Mostrando postagens com marcador FHC. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador FHC. Mostrar todas as postagens

domingo, 18 de novembro de 2018

SOBRE BOLSONARO, O FIM DA REELEIÇÃO E A EXONERAÇÃO DE SÉRGIO MORO



Para o jornalista J.R. Guzzo, diretor editorial do grupo EXAME e membro do Conselho Editorial da Abril, o reajuste reivindicado pelos ministros do STF e avalizado pelo Senado “é uma coisa de submundo, uma expressão de tudo o que existe de pior nesse Brasil velho, subdesenvolvido, concentrador de renda, corrompido até o fundo da alma, trapaceiro, parasita, que faz a nossa desgraça de todos os dias. Bolsonaro estaria começando muito mal, realmente, se não tivesse falado nada. Os 58 milhões de votos que recebeu foram contra isso, não a favor”.

Ao contrário de boa parte da mídia, Guzzo não vê quiproquó nenhum na transição do governo moribundo de Temer para a futura gestão de Bolsonaro. Na sua avaliação, o presidente eleito vem se comportando como um presidente eleito que daqui a pouco mais de um mês vai chefiar o governo — a gestão Temer já está tirando as medidas para lhe fazerem o caixão, e não dá para esperar até o enterro para só então começar o trabalho. Ele também concorda com Bolsonaro sobre o país ter direitos demais e empregos de menos: “O presidente eleito está apenas apresentando um fato — que já foi dito por um monte de gente boa, um monte de vezes, e reflete exatamente a palhaçada hipócrita dos nossos 10 milhões de leis, ou sabe lá Deus quantas. Criam direitos para tudo que se possa imaginar, quase sempre pagos com dinheiro do contribuinte — dinheiro que na maioria das vezes simplesmente não existe na vida real. Boa parte não pode ser desfrutada pelos beneficiários, e outra parte é pura safadeza para encher o bolso da casta mais alta do serviço público”.

Sobre Bolsonaro insistir em dizer respeitará a Constituição, o jornalista pondera que não resta alternativa, pois a todo momento o presidente eleito é cobrado a propósito. Aliás, na solenidade de comemoração dos 30 anos da Constituição — que Ulysses Guimarães, líder da resistência civil à ditadura militar, chamava de “cidadã” —, ouviram-se muitas juras hipócritas e muitas loas à Carta Magna, mas o fato é que ela tem de ser respeitada porque está em vigor e não existe outra, cabendo ao novo governo, ou cumprir tudo o que está escrito lá, ou aprovar no Congresso reformas que mudem o seu texto.

Guzzo também critica a medida provisória encaminhada por Michel Temer — e avalizada pelo Senado — que entrega de mão-beijada benesses às montadoras de automóveis. Segundo ele, o Brasil vem sendo governado há décadas com a mentalidade, os métodos e as ações de governantes que ganham a vida por meio do crime, mas, mesmo assim, um Congresso e um resto de governo que estarão sepultados no dia 1.º de janeiro de 2019 jamais deveriam ter o direito de fazer isso — não por estarem criando problemas para “o governo Bolsonaro”, como diz a imprensa, mas porque o contribuinte vai pagar por cada centavo disso tudo nos próximos anos. Se o presidente eleito conseguirá ou não desarmar as bombas de efeito retardado deixadas pelas gestões do PT e do PMDB, só o tempo dirá. Entretanto, estaria de bom tamanho se ele pudesse desarmar metade delas, pois em geral não se desarma nenhuma. 

Quanto ao fim da reeleição (defendido por Bolsonaro), Guzzo diz ser uma excelente notícia para o Brasil e para o próprio Bolsonaro, lembrando que FHC, Lula e Dilma, notórios democratas antifascistas, colocaram seus governos e o erário a serviço permanente da própria reeleição, e o primeiro a adotar uma atitude diferente é justamente o “militar autoritário, totalitário, defensor das ditaduras, etc. Se a ideia prosperar, será um belo cala-boca na oposição, nos intelectuais, nos artistas de novela e no New York Times.

Em atenção a quem não sabe ou não se lembra, abro um parêntese para dizer que a reeleição não foi fruto da tal “Constituição Cidadã”, mas de uma emenda constitucional que deu chance ao então presidente Fernando Henrique de ser o primeiro mandatário a disputar uma reeleição no Brasil — deu para entender ou quer que eu desenhe?

