Bolsa Família, por conta, basicamente, de desistências. Milhões de trabalhadores pararam de pagar o imposto sindical ao longo do primeiro ano de vigência da nova lei; a arrecadação dos sindicatos caiu em 90%, o que significa que mais de 3 bilhões de reais ficaram no bolso de quem trabalha, em vez de irem para o cofre dos dirigentes sindicais. Há economias com o corte de funcionários criados nos governos do PT, a suspensão, anulação ou cancelamento de contratos e outras despesas do governo. Não dá para saber ainda quanto dinheiro deixará de ser gasto, mas a sinalização dos primeiros dois meses de 2019 mostra que pode ser muito sobretudo quando se leva em conta a relutância natural das empreiteiras de obras, fornecedores e outros ladrões, em propor negócios escusos aos 100 ou mais generais e outros oficiais das Forças Armadas presentes nos escalões superiores da nova administração. Leilões para o setor de energia elétrica já estão marcados para este ano, ao contrário da prática de não marcar nada, vigente nos últimos dezesseis anos. Há uma reforma da Previdência que será aprovada. Há, enfim, muitos outros sinais no painel. É preciso olhar para eles.

Texto de J.R. Guzzo