Uma observação feita com frequência durante os governos de Lula e Dilma era a de que nenhum dos dois tinha oposição — uma anomalia de circo,
como a mulher barbada e o bezerro de duas cabeças, pois todo o regime
democrático tem de ter uma oposição, queira-se ou não. Até que foi notada, ao
longo desse período, a sombra de um partido que fazia o papel de oposição. Mas
era o PSDB, e aí é a mesma coisa que
não haver oposição nenhuma.
A principal preocupação dos tucanos era não falar
mal de Lula, em nenhuma
circunstância; conseguiram o prodígio de jamais aparecer em nenhuma das imensas
manifestações de massa que, das ruas para o plenário do Congresso, acabariam levando
ao impeachment de Dilma e aos
sucessivos infortúnios que reduziram o PT
ao seu atual estado de miséria extrema. Se Lula,
mais o seu sistema de apoio, estão indo cada vez mais para o diabo, isso se
deve exclusivamente a eles mesmos e aos atos que praticaram. Pois bem: o mundo
gira, a vida passa, e onde está, hoje, a oposição real ao governo do presidente
Jair Bolsonaro? Também não existe.
Existe, obviamente, uma espantosa gritaria contra tudo o que
o governo fez, acha que deve fazer ou está fazendo; é possível que nunca tenha
havido na história desse país tanta indignação por parte dos adversários em
relação a quaisquer gestos do presidente e de sua equipe, por mais cômicos,
banais e irrelevantes que possam ser. Condena-se tudo, quase sem exceção,
incluindo-se aquilo que se imagina que estejam pensando. Mais aí é que está:
isso não é oposição, ou oposição não é isso. Isso é fumaça de gelo seco, que
ocupa a maior parte do noticiário sobre a vida nacional, os comentários
dos influencers e a bulas
de excomunhão expedidas pelos especialistas, mas se desmancha sozinha; não sai
correndo atrás de ninguém, e nem machuca quem fica só olhando. A impressão é
que o mundo vai acabar daqui a meia hora. Mas a meia hora passa e o mundo não
acaba. Resultado: o governo Bolsonaro está morto, mas continua vivo.
O que há, na verdade, é gente falando mal do governo, por
não gostar de nenhuma das posturas que o levaram a ser eleito. Não gostava
antes da eleição; continua não gostando agora, e o mais provável é que não
venha a gostar nunca. Mas isso é apenas liberdade de pensamento, que acaba
vindo a público porque existe liberdade de expressão — e por que essa liberdade se manifesta através de órgãos de comunicação onde Jair Bolsonaro e o seu mundo mental são detestados. Oposição é
outra coisa. É o conjunto de forças organizadas, com projetos de governo,
programas de ação e disciplina, capazes de levar a população às ruas, e não
apenas os próprios “militantes”, vencer votações importantes no Congresso e
representar, de verdade, a maioria dos cidadãos que não aprova o governo. Mais:
oposição é algo que tem capacidade de ganhar eleições livres. Tem muito pouco
ou nada a ver, portanto, com o bicho que está aí —
o PT, os partidos a seu serviço e os blocos que ficam
na arquibancada gritando “juiz ladrão” sem mudar nunca o resultado do jogo.
É uma questão de ponto de vista, mas também de fatos. O que
esperar de uma oposição cujo grande líder está na cadeia, condenado por
corrupção em duas instâncias, sem que haja multidões na rua exigindo sua
libertação? Como pode funcionar um partido cuja presidência está entregue à uma
deputada que desistiu de defender seu cargo de senadora porque ficou com medo
de perder uma eleição majoritária? Vale a pena perguntar, também, como pode dar
certo uma oposição que não tem nenhum dirigente, um só que seja, com um mínimo
de popularidade, influência junto ao público e capacidade de falar para a
massa. O PT deposita suas
esperanças, hoje, em enredos de escola de samba, em comitês da ONU ou na liderança de um artista de
novela de segunda linha. Tem um aproveitamento de 100% na escolha do cavalo que
perde: é a favor da ditadura da Venezuela, do imposto sindical ou do
“desarmamento” da polícia, e contra a reforma da previdência, o pacote
anticrime do ministro Sergio Moro e
a Lava-Jato. Não tem um programa de
governo compreensível para se contrapor ao de Bolsonaro. Seu único candidato para uma eleição nacional é Fernando Haddad. O MST nunca mais invadiu uma fazenda; seus assemelhados nunca mais
invadiram um terreno de periferia ou um prédio abandonado. Não tem mais o
dinheiro da corrupção que recebia das empreiteiras de obras públicas.