Nossa atual Carta Magna foi promulgada em 1988, durante o (nada saudoso) governo do macróbio maranhense José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, vulgarmente conhecido no mundo do crime, digo, da política, como José Sarney, que se tornou presidente civil desta Banânia pós-ditadura com à morte de Tancredo Neves. O que a Assembleia Nacional Constituinte estabeleceu foi o presidencialismo como forma de governo e o mandato de 5 anos para o presidente da República (daí a razão do infausto governo Sarney ter se estendido até março de 1990), vencida a oposição, que se dividia entre os que propunham quatro anos para todos os presidentes, inclusive o presidente em exercício, e os que desejavam um mandato de cinco anos para o futuro, porém mais curto para Sarney. Pesquisas da época registraram a preferência da população pelo mandato de quatro anos, que passaria a vigorar em 1997.

A PEC da reeleição, aprovada em segundo turno no Senado por 62 votos a favor, 14 contra e 2 abstenções, numa sessão solene que durou apenas 9 minutos, estendeu o “benefício” também a governadores e prefeitos. Depois da promulgação, o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (vulgo “Toninho Malvadeza”), o então presidente da Câmara, Michel Temer, foram ao Palácio do Planalto entregar o texto da emenda ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. A certeza de que a aprovação da emenda fortalecia o presidente em exercício foi ratificada pelo então presidente do Senado: “Pela liderança que tem, é um candidato forte à reeleição”, declarou ACM, e afirmou que a tendência era que seu partido, o PFL (que em março de 2007 passou a se chamar Democratas e teve como primeiro presidente da nova sigla Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara), mantivesse o apoio a FHC nas eleições de 1998, o que incluía a permanência de Marco Maciel como candidato a vice. Fecho o parêntese. 

Para concluir, transcrevo trecho do pedido de exoneração do juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça e Segurança Pública:

Houve quem reclamasse que eu, mesmo em férias, afastado da jurisdição e sem assumir cargo executivo, não poderia sequer participar do planejamento de ações do futuro governo. Assim, venho, mais uma vez registrando meu pesar por deixar a magistratura, requerer a minha exoneração do honroso cargo de juiz federal da Justiça Federal da 4ª Região, com efeitos a partir de 19/11/2018, para que possa então assumir de imediato um cargo executivo na equipe de transição da Presidência da República e sucessivamente ao cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública. Destaco meu orgulho pessoal de ter exercido durante 22 anos o cargo de juiz federal e de ter integrado os quadros da Justiça Federal brasileira, verdadeira instituição republicana”.

A juíza substituta Gabriela Hardt assumiu os processos que correm no âmbito da Lava-Jato na primeira instância paranaense, como aquele em que depôs, na última terça-feira, o ex-presidente petralha e hoje hóspede compulsório da carceragem da PF em Curitiba. Gabriela é substituta e ficará encarregada das ações até o TRF-4 nomear o substituto de Moro.

Pelo menos 232 juízes federais titulares poderão se candidatar, aí incluídos todos os titulares que atuam no âmbito do TRF-4 (que abrange os Estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). No topo da lista estão, pela ordem, os juízes federais Luiz Antônio Bonat (Curitiba), Taís Schilling Ferraz (Porto Alegre), Marcelo de Nardi (Porto Alegre), Alexandre Gonçalves Lippel (Porto Alegre), Hermes Siedler da Conceição Júnior (Porto Alegre), Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia (Santa Cruz do Sul), Altair Antônio Gregorio (Porto Alegre) e Loraci Flores de Lima (Santa Maria).Todos ingressaram no TRF-4 no mesmo dia, quatro anos depois de Moro, que ingressou como titular no tribunal em 24 de novembro de 1998.

O processo interno de seleção, denominado remoção, deverá durar um mês. Uma vez publicado o edital, os juízes titulares deverão apresentar suas candidaturas nos dez dias seguintes. O critério de seleção será baseado na antiguidade, ou seja, no tempo de atuação do magistrado como juiz titular e, depois, como juiz substituto. Em caso de empate, será utilizado o critério de colocação no concurso público. Neste critério de classificação, o juiz Luiz Antônio Bonat, da 21.ª Vara Federal de Curitiba, aparece na primeira colocação. Se nenhum juiz titular apresentar candidatura, a vaga será aberta em um edital de promoção aos juízes federais substitutos, que poderão concorrer à cadeira pelos mesmos critérios de antiguidade e colocação no concurso público.

