Para alguns, a palavra “saudade”
existe somente no português; para outros, isso não passa de um mito. Verdade ou
não, o termo ficou em 7º lugar no ranking das palavras mais difíceis de
traduzir da empresa britânica Today Translations.
Saudade deriva do
latim solitas, solitatis, que, em latim, significa “solidão”, “desamparo”,
“abandono”. Daí o significado de “desejo de um bem do qual se está privado”;
“lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes
ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”.
Talvez essas expressões não definam com exatidão o sentimento
luso-brasileiro de saudade, mas aí já é outra história; para os propósitos
deste preâmbulo, interessa dizer que a
lembrança é o elo que liga o passado ao presente, e que é fundamental separar a saudade do saudosismo de achar que tudo era melhor, mais bonito e mais feliz.
Saudosistas, não raro, idolatram
um passado que nunca existiu. Um exemplo disso é que, diante do calamitoso
cenário político atual, algumas pessoas dizem ter saudades dos tempos da ditadura, mas, quando se vai se ver, nem
se conheciam por gente nos assim chamados “anos de chumbo”. E conhecimentos
não-empíricos, de segunda-mão, obtidos através de inexatos livros de História,
não autorizam, salvo melhor juízo, pleitear volta dos militares.
A ditadura militar foi instituída em março de 1964, com
a deposição do então presidente João
Goulart e a posse do marechal Humberto
de Alencar Castello Branco, e se
estendeu ao longo de 21 anos, sob o comando dos generais Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, nessa ordem.
Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações
arbitrárias de efeitos duradouros que prevaleceram durante os “anos de chumbo”, o período mais repressivo
do governo militar. Em 1974, Geisel deu
início ao lento processo de abertura que, 11 anos depois, poria fim no regime
de exceção com a eleição (indireta) de Tancredo
Neves ― o primeiro presidente civil em mais de duas décadas ―, embora quem
assumiu o posto foi seu vice, José
Sarney.
O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do
espírito democrático” de Geisel e Figueiredo, e tampouco transcorreu sem
turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi
concluído devido às manifestações populares pró-diretas, que em 1983, reuniram
1,5 milhão de pessoas na Candelária (RJ) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (SP).
A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também em São Paulo), em janeiro
de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia
a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA
PRESIDENTE” ― note que os manifestantes apareceram espontaneamente para
ouvir e aplaudir líderes como Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula
e outros políticos, artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone, pois
a internet era então uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e
se popularizariam quase duas décadas depois.
Observação: Em rápidas pinceladas, a “Revolução de 1964” ― cuja data “comemorativa” é 31 de março ― foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril daquele ano, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram o presidente João Goulart, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.
Observação: Em rápidas pinceladas, a “Revolução de 1964” ― cuja data “comemorativa” é 31 de março ― foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril daquele ano, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram o presidente João Goulart, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.
Nos movimentos pró “Diretas
Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda
constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às
eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois
do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados, e a emenda
foi rejeitada, a despeito do clamor das ruas. Em outras palavras, o povo foi
traído pelos políticos, para variar. Mas o desgaste do governo propiciou a
eleição (indireta) de Tancredo Neves,
que venceu Paulo Maluf no Colégio
Eleitoral (por 480 votos a 180), depois de unir o PMDB à chamada Frente
Liberal, formada por dissidentes do PDS,
que dava sustentação ao governo militar.
Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães ― que chegou a ser
cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra o pedessista Paulo
Maluf, mas acabou sendo preterido
pela chapa “mista” formada com o PFL
de Sarney ― entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições
diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta
básica e dos transportes, entre outras benesses. Com esperança e ânimos redobrados,
os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista
para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos e a volta dos
militares às casernas. Mas o que deveria ser a festa da democracia se
transformou em luto nacional: Tancredo
foi internado na véspera da posse e faleceu em 21 de abril (num dos maiores
cortejos fúnebres já vistos no país, seu esquife foi acompanhado por mais de 2
milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho de São
João Del Rey, onde o corpo do político foi sepultado).
Depois de algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade
de o então presidente da Câmara dos Deputados (Ulysses Guimarães) assumir a presidência, prevaleceu o entendimento
de que José Sarney, vice na chapa de
Tancredo, deveria ser empossado. E
foi o que aconteceu, para o bem e para o mal, como veremos no próximo capítulo
desta retrospectiva. Abraços a todos e até lá.
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