Mas não é fácil, no meio de toda a prodigiosa gritaria que
anda solta por aí, identificar o que de fato está acontecendo com a
administração pública deste país. A inclinação mais ou menos natural, diante
dos arranques de cachorro atropelado que o Palácio do Planalto produz em série,
dia sim dia não, é dizer: “Deus me livre”. Que raio esse homem, e os filhos
desse homem, e os ministros-problema do seu governo, estão querendo? Por que
não se calam, como o rei da Espanha sugeriu ao ditador da Venezuela anos atrás — coisa que poderia ter lhe
ajudado tanto, se ele tivesse ouvido um pouco? Porque não começam a trabalhar
como gente adulta (e remunerada para isso), em vez de passar o dia mexendo com
tuítes, redes sociais e o resto dessa vidinha que não soma um milésimo de
centavo ao PIB?
Não estão disponíveis até o momento as respostas para
nenhuma dessas perguntas. Também não colabora em nada para um melhor
entendimento dos fatos a coleção de reações frequentemente histéricas com que o
mundo político, os “formadores de opinião” e o resto do Brasil “importante”
recebem cada suspiro do governo. Resultado: a montagem de um “climão” que
funciona maravilhosamente bem para a proliferação epidêmica de bobagens que não
ajudam em nada, e ao mesmo tempo atrapalham em tudo.
A única atitude sensata a tomar, ao que parece, é ficar frio
— e ficar frio por um
bom tempo. Não
adianta esperar que a fumaça
evapore sozinha, porque ela não
vai evaporar, não a
curto prazo, e não
enquanto continuarem fervendo a água;
é possível, ou provável, que daqui a quatro
anos a confusão permaneça muito parecida com a de hoje. A saída mais
promissora, dentro das que podem ser acionadas na prática, é manter a calma e
prestar atenção no monitor que informa os “sinais vitais”, como dizem os
médicos. É aí que o cidadão pode saber onde realmente está. O primeiro deles é
a inflação. Não há crise de verdade com inflação baixa — e a inflação brasileira está baixíssima,
vem caindo desde o ano passado, e tudo indica que vai continuar em queda. O preço da gasolina e do
álcool, por exemplo: está abaixo do que estava no primeiro dia do ano e do novo
governo. (Não é pouca coisa; imagine por um momento qual seria a sensação se o
preço estivesse subindo.) É claro que inflação perto de zero não faz o
desempregado arrumar emprego, mas é certo que torna possível a solução dos
problemas; sem isso não adianta nem tentar. Outra realidade que a fumaceira não
pode esconder é a cotação do dólar, que permanece mais ou menos estável.
Confusão, mesmo, é dólar em disparada —
não adianta
nada ignorar essa realidade ou dizer que ela não tem importância, pois não
existe economia em colapso com câmbio parado.
A tela também está mostrando que, apenas no mês de janeiro,
perto de 400.000 inscritos deixaram de receber os benefícios do Bolsa Família,
por conta, basicamente, de desistências. Milhões de trabalhadores pararam de
pagar o imposto sindical ao longo do primeiro ano de vigência da nova lei; a
arrecadação dos sindicatos caiu em 90%, o que significa que mais de 3 bilhões
de reais ficaram no bolso de quem trabalha, em vez de irem para o cofre dos
dirigentes sindicais. Há economias com o corte de funcionários criados nos
governos do PT, a suspensão,
anulação ou cancelamento de contratos e outras despesas do governo. Não dá para
saber ainda quanto dinheiro deixará de ser gasto, mas a sinalização dos
primeiros dois meses de 2019 mostra que pode ser muito — sobretudo quando se leva em conta a relutância natural das
empreiteiras de obras, fornecedores e outros ladrões, em propor negócios escusos aos 100 ou mais generais e outros
oficiais das Forças Armadas presentes nos escalões superiores da nova
administração. Leilões para o setor de energia elétrica já estão marcados para
este ano, ao contrário da prática de não marcar nada, vigente nos últimos
dezesseis anos. Há uma reforma da Previdência que será aprovada. Há, enfim,
muitos outros sinais no painel. É preciso olhar para eles.
Texto de J.R. Guzzo