Dito isso, dou a postagem por encerrada. Bom domingo a todos.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

FALTAM 19 DIAS PARA O SEGUNDO TURNO — E AGORA, JOSÉ?



Devido à morte de Tancredo Neves, o maranhense José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como José Sarney, presidiu o Brasil de 22 de abril de 1985 a 15 de março de 1990, tornando-se o primeiro presidente civil pós-ditadura. 

Sarney foi sucedido pelo Caçador de Marajás de araque, que venceu o demiurgo de Garanhuns no segundo turno do pleito de 1989 e sagrou-se o primeiro presidente eleito pelo voto popular desde Jânio Quadros (em 1960). Foi durante seu governo — de Sarney, não de Collor — que a “Constituição Cidadã” (sobre a qual falarei mais adiante) foi promulgada. 

Foi somente em 1997, com as bênçãos do então presidente Fernando Henrique, que nossa Carta Magna deixou de proibir o chefe do Executivo e respectivo vice de disputar a reeleição para mandatos consecutivos (mandatos não consecutivos não são considerados como reeleição, daí porque Lula, de olho nas eleições de 2014, fez Dilma sua sucessora em 2010, mas a anta pegou gosto pelo poder e a mula caiu do jegue). Aprovada a emenda da reeleição, FHC tornou a vencer Lula no primeiro turno, em 1998, e conquistou seu ambicionado segundo mandato (durante o qual fez um governo de merda, mas isso é outra conversa). 

Importa dizer é que devemos ao grão-tucano a situação em que nos encontramos atualmente. Se a ideia era copiar a Constituição norte-americana, que copiassem direito: segundo a 22ª Emenda (Amendment XXII, no original em inglês), aprovada pelo Congresso dos EUA em 1947 e ratificada em 1951, nenhuma pessoa poderá ser eleita mais de duas vezes para o cargo de presidente. Nesses termos, Lula, que esgoto os dois mandatos a que tinha direito, poderia gozar alegremente sua estada na carceragem da PF em Curitiba (ou no Complexo Médico-Penal de Pinhais, ou em outro presídio qualquer) sem se preocupar com questões inerentes à sucessão presidencial.

Costuma haver diferenças entre como as coisas são e como deveriam ser. É por isso que teremos de amargar mais três longas semanas — com direito à volta dos debates e do horário político obrigatório — até que, se não houver surpresas e Bolsonaro mantiver a liderança, o esbirro do criminoso de Garanhuns seja devidamente despachado para o buraco de onde jamais deveria ter saído. 

Entrementes, divirtamo-nos com as pesquisas. Aliás, chegou a ser hilária (para não dizer irritante) a insistência dos âncoras da Globo (e de outras emissoras que acompanharam em tempo real a apuração dos votos) em exibir o percentual de votos de Amoedo, Boulos, Daciolo, Eymael, Vera Lucia e companhia, quando o que interessava mesmo era a possibilidade de o candidato do PSL liquidar a fatura já no primeiro turno (e faltou bem pouco!).

Sobre Bolsonaro, segue trecho de uma postagem publicada ontem no Blog do Gabeira:

Não é uma simples segunda-feira de primavera. Neste momento, já se sabe quem venceu o primeiro turno das eleições e mais ainda: como se compõe o novo Congresso. [...] Imagino que comece hoje uma discussão sobre as causas que levaram Bolsonaro a vencer o primeiro turno. E também a ampla distribuição de culpa entre seus adversários. [...] Bolsonaro foi o deputado mais votado no Rio, em 2014. Ele teve 464 mil votos, cerca de 6% do total, um feito extraordinário em eleições proporcionais. Naquele momento, ele já estava em ascensão batendo, principalmente, em duas teclas: corrupção e segurança pública. Sua proposta em segurança tem uma vantagem sobre todas as outras. Reconhece a limitação do Estado e envolve o indivíduo, que teria sua própria arma. [...] Ainda vou escrever muito sobre Bolsonaro, inclusive sobre os 16 anos em que estivemos juntos em algumas comissões da Câmara, divergindo nos costumes e concordando na denúncia da corrupção. A grande dificuldade com Bolsonaro é que, essencialmente, é anticomunista e tende a combater todas as lutas lideradas pela esquerda, como se tivessem sido inventadas por ela. Ele tem dificuldade em distinguir direitos humanos e exploração ideológica, movimento das mulheres das visões radicais, meio ambiente e ameaça à propriedade privada e, no caso amazônico, cobiça internacional. [...] Pessoalmente, sempre conversei com Bolsonaro ao longo de 16 anos. Nos seus primeiros discursos na Câmara, ele pedia minha prisão porque eu era um sequestrador do embaixador americano. Ele queria reproduzir o debate sobre a luta armada. Os tempos eram outros, tínhamos um novo país para construir. A esquerda me considera um traidor que ocupa um espaço na lata de lixo da história. Sou aquele jogador que já foi do time e a torcida vaia sempre que toca na bola. Mas esquerda e direita são forças missionárias que tentam universalizar seu conceito de boa vida. Numa sociedade complexa como a nossa, precisamos reconhecer as diferenças e navegar com cuidado, administrando os problemas recorrentes. A ideia de um país dominado pela Bíblia ou pelo “Capital” de Marx não deixa de ser legítima. Apesar da importância que ambos dão aos seus textos, eles são apenas um modesto guia. O mundo ultrapassa os velhos esquemas mentais. Ou, em linguagem bem brasileira: o buraco é mais embaixo.

Visite minhas comunidades na Rede .Link:

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O PT E OS OUTROS




PT continua, não se sabe até onde. O PSDB acabou de desembarcar

O Brasil está dividido entre o PT e os demais partidos. Desde 1989, quando Lula foi para o segundo turno na primeira eleição direta pós-ditadura, o PT consegue ser majoritário na captação dos votos da esquerda. Foi assim nas duas eleições seguintes, quando Lula perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso mas chegou em segundo lugar, e depois nas quatro que o PT ganhou. O Brasil é PT ou não é. Nos últimos 16 anos tem sido.

No começo, quando perdia eleições, o PT ainda não havia conseguido pintar sua imagem como a do partido da inclusão social, era apenas de esquerda. Na primeira eleição, este papel coube ao caçador de marajás, e nas outras duas foi cumprido pelo criador do Real. Somente depois de Collor e FHC, o PT conseguiria somar ao seu eleitorado de esquerda aqueles que queriam e os que precisavam de um Brasil mais justo.

O PSDB, que havia conduzido com sucesso um dos mais importantes programas de distribuição de renda do mundo, não conseguiu capitalizar o Plano Real e deixou-se transformar, aos olhos dos eleitores, num partido da elite branca. Cometeu muitos erros — como o da polêmica emenda da reeleição —, que contribuíram para que a sigla que construiu a estabilidade da economia acabasse com a imagem de partido paulista.

O “nós contra eles” não foi uma invenção de Lula, existe desde a primeira eleição presidencial. O que Lula fez foi dar uma coloração de classe ao termo. O “nós” são os pobres e as minorias, e o “eles” são os ricos. Discurso simples para um eleitor majoritariamente simples. Discurso que funciona.

Embora não seja o único, claro que o PT é um partido preocupado com os mais pobres. O programa Bolsa Família foi o mais inclusivo da história do país, e o PT soube se valer dele politicamente.

Os demais partidos de esquerda viraram satélites. O PSDB, que depois de FHC perdeu quatro vezes para Lula, conseguiu atrair alguns partidos de centro, não todos. O maior deles, o MDB, ficou com o PT nas duas últimas eleições. Outros partidos de centro e de direita transitaram entre PSDB e PT ao longo dos últimos 16 anos. O PT foi mais competente. Apesar dessa miscigenação ideológica, os militantes orgânicos só enxergam o espectro de esquerda, e os eleitores não militantes só veem Luiz Inácio Lula da Silva quando miram o PT.

A campanha deste ano, ao que tudo indica agora, seguirá o mesmo roteiro, com a diferença que o PSDB perdeu seu protagonismo para Jair Bolsonaro. Dois episódios fundamentais da campanha ajudaram a impulsionar o capitão e o petista indicado por Lula. Bolsonaro foi esfaqueado enquanto era carregado nos ombros por eleitores, e Haddad recebeu a bênção de um ex-presidente preso que reconstruiu sua imagem de corrupto em mártir, injustiçado e perseguido.
É isso o que temos e com isso precisamos nos habituar. Resta saber se a habilidade política do PT será suficiente para ganhar a eleição no segundo turno. É verdade que a subida de Haddad nas pesquisas só ocorreu agora porque antes o candidato era Lula. Tem que se levar isso sempre em conta, mas é fato também que nunca, desde 2002, o PT esteve tão mal nesta fase da campanha. A corrupção ainda pode cobrar sua conta.

Nos quatro pleitos que ganhou, Lula e Dilma lideravam a corrida a esta altura da campanha. Em 2002, na pesquisa Ibope de 17 de setembro, Lula tinha 48% das intenções de voto. Em 2006, no dia 16 de setembro, Lula alcançava 42%. Na eleição de 2010, Dilma tinha 51% da preferência em 17 de setembro. Na sua reeleição, no dia 16 de setembro de 2014, a liderança de Dilma era mais apertada, com 36%, mas ainda assim quase o dobro do que Haddad tem agora.

O PT provou amplamente sua competência, tem seus principais líderes condenados e presos por corrupção, inclusive Lula, mas segue vivo na campanha. O PSDB, por sua vez, comprovou sua fama de incompetente político. Perdeu para Lula quando ele estava nas cordas do mensalão. Perdeu de Dilma quando seus sinais de fadiga já eram evidentes. E agora perde seu lugar na disputa para um novato em eleições presidenciais. E talvez perca também sua hegemonia paulista.

O PT continua, não se sabe até onde. O PSDB acabou de desembarcar.

Texto de Ascânio Seleme

Visite minhas comunidades na Rede .Link:

quinta-feira, 15 de março de 2018

FERNANDO HENRIQUE REDESCOBRE UM LULA QUE NUNCA EXISTIU


O Lula que o ex-presidente Fernando Henrique deu para elogiar de uns tempos para cá é um homem imaginário. Até agora ninguém parece ter entendido direito o que ele está querendo dizer com essa súbita descoberta de virtudes no personagem que até outro dia, pelo menos em público, o tratava como o político mais desprezível do Brasil.

Lula, na verdade, passou anos a fio cuspindo em Fernando Henrique. Jamais admitiu que o seu antecessor na presidência da República tivesse tido o menor mérito em nada do que fez durante os oito anos em que esteve no governo. Ao contrário: inventou a mentira de que tinha recebido dele uma “herança maldita”, responsável por tudo que havia de errado no Brasil. Dirigiu-lhe ofensas pesadas. Tratou-o sempre com rancor, despeito e inveja. Mais que tudo, Lula agiu no Palácio do Planalto de maneira oposta às ideias gerais de Fernando Henrique. Agora, sem que se saiba por que, tornou-se um líder político exemplar na opinião do adversário de sempre. Mudou Lula ou mudou FHC?

Lula, com certeza não mudou nada ― ou melhor, mudou para muito pior do que jamais foi em toda a sua carreira. Quem mudou, então, foi FHC. É melancólico. Mas a vida tem dessas coisas ― como mostra tão bem a experiência, o cérebro humano não é necessariamente um lugar coerente.

Na falta de uma explicação capaz de fazer algum nexo, o que se pode imaginar, com base no “Manual de Psicologia Para Amadores”, é que Fernando Henrique está de volta aos seus sonhos de 40 anos atrás. Lembram-se dele? Era, então, o retrato acabado do intelectual de esquerda brasileiro enquanto jovem ― ou, se preferirem, mais ou menos jovem. Trazia na alma e na mente as fantasias clássicas do socialista de Terceiro Mundo, armado de leituras europeias e à procura de um regime que até hoje só existiu na imaginação das salas de aula da universidade: o “socialismo com liberdade”. Ou, então, uma nova “ditadura do proletariado”, que viesse só com proletariado e sem ditadura.

Na São Bernardo do final dos anos 70, FHC e seus pares se deslumbravam com a possibilidade de ver um operário de carne e osso, ou pelo menos um líder sindical, virar uma força política de verdade. Até então, como tantos dos intelectuais brasileiros, talvez nunca tivesse visto um operário ao vivo e a cores. De repente, não só vê, mas descobre que um “homem do povo” como Lula pode crescer num sistema de liberdades, com eleições, direitos individuais, separação de poderes, etc. Bom demais, não é mesmo? Encantada, a classe intelectual da época “pirou”, como se diz.

Depois, na vida real, Fernando Henrique esqueceu por completo a figura da fábula ― ao constatar que Lula, o herói das massas populares que iria fazer a “passagem pacifica para o socialismo”, era apenas uma invenção. Pior do que um simples equívoco, Lula era uma falsificação, como ficou comprovado assim que passou a mandar. Junto com o PT, transformou o seu governo, e o da sucessora que inventou, numa caçamba de lixo a serviço de empreiteiras de obras públicas, fornecedores da Petrobras e outros marginais hoje na cadeia, réus confessos e condenados por corrupção em massa. Onde acabou caindo o líder operário? Foi apenas mais uma quimera desfeita ― só isso.

No percurso entre São Bernardo e a 13ª. Vara Criminal de Curitiba rolou uma vida inteira. Lula e FHC passaram a ser inimigos ― os mais extremados da política brasileira moderna. Agora, aos 87 anos de idade, Fernando Henrique faz um salto espetacular rumo ao passado ― e passa a orar para um herói que nunca existiu, nem na época e muito menos agora. Justamente agora, aliás, Lula está no seu ponto mais baixo ― condenado como ladrão em três instâncias, por nove magistrados diferentes, abandonado pelas “massas” e necessitado de um golpe no Supremo para não acabar na cadeia.

O ex-presidente, ex-sonhador e ex-inimigo migrou para o seu lado do demiurgo criminoso e condenado, é verdade, mas nenhum dos dois parece ter muito a ganhar com isso. Se Lula se livrar da penitenciária, ninguém do PT e da “esquerda”, e muito menos o próprio Lula, vai dizer uma única palavra de agradecimento a FHC. Se não se livrar, o seu apoio não terá servido para coisa nenhuma. Esse mundo é mesmo injusto.

Com J.R. GUZZO.

Visite minhas comunidades na Rede .Link:
http://informatica.link.blog.br/
http://cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/
http://acepipes-guloseimas-e-companhia.link.blog.br/

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

ELEIÇÕES 2018 ― TUDO COMBINADO E NADA RESOLVIDO



Nas próximas eleições, além da presidência da República, estarão em jogo os governos estaduais, 2/3 do Senado, e a totalidade da Câmara. Em 1989, disputava-se apenas a presidência ― o que dava mais força ao candidato do que ao partido que o apoiava ―, e todas as grandes lideranças políticas estavam na disputa. O embate final se deu entre os populismos de direita e de esquerda, com Brizola sendo expelido no primeiro turno e Collor derrotando Lula no segundo.

No pleito desse ano, os principais protagonistas são os populismos de esquerda e de direita, encarnados, respectivamente, em Lula e Bolsonaro. Isso se deve em parte ao fato de decadência moral e a crise econômica servirem de adubo para populistas radicais, mas também por não ter surgido, pelo menos até agora, um mísero candidato “de centro” que empolgue o eleitorado.

O último candidato não populista a presidente a derrotar um rival populista foi FHC ― que venceu Lula em dois pleitos consecutivos, sempre no primeiro turno ―, menos pelo seu estilo de fazer política e mais pelo Plano Real, que teve efeitos benignos sobre o eleitorado (nada mais popular do que garantir ao povo uma melhoria imediata de vida e uma moeda valorizada).

Melhorias de vida imediatas são geralmente produzidas por medidas populistas. O Plano Cruzado, por exemplo, garantiu a vitória dos acólitos de Sarney nas eleições majoritárias e proporcionais de 1986. Outro bom exemplo é o Bolsa Família, que alavancou o lulopetismo. Num país tão desigual quanto o Brasil, Getúlio sempre vencerá o Brigadeiro ―, lembra Merval Pereira, referindo-se às duas derrotas que Eduardo Gomes sofreu na década de 40; uma para Dutra, candidato de Getúlio, e outra para o próprio Getúlio.

Para Michel Temer e seu “legado”, o desafio será chegar às eleições sem se tornar a “Gení”, como aconteceu com Sarney em 1989. Ele aposta na melhora da economia e parece mesmo acreditar que seu apoio será decisivo em outubro, e em momentos de delírio explícito cogita até mesmo em se candidatar à reeleição.

Existe uma longa distância entre o que se deseja e o que se obtém, e nada indica que, nos próximos meses, a melhoria da economia será significativa a ponto o governo mais impopular da história num ativo eleitoral capaz de neutralizar a ânsia da população por um “salvador da pátria” ― papel que Lula e Bolsonaro representam, ainda que por razões distintas.

Em última análise, o momento é de incerteza. Tudo que se tem até agora não passa de mera especulação. O cenário só começará a se definir a partir do próximo dia 24 ― Deus permita que com Lula fora do páreo e, se possível, dentro de uma cela no presídio.

Geraldo Alckmin terá de “fazer o diabo” para crescer nas pesquisas e mostrar que foi acertada a decisão do partido [de escolhê-lo em detrimento de João Doria].  Não é à toa que Luciano Huck parece disposto a voltar ao páreo. Além disso, até abril o cenário pode mudar, com a entrada de nomes como Joaquim Barbosa, Henrique Meirelles, Marina Silva e outros quaisquer. 

Infelizmente, nenhum entusiasma, todos decepcionam. 

Pobre Brasil.

Visite minhas comunidades na Rede .Link:

sábado, 17 de junho de 2017

O BALAIO DE GATOS DO CENÁRIO POLÍTICO

Como escreveu o jornalista Merval Pereira em sua coluna desta sexta-feira, a situação está de vaca não conhecer bezerro. Os partidos, que há muito perderam o rumo, agora começam a defender posições opostas às que sempre defenderam.

FHC, depois de muitas idas e vindas, passou a defender a antecipação das eleições diretas, enquanto o PT defende a tese de que não é preciso aval da Câmara para que um presidente da República seja processado.

O cacique tucano vê nas diretas uma solução para seu partido sair do imbróglio em que se meteu ao defender o atual governo a qualquer custo, enquanto os petralhas querem pegar o presidente Temer, esquecendo-se de que quem com ferro fere, com ferro será ferido, pois Lula ― ou qualquer outro petista eventualmente eleito presidente num pleito antecipado ― poderia vir a ser objeto de uma ação da PGR.

A emenda constitucional que permite processar parlamentares sem a autorização da Câmara ou do Senado ― e que o PT pretende usar como parâmetro legal para permitir que Temer seja processado pelo STF sem autorização da Câmara ― foi aprovada em 2001, quando o então deputado Aécio Neves era presidente da Casa. Os petralhas, que saudaram a aprovação desse “pacote ético”, agora alegam que a necessidade de permissão para processar o presidente da República (prevista no artigo 86 da Constituição) não é compatível com essa alteração constitucional e nem com a autorização dada pelo STF de abertura de ações contra governadores sem aval das assembleias.

Mutatis mutandis, o mesmo se dá com a emenda constitucional que acaba com o foro privilegiado ― já aprovada no Senado e que agora tramita na Câmara ―, segundo a qual os parlamentares continuariam podendo ser presos somente em flagrante e por crime inafiançável, mas, em vez de ter que conceder permissão para a prisão, a Câmara ou o Senado poderiam relaxá-la.

Hoje, o foro privilegiado continua blindando parlamentares, e as Casas Legislativas continuam tendo de avalizar a prisão de um de seus membros ― como no caso que será analisado na próxima terça-feira pela 1ª Turma do STF em relação ao senador afastado Aécio Neves (a PGR voltou a pedir sua prisão, enquanto há uma ação para que ele reassuma suas funções no Senado; se a Turma aprovar a prisão, o plenário do Senado terá de autorizá-la, o que indica a possibilidade de uma disputa entre o Legislativo e o Judiciário que pode complicar ainda mais a crise política).

Em última análise, o PSDB só mantém o apoio ao governo para obter a contrapartida do PMDB na eventual votação sobre Aécio no Senado, mas, com a mudança de posição de seus principais líderes, é possível que o senador tucano seja uma vítima colateral desse desentendimento entre os dois partidos.

Parafraseando o ministro Gilmar Mendes, que teve papel determinante na absolvição da chapa Dilma-Temer durante a palhaçada travestida de “julgamento do século” no TSE, essas questões não são “coisas para leigos”. A propósito, escreveu J.R. Guzzo em sua coluna na revista Veja da semana passada:

(...) Tudo isso só é incompreensível para o leigo, esse amador ingênuo, chato e incapaz de raciocinar como um jurista; é um bobo que utiliza a palavra “justiça” e acredita que a autoridade pública deva tomar decisões “justas”. Para os que influem ou mandam no sistema judiciário brasileiro, o leigo, tristemente, é incapaz de pensar como um profissional sério da ciência jurídica. Ali, como sabem as pessoas realmente qualificadas para tomar decisões legais, o que importa não é a aplicação do conceito romântico, tolo e pedestre de “justiça”, e sim a aplicação da “lei”; não interessa que as decisões sejam “justas”, e sim que sejam “legais” — isto é, que estejam de acordo com o que os altos tribunais decidirem.

Confira minhas atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/

sábado, 7 de janeiro de 2017

SAUDOSISMO - CUIDADO COM O QUE VOCÊ DESEJA

Para alguns, a palavra “saudade” existe somente no português; para outros, isso não passa de um mito. Verdade ou não, o termo ficou em 7º lugar no ranking das palavras mais difíceis de traduzir da empresa britânica Today Translations.

Saudade deriva do latim solitas, solitatis, que, em latim, significa “solidão”, “desamparo”, “abandono”. Daí o significado de “desejo de um bem do qual se está privado”; “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”.

Segundo a professora Luísa Galvão Lessa, Doutora em Língua Portuguesa pela UFRJ e membro da Academia Brasileira de Filologia, os demais idiomas têm dificuldade em traduzir ou atribuir um significado preciso a “saudade”, mas o fato de uma língua não ter palavra que, por si mesma, possa traduzir-se por “saudade” não significa que o povo que a fala não conheça tal sentimento. Tal conceito pode ser, nessa língua ou em outras, expresso por mais de uma palavra. No inglês, por exemplo, têm-se várias tentativas: homesickness (equivalente a saudade de casa ou do país), longing e to miss (sentir falta de uma pessoa); no castelhano, te extraño; no francês, j’ai regret, e no alemão, Ich vermisse dish.

Talvez essas expressões não definam com exatidão o sentimento luso-brasileiro de saudade, mas aí já é outra história; para os propósitos deste preâmbulo, interessa dizer que a lembrança é o elo que liga o passado ao presente, e que é fundamental separar a saudade do saudosismo de achar que tudo era melhor, mais bonito e mais feliz.

Saudosistas, não raro, idolatram um passado que nunca existiu. Um exemplo disso é que, diante do calamitoso cenário político atual, algumas pessoas dizem ter saudades dos tempos da ditadura, mas, quando se vai se ver, nem se conheciam por gente nos assim chamados “anos de chumbo”. E conhecimentos não-empíricos, de segunda-mão, obtidos através de inexatos livros de História, não autorizam, salvo melhor juízo, pleitear volta dos militares.

A ditadura militar foi instituída em março de 1964, com a deposição do então presidente João Goulart e a posse do marechal Humberto de Alencar Castello Branco, e se estendeu ao longo de 21 anos, sob o comando dos generais Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, nessa ordem. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros que prevaleceram durante os “anos de chumbo”, o período mais repressivo do governo militar. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que, 11 anos depois, poria fim no regime de exceção com a eleição (indireta) de Tancredo Neves ― o primeiro presidente civil em mais de duas décadas ―, embora quem assumiu o posto foi seu vice, José Sarney.

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” de Geisel e Figueiredo, e tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido às manifestações populares pró-diretas, que em 1983, reuniram 1,5 milhão de pessoas na Candelária (RJ) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (SP). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também em São Paulo), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE” ― note que os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone, pois a internet era então uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

Observação: Em rápidas pinceladas, a “Revolução de 1964” ― cuja data “comemorativa” é 31 de março ― foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril daquele ano, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram o presidente João Goulart, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.

Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados, e a emenda foi rejeitada, a despeito do clamor das ruas. Em outras palavras, o povo foi traído pelos políticos, para variar. Mas o desgaste do governo propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que venceu Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal, formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar.

Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães ― que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra o pedessista Paulo Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney ― entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses. Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos e a volta dos militares às casernas. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado na véspera da posse e faleceu em 21 de abril (num dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país, seu esquife foi acompanhado por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho de São João Del Rey, onde o corpo do político foi sepultado).

Depois de algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara dos Deputados (Ulysses Guimarães) assumir a presidência, prevaleceu o entendimento de que José Sarney, vice na chapa de Tancredo, deveria ser empossado. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal, como veremos no próximo capítulo desta retrospectiva. Abraços a todos e até lá.

Confira minhas atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/